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APPENDICE Á SESSÃO DE 6 DE AGOSTO DE 1890 1744-A

O sr. Christovão Ayres: - Começo por mandar para a mesa um requerimento da sra. D. Virginia Eduarda Xavier da Serra Aguiar, viuva de um dos homens mais illustres de Portugal, Antonio Augusto de Aguiar. Achando-se, segundo me dizem, em precarias circumstancias, esta senhora requer do parlamento uma pensão; e escusado será dizer que faço toda a justiça ao parlamento, acreditando que, tratando-se da viuva de um illustre homem d'estado que tantos serviços prestou ao paiz, esta camara não terá difficuldade em votar essa pensão.

Sr. presidente, vou agora cumprir a minha promessa, feita n'uma das sessões passadas, quando, tratando de assumptos da India, e para não protelar a discussão, disse que me reservava para n'outra sessão os tratar com mais largueza.

Mais do que nunca, é hoje necessario attender ás condições em que se acha a provincia de Goa, e accentuarmos ali a nossa acção por uma forma positiva.

Tratando do caminho de ferro de Mormugão, referi-me á necessidade de adoptar um conjuncto de medidas, que reputo necessarias para melhorar as condições economicas e financeiras da India.

Sei que o sr. ministro da marinha pensa em varias reformas, e eu estimaria que algumas que passo a enunciar podessem ser por s. exa. adoptadas.

O caminho de ferro de Mormugão não póde por si só dar á provincia todas as vantagens e melhoramentos do que ella carece. A rasão está a dizer que do desenvolvimento das obras publicas n'aquella provincia dependem a valorisação do seu territorio, e o aproveitamento cabal da linha, em beneficio da provincia. Ora, o serviço das obras publicas, sr. presidente, está ali nas circumstancias mais precarias que é possivel imaginar-se.

O relatorio do ultimo governador da India, o sr. Cardoso de Carvalho, que teve occasião de ler, reclamava providencias n'esse sentido, e o governador actual enviou já não só uma relação das obras mais urgentes a realisar, mas uma circumstanciada memoria justificando esses melhoramentos. Sei que alguns d'elles foram já auctorisados pelo actual ministro, com aquella solicitude que tanto o honra, e de que eu tenho tido pessoal testemunho, que folgo em consignar aqui. Mas o que é indispensavel e urgente é remodelar completamente o serviço das obras publicas em Goa.

Lembrarei apenas como prova da minha asserção que aquella provincia está na condição de ser a unica provincia ultramarina que não tem um regulamento especial de obras publicas.

O sr. Horta e Costa: - Nos mesmos casos está Macau.

O Orador: - Serão então as duas que hoje gosam esse privilegio. Mas aquelle estado de cousas não póde subsistir. O ultimo relatorio impresso do governador geral informava que alguns edificios, que haviam sido construidos por meio de empreitada, á hoje estavam em ruina, sem que comtudo estejam completamente pagos.

Torna-se portanto necessario organisar uma direcção condigna que habilite a provincia a ter um serviço normal e regular.

Para a utilisação cabal do caminho de ferro, são necessarios ramaes para alguns centros mais activos do paiz, e a construcção de estradas que dêem serventia aos povos, principalmente das Novas Conquistas.

Um systema completo de obras publicas não poderá tambem prescindir de canaes, como o de Tivin ao rio de Mapuçá, cuja construcção foi ha pouco auctorisada pelo governo, e que esperâmos não seja um sorvedouro de dinheiro mal gasto, como o de Combarjua, e tambem o canal de Parodá ao Rio do Sal que está de ha muito indicado como um dos melhoramentos que mais valor dariam á provincia.

No seu conjuncto estas obras teriam por fim, parte d'ellas, o tornar o caminho de ferro de Mormugão mais do que uma simples via de transito para a India ingleza, e outra parte o consolidar e desenvolver as relações materiaes de toda a provincia.

Estas medidas, porém, têem de obedecer a um plano geral de reorganisação, de melhoramento, de remodelação de serviços; e n'esse plano deverá ter o primeiro logar a colonisação das Novas Conquistas, e a sua transformação por maneira a tornal-as tão civilisadas e productivas como as Velhas Conquistas, harmonisando quanto possivel as condições de ser das duas partes tão distinctas da provincia, pela differenciação entre cilas estabelecida pelo grau diverso de cultura e de progresso.

Segundo uma recente divisão administrativa feita nas provincias de Salsete e Bardez, foram estas divididas em maior numero de concelhos. Não sei se essa medida foi já sanccionada pelo governo da metropole; mas como ella obedece a uma necessidade de politica local, e da boa administração, de que é juiz o governador, em sua opinião de certo se firmará o parecer do ministro. Mas no meu entender, sr. presidente, onde uma medida similhante seria de muito maior utilidade, era nas Novas Conquistas.

Esta provincia é que está reclamando a divisão em maior numero de concelhos, porque deste modo se facultaria o desenvolvimento da provincia, que está n'uma decadencia lamentavel. Por essa fórma se concentrariam em pequenos nucleos do actividade as forças d'essa parte do paiz, hoje reduzido a um lastimoso atraso, mesmo em relação á outra parte.

A minha opinião, e a de muita gente que conhece as condições da terra, seria que pelo menos cada uma das provincias das Novas Conquistas constituisse um concelho, com uma organisação que desse a cada uma d'ellas uma divisão de policia, uma delegação de repartição de fazenda, um juiz substituto, um capellão, com o encargo de ensinar instrucção primaria, e um agronomo especialista de culturas tropicaes, que podia ser vantajosamente engajado na India ingleza, até se formarem, pelo menos praticamente, agronomos portuguezes.

Eu devo lembrar que a provincia das Novas Conquistas é quatro vezes maior do que as Velhas Conquistas, e comtudo tem uma população tres vezes superior. A maior parte dos terrenos jazem incultos e a maior parte dos povos vivem ainda do regimen pastoril.

Para a cultura d'esses terrenos, para a transformação d'esse territorio, que parece crystalisado no seu estado primitivo, está naturalmente indicado o aforamento em condições vantajosas, o que terá, alem de tudo, o beneficio de derivar para aquella parto da provincia a emigração christã, que hoje segue para a India ingleza, cada vez mais intensa.

As Novas Conquistas têem uma área de 3:656 kilometros, emquanto que as Velhas Conquistas têem apenas 712 kilometros; mas a população das Novas Conquistas é de 220:125 habitantes, dos quaes 189:653 gentios, e 30:472 christãos, emquanto que nas Velhas Conquistas é de 209:174 habitantes dos quaes 41:478 gentios e 167:696 christãos.

Isto prova o atrazo em que uma parte importante d'aquella provincia está em relação á outra, um pouco devido á sua posição e condições climatericas, porem em muito ao descuro da administração local.

Salta aos olhos, portanto, a conveniencia de harmonisar, quanto possivel, o systema interno da administração das Novas Conquistas com o das Velhas Conquistas; aproveitando, no que possa ser, as circumstancias especiaes, e os naturaes elementos, hoje completamente desprezados, deixando de render o que era justo e necessario que rendessem.

Indiquei já, como melhoramento indispensavel, o aforamento dos terrenos incultos; indicarei agora outro: o trato e aproveitamento das matas nacionaes.

A testa da administração das matas temos collocado homens sem competencia especial, officiaes do exercito que nunca revelaram aptidões especiaes para esse emprego. Ao contrario do que se pratica na India ingleza onde as ma-

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tas representam uma verdadeira riqueza e uma escola especial de agronomos, nós temos deixado estragar a que existe o não pensâmos, nem em melhorar nem mesmo em aproveitar, o que possuimos.

Do antigo director do caminho de ferro de Mormugão, o sr. Fernando Mousinho de Albuquerque, encontrâmos algures a seguinte opinião sobre este assumpto:

«Entra-se nas Novas Conquistas o atravessam-se as provincias de Embarbacem, Chondrovadi e Cacorá. Aqui a população diminuo consideramente, a cultura igualmente e a civilisação é, póde dizer-se, nulla; estas provincias até ao começo dos trabalhes do caminho de ferro estavam quasi no estado selvagem; á parte uma tentativa feita por uma companhia, que fez alguns caminhos publicos e procurou arrotear algum terreno entre Collce e Mollem, nenhum vestigio de civilisação se encontra. O aspecto geral do paiz é inteiramente diverso, mas nem por isso menos pittoresco e aproveitavel; a palmeira desapparece n'esta região para dar logar ás preciosas florestas que, se fossem devidamente curadas, seriam sem a menor duvida um manancial de riqueza para o paiz.

«As principaes madeiras que aqui se encontram são: a toca a mareta clara e escura, o sissó, de que se fazem as conhecidas mobilias da India, a mangueira e muitas outras que se não prestam á marcenaria podem ser aproveitadas com grande vantagem em todo o genero de construcções. A vegetação é opulentissima e se nas densas florestas d'esta região se não encontram arvores de grande porte, é isso devido á maneira como são tratadas. São dois os principaes inimigos a combater, e os meios a empregar para isso parecem-me tão faceis quanto economicos. É necessario acabar com os parasitas e com as queimadas.

«Nada mais facil hoje.

«O córte bem regulado das lenhas destroe o primeiro, uma lei do protecção das florestas acabaria com o segundo, e para pôr em execução estas medidas não seria necessario despender um ceitil. O meio que se afigura mais facil seria um arrendamento a longo praso. Quem duvidaria tomar essa empreza? A posição das florestas é a mais vantajosa; não sómente os seus productos têem saída facil pela linha férrea que os atravessa, como tambem têem ao lado uma quéda de agua magnifica na cascata do Sonaulim, que podia servir de motor a qualquer fabrica de serração e apparelho de madeiras que devia montar-se. Alem d'isto encontram-se nas proximidades da linha, intercalados com as florestas, jazigos de magnifico barro, alguns dos quaes têem sido já aproveitados na construcção da linha ferrea, fornecendo tijolo muito regular; igualmente se encontra perto a areia e portanto estão á mão os elementos necessarios para a industria do fabrico do vidro. O melhor meio porém, que se me afigura para explorar economicamente as florestas d'esta região seria talvez procurar tornal-as aptas para fornecer travessas de caminhos de ferro. É fabuloso o consumo d'este material nas linhas da India e fabuloso é tambem o preço por que as travessas hoje chegam vindas da Europa.

«É este um dos problemas da exploração dos caminhos de ferro que muito tem preocupado os engenheiros da India. Um dos augmentos mais importantes dos orçamentos supplementares da nossa linha é a verba travessas, porque a principio só suppoz que ellas se encontrariam no paiz.

«A ultima secção da linha caminha toda ella n'uma extensão superior a 15 milhas, ladeada por florestas em cujo seio se encontram as mais preciosas madeiras d'este tão bello quanto fertil paiz.»

E não são tão pouco importantes as nossas matas na India que não representem só na área que occupam, o valor de 2:800 contos de réis; e nas arvores, que passam de 10 milhões, o valor de mais de 800 contos, de réis, susceptivel de augmentar consideravelmente. É uma riqueza importante, que se está desaproveitando e a perder-se!

Qualquer outro paiz já teria aproveitado as excellentes madeiras, que ali possuo, como as de teca, mareta e puna, na construcção de navios, como os que se construem no nosso arsenal da marinha, e que sairiam ali muito mais baratos e melhores.

A excellencia das madeiras junte-se a barateza da não de obra, a aptidão já de ha muito revelada nos nativos para essas construcções, que se faziam no arsenal de Goa com uma grande perfeição, e estava plenamente justificada a minha idéa. A corveta D. Fernando ainda hoje attesta o que foram as construcções navaes em Goa. A montagem de um arsenal custaria dinheiro, mas seria do uma importancia suprema o desenvolvimento de trabalho que traria á provincia e as vantagens que d'ahi proviriam.

Um bom pessoal de constructores seria hoje impossivel encontrar em Goa, donde desapparcceram os que havia, e excellentes; mas os primeiros que ali fossem mandados da metropole, facilmente constituiriam escola, e os operarios podiam ser contratados uns na India ingleza, e outros formados na população nativa.

Nós já lá tivemos, como disse, esse serviço excellentemente montado.

Um paiz como o nosso, que necessita de uma numerosa marinha colonial, podia, se aproveitasse os elementos que possuimos, construir com vantagem e economia barcos de madeira, que ainda prestam excellentes serviços, como as corvetas saídas do arsenal de Lisboa, e como os navios que hoje se estão fabricando na America.

A montagem de um arsenal em Goa seria o meio de dar um alto incremento á terra, e teria por base o aproveitamento das matas que são um verdadeiro manancial de riqueza nas Conquistas e em Damão.

O problema de procurar nestes elementos desaproveitados de riqueza publica da provincia fontes de receita, é da maxima importancia para a vitalidade, independencia e maior desafogo da situação da colonia. Uma carta que tenho presente, de um dos homens mais illustrados de Goa diz o seguinte:

«Essa questão capital é aquella de que antes de tudo o governo deve tratar, para augmentar os recursos do thesouro e evitar a bancarota que me parece imminente, pelos encargos empreteriveis que brevemente nos deve trazer o caminho de ferro de Mormugão, cujas ténues receitas, juntamente com, 4 lagues de rupias de indemnisação ingleza, não darão certamente o preciso para pagar os juros do numeroso capital despendido na linha.»

O futuro da colonia de Goa está em muito, nas medidas que deixo apontadas; mas é necessario que formem um conjuncto de administração, com outras medidas e reformas.

Não quero dar grande desenvolvimento ás minhas considerações, porque não quero tomar tempo á camara; mas não quero deixar de lembrar entre essas reformas a da instrucção publica, a que já me referi n'outra occasião.

Bastará dizer a v. exa., sr. presidente, que a instrucção publica na India regula-se ainda, como no lyceu, pelo regulamento de 1856 ou 1857; e tanto a Instrucção primaria como a secundaria e superior estão n'um atrazo lastimoso. E não admira isso, quando em Portugal ainda não conseguimos ter uma faculdade de letras devidamente organisada, e quando os nossos lyceus, que não são bem nem uma realschule nem um gymnasio allemão, nem cousa que se pareça com um organismo racional, está reduzida a ser, em prssimas condições, uma esprcie das chamadas escolas burguezas, na Allemanha.

O nobre ministro da marinha pensa tambem, de certo, em pôr em execução o seu codigo administrativo. Ora peço licença para observar a s. exa. que me parece que é de toda a conveniencia que não se ponha em vigor esse codigo, sem ser ouvido o conselho governativo da provincia, e os homens que ali têem servido e que conhecem a pro-

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vincia. Assim se aperfeiçoará um trabalho, que pelo que d'elle tenho noticia, faz honra ao sr. Julio de Vilhena.

Por ultimo chamo a attenção do sr. ministro da marinha para as circumstancias desagradaveis em que se acham alguns soldados europeus, reformados, que roendo febres no palmar para os lados do Campal, estavam á espera de transporto do estado para regressarem á Europa! Emquanto que qualquer empregado, a pretexto de doença, vem á metropole tratar dos seus negocios, é triste ver que aquelles desgraçados não obtém uma passagem que os livre da miseria e do clima.

Eu pediria ao sr. ministro da marinha que auctorisasse o governador a dar passagem áquelles homens e suas consortes, em terceira classe. As condições em que aquella gente lá está, alem de serem contra a dignidade individual, são tambem contra o decoro da nação.

Tambem peço ao sr. ministro da marinha, e é este um ponto que requer desde já a sua attenção, que eleve aos soldados europeus que lá estão, os seus prets.

É condição indispensavel n'uma colonia conservar o nivel moral e o prestigio dos individuos que representam a metropole; o seu desprestigio e degradação não fazem mais do que rebaixar o paiz. (Apoiados.}

Não quero para as nossas colonias todos os processos inglezes, mas n'esta parte estimaria que procedessemos um pouco á ingleza. (Apoiados.)

São poucos os soldados europeus que estão na India, creio que uns trinta de pret, e têem mais do que os soldados nativos, apenas um anno ou 25 réis.

É uma miseria para as condições do europeu n'aquelle clima.

Eu pedia ao sr. ministro da marinha que lhe augmentasse pelo menos três ou quatro annás.

A alimentação do soldado europeu na India, não deve, nem póde ser a mesma que a do soldado nativo, sob pena de soffrer um grande prejuizo na sua saude, e alem d'isso as condições de inferioridade social em que elle fica collocado não acredita um paiz, que toma sobre si a missão civilisara em paizes estranhos.

Por este conjuncto de medidas, que apenas deixo esboçadas, nós mostrariamos, sr. presidente, se as adoptasse-mos, que tinhamos pensado um pouco n'aquelle provincia, que infelizmente jaz n'um grande abandono, e o sr. ministro da marinha realisaria assim uma obra meritória, que tornaria o seu nome querido e estimado n'aquellas longinquas terras tão portuguezas pelo coração.

Se não queremos considerar aquella possessão como alguma das melhores provincias da Africa, isto é, como uma colonia productiva, - o que não seria assim, se soubermos aproveitar os seus recursos,- consideremol-a, pelo menos, como uma antiga jóia da corôa portugueza.

Já que o sr. ministro da instrucção publica, a quem me dirijo n'este momento, tomou a peito o encargo de salvar as joias e reliquias da mãe patria, tome tambem sobre si, o sr. ministro da marinha o honroso encargo de conservar aquella velha joia portugueza que, por todos os titulos, nos deve merecer mais cuidado e mais estima do que até hoje nos tem merecido.

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Pedi a palavra unicamente para declarar ao illustre deputado que com muito prazer transmitirei ao sr. ministro da marinha as sensatas e uteis considerações que s. exa. acaba de fazer.

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APPENDICE Á SESSÃO DE 6 DE AGOSTO DE 1890 1744-D

O sr. Francisco Machado: - Sr. presidente, obedecendo ás prescripções do regimento, mando para a mesa a minha moção de ordem:

«A camara considerando que o projecto da commissão não fixa a organisação dos serviços que hajam de ser custeados pelos rendimentos da insigne collegiada de Guimarães, e contém auctorisações vagas e latas, que podem não ser acertadamente usadas em proveito do generoso pensamento que presidiu á elaboração dos projectos apresentados por dois deputados de procedencia politica diversa, resolve rejeitar o referido projecto da commissão e adoptar o projecto n.° 3-M, de 19 de janeiro de 1889 e passa á ordem do dia.»

Sabe v. exa. sr. presidente, e sabe a camara qual é a minha responsabilidade perante a reorganisação da insigne e real collegiada de Nossa Senhora de Oliveira da cidade de Guimarães. Fui eu o primeiro deputado, que tive a honra de levantar a minha humilde voz n'esta casa, em favor da transformação da insigne e real collegiada de Nossa Senhora de Oliveira da cidade de Guimarães, n'um instituto de ensino.

Na sessão de 17 de março de 1888 apresentei n'esta camara uma representação de grande numero de habitantes do concelho de Guimarães, pedindo a modificação da lei de 1 de dezembro de 1869, que supprimiu as collegiadas.

N'essa occasião fiz algumas considerações para mostrar a justiça que assistia aos peticionarios.

N'essa sessão disse eu o seguinte:

«Sr. presidente, é tão justo, tão rasoavel e tão levantado este pedido, que eu declaro a v. exa. e á camara, que o patrocino com todas as minhas forças, com toda a minha dedicação e com a mais decidida boa vontade.»

Mantenho hoje a mesma opinião, porque não houve nada que me fizesse mudar.

Os habitantes de Guimarães deram-me a honra de me enviar a representação para eu a apresentar n'esta camara.

O sr. Franco Castello Branco não tinha conhecimento de tal representação, mas sendo s. exa. deputado por aquelle circulo, entendi dever informal-o de que a representação me tinha sido enviada, e offerecel-a a s. exa. para a apresentar.
O sr. Franco, que n'esse tempo se dizia meu amigo, o que eu tive a ingenuidade de acreditar, não acceitou, mas pediu-me que lhe dissesse o dia que a apresentava, para se associar ás minhas considerações.

A minha lealdade chegou a ponto de o prevenir e de o informar de todos os tramites porque ía passando esta questão e das probabilidades que havia de se conseguir o que os Vimaranenses tanto desejavam.

Todas as vezes que eu pedia a palavra para tratar d'este assumpto, ía solicitar ao sr. presidente que inscrevesse o sr. Franco Castello Branco em seguida a mim, para s. exa. poder associar-se ás considerações que eu devia fazer. Creio, sr. presidente, que o meu procedimento não podia ser mais correcto.

De Guimarães diziam-me, que para esta questão cooperavam todos os partidos de mãos dadas, e que a tinham collocado fóra da politica.

Suppuz, que o sr. Franco reconheceria a lealdade e a correcção do meu procedimento, e s. exa. manifestava-me todas as vezes que tinha ensejo quanto agradecia a minha lealdade para com elle.

Até s. exa. ser ministro foi sempre correcto o seu procedimento para commigo; porém, logo que se viu guindado a taes alturas esqueceu por completo tudo isto, e outras cousas mais, que não vem agora para o caso e procedeu de modo tal, que me abstenho de classificar n'este momento.

Fez bem, fez mal, o futuro lhe dirá.

O que lhe afianço é que me não torna a enganar outra vez.

Esses factos não obstam que eu mantenha o mesmo modo de proceder; porque a minha questão é de principios, e não de homens.

Eu, sr. presidente, como v. exa. vê, pugnei aqui, com todas as minhas forças, para o restabelecimento d'aquella collegiada. Disse eu então e acaba de o repetir agora o sr. ministro da justiça que a collegiada teve a sua origem, na fundação da monarchia e que os factos mais importantes da historia portugueza estão ligados á historia d'aquella instituição. (Apoiados geraes.)

Não tive duvida em levantar aqui a minha voz, e por mais de uma vez, para pugnar pela sustentação da insigne e real collegiada de Guimarães e pela modificação da lei de 1869, que extinguiu as collegiadas consideradas, insignes, a fim de se poder transformar a de Guimarães em um instituto de ensino.

Hoje mantenho a mesma ordem de opiniões e a mesma ordem de idéas.

V. exas. comprehendem, que os homens publicos precisam muitas vezes de mudar de opinião e de idéas, mas isso deve succeder quando ha factos de tal modo importantes, que podem prejudicar os interesses publicos e ás conveniencias sociaes.

Assim e só assim é que se justifica a mudança de opinião. Esse caso não se dá agora, porque o facto de não governar o paiz o meu partido não me obriga a desdizer o que então affirmei. Mantenho, portanto, firmes, constantes e intemeratas as idéas que tenho aqui sustentado desde que pela primeira vez tive a honra de entrar n'esta casa.

Eu pugno hoje, como tenho pugnado sempre, pela modificação da lei de 1869 e pela transformação da real collegiada de Guimarães em um instituto de ensino. Isto é claro, definido e não admitte duvidas nem contestações. A minha posição não póde ser melhor definida e nem mais claramente expressa. O que disse em 1888 digo agora.

A real collegiada de Guimarães deve ser extincta, vigorando a lei actual, quando morrer o ultimo conego, e ha ali actualmente dois, tendo cada um, pouco mais ou menos, oitenta annos de idade. Ora a extincção d'aquella collegiada seria o acto, que mais poderia impressionar os habitantes do concelho e de Guimarães, que têem o maior amor e o mais acrisolado affecto aquella instituição. Seria para os Vimaranenses o dia mais luctuoso aquelle em que fosse extincta a collegiada; em que o governo tirasse d'aquella nobre cidade os objectos preciosos, que constituem o thesouro da Nossa Senhora da Oliveira.

Ha ali objectos valiosissimos, offerecidos quasi todos pelos nossos antigos monarchas, que íam, sempre que se tratava de um acontecimento importante, invocar a Virgem.

D. João I, antes da batalha de Aljubarrota, foi ali pedir a protecção da Nossa Senhora da Oliveira, e depois da batalha foi offerecer-lhe parte dos despojos da guerra.

Existe ali um valioso altar todo de prato, tomado aos hespanhoes n'aquella batalha, e o pelote ou casaco que D. João I vestia no dia da batalha. Os vimaranenses guardam aquellas preciosidades como verdadeiras reliquias.

Para que a camara saiba a veneração que têem os habitantes de Guimarães e do concelho pela collegiada e seu thesouro, bastará dizer que a todas as pessoas de certa consideração que vão aquella cidade, mostram elles as preciosidades que constituem o thesouro e contam jubilosos e orgulhosos os factos mais importantes que a elles estão ligados.

Sr. presidente, como hoje, pugnei sempre pela conservação da collegiada, quando estava no governo o partido progressista.

Pugnei então como hoje pela modificação da lei de 1869 e pela transformação d'aquella instituição no sentido que acabo de expor, isto é, a conservação da collegiada n'um instituto de ensino.

Tenho a convicção que, se os papeis se invertessem, o sr. Franco não procederia do mesmo modo, mas a cada um tomará o paiz conta do modo como procede.

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Disse um Guimarães, quando tive a honra de administrar aquelle concelho, que todas as vezes que no parlamento se tratasse de qualquer assumpto que lhe interessasse, a minha palavra fraca e pouco auctorisada, estaria prompta para tomar a sua defeza.

Estou hoje como tenho estado sempre, a cumprir a minha promessa.

N'esta questão não havia intuito politico nem da minha parte nem do illustre deputado, que hoje é ministro da fazenda.

Para se restabelecer a collegiada de Guimarães e firmar a sua conservação, procedemos sempre de accordo.

A minha convicção é que, a primeira qualidade que eu entendo que devem ter os homens publicos é serem sempre coherentes nas suas opiniões, e eu que tomei este papel não posso afastar-me d'elle. (Apoiados.)

Portanto, eu estou a fallar em meu nome; os meus amigos podem seguir o caminho que quizerem, porque não têem a responsabilidade que ou tenho n'esta questão.

Mas como disse, eu pugnei sempre junto do governo progressista para que fosse approvado o projecto para estabelecer a collegiada de Guimarães, e o sr. Franco Castello Branco associou-se a mim n'este empenho, estando nós sempre de accordo.

Mas agora direi eu: ó tempora, é mores! Quem me diria a mim, que eu não poderia estar hoje ao lado de s. exa., pugnando com. o enthusiasmo com que então pugnava pela approvação d'este projecto!

Eu estou no mesmo campo e hei de provar que s. ex. se afastou d'elle. Eu pugnei pela conservação da collegiada de Guimarães, transformando-a n'um instituto de ensino, e pugnaria sempre junto dos ministros do meu partido, para que isto se fizesse, e a unanimidade de pensar entre mim e o sr. Franco Castello Branco era completa. Basta dizer, que a primeira vez que recebi d'aquella cidade uma representação de cavalheiros importantes, e que eu aqui apresentei pedindo a sua publicação no Diario do governo, antes de a apresentar fui ter com o sr. Franco Castello Branco, porque não obstante s. exa. militar n'um partido differente do meu, eu entendi que devia ter para com s. exa. todas as cortezias que são compativeis com individuos que se prezam, e perguntei-lhe se queria ser elle, como deputado d'aquelle circulo, que apresentasse a representação. S. exa. disse-me que não se importava que fosse eu quem a apresentasse; mas fomos ambos pedir ao sr. presidente que nos inscrevesse a seguir um ao outro, para tratarmos juntos d'esta questão.

Já vê, pois, a politica que eu faço d'este assumpto e a unanimidade de pensar que existia entre mim e o sr. Franco Castello Branco.

Tive então alguns desgostos, porque alguns amigos meus censuravam o meu modo de proceder; mas eu entendo que os homens que militam em qualquer partido politico têem obrigação do se subordinar ás idéas do seu partido em questões de principios, mas n'uma questão de administrarão local e de vantagem para os povos, nenhum partido politico se póde molestar, por que qualquer dos seus membros segue uma orientação differente. Nos principios que possam affectar a existencia politica do partido ou do governo, é que deve exigir-se toda a subordinação, e aquelle que não concorda tem de retirar-se o tomar outro caminho.

Desde que não se de nenhum d'estes casos, e se trata apenas de uma questão de uma medida local n'um ponto de administração, creio que não se póde levar a mal que qualquer deputado concorde com o partido contrario. É preciso dizer a v. exa. que o illustre ministro da justiça do meu partido, o sr. Francisco Beirão, e o illustre presidente do conselho o meu illustre chefe, o sr. José Luciano de Castro, estavam de accordo com as idéas que ou apresentava.

Portanto, eu pugnando por estes principios, encontrava-me apoiado tambem pelo illustre ministro da justiça, o sr. Beirão, e pelo meu amigo e illustre chefe o sr. José Luciano de Castro. Nestas circumstancias continuaram a vir do Guimarães representações a favor d'esta collegiada; mas o sr. Francisco Beirão mais de uma vez disse, em resposta ao sr. Franco Castello Branco e a mim, que ía estudar o projecto, e depois de se convencer da necessidade d'elle, não tinha duvida alguma em trazer á camara uma proposta para converter em lei os principios por que nós pugnavamos. Mais de uma vez fui eu e o sr. Franco Castello Branco fallar particularmente com o sr. ministro da justiça sobre este assumpto. S. exa. prometteu trazer a esta camara uma proposta para resolver esta questão; mas primeiramente mandou ouvir o illustre director geral do ministerio da justiça, o sr. Brito de Seixas, e s. exa. formulou um relatório bastante circumstanciado, expondo a sua opinião relativamente ao assumpto que se tratava. E eu estranho, que este relatorio não esteja junto a este projecto, para elucidar o parlamento e os meus illustres collegas d'este lado da camara que desejam entrar no debate.

Eu por mim, conheço qual a opinião do illustre director geral do ministerio da justiça, mas a camara não a conhece. Seria conveniente, que essa informação, muito bem fundamentada, e bastante importante pela posição especial d'aquelle cavalheiro, cujo talento nós todos respeitâmos e cujas qualidades de caracter eu admiro, estivesse junta a este projecto. Desejava que aquelle relatorio, em que o sr. conselheiro Brito de Seixas manifesta a sua opinião, estivesse junto a este projecto para a camara avaliar e ponderar convenientemente.

Mais tarde o sr. Beirão mandou ouvir o sr. arcebispo primaz do Braga, que tambem mandou uma informação desenvolvida sobre este assumpto, informação que tambem devia estar junta ao projecto, e que não está. (Apoiados da esquerda.)

Portanto vê v. exa., que a opposição parlamentar não tem os elementos indispensaveis para bem conhecer a conveniencia deste projecto, e tanto que, os meus illustres collegas d'este lado da camara vão fazendo considerações, porque não conhecem perfeitamente o facto, visto não lhes ter o governo fornecido os documentos que a tal respeito possue no seu ministerio.

A culpa é da illustre commissão e do governo, que não juntou os documentos necessarios para poder habilitar a camara a discutir este projecto. O governo tem na sua mão os elementos, que podiam elucidar a camara para que este projecto fosse discutido e votado com perfeito conhecimento de causa. Eu sei como tudo se passou, mas os meus collegas não sabem qual a despeza que se vae fazer com este instituto, porque alguns d'elles pediram ao governo que mandasse esclarecimentos ácerca do rendimento actual da collegiada, e da valores ali existentes em cofre pertencentes á cadeira do D. Prior, que está extincta ha muito tempo. Nada d'isso vciu á camara. Não estranhe, pois, s. exa. e a camara que os meus illustres collegas, que não têem as mesmas rasões que eu tenho, combatam este projecto a todo o transe. Se estivesse no logar d'elles, faria o mesmo. O projecto está desacompanhado de todos os elementos de estudo; mas, como disse a v. exa. que desejo ser coherente commigo mesmo, e desejando tambem o estabelecimento da collegiada de Guimarães, não posso deixar de approvar um projecto que realise o meu intuito.

Mas o governo não pede, que lhe approvemos um projecto, pede que lhe votemos uma auctorisação, que é de tal maneira lata e indefinida e de tal maneira insubsistente, que não lhe posso dar o meu apoio, nem o meu voto.

Isto é completamente impossivel.

V. exa. sabe que nesta auctorisação o governo póde modificar a lei de 1869 e transformar a collegiada de Guimarães n'um instituto de ensino, nomear conegos e regular a fórma do seu provimento, mas não se diz qual o numero de conegos que deve ter a collegiada, e o governo em vista

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de tão lata auctorisação podo metter para lá quantos quizer. (Apoiados.)

Ora parece-me escusado dizer, que eu não posso ter confiança no governo para lhe dar uma auctorisação tão desenvolvida como elle pede.

V. exa. sabe que, poucos dias depois d'este governo subir ao poder, foi revogado um despacho que tinha sido feito pelo governo passado e que havia sido publicado na folha official, relativo á nomeação de um parocho para a igreja de Santa Maria de Saude do concelho de Guimarães, sendo nomeado para o mesmo logar um padre, que era amigo politico do sr. Franco Castello Branco, nomeação feita unicamente para pagar serviços eleitoraes, porque ninguem póde negar- que o padre que primeiramente tinha sido despachado era um dos mais distinctos do paiz. Pois annullou-se o despacho para se nomear um outro, amigo politico do sr. Franco Castello Branco!

Desde que eu tenho estes precedentes posso porventura dar uma auctorisação latissima ao governo para elle nomear os conegos que quizer? Não posso; e é esta uma das rasões por que eu não devo dar o meu voto a este projecto. Uma outra rasão, é porque, no projecto se não diz as habilitações que devem ter os conegos que hão de reger as cadeiras, e eu receio que o governo não possa resistir ás influencias politicas e ás pressões dos amigos, e vá nomear para os logares de conegos, individuos incompetentes, e que em logar de termos uma instituição proveitosa, vamos preparar uma instituição que só sirva para anichar os amigos do governo que mais serviços lhe fizeram nas eleições.

É d'isto que eu tenho medo, e não sou só eu. Ha muita gente que tem as mesmas preoccupações e os mesmos receios.

Não sei quaes são as habilitações que se exigem para a nomeação dos conegos. Não se diz se os provimentos serão ou não por concurso, assim como se não diz se os alumnos hão de fazer exame nos lyceus, se hão de pagar matriculas, se o instituto é ou não só para os individuos que são naturaes do Guimarães e se é ou não para filhos de familias pobres, ou se é tambem para filhos de familias abastadas.

Nos seminarios fixa-se o numero de alumnos que podem ali receber instrucção gratuitamente e determina-se que hão de ser pobres, e isto aqui é tão vago e indefinido que não se diz nada.

Como póde a opposição votar ao governo uma auctorisação n'estas condições?

O governo póde metter quantos alumnos quizer no estabelecimento de ensino ou no internato, sem dizer ao menos se devem ser só d'aquelle concelho ou da concelhos limitrophes tambem, e sem dizer se são os pobres ou se podem tambem ser os abastados.

N'estas condições eu não posso dar ao governo uma auctorisação n'estes termos. (Apoiados.)

Diz o relatorio, que em questões d'esta ordem póde ser inconveniente descer a minudencias.

Pois então n'um projecto como este é inconveniente descer a minudencias? Eu entendo que era necessario pôr isto o mais claro possivel para não haver duvidas sobre o que fazemos. (Apoiados.)

Diz mais o relatorio que, se descermos a minudencias, póde provocar conflictos, porventura graves e perturbadores da instituição que se reorganisa.

Eu não comprehendo como isto póde ser. Desde que se vote aqui uma lei completamente definida, com o numero de conegos que se devem nomear, com as habilitações que devem ter e definidas as suas funcções, eu não comprehendo, repito, que perturbações isto possa trazer. (Apoiados.)

Isto não é fazer uma lei clara e definida; é fazer uma lei confusa para depois o governo fazer o que se quizer. (Apoiados.)

Ficâmos sabendo, que as leis claras podem trazer conflictos. Pois eu discordo do illustre e sympathico relator, e entendo que as leis confusas é que originam conflictos.

Permitta-me o sr. Jacinto Cândido que eu lhe diga, que não me conformo com o seu relatorio, e digo isto sem intenção de o maguar, porque tenho por s. exa. muita sympathia; mas isto o que mostra é que s. exa. não estudou perfeitamente a questão, porque entendeu talvez que o projecto passaria sem ser discutido.

Fazendo uma rapida.analyse do projecto, vejo que elle está redigido de uma maneira tal, que não póde ser approvado pela camara. (Apoiados.)

Assim diz o artigo 1.° que é o governo auctorisado a reorganisar pelos meios competentes a insigne e real collegiada de Nossa Senhora da Oliveira, da cidade de Guimarães, etc.

Ora, quaes são estes meios competentes? O governo não o diz, e eu desejava saber quaes são positivamente os meios de que o governo ha de usar para reorganisar esta collegiada, (Apoiados) porque dizer só pelos meios competentes é uma cousa vaga e indefinida. (Apoiados.)

Porque é que a camara não póde saber quaes são essas meios competentes? (Apoiados.)

Diz mais o artigo 1.° que o governo fixa o respectivo quadro capitular. Logo o artigo 1.° vem corroborar a minha argumentação, porque o governo é que fixa o quadro apitular á sua vontade e póde metter o numero de conegos que quizer. (Apoiados.) Mas porque não havemos nós fixar aqui o quadro capitular? Não se sabe o numero das cadeiras que temos a crear? Mas deve saber-se.

Eu tenho informações do Guimarães, de que o governo, se passar este projecto como está, se ha de ver atrapalhado para satisfazer as exigencias dos amigos.

É claro, que se eu tiver um logar para dar, e tiver trinta ou quarenta amigos a pedirem-mo, eu fico seriamente atrapalhado, porque, querendo attender a todos, não posso attender a nenhum.

Ora, eu entendo que era melhor fixar já o numero de conegos e as suas habilitações, porque sei que ha muitos abbades que têem pretensões de ser conegos e de serem collocados na collegiada, e muitos d'elles não têem habilitações para isso. Habilitações officiaes para dizerem missa têem-nas, mas estão tão esquecidos, que me consta que a missa não é lá muito bem dita. (Riso.)

Ora, para que o governo do vez se livre d'esta difficuldade era melhor fixar o numero de conegos e as habilitações que elles devem ter, porque toda a camara podia assim approvar o projecto.

Como já disse, isto não é uma questão politica, a opposição não cria difficuldades ao governo, e portanto para que não havemos todos de accordo fazer uma cousa clara e bem feita?

Para que havemos do delegar no governo o que é das nossas attribuições?

Não comprehendo?

O governo ha de fixar o respectivo quadro capitular, que a camara podia fixar.

Tambem no projecto se não diz, que os individuos que frequentarem as diversas cadeiras têem de pagar matriculas e propinas de exames. Não se diz nada.

De maneira que parece, que o ensino é gratuito. E sendo assim, v. exa. comprehende, que desde que não paguem cousa alguma, nem matriculas nem propinas, os estudantes dos outros seminarios vão todos para ali estudar. Os outros estabelecimentos de ensino hão despovoar-se para os estudantes affluirem a Guimarães.

Os internatos gratuitos são só justificaveis para alumnos muito pobres nos grandes seminarios.

Do internato da collegiada de Guimarães podem, pelo projecto que se discute, fazer parte filhos de familias abastadas e concede-se assim n'aquella localidade um privilegio inadmissivel.

Alem d'isto não se determina se este beneficio póde ser

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1744-G DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

sómente; aproveitada por alumnos do concelho de Guimarães, ou por aluirmos de outros concelhos ou de outras dioceses.

Não se fixa no projecto, como já disse, o numero de conegos, não se determina as habilitações scientificas que devem ter, nem se estabelece a fórma do concurso, e tudo isto abre a porta as larguezas do arbitrio e do favoritismo.

Ainda mais: impõe-se a todo o quadro capitular a obrigação de ensino sem se attender á obrigação de parochiar inherente ao mesmo quadro.

Na base b diz que o governo e auctorisado a crear e organisar, annexo á mesma collegiada, um instituto do instrucção publica e gratuita, onde se estudem as disciplinas que constituem os preparatorios para o curso theologico, e quaesquer outras que entender de maior conveniencia e mais em harmonia com as necessidades locaes.

Muitas d'essas disciplinas são já ensinadas na escola industrial.

Para que serve numa terra pequena haver duas ou tres aulas de portuguez, francez, geometria, physica, chimica, etc., etc.?

É uma despeza muito escusada, mas o projecto não attende a isto, porque a questão é de collocar afilhados.

De maneira que, se a cidade de Guimarães quizer levar para lá uma escola do exercito, póde o governo fazer-lhe a vontade e crear-se uma escola do exercito! (Riso.)

Não se riam, porque é isso que se deduz do projecto. Pois não póde o governo crear as disciplinas que entender? É claro que pôde.

Se a cidade de Guimarães entender, que deve ter lá uma escola de medicina, está o governo auctorisado a creal-a.

Veja v. exa. a que absurdos isto nos póde levar!

Note v. exa. que os cavalheiros de Guimarães são muito boas pessoas, mas são muito exigentes.

O governo não imagina o que está imminente sobre a sua cabeça.

Por este projecto póde ter creado uma escola de medecina ou de direito em Guimarães, e até mesmo póde ser creada uma universidade, por que está auctorisado para isso pelo projecto.

O concelho de Guimarães é muito populoso, tem mais de 40:000 pessoas, dá muitos estudantes para a universidade de Coimbra, que frequentam quasi todos os cursos que ali se professam, dá muitos estudantes para os diversos cursos militares, e como o governo, póde pelo projecto crear as cadeiras que entender mais convenientes com as necessidades locaes, segue-se que póde crear uma verdadeira universidade, porque é mais conveniente á localidade que os seus filhos estudem ali do que vão para fóra.

Guimarães nunca desejou tal cousa; o que Guimarães desejou foi, que se conservasse ali a collegiada como tem estado até agora. Mas como as collegiadas estão extinctas pela lei de 1869, entendeu, que não podia pedir o exclusivo para si por que as collegiadas, como a de Barcellos e outras, tinham o mesmo direito.

Portanto Guimarães pediu para se alterar a lei de 1869 a, fim de a collegiada ficar existindo tendo os seus conegos onus de ensino.

Eu tenho aqui todos os discursos que tive a honra de proferir n'esta casa por varias vezes, assim como os do sr. Franco Castello Branco que não leio, por que não quero que se diga que estou fazendo obstrucionismo, mas por elles se vê que estivemos sempre de accordo e o que Guimarães pedia. Agora o governo quer dar-lhe uma universidade. Eu não digo que não, porque tenho muita predilecção por aquella terra.

Os illustres deputados, que quizerem entrar n'este debate terão, não direi nos meus discursos, mas nos do sr. Franco Castello Branco, elementos para conhecerem esta questão a fundo. Mas isto são elementos particulares que podem não merecer confiança aos illustres deputados.

O governo devia ter mandado á camara os documentos pedidos, que são o relatorio do sr. Brito de Seixas, o officio do sr. arcebispo de Braga e a nota do rendimento da collegiada, assim como o dinheiro accumulado do rendimento do D. Prior, logar que está vago ha muitos annos.

Tudo isto falta.

Não leio agora, para não fatigar a attenção da camara, alguns trechos dos meus discursos, que trazia apontados e para os quaes tencionava chamar a attenção dos meus collegas.

E não leio tambem, porque estou convencido de que todos os meus collegas me acreditam quando digo que n'este ponto andei sempre em conformidade do pensar com o sr. Franco Castello Branco, embora este meu procedimento desagradasse muitas vezes á localidade.

Effectivamente desagradou, porque me parece que lá imaginam que nós havemos de andar sempre á pancada, uns aos outros, o que não podo ser.

Nós não andamos nem devemos andar sempre á pancada e eu por mim desejo acima de tudo ser justo.

Aprouvera a Deus que eu podesse sempre applaudir os actos politicos dos meus adversarios. Isto provava que o paiz não andava mal governado, e eu o que desejo sobretudo é o bem do paiz.

Parece-me que a minha moção traduz bem as minhas idéas, e, se não traduz, vou mandar para a mesa outra proposta.

O sr. ministro da justiça disse que esta questão não é politica, mas simplesmente uma questão de administração. Se s. exa., portanto, concordasse com a proposta que vou mandar para a mesa, acabavam todas as iras, e s. exa. faria um grande serviço á cidade de Guimarães.

Se, como s. exa. disse, e muito bem, que o facto d'este projecto ser approvado ou rejeitado, ou de ser approvado mais tarde, ou de ter sido approvado mais cedo em nada modifica as condições politicas em que está aquelle circulo, eu tambem estou convencido de que, quer seja approvada esta auctorisação, quer seja approvada a proposta que vou mandar para a mesa, as circumstancias politicas de Guimarães ficam exactamente as mesmas.

Preciso antes de terminar fazer algumas reflexões relativamente á altitude do sr. ministro da fazenda.

Eu não desejo, ainda que tivesse agora rasões para isso, ser n'este momento desagradavel ao sr. ministro da fazenda, porque não desejo metter uma nota discordante n'esta questão. N'outros assumptos não me faltam motivos para lhe ser desagradavel, mas emfim, sempre é occasião de o poder ser; e não me faltam motivos para lhe ser desagradavel, porque eu sempre ouvi dizer que amor com amor se paga, e eu sigo á risca esta maxima.

O que desejo dizer é o seguinte:

É de notar que, tendo o actual sr. ministro da fazenda e deputado por Guimarães, apresentado em 1888 um projecto de lei da sua iniciativa, para a modificação da lei de 1869, não o faça vingar hoje que está n'aquelle logar.

Isto é não ter idéas, isto é não ter opiniões. Até n'isto o sr. Franco mostra que anda ás aranhas.

Ha dois annos apresenta aqui um projecto, que está junto a este parecer, e que s. exa. reputava a unica palavra. Esse projecto estava não só de accordo com os desejos dos seus amigos politicos de Guimarães, mas ainda s. exa. estava convencido de que elle satisfazia ás aspirações legitimas da localidade. Se assim é, porque não pugna s. exa. pela approvação desse projecto, e não faz com que a commissão dê sobre elle o seu parecer, e vem pedir uma auctorisação tão lata, tão indefinida?

O governo já fez uma larga dictadura. Isto é outra dictadura que elle se prepara para fazer, e quer que nós collaboremos n'ella.

N'esta occasião ao menos tenham algum respeito pelo parlamento e pelo paiz. Se não houvesse projecto nenhum elaborado, e não houvesse tempo de o elaborar, vá que se

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APPENDICE Á SESSÃO DE 6 DE AGOSTO DE 1890 1744-H

D'esse ao governo uma auctorisação, porém havendo não um projecto mas dois, como é que se faz isto?

Comprehende v. exa. que tendo eu apresentado em 21 de janeiro de 1889 um projecto, cuja iniciativa renovei em 16 de junho d'este anno, e estando este projecto junto a este parecer, eu não posso votar uma auctorisação ao governo.

Por isso vou propor o seguinte:

«Proponho que seja substituido o projecto n.° 147 pelo projecto n.° 3-M de 19 de janeiro de 1889 que está junto a este. = F. J. Machado.»

Este projecto é, como disse, aquelle que eu tive a honra de apresentar n'esta casa, e que satisfaz as aspirações de Guimarães. Convencido d'isso, hei de pugnar pelo meu trabalho. Se não pugno por elle, como hei de esperar que os outros pugnem?

Eu proponho, que o projecto em discussão seja substituido por este; mas, se a camara ainda assim entender que elle deve ser substituido pelo projecto apresentado pelo sr. Franco Castello Branco, quando simples deputado por Guimarães, não vou contra isso, porque desejo fazer ao governo o maximo das concessões que me seja possivel; e estou convencido de que a cidade de Guimarães não ha de senão louvar-nos pelo nosso procedimento.

Se a maioria não quer acceitar o meu projecto por partir de um deputado da opposição, acceite então um projecto apresentado por um seu correligionario que para mais é ministro da fazenda.

Tem a camara dois projectos, um do sr. Franco, que lhe deve ser perfeitamente insuspeito, outro da minha iniciativa, que a camara póde adoptar, porque não ha politica n'esta questão, e não tem necessidade de votar um auctorisação para reformar uma cousa que está consignada em dois projectos de lei! Parece-me que isto é claro.

Se o sr. Franco Castello Branco apresentou á camara, creio que em 1888, um projecto de lei para restabelecer a collegiada de Guimarães com onus de ensino, e ahi traduziu o pensamento não só dos seus amigos de Guimarães, mas de quasi todo o concelho, como é que n'este momento, sendo o sr. Franco Castello Branco ministro da fazenda, não votâmos esse projecto e vem os seus proprios amigos dizer que o que elle fez não presta para nada.

Se por qualquer circumstancia se entende, que o projecto do sr. Franco não está nos casos de ser approvado, então offereço á camara o meu. E se a camara ainda entende que nem um nem outro servem, formule sobre estes dois um outro, mas sobre bases perfeitamente claras e definidas.

Eu mesmo declaro que voto o projecto do sr. Franco Castello Branco; agora o que não posso votar é uma auctorisação indefinida, sem saber o que o governo quer fazer. (Apoiados.)

Tambem não comprehendo a rasão por que o sr. ministro da fazenda não veio aqui defender o seu projecto e permitte que os seus amigos politicos ponham de parte o seu trabalho e venham pedir uma cousa que se não sabe o que é.

O que posso garantir é que s. exa. modelou aquelle projecto de accordo com os seus amigos de Guimarães e em harmonia com as indicações que lhe deram. Sei isto, porque mo disseram alguns d'elles visto que conto muitos amigos no partido regenerador d'aquella terra.

Não comprehendo, portanto, como é que s. exa. vem renegar hoje, as idéas apresentadas não ha ainda muito tempo n'esta casa, e as idéas que então vogavam em Guimarães; porque o projecto foi elaborado, repito, segundo as indicações que de lá lhe deram.

N'essa occasião estavam todos de accordo; o que desejavam era que se restabelecesse a collegiada de Guimarães e é o que no meu projecto e no do sr. Franco Castello Bronco se consegue. A commissão formulou um terceiro projecto em que dá uma auctorisação ampla ao governo para proceder como entender.

Eu, que não desejo alongar muito estas considerações, porque não desejo por fórma alguma deixar de ser coherente com as minhas opiniões e demonstrar a Guimarães e ao paiz inteiro, que quando uma vez digo branco, digo branco toda a minha vida, quando não houver rasões imperiosas que me obriguem a dizer, preto. O que eu não comprehendo, é que um deputado que está a fallar para o paiz, falle de um modo emquanto está nos bancos da opposição e logo que vae para os bancos de poder, renegue immediatamente todo o seu passado e falle d'outro modo sem causa que o justifique. Isto o que prova é que não se procede convictamente.

Ora, eu posso por muitas vezes desempenhar um papel que não agrade a todos os meus amigos politicos; mas procedo convictamente pugnando pelos interesses do paiz e conforme o dicta o meu entendimento. É assim que tenho procedido toda a minha vida.

Se por vezes tenho discordado dos meus amigos politicos, é porque ponho acima de tudo, os dictames da minha consciencia. Talvez o individuo que assim procede seja menos prudente e menos cauteloso, mas o que é, é mais sincero. E n'estas condições vou terminar mandando para a mesa a minha proposta e pedindo ao governo, que visto não ser esta uma questão politica, acceite a substituição d'este projecto pelo meu; e se ainda não quizer o meu, por ser de um deputado da opposição, acceite o que foi apresentado pelo sr. Franco Castello Branco hoje ministro da fazenda.

Termino pedindo desculpa á camara de lhe ter tomado algum tempo.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

Projecto de lei

Senhores.- É por sem duvida ponto indiscutivel que os legisladores, no cumprimento da sua missão, devem orientar-se pela vontade dos povos, quando esta é racional e justa, porque é sempre perigoso, alem de insensato, alterar profundamente, sem que a natural evolução das idéas o reclame, os usos e costumes, a que a sociedade está desde longa data habituada.

É por isto, senhores, que eu julgo conveniente modificar o decreto com força de lei de 1 de dezembro de 1869, pois as representações que ácerca da sua execução têem sido enviadas ao parlamento e ao governo, e a propaganda que a tal respeito se tem feito, já nas camaras legislativas, já em comicios, já pela imprensa periodica, mostram evidentemente a necessidade de introduzir-lhe algumas modificações, de modo que, sem perder de vista as idéas apresentadas no relatorio, que o precedeu, se attenda a reclamações tão instantes.

E se é certo que para conservar tradições gloriosas, ou memorar notaveis succedimentos não é absolutamente indispensavel que as collegiadas continuem a existir, parece-me comtudo que uma excepção deverá fazer-se em relação á insigne e real collegiada de Nossa Senhora da Oliveira, da cidade de Guimarães, instituida por D. Affonso Henriques, que deu nova forma á capella real creada por seu pae o conde D. Henrique, como este havia reformado a instituição de Mummadona, primitiva fundadora d'esta casa nos principios do seculo X, á qual estão ligadas as memorias da fundação do reino e no correr dos tempos tantos e tamanhos acontecimentos da nossa historia, como nenhuma outra corporação identica póde jamais apresentar.

A população, a importância agricola, commercial e industrial da cidade e concelho do Guimarães, o numero dos seus estabelecimentos de instrucção primaria e a avultada somma de estudantes d'aquelle concelho, que frequentam os diversos institutos litterarios do paiz, quer de instrucção secundaria, quer superior, de par com o amor que aquelles povos professam á religião do estado, demonstram

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1744-I DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

bem claramente que suo fundamentadas as muitas representações que por differentes vezes têem subido ao governo e a esta camara no intuito de ser conservada a sua insigne e real collegiada.

Não é de agora a idéa da creação de cadeiras de instrucção secundaria na gloriosa cidade de Guimarães, berço da monarchia portugueza. Bem fallar dos conventos religiosos, e da propria collegiada, que em tempo offereciam ao publico as suas aulas, vemos funccionar em Guimarães uma cadeira de latim em 1774, cujo professor foi nomeado por carta regia de 7 de janeiro d'aquelle anno, e outra de rhetorica, para a qual foi nomeado professor em 24 do mesmo mez e anno, as quaes, com algumas interrupções, continuaram funccionando, especialmente a de latim, até 1869. Em 1860, por decreto de 6 de junho, foi ali croacia uma cadeira de arithmetica, geometria, geographia, lingua franceza e ingleza para ser lida em curso biennal; decreto este que foi modificado pelo de 9 de janeiro de 1802, o qual diminuo ao curso as disciplinas de geographia e lingua ingleza.

Hoje, porém, d'estas cadeiras resta unicamente a lembrança, e foi necessario, para que esta formosa cadeia não se interrompesse, que a iniciativa particular, especialmente a da benemerita sociedade «Martins Sarmento», á qual são sempre minguados os preitos de homenagem que só tributem, viesse supprir a deficiencia do poder central até que este resolvesse a creação da escola industrial.

E se actualmente, pelo estabelecimento da escola «Francisco de Hollanda», a população industrial e commercial de Guimarães póde adquirir os conhecimentos theoricos e praticos para o exercicio das suas profissões especiaes, é necessario tambem que as demais classes não sejam privadas dos beneficios de instrucção, é necessario que os filhos da classe media tenham, como os da classe operaria, um estabelecimento onde possam aprender todas ou grande parte das disciplinas que dão ingresso nos cursos superiores e que boje vão adquirir, com gravosos despendios, a terras estranhas.

Á satisfação d'esta necessidade, á realisação das aspirações, tantas vezes manifestadas pelos vimaranenses, mira este projecto que tenho a honra de apresentar ao vosso esclarecido exame.

É, porém, certo, senhores, que a natureza e fins dos bens da collegiada de Guimarães não consentem que elles sejam applicados, senão em conformidade com o direito canonico recebido no reino, e portanto ás necessidades da Igreja, e tal devia ser uma das considerações que pesou no animo do illustrado ministro da justiça, o sr. conselheiro Beirão, quando em 11 de junho de 1888 affirmou que em these o governo não se oppunha á conservação da collegiada de Guimarães, comtanto que não ficassem prejudicodos os principios religiosos que devem presidir áquella instituição.

Estas rasões, que não devem ser descuradas, levaram-me ao estudo de uma solução, já por mira indicada em 17 de março de 1888, a qual me parece conciliar os principios religiosos e interesses da Igreja, com as intenções e desejos do povo de Guimarães. É a conservação da collegiada com a fundação de um pequeno seminario.

É sabido que em França e nos paizes em que se acham bem organisados os estudos ecclesiasticos é esta instituição muito vulgar e ha dioceses em que existe mais de um petit seminaire. Sirvam de exemplo os arcebispados de Paris e Reims e os bispados de Orleans, Angers e outros. Entre nós tambem se tem reconhecido esta altissima conveniencia, como no bispado do Porto, aonde por iniciativa do ordinario se creou um segundo seminario; no arcebispado de Evora, conservando-se para o mesmo fim o seminario do extincto bispado de Elvas; no de Coimbra, conservando-se o do supprimido bispado de Leiria. E se em algumas dioceses do reino se reconhece a conveniencia da fundação de um segundo seminario, na archidiocese do Braga torna-se esta conveniencia em uma imperiosa necessidade, não só pela grandissima extensão e população do arcebispado, como pelo grande numero de alumnos que se dedicam ao estudo ecclesiastico o mesmo porque o actual edificio do seminario bracharense é insufficiente para os alumnos que n'elle pretendem ser admittidos.

A collegiada de Guimarães possuo os edificios necessarios para a installação das aulas que crearem, e quando n'elles sejam precisas algumas obras para as accommodarem ao novo fim a que se destinam, podem estas ser feitas á custa do rendimento accumulado da cadeira do D. Prior, que se acha em cofre, ficando o
excedente para ser applicado conformo o projecto que apresento.

Adoptando-se, pois, o projecto que elaborei, attende-se a todas as indicações que ficam expostas, que por certo pesarão, alem de outras que a vossa intelligencia vos suggerir no espirito da camara para dar a approvação ao
seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisado o governo a conservar a insigne e real collegiada de Nossa Senhora da Oliveira, da cidade de Guimarães, com todos os seus haveres e rendimentos, e impondo-se ao respectivo quadro capitular a obrigação de ensino, nos termos d'esta lei.

§ 1.° O quadro capitular é fixado em sete conegos e quatro beneficiados, incluindo as respectivas dignidades, obrigados todos ao serviço quotidiano do côro.

§ 2.° N'este numero não se incluo o D. Prior, que é o parocho da freguezia de Nossa Senhora da Oliveira, presidente da corporação capitular e do conselho escolar.

§ 3.° Dois beneficiados indicados pelo D. Prior e confirmados pelo prelado diocesano, serão coadjutores ordinarios e effectivos do parocho.

Art. 2.° O provimento do D. Prior, conegos e beneficiados será por concurso documental feito nos termos da legislação em vigor para o provimento dos canonicatos das sés cathedraes.

Art. 3.° É auctorisado o governo a crear na cidade de Guimarães um pequeno seminario annexo á collegiada da mesma cidade, que sob a superintendencia do prelado diocesano, será dirigido pelo D. Prior.

§ 1.° Todas as despezas com a installação do pequeno seminario, na qual se incluem as obras a fazer na residencia do D. Prior e mais edificios para sua accommodação para as aulas e para a admissão dos alumnos internos, serão feitas á custa do rendimento em cofre pertencente á cadeira do D. Prior, e as despezas subsequentes do pessoal, material, expediente, sustento de alumnos gratuitos, se os houver, e mais accessorios, ficam a cargo dos haveres da referida collegiada, nos quaes ficam incluidos os que são privativos do D. Prior ou de algumas outras dignidades.

§ 2.° As despezas da fabrica e culto da igreja collegiada e parochial de Nossa Senhora da Oliveira, incluindo os legados de missas e outros encargos pios que oneram os bens do D. Prior, das dignidades e todos os outros da collegiada ficam igualmente a cargo da mesma.

§ 3.° O remanescente que houver da importancia em cofre da cadeira do D. Prior, bem como o do actual e futuro rendimento da collegiada depois de satisfeitas as despezas referidas, reverterá para o fundo da dotação do culto e clero.

Art. 4.° O ensino do pequeno seminario comprehenderá as materias indispensaveis para a matricula no curso theologico:

1.° Lingua e litteratura portugueza (primeira e segunda parte).

2.º Lingua franceza.

3.° Mathematica elementar (primeira parte).

4.° Lingua latina (primeira parte).

5.° Geographia e historia.

5.° Philosophia elementar.

Art. 5.° Estas cadeiras serão redigidas pelos sete conegos.

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APPENDICE Á SESSÃO DE 6 DE AGOSTO DE 1890 1744-J

§ 1.° Durante os impedimentos temporarios no exercicio do magisterio de alguns dos conegos professores será a respectiva cadeira regida por turno por um dos beneficiados, isentos das funcções parochiaes, recebendo pró rata a correspondente gratificação.

§ 2.° O prelado diocesano dispensará na residencia coral, quando haja incompatibilidade entre esta e o exercicio do magisterio.

Art. 6.° O ordenado annual do D. Prior é fixado em 700$000 réis, e o de cada um dos conegos em 400$000 réis, e o de cada um dos beneficiados em 860$000 réis.

§ 1.° Os conegos vencerão mais a gratificação de réis 100$000 annuaes cada um, e o conego secretario, alem d'esta, receberá mais a de 100$000 réis para as despezas do expediente, etc.

§ 2.° O D. Prior tem residencia no edificio do pequeno seminario.

Art. 7.° Os conegos que sem motivo justo faltarem ao cumprimento do serviço do magisterio, alem de serem privados da gratificação pro rata, soffrem o desconto de metade do vencimento que lhes competir pelo beneficio, devendo a deducção assim feita ser applicada ao fundo da dotação do culto e clero.

Art. 8.° Haverá um continuo, o qual servirá tambem de amanuense da secretaria, com o ordenado annual de réis 180$000, e dois serventes ou guardas com o ordenado de 80$000 réis cada um.

§ unico. Havendo internato no pequeno seminario, serão creados dois Jogares de perfeitos com o ordenado annual de 180$000 réis cada um.

Art. 9.° Vagando algum beneficio na coliegiada e no pequeno seminario o D. Prior, e na sua falta o conego mais antigo que o deve substituir em todos os seus encargos, fará immediata communicação ao ordinario da diocese e este ao governo, para mandar annunciar o concurso e prover o logar vago nos termos da lei.

Art. 10.º O pessoal inferior é nomeado pelo ministro dos negocios ecclcsiasticos sob proposta de tres nomes, feita pelo D. Prior e remettida pelo ordinario.

§ unico. Esta proposta não terá logar para a primeiras nomeações a fazer.

Art. 11.° Os conegos com mais de trinta annos de bom e effectivo serviço têem direito á aposentação nos termos das leis em vigor.

Art. 12.° (Disposição transitoria). Os actuaes conegos ficam fazendo parte do corpo capitular e unicamente sujeitos ás obrigações do culto côro, recebendo a porção beneficiaria que lhes competia ao tempo da publicação do decreto de 1 de dezembro de 1869, nunca devendo ser inferior á fixada para os novos conegos.

§ unico. Para o preenchimento do quadro fixado n'esta lei não se terão em conta os actuaes conegos.

Art. 13.° A corporação da curaria annexada á collegiada é extincta e os sons haveres ficam fazendo parte do fundo da dotação do culto e clero.

§ 1.° Os actuaes membros da curaria, emquanto não obtiverem qualquer beneficio ecclesiastico, receberão do dito fundo a porção beneficiaria ou quota, que actualmente constituo o seu ordenado.

§ 2.° Pelo mesmo cofre serão satisfeitos os legados de missas e outros encargos pios, que oneram os bens desta cominunidade.

Art. 14.° O governo, ouvido o prelado diocesano, dará as providencias necessarias para a execução d'esta lei.

Art. 15.° Fica revogado n'esta parte o decreto com força de lei de 1 de dezembro de 1869 e mais legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 19 de janeiro de 1889. = Francisco José Machado.

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