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Discurso que devia lêr-se a pag. 125, col. 2.ª lin. 59, da sessão n.º 8 d'este vol.

O sr. Rebello da Silva: — Não me admira a opinião que acaba de emittir o sr. ministro do reino, porque s. ex.ª não é obrigado a conhecer todas as particularidades da administração a que preside: se s. ex.ª as conhecesse, e tivesse tido a bondade de condescender com a commissão, comparecendo nas suas reuniões, parece-me que outra havia de ser a opinião de s. ex.ª

Este negocio não é de pessoas, disse muito bem o sr. Silvestre Ribeiro quando ultimamente fallou: o negocio de pessoas não deve apparecer n'esta occasião, virá em outra, e depressa; de que se trata é da melhor organisação de um

ramo do serviço.

Era eu o ultimo homem que, estando na commissão do orçamento, e pertencendo á de instrucção publica, ousaria assignar um projecto, d'onde podesse resultar ruina, ou abatimento, ou mesmo leve detrimento ao esplendor de um estabelecimento litterario tão importante. Era eu o ultimo homem capaz de praticar um acto contra qualquer instituição litteraria, e muito menos esta, aonde tantos annos estudei. Mas não admitto que se dêem como rasões de opportunidade para a existencia de qualquer emprêgo, instituição, ou estabelecimento, as que acabei de ouvir; o argumento da antiguidade n'estas cousas não prova absolutamente nada. (Apoiados.)

Se formos julgar dos empregos por aquelles que os honraram, e das instituições por todos os que as ennobreceram, deviamos sustentar as ordens monasticas, porque nunca instituição alguma apresentou homens mais illustres e derramou maior lustre sobre a civilisação dos seculos XVI, XVII e parte do XVIII.

Se fossemos julgar das instituições pelos homens que as ennobreceram, o desembargo do paço devia estar de pé ainda, porque grandes jurisconsultos, magistrados respeitaveis' se assentaram naquellas cadeiras curues.

Portanto, não são os homens dos tempos passados que decidem da abolição dos logares, nem dos motivos da sua conservação: é preciso apreciarmos profundamente a natureza do emprego para continuar, e a conveniencia da sua existencia. O illustre deputado desceu ás origens d'este emprego, e quiz d'ahi deduzir uma perfeita uniformidade na sua existencia litteraria e administrativa. Direi a s. ex.ª que me pareceu ve-lo confundir duas hypotheses muito diversas, o logar de chronista mór, (essencialmente litterario, e creado para remunerar os homens de lettras), e o logar de guarda mór puramente administrativo, conservador do archivo nacional, e funccionario technico, porque não póde deixar de o ser.

Em rigorosa justiça, e pela ordem natural das cousas, nunca podia ser senão o official technico mais antigo aquelle a quem se encarregasse a guarda, a vigilancia, a coordenação e a fiscalisação do archivo nacional da tôrre do tombo. Basta saber-se o que são e o que valem os documentos ali depositados para esta verdade apparecer clara como a evidencia.

Disse o illustre deputado que a ausencia de um sabio portuguez o visconde de Santarem não influia nada para provar que o logar de guarda mór fosse desnecessario. Esqueceu-lhe provar a asserção; e havia de ser-lhe difficultoso. Se em tantos annos que residiu em França, e com a sua eminente, capacidade, o archivo se não resentiu da falta do erudito escriptor, segue-se que a funcção era puramente honoraria, e que ausente, ou com a presença, o guarda mór não influia no andamento regular do serviço. Logo o emprêgo era dispensavel e como tal propoz a commissão a suppressão.

A quem se deve o estado actual do estabelecimento, apesar da escacez, da mesquinhez dos recursos que se lhe votaram sempre, é ao honrado, laborioso e habil official maior, actual professor de paleographia.

E o sr. José Manuel Aureliano Bastos, homem que ha I trinta e tantos annos, com o maior zêlo, com os conhecimentos mais especiaes, e inconcussa probidade tem feito prodigios para levar o archivo ao gráu de organisação em que se acha, e que levou um distincto estrangeiro a dizer ha dias ao sr. ministro da fazenda, que era um dos estabelecimentos mais bem regulados e mais ricos da Europa. (Apoiados.) E note-se que não estava cá o guarda mór, quando este valioso serviço de regularisação se continuou.

Nada tem, pois, de litterario em si mesmo o emprego de guarda mór. O que se fazia muitas vezes era unir lhe o de chronista mór, e conferi-lo a um sabio distinctissimo; o logar de chronista, sim, esse é que era creado, porque havia muito poucos premios para remunerar os serviços prestados pelos homens eruditos e notaveis, mas não tinha nada em rigor com o de guarda mór. Este podia provêr-se, e de feito se proveu em occasiões, em pessoas peritas na leitura antiga e conhecimento dos cartorios. Aquelle de direito devia sempre pertencer á primeira penna portugueza. (Apoiados.)

A administração do archivo real da torre do lombo compõe-se dos registos de todos os documentos antigos, de vastas collecções de foraes, de inscripções, de papeis avulsos, de depositos dos papeis da mesa da consciencia e ordens, e de outras repartições que foram extinctas, e que estão debaixo da guarda do chefe de repartição. O que póde a bem do serviço n'esta dédalo de cartorios e de caracteres obsoletos, o maior talento que seja, entrando de novo para o archivo, e desajudado de estudos especiaes, e do conhecimento intimo de todas as suas partes?

O guarda mór, se abrir um dos livros das inquerições, não os entenderá. Se vier um estrangeiro habilitado, não lhe saberá nem mostrar os thesouros, que possue a casa, e elle nem sequer suspeita. Para occupar o emprêgo com proveito do estado, e honra do paiz, era essencial que reunisse ao esplendor de um grande merito nas leiras o saber pratico e o conhecimento do archivo. E quem estará hoje n'essas circumstancias? Só um homem em Portugal, e esse por brio, por justo orgulho não quer, e não devia querer. (Apoiados.)

Quando se propoz a suppressão do logar tinhamos o pensamento de uma economia, não d'essas miseraveis que se limitam a córtes e a reducções, mas economia por meio de tornara despeza productiva. Queriamos applicar annualmente 600$000 réis para traduzira leitura nova em muitos documentos importantes para a historia do paiz, e para a formação de Índices que habilitassem os estrangeiros e nacionaes para apreciarem as immensas riquezas que ali estão depositadas, porque o archivo da torre do tombo possue documentos, dos mais antigos e importantes, e dos que mais se estimam nos archivos da Europa.

Por consequencia a commissão que sabia isto, entendeu, que obrava com acerto, propondo a suppressão do logar e a applicação d'esta somma para um grande melhoramento, como era crear um capital necessario para se irem traduzindo com escolha muitos documentos, e adiantando a formação dos índices.

Resumindo, direi que julgo que o mais antigo official technico é o unico que póde prestar melhor serviço n'esle ramo; porque os outros podem fazer muito, mas falta-lhes a principal condição que é o conhecimento do archivo e os subsidios indispensaveis para ordenar, classificar e organisar o archivo.

Eis as rasões que decidiram a commissão; a camara póde resolver como tiver por mais opportuno.

Mas sempre acrescentarei que se as cans e os serviços valiosos são motivo sufficiente para conservar uma sinecura, então é necessario indemnisarmos serviços não menos antigos, e voltarmos, a grandes instituições que desabaram pela idade.

Vol. V —Maio—1857.

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