O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2099

SESSÃO DE 27 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Seeretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de tres officios do ministerio do reino, acompanhando diversos documentos. - Segunda leitura e admissão de um projecto de lei do sr. Mendes da Silva. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. Alves Matheus, Silva Cordeiro, Consiglieri Pedroso e Frederico Arouca - Requerimento de interesse particular apresentado pelo sr. Ruivo Godinho.- Justificações de faltas dos srs. Izidro dos Reis, Castro Monteiro e Estrella Braga.- O sr. Alves Matheus, a proposito da representação; que mandou para a mesa, dos quarenta maiores contribuintes do concelho de Braga, faz algumas considerações sobre a crise agricola o sr. Silva Cordeiro, referindo-se á questão da pauta, expõe as suas opiniões em relação ao monopolio das moagens e á escala movel; pede, e a camara permitte, que seja publicada no Diario do governo a representação que mandou para a mesa. - Apresentam projectos de lei os srs. Frederico Arouca e José Maria dos Santos. - O sr. ministro da fazenda indica a hora em que póde ser recebia por Sua Magestade no dia immediato, qualquer deputação da camara. Apresenta um parecer da commissão de fazenda o sr. Antonio Villaça.
Na ordem do dia o sr. Matoso Santos, relator do projecto n.° 186 (reforma das pautas), concilie o seu discurso, que na via começado na sessão antecedente. - O sr. presidente nomeia a deputação que ha de apresentar a Sua Magestade alguns autographos das côrtes geraes. - O sr. Candido da Silva toma parte no debate sobre o projecto da pauta e occupa-se especialmente da crise agricola, ficando ainda com a palavra reservada para a sessão seguinte.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 61 srs. deputados. São os seguintes:- Antonio Castello Branco, Jalles, Simões dos Reis, Miranda Montenegro, Augusto Ribeiro, Bernardo Machado, Eduardo de Abreu, Eduardo. José Coelho, Feliciano Teixeira, Matoso Santos, Francisco dê Barros, Castro Monteiro, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Lucena e Faro, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Candido da Silva, Baima de Bastos, Scarnichia, Izidro dos Reis, Dias Gallas, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Correia Leal, Alves Matheus, Silva. Cordeiro, Joaquim Maria Leite, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Alves de Moura, Avellar Machado, Barbosa Collen, José Castello Branco, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Vasconcellos Gusmão, Ferreira Freire, Alpoim, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Moreira, Santos Reis, Abreu e Sousa, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Vieira Lisboa, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Dantas Baracho, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Mazziotti, Fontes Ganhado, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Santos Crespo, Lobo d'Avila, Elizeu Serpa, Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Pires Villar João Pina, Cardoso Valente, Franco de Castello, Branco Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Vieira de Castro Rodrigues dos Santos, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Ferreira Galvão, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, Barbosa de Magalhães, Lopo Vaz, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Prosado, Miguel Jantas, Pedro Monteiro, Tito de Carvalho e Vicente Monteiro.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Anselmo de Andrade Oliveira Pacheco, Gomes Neto, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Augusto Pimentel, Augusto Fuschini, Victor dos Santos, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Freitas Branco, Francisco Beirão, Francisco Matoso, Soares de Moura, Sant'Anna e Vasconcellos, Menezes Parreira, Alfredo Ribeiro, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Luiz José Dias, Manuel d'Assumpção, Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio do reino, remettendo uma representação do parocho da freguezia de S. João da Pesqueira, protestando contra á pretensão, da junta de parochia da mesma freguezia, para que seja cedida uma casa que lhe pertence para escola official.
A commissão de fazenda.

Do mesmo ministerio, remettendo o processo relativo á eleição de um deputado pelo circulo de Dilly.
A commissão de verificação do poderes.

Do mesmo ministerio, remettendo os documentos pedidos pelo sr. deputado Souto Rodrigues em sessão de 23 de abril ultimo.
A secretaria.

Segunda leitura

Projecto de lei

É auctorisado o governo a crear uma comarca judicial na cidade de Santo Antonio da ilha do Principe. = O deputado por S. Thomé e Principe, Alfredo Mendes da Silva.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de legislação civil, ouvida a do ultramar.

REPRESENTAÇÕES

Dos quarenta maiores contribuintes, prediaes do concelho de Braga, adherindo á representação da camara municipal do mesmo concelho, e em que se pede providencias para a crise cerealifera.
Apresentada pelo sr. deputado Alves Matheus, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

102

Página 2100

2100 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Da camara municipal do concelho de Celorico do Basto, pedindo a ultimação dos estudos do caminho de ferro de Chaves e a sua construcção.
Apresentado pelo sr. deputado Silva Cordeiro, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do governo.

De tecelões e operarios em artes correlativas, de Lisboa, pedindo:
1.° A creação de tribunaes arbitros-avindores;
2.° A creação de escolas profissionaes;
3.° O estabelecimento do dia normal de trabalho;
4.º A creação de lei de protecção ao trabalho dais mulheres e creanças.
Apresentada pelo sr. deputado Consiglieri Pedroso, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal de Alter do Chão; pedindo lhe seja permittido desviar do fundo de viação municipal á quantia dê 6:400$000 réis em seis annos successivos para obras de abastecimento de aguas e para as de aulas é habitações dos professores de ambos os sexos?
Apresentada pelo sr. deputado Frederico Arouca e enviada á commissão de administração publica.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De Francisco Antunes, segundo sargento da quarta companhia de reformados, pedindo que lhe seja extensiva a doutrina do artigo 5.°, § unico da lei de 23 de junho de 1880.
Apresentado pelo sr. deputado Ruivo Godinho e enviado á commissão de guerra.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Declaro que por motivo justificado não compareci sessões de 1 e 2 do corrente. = Izidro dos Beis.

Declaro que faltei ás sessões d'esta camara desde o dia 18 do corrente até hoje por motivo justificado. =F. de Castro Monteiro.

Declaro que faltei á sessão nocturna de hontem por motivo justificado. = O deputado por Lisboa, Victorianno Estrella Braga.

O sr. Alves Matheus: - Pedi a palavra com. O fim de mandar para a mesa uma representação dos quarenta maiores contribuintes do concelho de Braga; adherindo á representação enviada ao governo pela camara municipal do mesmo concelho, em 21 de fevereiro ultimo, e relativa á importante crise agricola.
Sr. presidente, a representação que tenho a honra de apresentar recommenda-se pelo elevado criterio com que expõe o assumpto e tambem pela elevada linguagem em que está escripta. Versa sobre dois pontos.
O primeiro trata da industria da engorda e exportação dos nossos gados.
Ainda ha poucos annos esta industria era a mais valiosa auxiliar da nossa agricultura e um dos mais importantes recursos do lavrador.
Calcula-se a media do rendimento annual, que esta industria produzia, em 2.000:000$000 réis. Era uma Fonte de riqueza para o paiz. Hoje não dá talvez a quinta parte d'este rendimento. Se esta industria não está morta, está moribunda. É um mal gravissimo.
Têem se allegação varias causas para explicar a consideravel e quasi repentina diminuição na exportação dos nossos gados.
Menciona-se entre ellas a concorrencia dos gados vindos da America em condições de preço muito favoraveis.
Esta causa, sr. presidente, não é inexacta, mas não é porventura a principal.
Alguns commerciantes exportadores de gado vaccum, commetteram a grande imprudencia de mandarem para Inglaterra carregações de gado que estava atacado de febre aphtosa.
Julgou-se primeiro, que está molestia só se tinha manifestado, estando já o gado desembarcado. Repetindo-se o facto, procedeu o governo inglez a averiguações para verificar-se o gado já estava atacado da moléstia quando saíu de Portugal; descobriu-se que á febre aphtosa, que é contagiosa, havia apparecido em muitos marinheiros dos navios que conduziam gado para Inglaterra. Novas investigações e pesquizas provavam com evidencia que o gado estava já doente quando era embarcado no Porto.
O governo adoptou então uma providencia severa, que ninguem póde censurar-lhe; prohibiu a passagem do gado portuguez para o interior do paiz. A gente hebraica, que é muito numerosa em Inglaterra, e que dava desde muito tempo a preferencia á carne dos nossos gados e que d'ella era n'aquelle paiz a principal consumidora, deixou de a consumir; e começou a fornecer-se da America. Foi, não só uma grave imprudencia, senão tambem uma fraude intoleravel o procedimento dos nossos commerciantes e exportadores. Como tive sempre a coragem das minhas opiniões e prezo acima de tudo os interesses do paiz tão brutalmente Sacrificados pela cubica infrene, não hesito nem trepido em classificar de fraude mercantil á remessa para Inglaterra de animaes atacados já em Portugal de molestias contagiosas. Mais uma vez como succedeu com a exportação vinicola, a ambição sedenta de lucros, sem entranhas é sem consciencia, concorreu para ser sacrificada a industria da engorda e exportação de gado de que os nossos lavradores colhiam copiosos e importantissimos recursos.
O segundo, ponto á que a representação sê refere, é a concorrencia dos cereaes da America que tem feito baixar o preço dos nossos productos nacionaes similares, e que está prejudicando gravemente as forças mais vitaes do paiz, contribuindo tambem para a depreciação da propriedade e do credito.
Sr. presidente, não tenho propriedades no concelho de Braga; tenho a honra de representar aquelle circulo e conheço de perto as dificuldades é os embaraços com que lucta ali á agricultura.
Nos ultimos dois anhos os proprietarios não têem obtido para os seus productos, e especialmente para o milho, que é o cereal de quasi exclusiva producção no Minho, um preço compensador ao menos das despezas do grangeio.
A crise agricola, intensa em todo o paiz, tomou no Minho proporções muito graves e de molde a causar grandes prejuizos, esmorecendo o commercio e as industrias e lançando no animo do proprietario o desalento é a tristeza.
Anteriormente a 1884 regulava em Braga O alqueire de milho ao preço de 450 a 500 réis. Depois das ultimas colheitas desceu a 320 e 340 réis. A differença entre os ultimos é antigos preços dava ao lavrador para as despezas da cultura e d'essa differença colhiam ainda os mais abastados alguma cousa para pagamento de contribuições. Os ultimos preços, tão desgraçados são, que não cobrem as despezas de producção é representarão apenas um rendimento de 1 1/2 por cento.
Pedem os signatarios da representação que sejam elevados os direitos protectores da nossa agricultura cerealifera, e confiam que com essa elevação será melhorada a sua situação. Ainda hontem tratei com alguma largueza d'este mesmo assumpto, achando-se a minha opinião em inteiro accordo com as idéas consignadas na referida representação. As ponderações feitas n'este documento são judiciosas, são justas, são a nitida e fidelissima expressão da verdade, e como taes as adopto e perfilho. Peço a v. exa. que se di-

Página 2101

SESSÃO DE 27 DE JULHO DE 1887 2101

gne enviar a representação á illustre commissão de fazenda, visto estar pendente a discussão da reforma da pauta e pedir-se na mesma representação augmento de direitos aduaneiros sobre os cereaes estrangeiros. Deveria a representação ir tambem á commissão de agricultura, mas infelizmente, estando o paiz a braços com uma crise agricola, que póde ter, se não conjurada as consequencias mais graves, essa commissão, a que tenho a honra de pertencer nem foi ouvida como devia sel-o sobre a reforma da pauta das alfandegas, (apoiados) nem sequer chegou a constituir-se.
A uma questão tão grave como a do augmento de direitos sobre os cereaes estrangeiros era não só conveniente mas necessario, que a commissão de fazenda pedisse parecer a de agricultura. (Apoiados.)
Como a discussão da pauta está ainda na téla, entendo que para se não perder tempo, deve a representação ser enviada á commissão de fazenda para a tomar na consideração que merece. Peço tambem a. v. exa. que consulte a camara sobre se consente que a representação seja publicada no Diario do governo. Parece-me muito justo este meu pedido, porque como affirmei ha pouco, está ella redigida, com grande elevação, não só nas idéas, mas tambem na fórma.
Consultada a camara foi auctorisada a publicação.
O sr. Silva Cordeiro: - Apresentou uma representação da camara municipal de Celorico de Basto, pedindo protecção para a agricultura e a construcção da rede ferroviaria das margens do Tamega.
Aproveitava a occasião para repellir algumas apreciações que a imprensa tinha feito com relação ao seu procedimento.
Considerava a questão da pauta como uma questão aberta, e n'uma questão aberta podia um deputado governamental inscrever-se contra o projecto, sem por isso se podei dizer que deixou de pertencer á sua aggremiação politica.
Não se podia admittir que em questões abertas os deputados ministeriaes fossem apenas o echo das palavras do governo.
Prestando homenagem ao sr. Alves Matheus, pelo seu discurso da sessão nocturna anterior, disse que apoiára com enthusiasmo as phrases de s. exa., verberando o monopolio das moagens.
Tal monopolio era preciso que desapparecesse.
Se lhe chegasse a palavra na discussão do projecto da pauta, proporia um supplemento á proposta do sr. Alves Matheus.
S. exa. propozera que o direito do trigo fosse elevado a 20 réis por kilo, e elle, orador, proporia que o direito das farinhas fosse elevado a 24 réis.
Julgava preciso este direito differencial.
Revoltara-se o sr. Franco Castello Branco contra a escala movel, dizendo que ella era perigosa para o caracter pessoal dos srs. ministros.
O caracter pessoal dos srs. ministros estava acima de qualquer suspeita e tinha sido sempre respeitado.
Não bastava, porém, que os homens publicos fossem honrados e dignos, era preciso que o parecessem, e por isso as auctorisações concedidas ao governo deviam ser acompanhadas de todas as restricções possiveis para se salvaguardar o caracter pessoal dos ministros.
O orador fez algumas considerações para mostrar que a escala movel era inefficaz e estava condemnada pela historia, pela rasão e pelos factos.
Por isso a rejeitava;
Na questão dos trigos não fazia profissão de fé, nem de livre-cambista nem de proteccionista. Ambas as escolas tinham inconvenientes, e os sectarios de cada uma d'ellas esqueciam-se de applicar ás suas theorias o correctivo da pratica.
Tinha-se dito muitas vezes que faltava a instrucção profissional, que faltavam experiencias agricolas, que faltavam os mechanismos de exploração e arroteamento, e que por isso a agricultura padecia.
Na sua opinião, o remedio não estava tanto em se supprir esta falta, como nas instituições que favorecessem as associações agricolas, no barateamento dos capitães nacionaes, e em todas as medidas a que se referirá o sr. Alves Matheus.
Esperava que o governo progressista, que já se orgulhava de ter tomado algumas medidas a favor da agricultura, procurasse tomar ainda outras providencias que julgava indispensaveis.
Pediu a publicação da representação no Diario ao governo.
Foi auctorisada a publicação.
(O discurso será publicado na integra se é orador o restituir.)
O sr. Augusto Ribeiro: - Mando para a mesa o diploma do sr. D. Pedro de Lencastre, deputado eleito por Timor.
Á commissão de poderes.
O sr. Frederico Arouca: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Alter do Chão, pedindo auctorisação para desviar do cofre de viação a quantia de 400$000 réis, a fim de concluir as obras de abastecimento de aguas em Cabeço de Vide; e a quantia de 6:000$000 réis, em seis annos successivos, para a construcção de um edificio para as aulas e casas de habitação dos professores de ambos os sexos em Alter do Chão.
Mando ao mesmo tempo para a mesa um projecto de lei assignado tambem pelos srs. Laranjo, D. Fernando Coutinho e Henrique de Sá Nogueira, satisfazendo ao pedido d'aquella camara.
Ficou para Segunda leitura.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Mando para a mesa uma representação dirigida-a esta camara pelos operarios tecelões e artes correlativas, residentes em Lisboa, pedindo que sejam creados tribunaes arbitros-avindores em todos os concelhos do paiz; que sejam tambem creadas escolas profissionaes em todos os centros manufactureiros; que seja estabelecido o dia normal de trabalho de nove horas e que finalmente se façam leis de protecção ao trabalho das mulheres e creanças e de responsabilidade dos patrões nas suas obras ou officinas.
Este assumpto tem sido largamente, debatido, e eu mesmo tenho aqui apresentado alguns projectos de lei no sentido d'esta representação; dispenso-me, por isso, de fazer agora novas considerações, e limito-me a pedir a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se permitte que a representação seja impressa na folha official.
Assim se resolveu.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Participo a v. exa. que Sua Magestade El-Rei recebe ámanhã, pelas duas horas da tarde, qualquer deputação da camara que tenha de lhe apresentar algum authographo das côrtes geraes.
O sr. Presidente: - A mesa fica inteirada é logo nomearei a deputação.
O sr. José Maria dos Santos: - Mando para a mesa um projecto de lei, auctorisando a camara municipal do concelho de Aldeia Gallega do Ribatejo a desviar do cofre de viação á quantia de 1:228$180 réis, para ser applicado ao pagamento da obra da ponte dos vapores e á expropriação de uma casa terrea situada na travessa de Santo Antonio, d'aquella villa.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Ruivo Godinho: - Mando para a mesa um requerimento de Francisco Antunes, segundo sargento reformado, pedindo que lhe seja paga uma quantia a que se julga com direito.
Teve o destino indicado no respectivo extracto a pag. 2100.
O sr. Eduardo Villaça: - Mando para a mesa o pa-

Página 2102

2102 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

recer da commissão de fazenda, concordando com o da commissão de marinha, sobre o projecto de lei n.° 175, que considera para todos os effeitos como tempo de serviço effectivo o que os capellães da armada, João Albino de Aguiar e Antonio José Esteves prestaram como extraordinarios e addidos ao respectivo quadro, é o que o capellão Joaquim Antonio de Sant'Anna prestou no exercito até á sua passagem para a armada.
A imprimir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 186 (reforma da pauta)

O sr. Matoso Santos (relator): - Continuou no uso da palavra que lhe ficára reservada da sessão antecedente, e concluiu o seu discurso em defeza do projecto.
(O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente: -A deputação que ámanhã, ás duas horas da tarde, ha de ir ao paço da Ajuda apresentar a Sua Magestade El-Rei alguns autographos das côrtes geraes, é composta dos srs. Augusto Ribeiro, Jacinto Candido, Correia Leal, D. Fernando Coutinho, Manuel J. Correia, Pedro Monteiro e Santiago Gouveia.
O sr. Jacinto Candido: - Mando para a mesa as minhas propostas ao projecto que se discute. São as seguintes:
«Proponho que os alcalis estrangeiros importados paguem de imposto 20 réis por kilogramma.
«Proponho que no artigo 248.°, onde se lê - papel de escrever-se leia - papel de escrever e cartão cortado. = Jacinto Candido.
«Proponho que se estabeleça um direito fixo de importação de 20 réis sobre o trigo, e 24 réis sobre a farinha, em cada kilogramma.
«Proponho que o governo ordene desde já os convenientes estudos para a montagem de uma fabrica de moagem, adequada, ás qualidades do trigo nacional, a fim de se achar habilitado a apresentar na proxima sessão legislativa o respectivo projecto de lei para a sua construcção.
«Proponho, que, da mesma fórma, o governo, de accordo com as camaras municipaes, proceda aos necessarios estudos com a maior urgencia, a fim de se achar habilitado tambem para na proxima sessão legislativa apresentar ao parlamento um projecto de lei, tendente ao estabelecimento das padarias municipaes.
«Proponho que se eleve o direito de importação sobre o alcool estrangeiro, a 1$200 réis por decalitro, como direito fixo, e que ao governo seja concedida a auctorisação necessaria para poder extraordinariamente elevar este direito era tanto quanto mister, seja, por fórma que se defenda efficazmente a producção, do alcool nacional contra a nefasta concorrencia do estrangeiro. = O deputado pelo circulo 99, Jacinto Candido.
«Proposta addicional á n.° 4:
« Proponho que alem do direito fixo e definitivo de 1$200 réis por decalitro de alcool estrangeiro, e da auctorisação ao governo de que falla a proposta n.° 4, mais se estabeleça desde já, como direito extraordinario, o de 300 réis por decalitro de alcool tambem, vigorando até ao 1.° de outubro futuro, ou até ainda quando for prorogado o praso da exportação concedido pelo governo allemão, se prorogação houver. - O deputado pelo circulo n.º 99, Jacinto Candido.»
Sr. presidente. Vou cuidar na discussão d'este projecto, de dois assumptos: a defeza para a industria fabril do alcool, e a protecção para a industria, agricola dos cereaes.
Estes dois pontos constituem dois problemas de interesse geral para o paiz, e tambem de particular conveniencia para o circulo que tenho a honra de representar n'esta casa.
Não podia, pois, deixar passar estas questões sem que emittisse a minha opinião de uma maneira desafogada, do mesmo modo por que tem sido feito pelos oradores que me precederam n'este debate.
E não posso deixar sem reparo o facto, que applaudo, de terem n'estas questões, tão momentosas para o paiz, tanto os oradores da maioria, como os da opposição, posto de parte orientações partidarias, e adoptarem, como criterio unico do seu estudo, as altas conveniencias da nação. Nem obscureceu o espirito dos oradores ministeriaes a chamada disciplina partidaria, nem impulsionou ao combate os deputados opposicionistas o intuito menos patriotico de crearem obstaculos ao governo na solução da crise que á todos opprime.
As opiniões que foram emittidas foram tão sinceras, tão leaes e convictas que de maneira alguma, podiam ser acoimadas de se inspirarem em intuitos partidarios, ou de nascerem de facciosismos politicos; tiveram como ponto de partida convicções profundas e o estudo, consciencioso da materia.
Felizmente a questão foi collocada n'este terreno, e n'este, e não n'outro, me cumpre cuidar d'ella.
E ainda bem que assim é, porque entendo que problemas d'esta ordem não podem ser vistos, nem apreciados sob outro ponto de vista, que não seja o bem geral do paiz, e outro criterio não tomaria eu para, o meu estudo, muito embora tivesse sido adoptado pelos meus illustres collegas, que anteriormente tomaram parte n'esta discussão.
Quando se tratam assumptos d'estes, de tão graves consequencias para o paiz, para a sua riqueza, para a sua vitalidade, julgo imperioso dever por ponto nas questões partidarias, e com a maior lealdade, e o mais completo auxilio mutuo, congraçarem-se os partidos, ensarilharem as armas, e collaborarem energicamente na conjuração da crise, que a todos justamente preoccupa.
A questão da protecção á cultura dos nossos cereaes, certamente a mais importante, das que me propuz tratar, foi já aqui discutida tão proficientemente, por tantos e tão competentes oradores, e todos, ou quasi todos de accordo nos seus principaes elementos, que, realmente, eu ver-me-ía profundamente embaraçado ao ir cuidar agora d'ella, se não tivesse a convicção de que, em tal materia, nunca se dirá de mais, e que, embora se repitam argumentos, e se reproduzam considerações, ha, ainda n'isto, vantagem para a discussão.
Não assisti á sessão de hontem á noite por incommodo de saude, é senti realmente ficar assim privado de ouvir os dois distinctos oradores, os srs. Alves Matheus e Teixeira de Vasconcellos, aos quaes couberam as honras da noite.
S. exas., apesar de não militarem no mesmo campo politico, estiveram de accordo, e deram-se as, mãos n'este assumpto, discutindo-o e tratando-o com aquella illustração, e com aquelle criterio, superior, que são distinctivo da sua provada competencia, e de seus espiritos alevantados.
Não sei qual o rumo que deram aos seus discursos, nem qual o ponto de vista em que se collocaram, nem as bases em que architectaram a sua argumentação.
Sei só que as conclusões, a que chegaram, foram pouco mais ou menos iguaes, e as mesmas tambem a que eu cheguei, as quaes se traduzem nas propostas que tive .ª honra de mandar para a mesa.
E devo declarar a v. exa., e á camara, sr. presidente, que n'esta, como em todas as questões sociaes, que tenho estudado, o fundamento dos meus raciocinios são os factos e as suas relações.
Não me arrojo para o campo das theorias e da imaginação; mas concentro a minha attenção nos resultados, a que chego pela observação dos phenomenos. E quando os phenomenos não offerecem duvidas; quando não ha difficuldades na sua observação; quando não ha até sombra de contestação sobre elles a questão, seja qual for, ainda a mais complexa, como esta é, torna-se muito mais facil, e a sua so-

Página 2103

SESSÃO DE 27 DE JULHO DE 1887 2103

lução apparece, com nitidez e clareza. Ninguem duvida, julgo eu de que esta é uma verdade, reconhecida por todos quantos se entregam ao estudo dos problemas de sociologia.
E aqui, sr. presidente, não se cuida já não se trata de investigação, de factos, e de averiguações. Os factos, existem, estão apurados, estão assentes, a questão é de apreciação, é do estudo das suas relações. Governo maioria, commissão de fazenda, e minoria, estamos, n'esta casa todos de accordo, quanto á existencia dos principaes phenomenos, que ha a considerar, para á solução do problema.
São elles primeiramente, a existencia da crise agricola, affectando principalmente a cultura dos cereaes, por falta de preços remuneradores nos mercados, em segundo logar, e como antecedente, logico ou causa d'aquelle, a excessiva absorpção de lucros que auferem, os intermediarios industriaes farinadores espadeiros, que compram o trigo por preços infimos, entregando depois a farinha e o pão ao consumo por preços relativamente, exagerados. Ha ainda outro facto digno de mencionar-se, qual é o de não serem os processos usados na moagem adequados as nossas especies de trigos, e sim as qualidades que o estrangeiro nos manda por fórma que não só nos faltam preços remuneradores, mas até nos vae faltando o consumo por qualquer preço.
Reduzi á maior simplicidade os factos, empara não fatigar a attenção da camara com repetições fastidiosas, supprimi a demonstração d'aquelles que são complexos, porque tudo quanto poderia dizer já foi dito e demonstrado.
Chamei aos farinadores e padeiros intermediarios industriaes, porque realmente elles não são simples intermediarios economicos, não têem a funcção economica do intermediario qua tal, porque essa seria apenas a do que transportasse o genero do logar da producção para o mercado do consumo, sem o transformar; e tanto o farinador, como o padeiro, transformam, alteram a natureza da mercadoria, o primeiro reduzindo-a a farinha, e o segundo, convertendo esta em pão.
E é importante esta distincção, porque o intermediario, no sentido economico da palavra, que a final é o negociante, está em situação muito diversa do intermediario, industrial porque a simplicidade, da sua funcção economica, que é o mero transporte, póde ser, e está de facto sendo já até, accumulada pelo proprio productor; se o negociante não paga compensadora se remuneradoramente o genero, o lavrador leva-o, ou manda-o directamente ao mercado e aufere dois lucros, o seu e o que deveria auferir o negociante.
Não póde já fazer o mesmo a respeito dos intermediarios industriaes, isto é, os farinadores e padeiros. A complexidade das funcções d'estes, que constituem cada uma e per si sua industria, oppõe-se á accumulação, ou pelo menos tanto a difficulta, que o mesmo vale um formal impedimento. Logo mais minuciosamente desenvolverei, este ponto em resposta a uma idéa aqui apresentada pelo meu illustre amigo, o digno relator d'este parecer.
Tanto o farinador como o padeiro são rigorosamente, consumidores, e osconsumidores unicos, do producto trigo. Elle é a materia prima das suas industrias, e só depois de ter sido por ellas transformado em pão, isto é, n'uma nova substancia, é que é entregue então ao consumo geral. Ora aqui, precisamente n'este ponto, é que está a pedra angular sobre que assenta a questão. É nos lucros fabulosos, que embolsam estes intermediarios que está, para todos, a causa do mal que tanto amigo a agricultura nacional.
E não disserto sobre esta affirmação, porque ella é reconhecida gealmente, ninguem a contesta, e até a confessa, como verdadeira o digno relator, no seu bem elaborado parecer sobre este projecto.
Poderá, todavia, justificar-se, admittir-se, ou sequer desculpar-se, a intervenção dos poderes publicos em phenomenos economicos d'esta natureza? Na lucta travada entre a agricultura nacional e as industrias, tambem nacionaes da moagem e da padaria será licito ao estado, intervir e regularisar á distribuição dos beneficios, cerceando-os a uns em proveito de outros?
Tal é a questão previa, de direito publico que se levanta.
Eu sou de opinião que o estado deve intervir; não é uma faculdade que possue, é um dever imperioso que tem a cumprir.
Deixemos as, hoje já sem rasão de ser velhas doutrinas jacobinas de exagerado e radical individualismo. A moderna orientação scientifica leva-nos para outro caminho menos revolucionario e mais positivo.
A perfeição humana hão é tal que dispense a benefica acção do estado.
A collectividade carece de garantir-se contra os exageros das individualidades. Entre o collectivismo e o individualismo convem não ser radical, e seguir um justo meio térmo, e esse, no caso presente, não só permitte, mas cabalmente legitima a intervenção dos poderes publicos.
Creio que ninguem, n'este camara seguirá. opinião confraria pelo menos, por nenhum dos oradores que me precederam ouvi combater n'esse sentido, e ainda, mesmo o illustre deputado o sr. Fuschini, que foi o unico que pediu a neutralidade do estado n'este assumpto, bem manifestamente confessou ser partidario, das attribuições socialistas do estado.
E quem ha, ou póde haver realmente, que, em face das conquistas ultimamente realisadas em sciencia social, se não convença das elevadas funcções que é chamado a desempenhar na vida das sociedades essa entidade chamada estado, ou o conjuncto de todos os poderes centraes do um paiz?
Se é certo que não são tão largas essas attribuições que possam ir até atrophiar, ou sequer empecer o justo desenvolvimento do individualismo, e se é necessario que se acatem e respeitem os direitos individuaes e as suas legitimas manifestações, não menos certo é que nas graves crises, nas occasiões angustiosas, em que corre, perigo de annullar-se, ou, pelo menos, seriamente comprometter-se o futuro economico e a riqueza, publica da nação é indispensavel a interferencia d'essa força central do organismo, eclectico representante dos interesses geraes, a fim, de garantir o bem commum, defendendo-o das aggressões violentas e dos ataques abusivos.
E penso que ninguem, ousará contestar, repito ainda não, direi este direito, mas imperiosa obrigação, de restabelecer a publica, harmonia e restituir as cousas aos seus devidos termos. (Apoiados.)
Estabelecido, pois, este principio do dever da intervenção do estado na actual crise agricola do paiz, e por tal fórma resolvida a questão prévia, que levantei, resta saber o modus faciendi.
Como, ha de, pois, o estado intervir na solução do problema?
De que fórma?
O meu illustre amigo, e digno relator d'este projecto, o sr. Matoso dos Santos, entre diversos alvitres (sem que se pronunciasse contra o legitimo direito e justa attribuição do estado intervir na solução da crise) tendentes a combater o monopolio das moagens, causa principal do mal da agricultura, lembrou um de que tomei nota, assim como de tudo quanto s. exa. disse, porque lhe, prestei a maxima attenção e tentei não perder, nunca nem uma só das palavras talentosas e cheias de erudição com que s. exa. tem mimoseado a camara e illustrado este debate. (Apoiados.)
Foi esse alvitre o seguinte, e exponho-o até pela mesma fórma elegante de que s. exa. se serviu, e que tenho presente na memoria: «Assim como ao lado do olival existe o lagar e ao pé da vinha a adega, porque não ha de existir o moinho, ao pé da eira?» Ou, o que equivale: assim

Página 2104

2104 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

como o lavrador das suas azeitonas fabrica o azeite, e das suas uvas o vinho, porque não ha de tambem reduzir o seu trigo a farinha?
Pois não seria possivel accumular o lavrador a dupla funcção de cultivador e de moleiro, e dispensar este intermediario industrial, que o explora, que o fere nos seus interesses e que abusa da sua posição de monopolista, que conseguiu adquirir?
Não seria este o meio facil, energico e efficaz de combater vantajosamente esse monopolio particular dos farinadores, que, por não existir legalmente constituido, nem por isso deixa de ser um facto de terriveis consequencias?
Tal a idéa apresentada por s. exa. Como se vê, pretende resolver a crise, independentemente da intervenção do estado.
Mas, sr. presidente, o que logo ao espirito surge, ao ouvir tal alvitre, é que o lavrador não devia sómente estabelecer o moinho ao pé da eira, mas tambem o forno ao pé do moinho, e por isso, alem das suas proprias e das do moleiro, assumir ainda as funcções de padeiro. (Apoiados.)
Só assim supprimiria os intermediarios industriaes, que são dois; e, para ser consequente, admittida a primeira accumulação, não póde, em boa logica, rejeitar-se a segunda.
Mas o meu illustre amigo, e digno relator, não póde realmente admittir, nem uma, nem outra. S. exa. é um espirito superior, com uma educação scientifica perfeita, e com um criterio disciplinado, como os que o são, pelo estudo, assiduo e profundo das sciencias mathematicas, physicas e biologicas. S. exa. sabe fazer uma correcta applicação dos processos d'essas sciencias á phenomenologia social, e por isso vae pôr-se de accordo commigo, e repellir a sua propria idéa, que, embora revestisse uma fórma litteraria attrahente, é certo não satisfaz ao rigor das condições impostas pelo methodo seientifico, antes as contraria.
Na escala biologica observa-se, desde o mais simples até ao mais complexo animal, um progresso crescente e gradual. E este progresso accentua-se, define-se, e caracterisa-se por uma successiva separação de orgãos e especialisação de funcções.
Nos seres mais rudimentares as funcções accumulam-se no mesmo orgão, e á medida que se ascende na escala vê-se, e nota-se como as mais importantes se vão destacando, e tendo orgãos proprios; e, continuando nas especies superiores, vêem-se ainda subdivisões successivas, e os organismos cada vez mais perfeitos, o que quer dizer cada vez mais complexos, isto é, com tantos orgãos ou apparelhos proprios, quantas as funcções que têem de desempenhar.
Este é um facto, que s. exa., muito melhor do que eu, conhece, e na exposição do qual poderia com certeza, ter a fórma analytica e vigorosa que me falta, porque apenas syntheticamente o formulei.
(Interrupção do sr. Matoso dos Santos, que não se percebeu.)
O illustre deputado sabe perfeitamente, e eu, não obstante a limitação de meus conhecimentos, tambem não ignoro, que para o progresso e perfeição dos organismos vivos ha necessidade de especialisar funcções e destacar orgãos.
Ora precisamente em sociologia observa-se a mesma lei, dá-se o mesmo facto. Comparadas as sociedades ainda em começo, n'um estado rudimentar de civilisação, com aquellas, que attingiram já um grau importante de progresso, vê-se que nas primeiras existe uma grande concentração de funcções, ao passo que nas segundas se nota a especialisação, e cada uma com seu orgão proprio.
E isto dá-se em todas as ordens dos phenomenos sociaes, nos politicos, nos religiosos, nos económicos, e d'estes, em particular até, nos industriaes, como applicação d'essa lei da divisão do trabalho, uma das mais incontestadas e incontestaveis, que tem conquistado a sciencia social.
Fazendo agora applicação d'estes principios geraes á nossa hypothese, vemos que a producção do trigo é uma funcção, outra é o fabrico da farinha, o diversa ainda a manipulação do pão.
A estas tres funcções correspondem na industria tres organismos destacados, proprios, autonomos. Esta é a manifestação do progresso, é a consequencia do estado de civilisação. Querer, porém, agora, consubstanciar, reunir, fundir n'um só orgão, estas tres funcções, seria querer retrogradar, seria, na verdade, querer um impossivel até, porque seria querer contrariar a lei natural do desenvolvimento das sociedades.
O sr. Mattoso dos Santos: - Apoiado.
O Orador: - Agradeço a s. exa. o seu apoiado a bem da minha causa. Elle significa que s. exa. está de accordo commigo na lei geral, que acabo de formular, e por isso, e porque s. exa. é um espirito perfeitamente logico, tenho a convicção de que tambem estamos de accordo na sua applicação á hypothese, que estamos discutindo.
Tenho mais a convicção de que s. exa. está de pleno accordo com a minha idéa de resolver a crise, idéa, que traduzi nas propostas, que tive a honra de mandar para a mesa. A solução é unia, não póde haver, ao mesmo tempo, meios melhores e peiores.
O sr. Mattoso dos Santos: - Melhores, sim.
O Orador: - Ora, sr. presidente, rejeitada esta hypothese de solução para a crise, apresentada por este illustre deputado, resta ainda uma outra, tambem aqui proposta, e que, quando fosse aeceitavel, dispensaria a intervenção do estado tambem; foi ella a da concorrencia particular estabelecida ás fabricas de moagem.
Mas como admittir, sr. presidente, a possibilidade da concorrencia particular n'um caso como este?
Como admittir que os capitães nacionaes, naturalmente timidos e receiosos, se vão abalançar a uma empreza, como esta, que é uma verdadeira aventura perigosa?
Como estimulal-os para uma lucta, que ha de ser vigorosa e tremenda, com as fabricas actuaes, senhoras do mercado, dispondo de fortes capitães, ricas de experiencia, fortemente unidas, cheias de recursos, e completamente dominadoras da situação?
Em taes condições, que são as realmente existentes, será possivel á iniciativa particular arrojar-se a tamanha empreza?
E quando se arrojasse mesmo, não seria licito suppor desde já que na lucta a victoria pertenceria á colligação monopolista das fabricas actuaes?
Eu rejeito esta hypothese, da concorrencia particular, tanto mais quanto é certo que até hoje a experiencia nos está dizendo que, não obstante serem enormes os lucros, que resultam d'essa industria, nunca ninguem se lembrou d'isso.
Póde-se pois admittir, d'aqui para o futuro, que a concorrencia appareça, e tire vantagem?
Impossivel.
Mas de mais a mais quem nos garante tal acontecimento?
E esta incerteza, e a simples possibilidade de um facto (quando fosse mesmo admittida), seria porventura uma solução da crise?
A um mal certo, positivo, actual, poderia, porventura, oppor-se apenas uma possibilidade, uma hypothese, com todas as duvidas, e com todas as incertezas?
Da mesma fórma rejeito ainda, sr. presidente, a idéa, tambem aqui apresentada, de combater o mal, dispensando a intervenção do estado, pela reunião dos agricultores e lavradores, formando uma liga ou, associação, para inutilisar o monopolio dos farinadores, estabelecendo-lhes concorrencia.
Reconheço que, infelizmente, entre os nossos agriculto-

Página 2105

SESSÃO DE 27 DE JULHO DE 1887 2105

res, não existe o espirito de associação necessario, para que a empreza se levasse a cabo.
Este espirito de associação não se cria de um momento para o outro; e porque elle não existe nas condições precisas, para poder ter realisação uma tal empreza, nem por isso o estado deve pôr-se inteira e completamente de parte, e deixar de intervir com a sua acção benéfica, em favor d'essa classe. (Apoiados.)
Alem de que, sr. presidente, este alvitre, por ultimo, reduz-se aos dois, que já deixo apreciados. Ou póde considerar-se uma accumulação de funcções ou uma concorrencia particular. Em qualquer dos- casos, contra elle procedem as rasões, que já expendi.
Por isso me não demoro mais em escusadas apreciações.
Finalmente, sr. presidente, contra a intervenção do estado na solução da crise, outra ordem de considerações se levantaram ainda. Sem que impugnasse, sob o ponto de vista geral, a faculdade, a attribuição socialista do estado intervir na resolução dos problemas sociaes e económicos, como este, o meu illustre collega, o sr. Fuschini, não me pareceu que sympathisasse com a intervenção na crise agricola que ora nos occupa, e, pelo contrario, combateu-a com a sua habitual energia, mas com argumentos que realmente me parecem carentes de todo o fundamento, e emanados de uma erronea e falsa concepção.
Affirmou s. exa. á camara que a crise actual não era uma crise agricola geral, que affectasse toda a agricultura portugueza; mas sim muito parcial e circumscripta a cultura dos cereaes; e avançou mais a proposição de que esta crise não representava uma decadencia, um empobrecimento no desenvolvimento economico, e na prosperidade da nação; que apenas, e simplesmente, se traduzia n'uma deslocação de capitães de uma para outra classe social; e que, por consequencia, apenas significava que uma classe empobrecia e outra augmentava a sua riqueza; mas persistindo sempre a mesma a riqueza publica do paiz, que era o que devia considerar-se, e o que sómente ao estado devia interessar. Conservada a riqueza nacional, que importava, ou devia importar aos poderes publicos a maneira por que se achava distribuida? Não soffrendo as forças vivas do paiz depauperamento algum, para que cuidar de assumptos, que eram de mero interesse particular? Que importava á nação que fossem os lavradores, ou os farinadores, ou os padeiros os que ficassem ricos ou pobres? Que tinha o estado com isto, com esta lucta de classes?
A neutralidade era, e devia ser, a sua attitude. Não podia, nem devia, manifestar preferencias.
Tal foi, sr. presidente, a argumentação do sr. Fuschini, quanto a este ponto do seu brilhantissimo discurso, e n'uma forma synthetica consubstanciada.
Mas, sr. presidente, sinceramente julgo profundamente erronea tal doutrina, e falsos taes principios.
A crise que se dá actualmente na agricultura do paiz, e que a todos nós tão grave e profundamente preoccupa, não representa apenas, nem significa uma simples deslocação de capitães de uma para outra classe, dentro do proprio paiz. Aqui é que está o erro.
A crise representa uma deslocação de capitães de dentro para fóra do paiz.
Esta é a triste verdade. Não se trata do bem estar e do interesse particular de uma classe social, trata-se da riqueza publica e do futuro economico da nação.
Os nossos capitães vão fugindo para o estrangeiro em troca dos cereaes, que de lá importâmos com um augmento progressivamente assustador. Quem se levanta sobre as ruinas dá nossa agricultura, que definha, não são novas industrias nacionaes; é a industria estrangeira, que mesmo dentro das nossas fronteiras, e mercê de falta de uma defeza suficiente, nos combate, e nos leva de vencida.
A questão é esta, e não outra. Não é uma lucta de classes; é uma lucta de nações.
São as industrias estrangeiras em concorrencia com a industria nacional. E em tal caso é que não póde, nem deve ficar indifferente e neutral o estado. Ha de defender-se a industria nacional contra a lucta que lhe promovem as estrangeiras, muito embora se vão ferir interesses á sombra d'essa concorrencia creados. Esses é que são interesses particulares. Esses é que não affectam o bem geral do paiz. E taes são, no caso presente, os dos farinadores e padeiros.
Os farinadores querem materia prima para a sua industria, e querem-na o mais barata possivel. Estão no seu direito, e por isso deixam de lado o trigo nacional, e compram o estrangeiro.
Os farinadores não querem modificar, ou não sabem fazel-o, os seus processos de moagem, em ordem a adaptal-a ás qualidades do nosso trigo, e só cuidam de moerem convenientemente os trigos estrangeiros. Estão ainda no seu direito tambem. Mas o estado é que está no seu direito, por sua vez, de proteger a agricultura nacional, contra esta offensiva alliança dos moleiros com a industria estrangeira.
Sr. presidente, ouço dizer que deu a hora, e portanto, embora eu sinta ter de roubar o tempo a outros oradores mais competentes, que podiam illustrar este debate muito melhor do que eu (Não apoiados.), em todo o caso, a circumstancia em que me encontro obriga-me a demorar por mais tempo a attenção da camara, e por isso peço a v. exa. que se digne reservar-me a palavra para a sessão seguinte.
Vozes: - Muito, bem, muito bem.
O orador foi cumprimentado.
O sr. Presidente: - Hoje ha sessão nocturna. A ordem da noite é, na primeira parte, a continuação da discussão do projecto de lei n.° 146 (praças de guerra), e na segunda parte a continuação da discussão do projecto das pautas, continuando com a palavra o sr. Jacinto Candido.
Está encerrada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

Página 2106

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×