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SESSÃO DE 6 DE JUNHO DE 1885

Presidência do exmo. sr. Luiz Adriano de Magalhães e Menezes de Lencastre

Secretarios - os exmos. Srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMARIO

Têem segunda leitura um projecto do sr. Júlio de Vilhena, e uma nota do sr. Germano de Sequeira, renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 64, apresentado em 12 de março de 1874. - Apresentaram representações: o sr. Rocha Peixoto, dos tabelliães e escrivães de direito da comarca de Braga; o sr. Coelho de Carvalho, dos amanuenses da contadoria geral da junta de fazenda publica do estado da índia; o sr. Tito de Carvalho, dos guardas do quadro do arsenal da marinha; o sr. Luiz de Lencastre, da commissão organisadora da colónia portugueza para Huilla. - Concede-se licença ao sr. José de Azevedo Castello Branco para Be ausentar por alguns dias. - Justifica faltas o sr. Correia de Barros. - A requerimento do sr. Sebastião Centeno, por parte da commissão do ultramar, entra em discussão o projecto n.° 51, que tem por fim approvar um regimento para a arrecadação dos bens dos indivíduos fallecidos nas províncias ultramarinas com herdeiros presumptivos ausentes. - Fallam os srs. Elvino de Brito e Vicente Pinheiro, que apresentam propostas, e Sebastião Centeno (relator), e fica a discussão pendente para se passar á ordem do dia.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto n.° 87 (tratado do Zaire). - Faliam os srs. Consiglieri Pedroso e João Arroyo, que apresenta uma moção de ordem, e fica pendente.
Abertura - Ás duas horas e um quarto da tarde. Presentes á chamada - 37 srs. deputados.
São os seguintes: - Moraes Carvalho, Garcia de Lima, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Garcia Lobo, A. J. d'Ávila, Pereira Borges, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Ferreira de Mesquita, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, Elvino de Brito, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Baima de Bastos, João Arroyo, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Correia de Oliveira, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Sebastião Centeno, Vicente Pinheiro, Visconde de Balsemão e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Lúcio, Albino Montenegro, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, António Centeno, António Ennes, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Carrilho, Sousa Pavão, Urbano de Castro, Pereira Leite, Neves Carneiro, Barão de Ramalho, Conde da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, E. Coelho, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Góes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Correia Barata, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, SantAnna e Vasconcellos, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. Alves Matheus, Coelho de Carvalho, Elias Garcia, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascare-nhas, Oliveira Peixoto, Júlio de Vilhena, Lopo Vaz, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Osório, Manuel d'Assumpção, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Pedro Franco, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde das Laranjeiras e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Agostinho Fevereiro, Anselmo Braamcamp, António Cândido, Pereira Corte Real, A. J. da Fonseca, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machaclo, Pinto de Magalhães, Seguier, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Fuschini, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Silveira da Motta, Costa Pinto, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Melicio, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Correia de Barros, José Borges, Dias Ferreira, Laranjo, José Frederico, José Luciano, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Bivar, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Miguel Tudella, Pedro Correia, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Dantas Baracho, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Segundas leituras Projecto de lei

Tenho a honra de mandar para a mesa, e submetter á elevada apreciação desta camará, um requerimento em que os segundos officiaes e amanuenses da secretaria distado dos negócios do reino pedem que se alterem, em parte, os artigos 25.° e 26.° do regulamento de 26 de junho de 1876, no sentido de se lhes assegurar a promoção aos logares iinmediatamente superiores, por meio, ora de concurso de provas escriptas, ora de antiguidade de serviço bom e effectivo.
Esta pretensão afigura-se-me inteiramente justa e fundamentada, pois que melhorando-se a posição dos empregados garante-se ao mesmo tempo o bom desempenho de serviço, ponto culminante a que devem mirar todas as leis ou regulamentos desta natureza.
O bom desempenho dos importantes trabalhos a cargo das secretarias d'estado só se póde esperar e exigir quando os empregados respectivos encontram garantida a sua carreira e n'ella antevêem um futuro, se não abundante e prospero, ao menos que os colloque em condições de satisfazerem às mais imperiosas necessidades da vida material e da posição que occupam na sociedade.
Se os ordenados dos requerentes, segundos officiaes e amanuenses do ministerio do reino, são de ha muito reconhecidamente exíguos, e estão em desharmonia com as exigências do viver actual na capital do paiz, a promessa e a esperança de um melhor futuro de alguma maneira compensará esses empregados da escacez dos seus vencimentos, dispensando assim o estado de lhos elevar, e ao que elle seria compellido, pela força das circumstancias, em um lapso de tempo mais ou menos breve.
Parece-me, portanto, a pretensão dos requerentes não só justa e vantajosa para o serviço, mas tambem indirectamente económica.
Pelos fundamentos que ficam rapidamente apontados e por aquelles que certamente acudirão ao illustrado espirito desta camara e que ocioso seria lembrar, tenho a honra de submetter, conjunctamente com o requerimento de que

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se trata, ao vosso esclarecido exame e approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os Jogares de primeiro e de segundo official do ministerio dos negócios do reino serão providos nos empregados da secretaria de categoria immediatamente inferior, ora por concurso de provas escriptas, ora por antiguidade de serviço, bom e effectivo.
§ uuico. Ficam assim tão sómente modificados os artigos 25.° e 26.° do decreto regulammentar de 26 de junho de 1876
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, aos 28 de maio de 1885. = Julio de Vilhena.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 64, apresentado em 12 de março de 1875, sobre a remissão de foros de que as camarás municipaes sejam directas senhorias. Em 5 de junho de 1880.= Germano de Sequeira, Foi enviada á commissão de legislação civil, ouvida a de administração publica.
O projecto a que se refere a proposta é o seguinte:

Artigo 1.º São auctorisadas as camaras municipaes a remir os foros de que forem directas senhorias, independentemente de licença do governo.
§ 1.° O direito de remir pertencerá ao subemphyteuta, e só não querendo este usar d'elle pertencerá ao emphyteuta.
§ 2.° O preço da remissão será a importância do foro em trinta annos sem laudemio algum, nos casos em que seja devido, e nos emprazamentos em que não haja laude não o preço da remissão será a importância do foro em vinte annos.
Art. 2.° Perderão o direito á remissão os foreiros que a não requererem á camara dentro do praso de um anno a contar da publicação d'esta lei.
Art. 3.° Findo aquelle praso, as camarás não poderão mais remir foro algum, e procederão á venda em hasta publica dos foros que não estiverem remidos, tornando para base da arrematação o preço que se acha determinado para a remissão no § 2.° do artigo 1.° desta lei.
Art. 4.º Estas vendas em hasta publica devem previamente ser auctorisadas pelo conselho de districto, e a ellas deve assistir o agente do ministerio publico na localidade, para fiscalisar os actos da arrematação, fazer convenientes reclamações e interpor os recursos competentes, nos termos do artigo 2.° da lei de 21 de abril de 1873.
Art. 5.° O producto da remissão ou da arrematação será immediatamente convertido ora títulos de divida publica, nos termos da lei de 4 de abril de 1861.
Art. 6.º As camarás, que não quizerem aproveitar-se da auctorisação que por esta lei lhes é concedida, deverão declaral-o dentro do praso de sessenta dias á direcção geral dos próprios nacionaes.
Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario. = Jeronymo da Cunha Pimentel = João Vasco Ferreira Leão.

REPRESENTAÇÕES

1.º Dos tabelliães e escrivães de direito na comarca de Braga, pedindo a revisão do artigo 800.° § 2.° do código do processo civil.
Apresentada pelo sr. deputado Rocha Peixoto, enviada á commissão de legislação civil e mandada publicar no Diario do governo.

2.ª Dos amanuenses da contadoria geral da junta da fazenda publica do estado da índia, pedindo melhoria de situação.
Apresentada pelo sr. deputado Coelho de Carvalho e enviada á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

3.ª Dos guardas do quadro do arsenal de marinha, pedindo augmento de vencimento.
Apresentada pelo sr. deputado Tito de Carvalho e enviada á commissão de marinha, ouvida a de fazenda,

4.ª Da commissão organisadora da colónia portugueza para Huilla, renovando o pedido feito em 13 de maio para se conceder á colónia os elementos de que ella precisa.
Apresentada pelo sr. deputado Luiz de Lencastre e enviada á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTA

Participo a v. exa. e á camara, que o sr. deputado Correia de Barros não compareceu á sessão nocturna de hontem, nem comparecerá às de hoje e talvez a mais algumas por incommodo de saúde. = Albino Montenegro.
Para a acta.

O sr. Azevedo Castello Branco: - Mando para a um requerimento e peço a v. exa. que o submetia á approvação da camara.
É o seguinte:

Requerimento

Requeiro a v. exa. para que me seja permittido ausentar-me por alguns dias desta camara. = José de Azevedo Castello Branco.
Foi concedida a licença.

sr. Coelho de Carvalho: - Mando para a mesa uma representação dos amanuenses da contadoria geral da índia, pedindo melhoria de situação.
O sr. Tito de Carvalho: - Mando tambem uma representação dos guardas do quadro do arsenal de marinha pedindo augmento de vencimento.
Peço a v. exa. que lhe mande dar destino.
O sr. Sebastião Centeno: - Peço a v. exa. que consulte a camara se dispensa o regimento e permitto que entre em discussão o projecto de lei n.° 51, que está escripto na tabella ha muito tempo.
O sr. Presidente (Luiz de Lencastre}: - O sr. Centeno requereu que entre em discussão o projecto de lei n.° 51 da iniciativa do governo.
Vou consultar a camara.
O sr. Lobo d'Ávila: - Sr. presidente, não ha numero na sala.
O sr. Presidente (Luiz de Lencastre): - Estão presentes 54 srs. deputados, por conseguinte vae votar-se.
Approvou-se que entrasse em discussão o projecto n.° 51.
Leu-se na mesa. E o seguinte:

Proposta de lei n.° 51

Senhores.- A vossa commissão do ultramar foi presente a proposta do governo n.° 35-F, que tem por fim transferir das juntas de fazenda para os juizes de direito a arrecadação e liquidação das heranças d'aquelles que morrem nas colónias, sem ahi deixarem herdeiros ou representantes.
Parece á vossa commissão que não será necsssario entrar em largas e fastidiosas dissertações jurídicas para demonstrar o acerto da proposta submettida ao seu exame, em largas explanações históricas para convencer-vos da necessidade inadiável de tirar às juntas de fazenda a competência legal para a arrecadação de heranças, tão alheia á sua Índole e missão.
As juntas de fazenda administram os bens nacionaes existentes nas colónias, arrecadam nos seus cofres as receitas publicas, têem a seu cargo a satisfarão das despezas auctorisadas por lei, e a superintendência sobre todos os ramos de serviço que se ligam com o thesouro colonial.

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Instituição delegada da administração geral do estado, a sua missão é gerir os interesses públicos, e de modo algum involver-se nos negócios que prendem, com os direitos individuaes dos cidadãos.
Ao poder judicial compete, segundo os bons princípios e conforme a legislação vigente, conhecer dos direitos individuaes e resolver as questões que a respeito d'elles possam suscitar-se.
A arrecadação e liquidação de heranças é incontestavelmente assumpto de interesse particular dos cidadãos, que a respeito d'ellas têem direitos a exercer e deveres a cumprir, direitos e deveres, que hão de ser apreciados nos termos da legislação civil pelo poder competente o judicial.
É, pois, com menoscabo dos bons principies que a arrecadação das heranças dos ausentes tem continuado até hoje confiada às juntas de fazenda, mormente depois que o código civil foi applicado ao ultramar por decreto de 18 de novembro de 1869, o qual no artigo 8.° revoga toda a legislação anterior, que recair nas matérias civis., que o mesmo código abrange.
A arrecadação de heranças é matéria civil abrangida ou comprehendida no código, que tambem estabelece a maneira de precaver os direitos dos herdeiros ausentes do logar da abertura da herança.
Portanto, desde que o código civil começou a vigorar no ultramar, isto é; desde 1 de julho de 1870, devia ter cessado a intervenção das juntas de fazenda nos negócios que fazem o objecto da presente proposta de lei.
Vem ella dar satisfação aos bons princípios, prover a uma necessidade por todos confessada e reconhecida, e por isso a vossa commissão entende que merece a approvação do poder legislativo.

Estabelece no artigo 34.° que para as habilitações dos herdeiros é competente o juízo da naturalidade do fallecido, quer as heranças consistam em bens existentes no ultramar, quer no producto d'elles enviado para a caixa geral de depósitos, e assim deroga o n.° 1.° do artigo 38.° do código de processo civil e modifica o artigo 694.° do mesmo código.
Visa esta alteração da lei vigente a facilitar aos herdeiros a sua habilitação, a tornar esta menos dispendiosa, e porventura mais expedita.
Não ha rasão alguma que justifique a permanência da excepção consignada noa artigos citados, a qual vem de longa data, porque a competência legal e moral dos juizes é a mesma, e não póde augmentar, ou diminuir, pelo facto d'elles exercerem as suas funcções em localidade mais ou menos importante.
D'esta disposição resulta, como corollario, o § único, inserido pela vossa commissão, pois que as rasões que justificam o texto do artigo, são igualmente applicaveis á doutrina do paragrapho.
Para a entrega dos bens nas colónias exige-se actualmente, com fundamento no artigo 4.° do alvará de 27 de julho de 1765, que a sentença de primeira instancia seja confirmada pelo tribunal superior; que no processo de habilitação se justifique que os herdeiros não podem transportar-se às colónias, para ahi receberem pessoalmente os bens da herança; e bem assim a capacidade, ou idoneidade do procurador por elles constituído.
Entende a vossa commissão, de accordo com o governo, que nenhuma rasão plausível justifica a exigência da confirmação da sentença pelo tribunal de segunda instancia, e conseguintemente a appellação obrigatória, ou pelo justificante habilitando, ou pelo ministerio publico, porque é um embaraço inútil, um encargo pesado, uma dilação violenta para os herdeiros.
Se a sentença não é conforme com os bons princípios, se offende a lei, se não aprecia devidamente a prova dos autos, etc., ao ministerio publico, ou a qualquer interessado assiste o direito de appellar no praso legal.
Se, porém, a sentença é conforme com os bons principies, se não offende a lei, se aprecia devidamente prova dos autos, etc., porque demorar a sua execução em um recurso officioso e inútil?
Fique, pois, ao representante da sociedade e aos interessados, o direito amplo de interporem os recursos legaes, quando assim convenha aos interesses que representam em juizo, mas não se lhes imponha a obrigação de recorrerem, ainda mesmo quando em sua consciência julguem desnecessário.
Entende tambem a vossa commissão que deve acabar a exigência de se justificar a impossibilidade de os herdeiros se transportarem às colónias para haverem as heranças, porque não póde rasoavelmente impor-se a pessoa alguma a obrigação de ir ali para tal fim, e nenhuma lei vigente a consigna.
Ao contrario o artigo 1332.° do código civil, em vigor na metrópole e no ultramar, expressamente preceitua que qualquer póde mandar fazer por outrem todos os actos jurídicos que por si póde praticar e que não forem meramente pessoaes.
Ninguém dirá que a recepção de uma herança seja um acto meramente pessoal, e que por isso não possa ser commettido a um procurador.
Se o fosse, absurda seria a admissão de procurador constituído pelo herdeiro impossibilitado de transportar-se às províncias de além-mar.
Opina igualmente a commissão que deve tambem cessar a justificação da capacidade, ou idoneidade do procurador.
O mandato é um contrato, cuja validade depende, alem dos requisitos especiaes marcados no artigo 1318.° e seguintes do código civil, das condições geraes estabelecidas no artigo 643.° do mesmo código, isto é da capacidade dos contrahentes, do mutuo consenso, e de objecto possível.
Se, pois, o herdeiro tem capacidade para obrigar-se validamente, e bem assim o procurador por elle escolhido; se entre si accordaram nas condições e modo como devo ser exercido o mandato, e o objecto deste não é reprovado pelas leis; só a procuração satisfaz na sua forma externa às formalidades legaes; o contrato de mandato está perfeito, o mandante e mandatário contrahem direitos e obrigações reciprocas.
Se o mandatário não cumpre as condições do contrato, o mandante tem contra elle acção nos termos dos artigos 1336.° a 1342.° do código civil.
A inobservância do contrato por um, ou por outro dos pactuantes é questão a dirimir entre elles.
Não tem o estado direito algum a indagar previamente da idoneidade do mandatário, constituído pelo herdeiro que a si imputará a má escolha que porventura tenha feito.
Ao estado pelos seus agentes compete sómente verificar se a procuração é valida, e se aquelle que a apresenta é o próprio, a quem os poderes foram conferidos pelo mandante, ou substabelecidos pelo mandatário para isso devidamente auctorisado.
Dadas estas condições, ha de tel-a por legal e bastante para a entrega de bens a quem a apresentar, e se este não for idóneo, se distrahir em seu proveito os bens da herança ou por qualquer outra forma violar a fé do contrato, o mandante procederá contra elle, conforme a hypothese, e noa termos da legislação em vigor.
Nenhuma responsabilidade cabe por isso ao estado.
Outras ligeiras modificações fez a vossa commissão na proposta do governo, tendentes a esclarecer mais o pensamento fundamental da mesma proposta, a evitar duvidas futuras, ou a exigir mais solemnidades e garantias para o levantamento de dinheiro existente nos cofres, onde virão a ser arrecadados os espólios.
Com as modificações apontadas e com as que á vossa illustração suggerir o estudo da proposta, é de parecer a

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commissão do ultramar que ella deve ser approvada, depois de convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É approvado o seguinte regimento para a arrecadação dos bens dos indivíduos fallecidos nas províncias ultramarinas com herdeiros presumptivos ausentes d'ellas.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Regimento para a arrecadação dos bens dos indivíduos fallecidos nas provindas ultramarinas com herdeiros presumptivos ausentes d'ellas

Artigo 1.° A arrecadação, administração e liquidação das heranças cios indivíduos que fallecerem nas províncias ultramarinas, sem testamento, com herdeiros presumptivos ausentes das mesmas provincias, competem às justiças ordinárias da comarca onde se der o óbito, segundo o disposto no código civil e no código do processo civil, com as especialidades determinadas no presente regimento.
§ único. Será feita nos termos da lei commum a arrecadação da herança, ainda que em parte pertença a herdeiros ausentes, quando estiver presente o cônjuge do fallecido, ou algum herdeiro, ou quando o fallecido tenha deixado testamento.
Art. 2.° Fallecendo alguém, cujos bens devam ser arrecadados, na forma deste regimento, é obrigada qualquer pessoa que morasse com o fallecido a dar parte do fallecimento, no praso de quarenta e oito horas, ao representante do ministerio publico da comarca em que o fallecido residia, sob pena de multa de 5$000 a 100$000 réis.
Art. 3.° O ministerio publico, logo que por qualquer forma tenha noticia do fallecimento, requererá ao respectivo juiz de direito, que proveja no que for de urgência quanto á segurança dos bens do fallecido; e bem assim que se comece o inventario com a menor dilação possível, e em todo o caso dentro do praso de trinta dias contados da data do fallecimento.
§ unico. A participação mencionada no artigo antecedente, quando a houver, irá sempre junta ao requerimento do ministerio publico.
Art. 4.° Se o juiz não for requerido, e tiver noticia de que se dá o caso de proceder a inventario, nos termos do presente regimento, assim o mandará desde logo, com citação do ministerio publico, que promoverá o que for de justiça contra quem não tiver feito as devidas participações.
§ único. Se o juiz achar que houve negligencia da parte do ministerio publico, assim o communicará ao competente magistrado da segunda instancia.
Art. 5º O representante do ministerio publico que não promover o inventario, e o juiz que não proceder nos termos devidos, serão responsáveis por todos os prejuízos que por sua culpa ou negligencia, os ausentes venham a padecer.
Art. 6.° O juiz, com assistência do ministerio publico, fará que se proceda na sua presença á imposição de sellos, e tomará todas as outras providencias que lhe parecerem necessárias para segurança dos bens do fallecido.
Art. 7.° O juiz mandará proceder em seguida ao arrolamento, o qual será feito pelo escrivão de semana, presidindo o juiz, e assistindo o ministerio publico, na presença de duas testemunhas.
Art. 8.° O juiz, ouvido o ministerio publico, ou a requerimento d'elle, nomeará depositário idóneo que proveja á guarda e administração dos bens arrolados.
Art. 9.° A herança do negociante fallecido, se elle tinha sociedade, será administrada, sob a inspecção do juízo, pelo sócio sobrevivente; sendo a sociedade de mais de dois, pelos socios gerentes; e na falta destes por
aquelles em quem todos, ou a maior parte dos sócios concordarem.
Art. 10.° A herança do negociante fallecido sem sociedade, que ficar onerada com dividas da importância de 1:000$000 réis, e dahi para cima, provenientes de transacções commerciaes, será administrada por um ou mais da principaes credores, ou seus bastantes procuradores, propostos pelos credores residentes na comarca, e approvados pelo juiz.
§ único. Para este effeito, logo que em juizo constem em forma legal os nomes dos credores, o juiz os convocará a uma reunião, a fim de accordarem no administrador da herança, e quando estejam ausentes, ou não compareçam, o juiz, com audiencia do ministerio publico, encarregará a administração a um fiel depositário, procedendo entretanto á venda, em hasta publica, dos géneros que soffrerem com qualquer demora.
Art. 11.° A caução dos administradores, que ficarão sujeitos às obrigações de fieis depositários, será arbitrada por despacho do juiz, a requerimento de qualquer interessado, ou credor, do ministerio publico, ou ex-officio pelo juiz, com audiência d'este.
Art. 12.° A caução poderá ser prestada por meio de hypotheca, deposito ou fiança, e da idoneidade d'ella conhecerá o juiz, ouvido o ministerio publico, e procedendo às diligencias que forem necessárias.
Art. 13.° Os administradores da herança prestarão contas ao juiz, com audiência do ministerio publico. O juiz, sendo necessário, nomeará peritos para as examinar.
Art. 14.° Os administradores da herança terão direito a unia retribuição, que será arbitrada pelo juiz, na proporção do trabalho que hajam tido, depois de ouvido o ministerio publico, não podendo exceder 5 por cento do rendimento da mesma herança.
Art. 15.° A administração termina com a liquidação da herança.
Art. 16.° Feito o arrolamento, serão citados por éditos os herdeiros, credores e quaesquer interessados na herança, para assistirem por si, ou por seus procuradores, ao processo do inventario.
§ 1.° Os éditos serão affixados, um na porta do tribunal, outro na porta da casa era que residia o fallecido; e publicados no jornal, official do governo da provincia em que o fallecido residia, e d'aquella em que por acaso haja nascido, e no Diario do governo de Lisboa.
§ 2.° O praso dos éditos não excederá noventa dias, contados da publicação do segundo annuncio no Diario do governo de Lisboa.
Art. 17.° Os bens, depois de avaliados pelos louvados que o juiz nomear, com audiência do ministerio publico, serão vendidos em hasta publica.
§ unico. Da venda poderão ser exceptuados, a requerimento do ministerio publico, ou de algum interessado na herança, os papeis de credito, e os objectos preciosos que, segundo a lei, poderem ser arrecadados na caixa geral de depósitos de Lisboa.
Art. 18.° Os bens de raiz não poderão ser vendidos senão passado um anno depois do fallecimento do auctor da herança. Durante este periodo serão arrendados em hasta publica.
§ único. Exceptuam-se desta disposição:
1.° Os predios urbanos em estado de ruína, cuja reparação seja muito dispendiosa;
2.° Os predios urbanos ou rústicos, quando a importancia do seu valor se tornar necessária para pagamento dos credores.
Art. 19.° As custas do inventario, segundo a tabella dos emolumentos e salários judiciaes em vigor, serão pagas pelos bens da herança arrecadada na província.
Art. 20.° O delegado do procurador da corôa e fazenda, alem dos emolumentos que lhe competirem na conformidade da dita tabeliã, vencerá nas execuções que promover era favor da fazenda dos ausentes, mais 2 1/2 por cento sobre a quantia exequenda á custa do executado.
Art. 21.° O dinheiro, metaes e pedras preciosas, e pá-

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peia de credito, que forem encontrados no espolio, bem como a importância do producto da venda dos bens em hasta publica, e os rendimentos da herança, serão provisoriamente arrecadados á ordem do juiz num cofre a cargo do thesoureiro da fazenda do districto, em que a comarca for situada, sob a inspecção da auctoridade superior da fazenda do mesmo districto.
Art. 22.° Os objectos e valores mencionados no artigo antecedente que tiverem de ser arrecadados nos cofres a cargo dos thesoureiros da fazenda, não serão recebidos sem guia em duplicado, passada pelo escrivão competente, rubricada pelo juiz, e com o visto do representante do ministerio publico.
§ 1.° As guias deverão declarar o nome do fallecido, a sua naturalidade, a residência ao tempo do fallecimento, o objecto remettido e o numero da verba ou verbas do arrolamento em que estiver descripto.
§ 2.° Nas guias de remessa de dinheiro, ou objectos preciosos, deverá tambem declarar-se a espécie de moeda, o peso, valor e signaes de cada peça, e
juntar-se a cada uma d'ellas um rotulo indicando a quem pertence.
§ 3.° Os duplicados das guias serão visados pelo funccionario superior de fazenda, depois de lançada a partida de receita em livro especial. Um dos duplicados, com o recibo do thesoureiro da fazenda, será entregue ao porta dor para se juntar ao processo do inventario, e o outro ficará em poder do mesmo thesoureiro.
§ 4.° Se as guias não forem suficientemente explicitas, por falta de alguma das indicações, a que se referem os §§ 1.° e 2.° deste artigo, ou por outro motivo, e se não forem sufficientemente authenticas na sua forma externa, poderá a auctoridade superior da fazenda do districto solicitar do juizo competente a reforma das mesmas guias, ou os esclarecimentos que reputar necessários.
Art. 23.° Os mandados de despeza serão passados pelo escrivão, assignados com o nome por inteiro do juiz, e sellados com o sêllo do juizo, depois de ouvido o ministerio publico, e deverão declarar, alem do seu objecto, o nome da pessoa a favor de quem forem expedidos, a rã são da despeza, por conta de que espolio é feita, a data do despacho ou decisão que a auctorisar e as folhas do processo onde estiver lançado.
§ 1.° Os mandados serão cumpridos pelos thesoureiros com o visto do funccionario superior da fazenda do districto em que a comarca estiver situada, depois de registados e archivados devidamente.
§ 2.° A estes mandados é applicavel e disposto no § 4.° do artigo antecedente.
Art. 24.° Para o effeito dos artigos antecedentes haverá nas repartições de fazenda publica tantos livros de contas correntes quantas forem as comarcas, em que o districto estiver dividido.
§ 1.° Abrir-se-ha para cada espolio uma conta distincta, e n'ella se lançarão, á proporção que se apresentarem, as partidas de receita e despeza á vista das guias e mandados.
§ 2.° Cada escrivão do juizo de direito terá para o mesmo fim um livro com igual disposição, devendo notar nas guias e mandados as folhas do livro em que ficarem registadas as correspondentes partidas do receita e despeza.
§ 3.° Os livros dos cartórios serão fornecidos pelos escrivães, terão termos de abertura e encerramento, serão numerados e rubricados pelo respectivo juiz e isentos do imposto do sêllo.
§ 4.° Os livros da fazenda serão por esta fornecidos, terão igualmente termos de abertura e encerramento, sendo as folhas numeradas e rubricadas pelo empregado superior da mesma fazenda.
Art. 25.° O funccionario superior da fazenda publica e o thesoureiro, aos quaes se referem os artigos antecedentes, alem de solidariamente responsáveis nos termos da legislação civil, ficam, como fieis depositários, sujeitos a responsabilidade criminal, pela boa arrecadação dos valores e mais objectos pertencentes a estas herança.-.
§ 1.° Os governadores, nas providencias e districtos que administram, mandarão dar repetidas vezes balanço aos cofres, em que se arrecadarem os bens dos defuntos e ausentes, fazendo verificar os saldos em caixa, e cenferil-os com os livros e documentos comprovativos.
§ 2.° Para cada cofre haverá um livro caixa, em que só lançarão as partidas de debito e credito, á proporção que entrarem ou saírem por ordem do juizo.
Art. 26.° Se durante a administração da herança apparecerem os herdeiros legalmente habilitados, ou seus procuradores com poderes especiaes, ser-lhes-hão entregues 03 bens no estado em que se acharem.
Art. 27.° Liquidada a herança, o juiz, a requerimento do ministerio publico, fará remetter, á custa da mesma herança, pelo meio mais seguro e económico, para a caixa geral de depósitos de Lisboa, por intermédio do ministerio da marinha e ultramar, o producto liquido do espolio.
Art. 28.° Nas localidades em que não houver juiz de direito, as arrecadações serão feitas pelas auctoridades que exercerem as funcções de juiz ordinário, limitando-se a tomar todas as providencias conservatórias que forem necessárias para evitar o extravio dos bens, e a enviar sem demora para a sede da comarca á ordem do juiz de direito os objectos que for possível remetter, não lhes sendo permittido fazer venda de cousa alguma sem ordem do juizo.
§ único. Por occasião do fallecimento do auctor da herança, as ditas auctoridades mandarão lavrar auto de arrolamento, que depois de concluído remetterão ao juiz da comarca no mais curto praso, dando na mesma occasião parte da remessa ao ministerio publico.
Art. 29.° Fallecendo alguma pessoa a bordo de um navio em viagem para alguma província ultramarina, o capitão do navio fará arrecadar o espolio na presença de duas testemunhas, pelo menos, dentre as pessoas mais auctorisadas, descrevendo-se os objectos encontrados num inventario por ellas assignado, e remetterá tudo para a alfândega do primeiro porto do ultramar em que fundear, á ordem do juiz de direito, a quem dará conhecimento do occorrido.
Art. 30.° Nas localidades em que houver agente consular, os espólios dos estrangeiros serão arrecadados em conformidade das estipulações internacionaes, e onde não o houver observar-se ha a esse respeito o que vae disposto neste regimento para os súbditos portuguezes.
Art. 31.° O espolio dos militares fallecidos no quartel, ou no hospital, será arrolado no mesmo quartel sob a inspecção do commandante, e remettido logo com o competente auto ao juizo respectivo para os effeitos d'este regimento.
Art. 32.° Nos casos não previstos no presente regimento observar-se-hão, na pai te applicavel, as disposições do código do processo civil com as modificações estabelecidas no decreto de 4 de agosto de 1881.
Art. 33.° Cessam de ora em diante as percentagens que eram deduzidas no ultramar do producto das heranças a titulo de pagamento de despezas com a arrecadação, e de gratificações aos empregados das juntas, e delegados da fazenda publica.
Art. 34.° São da competencia do juizo de direito da naturalidade das pessoas que fallecerem na-; províncias ultramarinas as habilitações ácerca de heranças arrecadadas nas mesmas províncias, quer consistam em bens existentes no ultramar, quer no producto d'elles remettido para a caixa geral de depósitos.
§ único. São igualmente da competência do mesmo juizo quaesquer causas tendentes a obter pagamento pelo producto das referidas heranças, arrecadado na caixa geral de depósitos.
Art. 35.° Para a entrega dos bens existentes no ultra-

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mar basta que haja sentença do juizo de primeira instancia, proferida no processo de habilitação, com transito em julgado, e cessa de ser necessario justificar a impossibilidade do comparecimento dos herdeiros, e a idoneidade dos procuradores por elles constituídos.
Art. 36.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão do ultramar, 22 de abril de 1885. = João Eduardo Scarnichia = Henrique da Cunha Mattos de Mendia = Tito Augusto de Carvalho - António Joaquim da Fonseca = João de Sousa Machado = Pedro G. dos Santos Diniz = L. Cordeiro = Joaquim José Coelho de Carvalho = Urbano de Castro = S. R. Barbosa Centeno, relator.

A commissão de legislação civil concorda com o parecer da illustre commissão do ultramar.
Sala das sessões da commissão, 25 de abril de 1880.= Fernando Afonso Geraldes = José Novaes = Franco Castello Branco = João Arroyo =Luiz Gonzaga dos Reis Torgal = Firmino J. Lopes = Joaquim Germano de Sequeira = Martinho Camões = Pereira Leite.

N.° 35-F

Senhores. - A legislação que tem regido o importante assumpto das heranças ultramarinas abrange duas epochas distinctas. A primeira começou com o regimento de 10 de dezembro de 1613 e terminou com o decreto de 18 de setembro de 1844, quando as heranças eram ainda de grande valor em quasi todas as possessões do ultramar. Foi este decreto que transferiu das auctoridades judiciaes para as juntas de fazenda a administração dos bens dos ausentes, pondo no preambulo bem em relevo o deplorável estado a que ella tinha chegado em todas as províncias. A segunda epocha decorre desde 1844 até hoje.
Não obstante terem sido promulgados durante os últimos quarenta annos vários decretos e regulamentos, tendentes todos a melhorar este ramo do serviço e a corrigir antigos abusos, é certo que não têem cessado os clamores geraes levantados pelos herdeiros, credores e outros interessados contra o actual systema, que não. correspondeu ao que d'elle se esperava.
Com effeito as juntas de fazenda, ordinariamente compostas de pessoas pouco versadas na sciencia do direito, têem de sujeitar as suas resoluções, dependentes de conhecimentos jurídicos, ao único vogal letrado, ao agente do ministerio publico; e das resoluções das juntas só ha recurso para o governo de Portugal. As funcções administra a vás próprias destes tribunaes absorvem por tal forma a attenção dos empregados que os constituem, que necessariamente ou o serviço da fazenda publica ha de soffrer ou a administração dos ausentes. A estes defeitos accrescem as irregularidades muitas vezes notadas na arrecadação dos espólios.
Tendo assim entrado na opinião geral o convencimento de que as juntas de fazenda são impróprias para superintender neste serviço, forçoso é regular o que nesta parte determina o código civil, mandado por em vigor no ultramar por decreto de 18 de novembro de 1869.
As circumstancias actuaes são muito differentes do que eram em 1844. Todas as províncias ultramarinas estão ligadas regularmente com o continente pôr meio de communicações fáceis e rápidas; em todas ha magistrados habilitados, e o sufficiente numero de comarcas para acudir às mais instantes necessidades.
A legislação do reino sobre ausentes não poderia, comtudo, ser litteralmente applicada ao ultramar, sem se introduzirem algumas modificações determinadas pelas circumstancias peculiares das províncias. E preciso, pois, estabelecer algumas providencias especiaes tendentes a assegurar a conservação dos bens da herança, e a dar ao ministerio publico como parte principal, acção directa no processo.
A arrecadação do dinheiro, metaes e pedras preciosas e papeis de credito
parece-me dever ser commettida aos thesoureiros da fazenda publica, sob sua responsabilidade, e do empregado superior da mesma fazenda, como fieis depositários ; não podendo valor algum dar entrada no cofre nem saída senão á ordem do juizo de direito, com audiência do ministerio publico, havendo para este effeito os livros que parecerem necessários para se realisar a devida fiscalisação tanto nos cartórios dos escrivães, como nas repartições da fazenda, e determinando-se que os governadores façam dar balanços aos cofres, e conferir os saldos dos espólios.
Esta arrecadação será provisória, porque o producto das heranças deverá ser remettido no mais breve praso para a caixa geral de depósitos.
Considero preferível entregar aos empregados da fazenda os valores liquidados das heranças a crear thesoureiros especiaes, que certamente não dariam melhores nem iguaes garantias de fidelidade.
Com relação aos espólios dos individuos que fallecerem nas localidades em que não houver juizes de direito, a arrecadação deve ser incumbida às auctoridades que exercerem as funcções de juizes ordinários, comtanto que se limitem a tomar meras providencias conservatórias para evitar o extravio dos bens, devendo enviar sem demora para a sede da comarca á ordem do juiz de direito, os objectos que for possível remetter.
Nos pontos afastados das sedes das comarcas igual confiança merecem as auctoridades administrativas; ou para melhor dizer os mesmos individuos exercem tanto uma como outra jurisdicção.
Póde, comtudo, esperar-se que nesses pontos não haverá muito que arrecadar; e quando, por excepção, succeda apparecer alguma herança de valor, o juizo dará as providencias que o caso exigir, e poderá reclamar, se tanto for necessário, a cooperação da auctoridade superior administrativa. Não seria admissível que, por causa de uma ou outra herança que possa haver longe dos maiores centros de população, continuasse a maioria dos interessados nesta matéria a soffrer os prejuízos já conhecidos, muito mais quando não se prova que a acção das juntas de fazenda nesses pontos fosse mais efficaz do que o ha de ser a dos magistrados judiciaes.
Devolvida pelo modo indicado às justiças ordinárias a jurisdicção sobre os bens dos ausentes, têem os interessados de ficar sujeitos ao pagamento das custas judiciaes. Não póde tambem a herança deixar de ficar onerada com a percentagem, devida como retribuição, a quem administrar os bens que a constituírem. Ha ainda a pagar a contribuição do registo, a transferencia do dinheiro para Lisboa, e o imposto de 3/4 por cento, que antigamente correspondia aos proes do escrivão da mesa da consciência e ordens, depois passou para as secretarias d'estado como emolumento, e que é hoje cobrada como contribuição pelo thesouro publico. Nestes termos não parece que possam as heranças continuar a estar sujeitas á deducção de 10 por cento estabelecida nas antigas leis.
Reputo do maior alcance facilitar aos herdeiros residentes em Portugal a prompta e menos dispendiosa recepção dos valores que lhes hajam pertencido.
Pelos artigos 38.° e 694.° do código do processo civil as habilitações ultramarinas são da exclusiva competência do juizo de direito da 1.ª vara de Lisboa; porém, não ha rasão alguma hoje que justifique este preceito, contra o qual têem reclamado os herdeiros que habitam logares distantes da capital.
A excepção estabelecida nos artigos citados tem origem na legislação antiga, cujas disposições passaram para as differentes reformas judiciaes, que deram esta competência ao juiz de direito da 1.ª instancia commercial de Lisboa, e ultimamente passou para o juizo da 1.ª vara.
Não é justo que os herdeiros residentes no reino sejam

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obrigados a vir das mais remotas provincias fazer as suas habilitações em Lisboa, onde têem de despender muito mais do que na comarca da residência, porque os emolumentos judiciaes são aqui mais elevados, e muito maiores os honorários dos advogados e procuradores.
A necessidade de expedir da capital deprecadas para as comarcas da naturalidade do auctor da herança, vulgarmente a mesma dos herdeiros habilitandos, faz demorar muito mais do que deveria ser as habilitações. Re o juiz de direito dessas comarcas tem competência para inquirir as testemunhas, no cumprimento d'aquellas deprecadas, e processar e julgar todas as outras habilitações que correrem pelo juizo, nada ha que justifique o não se lhe reconhecer a mesma competência quando se trata de heranças ultramarinas. Muito mais rasoavel será processar e julgar as habilitações perante o juiz de direito da comarca da naturalidade do auctor da herança, onde é provável que existam os documentos necessários, e as testemunhas que reconheçam a identidade do fallecido, e seus herdeiros.
A mesma excepção é extensiva às habilitações das heranças dos indivíduos fallecidos em paizes estrangeiros, cujos espólios são arrecadados pelos cônsules de Portugal.
Convencido, portanto, da necessidade de providenciar ácerca de todo este importante assumpto, e adoptando o projecto de regulamento organisado por uma illustre commissão de que fizeram parte verdadeiras competencias jurídicas e administrativas, e sobre o qual recaiu consulta favorável da junta consultiva do ultramar, cabe-me a honra de apresentar á vossa consideração a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É approvado o seguinte regimento, para a arrecadação dos bens dos indivíduos fallecidos nas províncias ultramarinas com herdeiros presumptivos ausentes d'ellas.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negócios da marinha e ultramar, 30 de março de 1885.= Manuel Pinheiro Chagas.

Regimento para a arrecadação dos bens dos indivíduos fallecidos nas províncias ultramarinas com herdeiros presumpthos ausentes d'ellas;

Artigo 1.° A arrecadação, administração e liquidação das heranças dos indivíduos que fallecerem nas províncias ultramarinas, sem testamento, com herdeiros presumptivos ausentes das mesmas províncias, competem às justiças ordinárias, segundo o disposto no código civil e no código do processo civil, com as especialidades determinadas no presente regimento.
§ único. Será feita, nos termos da lei commum, a arrecadação da herança, ainda que em parte pertença a herdeiros ausentes, quando estiver presente o cônjuge do fallecido ou algum herdeiro, ou quando o fallecido tenha deixado testamento.
Art. 2.° Fallecendo alguem, cujos bens devam ser arrecadados, na forma deste regimento, é obrigada qualquer pessoa, que morasse com o fallecido, a dar parte do fallecimento, no praso de quarenta e oito horas, ao representante do ministerio publico da comarca em que o fallecido residia, sob pena de multa de 5$000 a 100$000 réis.
Art. 3.° O ministerio publico, logo que por qualquer forma tenha noticia do fallecimento, requererá ao respectivo juiz de direito, que proveja no que for de urgência quanto á segurança dos bens do fallecido; e bem assim que se comece o inventario com a menor dilação possivel e em todo o caso dentro do praso de trinta dias, contados da data do fallecimento.
§ único. A participação mencionada no artigo antecedente, quando a houver, irá sempre junta ao requerimento do ministerio publico.
Art. 4.º Se o juiz não for requerido, e tiver noticia de que se dá o caso de proceder a inventario, nos termos do presente regimento, assim o mandará desde logo, com intimação do ministerio publico, que promoverá o que for de justiça contra quem não tiver feito as devidas participações.
§ único. Se o juiz achar que houve negligencia da parte do ministerio publico, assim o communicará ao competente magistrado da segunda instancia.
Art. 5.° O representante do ministerio publico que não promover o inventario, e o juiz que não proceder, nos termos devidos, serão responsáveis por todos os prejuízos que por sua culpa ou negligencia os ausentes venham a padecer.
Art. 6.° O juiz, com assistência do ministerio publico, fará que se proceda na sua presença á imposição de sei-los, e tomará todas as outras providencias que lhe parecerem necessárias para segurança dos bens do fallecido.
Art. 7.° O juiz mandará proceder em seguida ao arrolamento, o qual será feito pelo escrivão de semana, presidindo o juiz e assistindo o ministerio publico, na presença de duas testemunhas.
Art. 8.° O juiz, ouvido o ministerio publico, ou a requerimento d'elle, nomeará depositário idóneo que proveja á guarda e administração dos bens arrolados.
Art. 9.° A herança do negociante fallecido, se elle tinha sociedade, será administrada, sob a inspecção do juizo, pelo sócio sobrevivente; sendo a sociedade de mais de dois pelos sócios gerentes; e na falta destes por aquelles em quem todos, ou a maior parte dos sócios, concordarem.
Art. 10.° A herança do negociante fallecido sem sociedade, que ficar onerada com dividas da importância de 1:000$000 réis, e d'ahi para cima, provenientes de transacções commerciaes, será administrada por um ou mais dos principaes credores, ou seus bastantes procuradores, propostos pelos credores residentes na comarca, e appro-vados pelo juiz.
§ único. Para este effeito, logo que em juizo constem em forma legai os nomes dos credores, o juiz os convocará a uma reunião, a fim de accordarem no administrador da herança, e quando estejam ausentes, ou não compareçam, o juiz, com audiência do ministerio publico, encarregará a administração a um fiel depositário, procedendo entretanto á venda em hasta publica dos géneros que soffrerem com qualquer demora.
Art. 11.° A caução dos administradores, que ficarão sujeitos às obrigações de fieis depositários, será arbitrada por despacho do juiz a requerimento de qualquer interessado o u credor, do ministerio publico, ex-officio pelo juiz com audiência d'este.
Art. 12.º A caução poderá ser prestada por meio de hypotheeas, deposito ou fiança, e da idoneidade d'ella conhecerá o juiz, ouvido o ministerio publico, e procedendo às diligencias que forem necessárias.
Art. 13.° Os administradores da herança prestarão contas ao juiz, com audiência do ministerio publico. O juiz, sendo necessário, nomeará peritos para as examinar.
Art. 14.° Os administradores da herança terão direito a, uma retribuição, que será arbitrada pelo juiz na proporção do trabalho que hajam tido, depois de ouvido o ministerio publico, não podendo exceder 1 por cento do valor dos bens, nem 5 por cento do seu rendimento.
Art. 15.° A administração termina com a liquidação da herança.
Art. 16.° Feito o arrolamento, serão citados por éditos os herdeiros, credores e quaesquer interessados na herança para assistirem por si, ou por seus procuradores, ao processo do inventario.
§ 1.° O praso dos éditos, segundo as circumstancias, não poderá ser inferior a noventa dias nem exceder seis mezes.
§ 2.° Os editos deverão declarar o dia preciso em que

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findar o praso; serão affixados um na porta do tribunal, outro na porta da casa em que residia o fallecido; e publicados no jornal official do governo da província em que o fallecido residia, e d'aquella em que por acaso haja nascido, e no Diario do governo de Lisboa.
Art. 17.° Os bens, depois de avaliados pelos louvados que o juiz nomear, com audiência do ministerio publico, serão vendidos em hasta publica.
§ único. Da venda poderão ser exceptuados, a requerimento do ministerio publico, ou de algum interessado na herança, os papeis de credito e os objectos preciosos que, segundo a lei, poderem ser arrecadados na caixa geral de depósitos de Lisboa.
Art. 18.° Os bens de raiz não poderão ser vendidos senão passado um anno depois do fallecimento do auctor da herança. Durante este período serão arrendados em hasta publica.
§ 1.° Exceptuam-se d'esta disposição:
1.° Os prédios urbanos em estado de ruína, cuja reparação seja muito dispendiosa;
2.° Os prédios urbanos ou rústicos, quando a importância do seu valor se tornar necessária para pagamento dos credores.
Art. 19.º As custas do inventario, segundo a tabella dos emolumentos e salários judiciaes em vigor, serão pagas pelos bens da herança arrecadada na província.
Art. 20.° O delegado do procurador da corôa e fazenda, alem dos emolumentos que lhe competirem na conformidade da dita tabeliã, vencerá, nas execuções que promover em favor da fazenda dos ausentes, mais 2}/á por cento sobre a quantia exequenda á custa do executado.
Art. 21.° O dinheiro, metaes e pedras preciosas, e papeis de credito, que forem encontrados no espolio, bem como a importância do producto da venda dos bens em hasta publica, e os rendimentos da herança, serão provisoriamente arrecadados, á ordem do juiz, num cofre a cargo do thesoureiro da fazenda do districto em que a comarca for situada, sob a inspecção da auctoridade superior da fazenda do mesmo districto.
Art. 22.° Os objectos e valores mencionados no artigo antecedente, que tiverem de ser arrecadados nos cofres a cargo dos thesoureiros da fazenda, não serão recebidos sem guia em duplicado, passada pelo escrivão competente, rubricada pelo juiz, e com o visto do representante do ministerio publico.
§ 1.° As guias deverão declarar o nome do fallecido, a sua naturalidade, a residência ao tempo do fallecimento, o objecto remettido, e o numero da verba ou verbas do arrolamento em que estiver descripto.
§ 2.° Nas guias de remessa de dinheiro ou objectos preciosos deverá tambem declarar-se a espécie de moeda, o peso, valor e signaes de cada peça, e
juntar-se a cada uma d'ellas um rotulo indicando a quem pertence.
§ 3.º Os duplicados das guias serão visados pelo funccionario superior de fazenda, depois de lançada a partida de receita em livro especial. Um dos duplicados, com o recibo do thesoureiro da fazenda, será entregue ao portador, para se juntar ao processo do inventario, e o outro ficará em poder do mesmo thesoureiro.
Art. 23.° Os mandados de despeza serão passados pelo escrivão, e assignados pelo juiz, depois de ouvido o ministerio publico; e deverão declarar, alem do seu objecto, o nome da pessoa a favor de quem forem expedidos, a rasão da despeza, por conta de que espolio é feita, a data do despacho ou decisão que a auctorisar, e as folhas do processo onde estiver lançado.
§ único. Os mandados serão cumpridos pelos thesoureiros com o visto do fnnccionario superior da fazenda do districto em que a comarca estiver situada, depois de registados.
Art. 24.° Para o effeito dos artigos antecedentes haverá nas repartições da fazenda publica tantos livros de contas correntes quantas forem as comarcas em que o districto estiver dividido.
§ 1.° Abrir-se-ha para cada espolio uma conta distincta, e n'ella se lançarão, á proporção que se apresentarem, as partidas de receita e despeza á vista das guias e mandados.
§ 2.° Cada escrivão do juizo de direito terá para o mesmo fim um livro com igual disposição, devendo notar nas guias e mandados as folhas do livro em que ficarem registadas as correspondentes partidas de receita e despeza.
§ 3.º Os livros dos cartórios serão fornecidos pelos escrivães; terão termos de abertura e encerramento; serão numerados e rubricados pelo respectivo juiz, e isentos do imposto do sêllo.
§ 4.° Os livros da fazenda serão por esta fornecidos; terão igualmente termos de abertura e encerramento, sendo as folhas numeradas e rubricadas pelo empregado superior da mesma fazenda.
Art. 25.° O funccionario superior da fazenda publica e o thesoureiro, aos quaes se referem os artigos antecedentes, serão responsáveis solidariamente por suas pessoas e bens, como fieis depositários, pela boa arrecadação dos valores e mais objectos pertencentes a estas heranças.
§ 1.° Os governadores mandarão dar repetidas vezes balanço aos cofres em que se arrecadarem os bens dos defuntos e ausentes, fazendo verificar os saldos em caixa, e conferil-os com os livros e documentos comprovativos.
§ 2.° Para cada cofre haverá um livro caixa era que se lançarão as partidas de debito e credito á proporção que os valores entrarem ou saírem por ordem do juizo.
Art. 26.° Se durante a administração da herança apparecerem os herdeiros legalmente habilitados, ou seus procuradores com poderes especiaes, ser-lhes-hão entregues os bens no estado em que se acharem.
Art. 27.° Liquidada a herança, o juiz, a requerimento do ministerio publico, fará remetter á custa da mesma herança, pelo meio mais seguro e económico, para a caixa geral de depósitos de Lisboa, por intermédio do ministerio da marinha e ultramar, o producto liquido do espolio.
Art. 28.° Nas localidades em que não houver juiz de direito, as arrecadações serão feitas pelas auctoridades que exercerem as funcções de juiz ordinário, limitando-se a tomar todas as providencias conservatórias que forem necessárias para evitar o extravio dos bens, e a enviar sem demora, para a sede da comarca, á ordem do juiz direito, os objectos que for possível remetter, não lhes sendo permittido fazer venda de cousa alguma sem ordem do juizo.
§ único. Por occasião do fallecimento do auctor da herança, as ditas auctoridades mandarão lavrar auto de arrolamento, que depois de concluído remetterão ao juiz da comarca, no mais curto praso, dando na mesma occasião parte da remessa ao ministerio publico.
Art. 29.° Fallecendo alguma pessoa a bordo de um navio em viagem para alguma província ultramarina, o capitão do navio fará arrecadar o espolio na presença de duas testemunhas, pelo menos, dentre as pessoas mais auctorisadas, descrevendo-se os objectos encontrados, num inventario por ellas assignado, e remetterá tudo para a alfândega do primeiro porto do ultramar era que fundear, á ordem do juiz de direito, a quem dará conhecimento do occorrido.
Art. 30.° Nas localidades em que houver agente consular, os espólios dos estrangeiros serão arrecadados em conformidade das estipulações internacionaes, e onde não o houver observar-se-ha a esse respeito o que vae disposto neste regimento para os súbditos portuguezes.
Art. 31.° O espolio dos militares fallecidos no quartel, ou no hospital, será arrolado no mesmo quartel sob a inspecção do commandante, e remettido logo com o competente auto ao juizo respectivo para os effeitos deste regimento.

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Art. 32.° Nos casos não previstos no presente regimento, observar-se-hão, na parte applicavel, as disposições do código do processo civil, com as modificações estabelecida no decreto de 4 de agosto de 1881.
Art. 33.° Cessam d'ora em diante as percentagens que eram deduzidas no ultramar do producto das heranças a titulo de pagamento de despezas com a arrecadação, ene gratificações aos empregados das juntas e delegados da fazenda publica.
Art. 34.° São da competência do juizo de direito da naturalidade das pessoas que fallecerem nas províncias ultramarinas as habilitações ácerca de heranças arrecadadas nas mesmas províncias, quer consistam em bens existentes no ultramar, quer no producto d'elles remettido para a caixa geral de depósitos.
Art. 35.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negócios da marinha e ultramar, 30 de março de 1885. = Manuel Pinheiro Chagas.

O sr. Elvino de Brito: - Declarou que acceitava o pensamento do projecto posto á discussão, pois representa a aspiração constante dos povos coloniaes. Não discutia a sua generalidade, porque para isto teria de recordar as considerações que por tantas vezes e tão largamente tem feito no parlamento, relativamente á administração financeira do ultramar. Passaria, portanto, a discutir a especialidade do projecto, ou melhor, passaria a apresentar algumas duvidas que assaltaram o seu espirito no extremo consciencioso e imparcial que fez das disposições contidas no regimento, que acompanha o projecto de lei que se discute, e ao mesmo tempo apresentaria algumas propostas de emenda e de additamento, que a commissão e a camara apreciarão no seu devido valor. Não tinha a vaidade ou a pretensão de suppor que cilas seriam acceitas pelo governo e approvadas pela camará. Cumpria um dever apresentando-as, e fazia-o no desejo de esclarecer o contexto do regimento e assim concorrer para que elle seja melhorado na sua redacção e na harmonia das suas disposições, em ordem a ser fácil e utilmente executado.
Antes, porém, de as apresentar, folgava de poder declarar que acceitava plenamente a doutrina da primeira parte do relatório, que precede o projecto, doutrina que te conforma com o que em tempo affirmou ácerca da legislação que deveria regular a arrecadação das heranças no ultramar, depois da promulgação do decreto de 18 de novembro de 1869, que tornou extensivo aos domínios nacionaes o código civil.
O governo poderia ter decretado o regimento, que agora se discute, na ausência do parlamento, depois da promulgação d'aquelle decreto, que derogára toda a legislação anterior, que recaísse nas matérias civis, que o código abrangesse, e, conseguintemente, a arrecadação de heranças.
Estimava, todavia, que o governo venha ao seio do parlamento expor francamente o seu modo de ver em todos os assumptos coloniaes, e, neste caso, até certo ponto, fora a isso obrigado pela alteração que no regimento se fazia dos artigos 38.° e 694.° do código do processo civil.
Esperava que o governo não pararia no caminho que parece querer encetar na reorganisação da fazenda ultramarina.
O primeiro passo era sem duvida o projecto em discussão.
Dava o seu voto ao projecto, e não tinha duvida em declarar que não recusaria o seu apoio e o seu estudo sincero e imparcial, sempre que ao parlamento se apresentassem projectos como aquelle que se estava discutindo.
E opposição franca e aberta ao governo, mas estava firmemente disposto a proceder livremente, sem peias de qualquer natureza, quando se tratasse de melhorar a legislação sobre os diversos ramos de administração colonial.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando restituir as notas tachygraphicas.)

Leram-se na mesa as seguintes:

Propostas

Proponho:

1.° Que no artigo 1.° á palavra «arrecadação» se juntem as palavras «e liquidação».
2.° Que ao mesmo artigo se addicionem os seguintes paragraphos:
§ 1.° Para a immediata execução d'esta lei, o governo é auctorisado a crear a comarca judicial no districto de Tete, independentemente da futura organisação do serviço judicial no ultramar.
§ 2.° As disposições d'este regimento começarão a ter vigor, em todo o ultramar, quatro mezes depois de publicada a presente lei no Diario do governo, independentemente da publicação nos respectivos boletins officiaes.
§ 3.° As causas a que se refere o artigo 38.° do código do processo civil, mandado pôr em vigor no ultramar por decreto de 4 de agosto de 1881, e que ao tempo da publicação da presente lei estiverem pendentes rio juízo da primeira vara de Lisboa, serão julgadas n'este juízo, nos termos do referido código. = O deputado por Quilimane, Elvino de Brito.

Proponho:

1.º Que no artigo 3.º penúltima linha, depois das palavras «em todo o caso», se escreva «dentro do praso de trinta dias, contados da data da noticia do fallecimento».
2.º Que ao § 1.° do artigo 25.° se addicionem as seguintes palavras «sempre com assistência do respectivo jury, ou de quem suas vezes fizer».
3.º No artigo 28.°, penúltima linha, às palavras «juiz direito», se acrescentem as seguintes palavras «e com a segurança que deverá solicitar da auctoriade administrativa superior da localidade».
4,° O artigo 32.° seja redigido:
«Nos casos não previstos no presente regimento obser-var-se-hão na parte applicavel as disposições do código civil Q. do código do processo civil, com as modificações estabelecidas nos decretos de 18 de novembro de 1869 e 4 de agosto de 1881. = O deputado por Quilimane, Elvino da Brito.

Proponho:

Que o § único do urtigo 34.° do regimento passo a ser o § 1.° do mesmo artigo, ao qual só addicionarão mais os seguintes paragraphos:
§ 2.° Os productos que entrarem na caixa geral do deposito, provenientes de heranças arrecadadas nas províncias ultramarinas, ficarão depositados á ordem do juizo, onde tiver sido julgada a habilitação da herdeiros.
§ 3.° Fica assim alterado o disposto no artigo 694.° do código do processo civil.
O deputado por Quilimane, Elvino de Brito.
Foram admittidos.

O sr. Sebastião Centeno:- - Folgo muito que o illustre deputado com aquella competência que lhe é própria em questões coloniaes se resolvesse a tratar esta com toda a serenidade e moderação.
Serei muito breve no que vou dizer relativamente às propostas que s. exa. mandou para a mesa, pois não desejo protelar no debate, visto a exiguidade de tempo que podemos destinar ao projecto em discussão.
Propõe s. exa.
(Leu.)
É este o intuito de governo e da commissão que bem se revela no artigo 1.º
Do projecto, e por isso não tenho duvida em acceitar a emenda do illustre deputado.
Propõe s. exa que se acrescentem os seguintes paragraphos.
(Leu.)

99*

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2102 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Esta comarca é indispensável pela grande distancia a que se acha do districto de Quilimane, e pela sua grande riqueza e população.
A creação de comarcas não é só necessária n'aquelle districto mas tambem no Ibo, em Cabo Delgado, em alguns pontos da província de Angola, e até em Cabo Verde.
Por conseguinte, entendo que não ha inconveniente alguém em auctorisar desde já o governo a crear uma comarca, que por tantos títulos se torna indispensável.
O § 2.° do additamento refere-se á execução deste regimento no ultramar.
Com quanto pela legislação vigente as leis sómente obrigam nas colónias depois de publicadas nos respectivos boletins, podemos sem inconveniente fixar um praso, ao fim do qual comece a executar-se em todas as províncias de além-mar o regimento em discussão.
Foi esse o sistema adoptado quando se tornou extensivo ao ultramar o código civil e o código de processo, systema que tem consideráveis vantagens.
Propõe mais o seguinte.
(Leu.)
É evidente que as causas propostas em juízo á data da publicação da presente lei hão de seguir no tribunal, onde foram propostas, porque esse é actualmente o que tem competência para julgal-as, e porque a lei não pode ter effeito retroactivo.
Todavia, para evitar duvidas, bem pode consignar se a doutrina do § 3.° da proposta do illustre deputado, que tambem se encontra na lei de 6 de novembro de 1676 que approvou o código de processo civil.
S. exa. propõe tambem que as palavras finaes do artigo 3.° sejam substituídas do seguinte modo.
(Leu.)
É perfeitamente rasoavel, porque em terras de África, onde as distancias são enormes e os meios de communicação raros e difficeis, podem bem mediar entre o fallecimento e a noticia d'elle em juizo mais de trinta dias sem culpa do agente do ministerio publico, e d'aquelle que por lei é obrigado a fazer-lhe a participação do óbito.
Não convém estabelecer disposições impossíveis de cumprir praticamente, para não dar margem a abusos difficeis de corrigir.
Propõe tambem o illustre deputado que ao § 1.° do artigo 25.° se acrescente o seguinte:
(Leu.)
Tem vantagens esta proposta, porque visa a evitar conflictos e intrigas, que a propósito d'este serviço podiam suscitar-se entre governadores e juizes, como infelizmente não é raro no ultramar, com gravíssimo damno para o serviço publico.
Desde o momento que o juiz de direito é encarregado da arrecadação e liquidação das heranças, acho de toda a conveniência que elle assista ao balanço que o governo manda dar aos cofres, para no mesmo acto prestar quaesquer esclarecimentos, destruir quaesquer duvidas, e evitar falsas e apaixonadas apreciações dos factos.
Ao artigo 28.° propõe s. exa. mais um additamento que é o seguinte:
(Leu.)
Aceeito-o tambem porque impõe ao juiz ordinário a obrigação de enviar o dinheiro e mais objectos da herança com toda a segurança possível.
Isto subentendia-se, e por isso não seria necessario dizer-se na lei. Todavia nunca é de mais a clareza, mormente quando se trate das obrigações dos funccionarios públicos, e de acautelar a fortuna dos cidadãos.
Resta o additamento ao artigo 32.° Esta hypothese acha-se perfeitamente regulada no artigo 16.° do código civil. Em virtude d'este artigo se o juiz não poder resolver a hypothese pelo texto da lei, ou pelo seu espirito, decidirá pelos casos análogos previstos em outras leis, ou pelos princípios geraes de direito; por consequência, ainda mesmo que esta

SENHORES DEPUTADOS

disposição se não consignasse na lei que se discute, ella subentendia-se; a clareza, porém, do projecto nada perde em que seja approvada a proposta do illustre deputado, que a commissão não tem duvida em acceitar. Tanto mais que as modificações, a que se refere o additamento, fazem parte integrante do código civil e do código do processo em todo o ultramar.
Quanto ao additamento ao artigo 34.°, é elle uma consequência lógica da innovação consignada na proposta do governo e sustentada pela commissão.
Subentendia-se também, mas é melhor que fique bem claramente estatuto na lei.
Como estou com a palavra, mandarei para a mesa por parte da commissão duas propostas que são as seguintes:
(Leu.)
Acceito, pois, por parte da commissão, todas as propostas mandadas para a mesa pelo sr. Elvino de Brito, salva a redacção.
Por parte da commissão, mando para a mesa as seguintes propostas ou emendas.
São as seguintes:

Propostas

Proponho que no § 2.° do artigo 16.° do regimento, onde se lê «noventa dias» se diga «cento e vinte dias». = Barbosa Centeno.
Proponho que sejam supprimidas as palavras «por acaso» que se lêem no § 1.° do artigo 16.° do regimento. = Barbosa Centena.

Foram admittidas.

O sr. Vicente Pinheiro: - Sr. presidente, não quero tirar por forma alguma tempo á camará, nem demorar a discussão deste projecto de lei, tanto mais, quanto concordo no seu pensamento fundamental. Todavia, quero deixar consignado na discussão deste projecto de lei, o que penso a seu respeito, porque me parece, apesar de concordar com as suas disposições fundamentaes, que elle não pode ter, por forma alguma, a importância de traduzir um plano de reforma financeira nas províncias ultramarinas, como o sr. ministro da marinha erradamente julga.
Concordo com o projecto, repito, por isso que, como muito bem diz o relatório do illustre ministro da marinha, as juntas são absolutamente impróprias para a satisfação do serviço da arrecadação e administração das heranças dos dei untos e ausentes, e deverem naturalmente essas attribuições ser confiadas aos juizes de direito.
Assim é á face dos princípios geraes de administração, mas a especialidade das cousas e condições do ultramar obrigam a leis e regulamentos especiaes.
É tempo, e portanto possível, fazer passar a arrecadação das heranças para os juizes? Talvez.
Desejava, porém, que este projecto fosse unicamente adoptado em relação a todas as terras do ultramar, que sejam cabeças de comarca, porque este projecto, executado em terras do ultramar que não sejam cabeças de comarca, onde haja juizes ordinários, vae estabelecer um serviço anarchico, do qual resultarão enormes prejuízos para os particulares.
É certo que os particulares, depois da arrecadação dos bens do defuntos e ausentes passar para as juntas de fazenda, não têem cessado de levantar queixumes e lamentos, como diz o relatório que precede o projecto em discussão; mas convém dizer claramente que essas queixas e essas lamentações nem sempre significam uma justiça, por isso que não exprimem a verdade.
É o caso que para a África, para os paizes intertropicaes, se vae ordinariamente por dois motivos, cumprir uma sentença de degredo, ou na esperança de fazer grande fortuna. D'aqui resulta, por uma lógica natural, que, quem tem na África um parente, e que lhe chega a noticia da sua morte, se não tenha para lá ido degredado, ima-

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gina logo que esse seu parente deixou haveres consideráveis, e se não lhe vem às mãos esses haveres, é porque, dizem, lhes foram roubados. Assim, tantas vezes se lança o desconceito nas leis, que não são tão más quanto parecem, e o descrédito sobre os funccionarios públicos do ultramar.
Ora eu não defendo de forma alguma a honradez inconcussa do funccionalismo do ultramar, porque, emfim, é de todos sabido, que esse funccionalismo não inspira, nem póde inspirar, emquanto a administração das nossas colónias continuar com está, uma grande confiança.
Ainda que, note-se, estou-me referindo ao funccionalismo que no ultramar não exerce as altas funcções de representante do governo da metrópole. Isto de estar a accusar hoje os governadores das nossas colónias, e os mais elevados empregados coloniaes de delapidadores da fazenda e de tyrannetes na administração publica, é uma accusação infundada.
Felizmente, ha muitos annos já que es governadores do ultramar administram com honra e probidade. Quem diz o contrario, commette mais que uma injustiça, porque produz uma calumnia.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Apoiado.
O Orador: - É tambem verdade, sr. presidente, que a classe que nos últimos tempos no ultramar tem melhorado mais consideravelmente é a magistratura. Louvo por consequência o projecto, quando as suas disposições se appliquem a todas as terras que sejam cabeças de comarca: louvo-o em todos os artigos que têem per fim simplificar o processo da habilitação dos herdeiros na metrópole.
Para não tomar tempo á camara, não enunciarei as simplificações que este projecto apresenta neste sentido, com as quaes concordo plenamente.
A minha grande duvida é se esta lei será bem executada nos juizos ordinários. Duvido que a herança não soffra prejuízos com a demora da venda de certos géneros que se não póde realisar senão na cabeça da comarca pelas disposições do projecto. Creio que o transporte de muitos objectos dos espólios do julgado para a comarca hão de prejudicar a boa liquidação das heranças, porque objectos ha de haver que vendidos na comarca não de a sua venda para satisfazer os pesados encargos dos fretes em terras onde ha uma absoluta carência de estradas e de transportes. É certo que os empregados que até aqui faziam a arrecadação não mereciam confiança; mas o sr. ministro da marinha sabe que, por monos confiança que esses empregados mereçam, muito peiores do que elles são os juizes ordinários, porque em geral são indígenas, sem educação de espécie alguma, completamente illetrados e sem a menor comprehensão da vida civil ou política; quando não são, como creio que no continente africano ha exemplos, antigos degredados.
Há um outro ponto fundamental para mini, e eu desejo referir-me particularmente nesta discussão usando como estou usando da palavra atropellando preoccupado em não demorar o debate prejudicando outro em que não só a camará, mas o paiz, deve estar sinceramente empenhado.
O sr. ministro da marinha, sr. presidente, imagina que, tirando às juntas de fazenda a administração dos bens dos defuntos e ausentes, tem immediatamente uma base segura para reformar completamente a administração financeira das províncias ultramarinas. Taes foram as suas declarações formaes ha alguns mezes nesta camara. Engana-se.
Podia, quando muito, simplificar a administração das provincias ultramarinas se o projecto fosse um pouco mais pensado e não continuasse a sobrecarregar os serviços dos secretários e thesoureiros da fazenda; mas nunca este pobre projecto de lei póde ser de forma alguma ama base em que s. exa. possa architectar uma reforma financeira no ultramar. Ao contrario, talvez, póde a conversão d'este projecto em lei ser um prejuízo e um transtorno para as administrações provinciaes.
Emquanto se não liquidavam as heranças no ultramar, emquanto os herdeiros não faziam valer as suas habilitações, emquanto o governo não exigia a remessa das heranças para a metrópole, os governos locaes tinham n'aquelle cofre um auxilio muito útil, muito justo, e nada condemnavel a que recorriam por meio de empréstimo em favor de Uma regular e boa administração colonial.
O illustre ministro da marinha conhece o meu livro que encerra muitos documentos da administração da província de S. Thomé e Príncipe durante os annos que ali servi.
Governando aquella província e inspirando-me em princípios liberaes, eu não podia deixar de ter em conta o principio da máxima publicidade, e posteriormente nesse livro inseri todos os documentos da minha administração.
A pag. 454 encontra s. exa. unia tabella que lhe mostra perfeitamente a profunda necessidade que toem os governos do ultramar de antecipar as receitas.
Estas antecipações faziam-se de um modo muitissimo conveniente, recorrendo ao cofre dos defuntos e ausente?, e se por vezes o governo central teve de pagar as dividas dos governos do ultramar a esses cofres, sobretudo relativamente á província de Moçambique, isso nada quer dizer. Tanto faz pagar aquellas dividas ao cofre dos defuntos e ausentes, como pagal-as a outros credores, com a differença de que nesse caso se pagam com juros muito elevados. E melhor é antecipar as receitas do que ter o funcionalismo em atrazo, as obras publicas passadas perdendo-se muito dinheiro despendido em as começar, e uru ou outro urgente melhoramento, moral ou material, sacrificado a absoluta falta de dinheiro.
Desde que s. exa. apresenta este projecto como uma base para a sua reforma financeira, lembro-lhe que a antecipação das receitas é uma necessidade nas nossas provincias ultramarinas, por mais que aquelles que cercam os ministros do ultramar lhes preguem o contrario, na idéa constante de centralisar na respectiva secretaria d'estado toda a administração, e de restringir constantemente a benéfica acção dos governos locaes.
Quer s. exa. organisar, a serio, a fazenda publica nas provincias ultramarinas?
Pense em habilitar as administrações locaes a fazerem, em termos convenientes, estas justas antecipações de receitas.
Mando para a mesa três propostas, a primeira das quaes é a seguinte:
«Proponho que no artigo 14.° a retribuição arbitrada aos administradores da herança não possa exceder a 6 por cento, em vez de õ por cento, como diz o artigo.
«Proponho que se addicione ao artigo 25.° do projecto um novo paragrapho com o n.° 3.°: O empregado superior de fazenda e o thesoureiro de fazenda vencem, como emolumentos do seu trabalho e responsabilidade, 4 por cento do dinheiro arrecadado.»
Eu sei, sr. presidente, que o projecto tcni em vista onerar o menos possivel os espólios e as heranças, e deseja que este ónus que recae sobre as heranças não exceda a 10 por cento. Até aqui era esse encargo de 16 por cento. Os empregados da fazenda recebiam 10 por cento de arrecadação e 6 por cento de emolumentos da venda da praça.
Eu defendo a primeira proposta que tive a honra de ler, sem por forma alguma por de parte o pensamento do projecto em relação a não onerar demasiadamente as heranças, porque entendo que os juros dos que trabalham no ultramar devem ser mais elevados do que aqui. Lá o capital vale muito mais, e alem disto gasta-se a vida, que é tambem um capital, mais depressa.
Os que conhecem o ultramar sabem que ninguém se preoccupa n'aquellas terras com qualquer espécie de trabalho ou de especulação commercial, que não de um juro

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elevado que compense os sacrifícios que diariamente o colono faz e soffre.
A segunda proposta que apresento em relação a 4 por cento, para se dividir entre os secretários de fazenda e os thesoureiros, tem a sua rasão de ser, no facto destes empregados terem até agora 16 por cento de emolumentos do cofre dos defuntos e ausentes, que lhes desapparecem por este projecto, sem comtudo o projecto lhes tirar todo o trabalho e continuando a ficar com todas as responsabilidades.
Eu vejo, sr. presidente, que a hora desta primeira parte da ordem do dia deu; mas, sr. presidente, já agora eu peço mais dois minutos para terminar estas considerações. V. exa. tem visto que eu tenho fallado por forma a não querer embaraçar a discussão deste projecto de lei que será para o nobre e illustre ministro da marinha uma illusão perdida.
Continuo, pois, e terminarei rapidamente. Leio mais uma emenda que tenho a honra de mandar para a mesa.
«Proponho que ao artigo 31.° se addiccione o seguinte paragrapho:
«§ único. Quando o militar fallecido seja praça de pret e tenha divida á fazenda, o conselho administrativo do batalhão a que pertencer a praça fallecida continua a ser auctorisado a vender em hasta publica o espolio, e deduzir a divida da praça á fazenda, enviando o commandante para o juízo respectivo o espolio liquidado.»
Sr. presidente, o illustre ministro da marinha conhece os regulamentos da fazenda militar, e sabe que o soldado está sempre em duas das seguintes situações: ou é devedor á fazenda publica ou é credor, porque tem no cofre a sua moeda, quantia que a lei determina que o soldado receba conjuntamente com a sua baixa ao terminar o seu tempo de serviço. Quando, pois, morrer um soldado e deixar uma divida á fazenda, por mais insignificante que seja, ficar o reembolso da fazenda publica sujeito a este processo geral do projecto de lei não me parece rasoavel. Julgo muito mais simples, muito mais útil, que continue a vigorar o regulamento da fazenda militar para a liquidação dos espólios das praças de pret.
Tenho concluido, sr. presidente.
Leram se na mesa as seguintes

Propostas

Proponho que no artigo 14.° a retribuição arbitrada aos administradores da herança não possa exceder a G por cento, em vez de 5 por cento, como diz o artigo.
Proponho que se addicione ao artigo 25.° do projecto um novo paragrapho com o n.° 3.°: O empregado superior de fazenda e o thesoureiro de fazenda vencem, como emolumentos do seu trabalho e responsabilidade, 4 por cento do dinheiro arrecadado.
Proponho que ao artigo 31.° se addicione o seguinte paragrapho:
§ único. Quando o militar fallecido seja praça de pret e tenha divida á fazenda, o conselho administrativo do batalhão a que pertencer a praça fallecida continua a ser auctorisado a vender em hasta publica o espolio, e deduzir a divida da praça á fazenda, enviando o commandante para o juizo respectivo o espolio liquidado. = Vicente Pinheiro.»
Foram admittidas.

O sr. Rocha Peixoto: - Mando para a mesa uma representação dos tabelliães e escrivães de direito da comarca de Braga, pedindo a revisão do artigo 800 § 2.° do código do processo civil.
Peço a v. exa. que lhe mande dar destino.
O sr. Manuel d'Assumpção: - Mando para a mesa o parecer das commissões reunidas de administração publica e de fazenda, approvando uma proposição de lei vinda da camara dos dignos pares, que tem por fim applicar ao supremo tribunal administrativo o disposto nos artigos 10.° e seus paragraphos, 11.° e 12.° do decreto com força de lei de 21 de agosto de 1878, que organisou o tribunal de contas.
A imprimir.
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa dois pareceres por parte da commissão de obras publicas. Um sobre o projecto de lei que atictorisa a camara municipal de Aviz a desviar durante seis annos do fundo de viação até á quantia annual de 500$000 réis para ser applicada na reconstrucção dos paços do concelho, e outro sobre o projecto de lei que auctorisa a camara municipal de Fragoas a despender, dos fundos destinados á viação municipal, até á importância de 4:270$000 réis para a construcção dos paços do concelho e melhoramento de pontes, ruas, caminhos e fontes do mesmo concelho.
O sr. Presidente: - Como a hora está adiantada vae passar-se á

ORDEM no DIA

Continua a discussão do projecto n.° 87 (tratado do Zaire)
O sr. Presidente: - Tem a palavra para continuar o seu discurso o sr. Consiglieri Pedroso.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Continuando a fazer uso da palavra que lhe ficara reservada, disse que já tinha respondido na, primeira parte das suas observações á resposta dada pelo sr. ministro dos negócios estrangeiros às ponderações feitas pelo sr. Barros Gomes, e hoje trataria do acto geral da conferencia de Berlim e do tratado com a associação internacional, assumptos que estavam intimamente ligados com o tratado anglo-portuguez, de modo que era impossível separar uma questão da outra.
Passou em seguida a fazer largas considerações a respeito d'estes dois assumptos, parecendo-lhe que, se na conferencia não obtivemos melhores resultados, fora isso devido á má direcção que os negócios tiveram, á imprevidência dos governos, e ao desleixo que tem havido de ha trinta annos para cá nos negócios coloniaes.
Quanto á questão do reconhecimento da associação internacional, parecia-lhe que o governo portuguez, como questão previa a toda e qualquer negociação sobre o estado internacional do Congo, devia ter levantado a questão dos direitos de Portugal e ter posto o seu protesto contra um estado de cousas que era uma offensa aos nossos direitos.
Disse que a margem esquerda do Zaire, que nos foi deixada, era, na opinião do nosso representante em Paris, e na opinião do ministro dos estrangeiros em França, a menos importante, a menos commercial, e a menos productiva. Portanto, alem da violência aos nossos direitos, tinham-nos deixado a margem do Zaire menos importante.
E com esta opinião ia tambem conforme um jornal auctorisado e insuspeito nestes assumptos, jornal de que era redactor principal o cavalheiro que fora nosso plenipotenciário na conferencia de Berlim, lendo o que nesse jornal se dizia.
Parecia lhe, pois, que nos tinham sido fataes os resultados da conferencia de Berlim.
Quando o juiz de Loanda o sr. F. A. Pinto instava por que occupassemos alguns pontos do território do Zaire, os nossos estadistas olharam para isso de um modo indifferente, não acreditando que dentro de pouco tempo se dessem os acontecimentos de que todos tinham conhecimento, e depois o conjuncto de circumstancias impozeram ao governo portuguez a necessidade de ceder às imposições que pela conferencia de Berlim foram impostas a Portugal.
O marquez de Sá entendia, é verdade, que a margem esquerda do Zaire devia ser o limite da nossa colónia na África occidental; mas elle não podia prever que para se conseguir um tal limite tivéssemos de transigir com uma associação que não tinha direitos reconhecidos por nação

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alguma e que saíra da conferencia com um território maior do que o das primeiras potências coloniaes.
Também elle não previa que tivéssemos de ceder territórios nos quaes ha tão largos annos tínhamos o direito e o domínio.
Por isso muito bem dizia o sr. relator no parecer, que o não se ter podido alcançar mais fora devido á imprevidência e á incúria com que temos olhado para os negócios relativos às nossas colónias.
O que queria nesta occasião como representante do paiz, era deixar lavrado o seu protesto, e pedir e instar com os governos e com todos os homens que neste paiz possam vir a ser governo, para que fizessem todos os esforços para que salvássemos a parte que nos foi deixada pelo convénio das nações. Era preciso que nunca mais no Livro branco apparecesse um documento no qual o ministro dos negócios estrangeiros dissesse que teve conhecimento por um artigo de um jornal inglez, que o governo allemão começava a interessar-se nas questões do Zaire, e dizia isto por decoro nacional.
O que desejava era que do acontecido se tirasse algum proveito, se procurassem salvar as nossas colónias, e que os ministros empregassem em favor d'ellas todo o seu zelo e cuidado. Era preciso que não adormecêssemos á sombra dos suppostos louros colhidos na conferencia do Berlim, a fim de que mais tarde não venham arrancar-nos mais alguma parte dos nossos territórios.
(O discurso do illustre deputado será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)
O sr. Alfredo Peixoto: - Por parte da commissão de instrucção superior, mando para a mesa um parecer.
O sr. João Arroyo (sobre a ordem): - Mandou para a mesa a sua moção de ordem concebida nos seguintes termos:
«A camara reconhece que o actual gabinete procedeu com tino e dignidade nos actos que praticou relativamente á questão do Zaire e continua na ordem do dia.»
Disse que se propunha tratar a questão do Zaire desde o começo das negociações em novembro de 1882, até á assignatura da convenção que realisámos com a associação internacional e do acto geral da conferencia de Berlim.
Dividiu as negociações em três períodos: o primeiro ate á data da assignatura do tratado anglo-luso; o segundo até á reunião da conferencia de Berlim; o terceiro até 2(3 de fevereiro de 1885, data do acto geral da conferencia.
Entrando na matéria, analisou detidamente as relações diplomáticas entre o gabinete portuguez e o gabinete francez. Fez o estudo esmiuçado do Livro branco e do Livro amarello. Dirigiu toda a argumentação, deduzida não só d'estes livros, mas de outros actos e documentos diplomáticos relativos a outras nações e factos históricos, mostrando que o gabinete portuguez não se enganara quanto ao juizo que formou da attitude da republica franceza, mas que pelo contrario o procedimento da França não havia sido firme a nosso respeito.
Como desse a hora, pediu para ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.
(O discurso será publicado por inteiro, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que estava dada e mais os projectos n.ºs

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Discurso proferido pelo sr. deputado José Frederico Laranjo na sessão de 29 de maio, e que devia ler-se a pag. 1836, col. 1.ª

O sr. Frederico Laranjo: - Sr. presidente, o tratado que vamos discutir teve no parlamento da nação vizinha a boa, e quasi singular fortuna de ser approvado, no mez de julho do anno pretérito, sem discussão no congresso dos deputados, e no senado, depois de uma discussão ligeirissima, e essa motivada pelo falso supposto de que elle os concedia a isenção de direitos para a exportação de gados, sem a equivalente reciprocidade para a Hespanha.
Tinham sido vivíssimos e prolongados em 1882 os debates do parlamento d'aquella nação sobre o tratado com a, França; porque não aconteceu o mesmo com este que se celebrou comnosco?
É que o tratado, explicou o único senador que lhe fez algumas arguições, fundadas, como já disse, num equivoco, é em geral lucrativo para a Hespanha; - beneficioso - era a palavra de que aquelle parlamentar se servia.
Será por isso, por ser um lucro para a Hespanha, que eu me inscrevi contra o tratado?
Não; é da legitimidade e da justiça dos contratos onerosos, quer entre particulares, quer entre os estados serem um lucro, e equivalente ou proporcional, para ambas as partes 5 todo o contrato que não é isto, não é um contrato, é um logro; e se de uma legislação mais attenta a formalidades do que á essência das coisas desappareceu a rescisão por lesão enorme, da consciência dos indivíduos e das nações não desappareceu o sentimento da justiça, que lhes dita que a equivalência ou a proporcionalidade dos valores é a regra dos contratos bilateraes, quer contratem dois indivíduos, quer duas potencias.
Ora o tratado, que discutimos será um lucro equivalente ou proporcional para ambas as nações, ou mais uma vez por censurável incúria, por não motivada falta de energia, por mal cabida generosidade, iríamos conceder muito mais do que recebemos?
Na nota n.° 39 do ultimo Livro branco, que tem por assumpto as negociações commerciaes com a Hespanha, nota dirigida pelo sr. Andrade Corvo ao sr. António de Serpa, diz o primeiro: «Tenho estado a preparar uma tabella que domonstra que no abaixamento de direitos correspondentes á tarifa mais favorável hespanhola, e á clausula de nação mais favorecida em Portugal, a Hespanha ganha mais, sob este ponto de vista, do que nós.
Na nota n.° 45 dizia ainda o sr. António de Serpa, dirigindo-se ao sr. D. Juan Valera:
«Á vista desta circurnstancia, só o desejo sincero da parte do governo de Sua Majestade de ser agradável ao de Sua Magestade Catholica, e do estreitar cada vez mais os laços de amisade entre os dois governos e as relações commerciaes entre os dois povos é que poderam levar o governo de Sua Magestade a acceitar uma pauta convencional com diminuições notáveis ou franquia de direitos para a entrada de alguns productos hespanhões em Portugal, alem da concessão do direito da nação mais favorecida em troca unicamente desta ultima concessão por parte da Hespanha, concessão que póde ter um grande valor para outras nações essencialmente industriaes, mas que o tem muito diminuto para Portugal».
De modo que segundo estas declarações do sr. Corvo e do sr. Antonio de Serpa, pelo lado fiscal damos mais do que recebemos, e pelo lado económico fazemos concessões valiosas e importantes, a troco de concessões apparentes e illusorias.
Qual é, pergunto eu, o valor destas affinnações? São simplesmente uma manifestação louvável do zelo dos srs. Corvo e Serpa pelos interesses do seu paiz, zelo que os leva a encaercerem as concessões que fazem, para que não lhes exijam outras, ou para que lhes dêem por ellas tanto quanto possível, ou serão a singela, fiel, e não exagerada expressão dos factos?
Para responder a esta pergunta é preciso saber o que é, o que deve ser um tratado de commercio; qual deve ser a base de que os negociadores devem partir; qual o critério

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2106 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

por onde se avaliam os resultados que obtiveram. Dil-o-hei em poucas palavras.
Um tratado de commercio tem por fim ou abrir para os productos e mercadorias de uma nação mercados que lhes estavam fechados; ou facilitar-lhes um mercado já aberto, assegurando-lho ao mesmo tempo durante o praso do tratado, tanto quanto possível, e dando assim às industrias e ao commercio correlativo uma certa base de estabilidade.
É preciso fazer penetrar os productos especiaes de cada nação no mercado da outra, mas é preciso ao mesmo tempo não deixar invadir o mercado interior por productos que possam dar logar á extincção das industrias nacionaes.
Em menos palavras, é preciso dilatar o mercado dos productos principaes da nação, defendendo-lhe ao mesmo tempo as fontes de origem, de persistência e de augmento.
Como é que isto é possível?
Pela especialidade, pela differença de producções principaes de dois paizes que fazem o tratado?
Como é que se consegue?
Cada negociador de um tratado deve estudar quaes são as forças económicas do seu paiz; quaes são as suas producções principaes; as que costuma ou poderá exportar para o paiz com que contrata, e pedir para essas redacções de direitos, concedendo reducções equivalentes ou proporcionaes às producções especiaes do outro paiz, ou mesmo às similares com que a industria nacional possa luctar facilmente, ainda depois da reducção concedida.
A base de um tratado é pois a escala das producções, dos dois paizes que celebram o tratado; o critério da sua bondade e a comparação das facilidades que se conseguiram para as exportações de próprio paiz com as que se concederam para as exportações alheias differentes, e com as que se negaram às exportações alheias similhantes.
Analysemos o tratado em face d'estes princípios, e procedendo por um modo análogo áquelle por que eu disse que deveria proceder um negociador.
O que é o tratado?
Podem dividir-se as suas disposições em três classes.
A primeira classe pertencem as disposições que consignam idéas introduzidas geralmente nos convénios pelas exigências do direito internacional, e pelos esforços da diplomacia; e essas ainda que entre ellas venha a anti-scientifica e anti-economica clausula de tratamento de nação mais favorecida, abandono-as; poderiam ser objecto de discussão académica, mas não o são, nem o podem ser, de discussão parlamentar.
Á segunda classe pertence tudo o que é propriamente especial deste tratado, como tratado de commercio. E o artigo 4.°, que trata da pauta especial para os artigos de origem ou fabricação hespanhola; é o artigo 5.º que marca os direitos que hão de pagar em Portugal os vinho hespanhões; é o artigo 24.°, pelo qual se unificam nos dois paizes os direitos sobre o peixe; são os artigos 2.° e 3.°, pelos quaes a Hespanha nos concede o tratamento de nação mais favorecida, applicando-nos por consequência a columna segunda da sua pauta, e a pauta B do seu tratado com a França, estando-lhe já applicada da nossa parte, pela lei de 7 de junho de 1882, a tabella B, que concedemos a esta ultima nação.
Á terceira classe pertencem as disposições que se referem ao transito, e que constam especialmente dos artigos 12.°, 13.° e 14.°
É sobre as duas ultimas classes de disposições, que, pela ordem por que foram dispostas, tem de versar a discussão.
No commercio entre a Hespanha e Portugal, quaes são as mercadorias principaes da escala da exportação hespanhola, e quaes são as mercadorias principaes da escala da exportação portugueza?
Tomando a estatística dos valores das mercadorias importadas de Hespanha para consumo e exportadas para o mesmo paiz, por classes da pauta, desde 1878 a 1881, e tomo esta estatística, porque, datando de 1883, o tratado não podia ter em vista outra posterior, nem póde ser julgado por ella, e tirando as medias para cada classe de exportações, forma-se um mappa da exportação de Portugal para a Hespanha e da exportação da Hespanha para Portugal, que eu não lerei á camara, porque é um pouco longo, mas que tomarei a uberdade de mandar para o Diário.

Importações annuaes médias da Hespanha (1878-1881) em Portugal:

[Ver mapa na imagem]

1.ª Animaes vivos....
2.ª Despojos e productos de animaes....
3.ª Pescarias....
4.ª Lã e pellos ....
5.ª Seda....
6.ª Algodão....
7.ª Linho....
8.ª Madeiras....
9.ª Farináceos....
10.ª Géneros coloniaes....
11.ª Matérias vegetaes diversas ....
12.ª Metaes....
13.ª Mineraes....
14.ª Bebidas....
15.ª Vidros, cristaes e productos cerâmicos ....
16.ª Papel e suas applicações ....
17.ª Productos chimicos....
18.ª Productos e composições diversas....
19.ª Manufacturas de matérias diversas....

Exportações annuaes medias de Portugal para a Hespanha no mesmo período:

[Ver mapa na imagem]

1.ª Animaes vivos....
2.ª Despojos e productos de animaes....
3.ª Pescarias....
4.ª Lã e pellos....
5.ª Seda ....
6.ª Algodão....
7.ª Linho....
8.ª Madeiras ....
9.ª Farináceos....
10.ª Géneros coloniaes ....
11.ª Matérias vegetaes diversas....
12.ª Metaes ....
13.ª Mineraes....
14.ª Bebidas....
15.ª Vidros, cristaes e productos cerâmicos....
16.ª Papel e suas appiicações....
17.ª Productos chimicos ....
18.ª Productos e composições diversas....
19.ª Manufacturas de matérias diversas....

Resultados:

[Ver mapa na imagem]

Media annual das importações....
Media annual das exportações....
Differença para menos na nossa exportação....
Transito annual médio de Hespanha (desprezadas as fracções de contos) para Portugal....
Transito annual médio de Portugal para a Hespanha nos mesmos annos e desprezadas as fracções de contos ....

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SESSÃO DE 6 DE JUNHO DE 1885 2107

Baldeação annual media de productos hespanhoes em Portugal......19:000$000
Baldeação annual media de productos portuguezes em Hespanha. ... 7:000$000
A exportação de Hespanha para Portugal é pois quasi o dobro da de Portugal para Hespanha; o transito de productos de Hespanha por Portugal quasi o dobro tambem da exportação hespanhola para o nosso paiz.
A escala das exportações hespanholas e das exportações portuguezas, por classes de pautas, tomando-se sómente as cinco principaes, para não me tornar prolixo, forma-se do seguinte modo:

Exportações hespanholas - Media annual:

[Ver mapa na imagem]

1.ª Animaes vivos....
2.ª Lã e pellos....
3.ª Farináceos ....
4.ª Matérias vegetaes diversas....
5.ª Pescarias ....

xportações portuguezas - Media annual:

1.ª Animaes vivos ....
2.ª Madeiras....
3.ª Pescarias....
4.ª Despojos e productos de animaes ....
5.ª Manufacturas de diversas matérias ....

Vamos agora, para avaliar o tratado, ver o que concedemos a cada uma das classes da exportação hespanhola, e o que foi concedido á classe correspondente da escala portugueza.
O principal artigo de exportação de Hespanha para Portugal são animaes vivos, cujo commercio absorve, em geral, quasi metade de todo elle.

sr. Pinto de Magalhães: - Ahi é que o eu quero.
O Orador: - Pois aqui me tem.
(Interrupção do sr. Pinto de Magalhães que não se percebeu.)
O Orador: - Agora sou eu que tenho a palavra.
O sr. Pinto de Magalhães: - Peço desculpa, mas julguei que v. exa. não se importava que o interrompessem.
O Orador: - Uma ou algumas interrupções não me importam; mas interrupções constantes converter-me-iam o discurso em dialogo, e isso não me serve. (Apoiados.)
Ia eu dizendo que a exportação dos animaes vivos da Hespanha para Portugal absorve quasi metade do commercio d'aquelle paiz com o nosso.
A importância dos animaes exportados, em 1881, está na seguinte ordem decrescente:

[Ver mapa na imagem]

1.ª Gado vaccum....
2.ª Gado cavallar....
3.ª Gado suíno....
4.ª Gado muar ....
5.ª Gado lanígero ....
6.ª Gado asinino ....
7.ª Gado caprino ....

Que direitos ficaram a estas valiosas exportações da Hespanha?
Pelo tratado o gado vaccum, o lanígero e o caprino foram declarados livres, quer dizer que isentámos de direitos pouco menos que um terço de toda a exportação hespanhola para Portugal. O gado suíno ficou pagando 90 réis por cabeça, e, pela pauta, o gado cavallar 2$300 réis, o muar 1$100 réis, o asinino 570 réis, mas sendo necessario acrescentar aos direitos destes três últimos artigos 3 por cento de emolumentos, 6 por cento de addicionaes e 1 por cento ad valorem.
Confrontemos agora estas concessões que se fizeram á primeira classe da escala de exportação hespanhola com aã que se fizeram á primeira classe da escala da exportação portugueza.
O principal artigo de exportação de Portugal para Hespanha são tambem animaes vivos, exportação que, em geral, absorve um terço dos valores que exportamos para aquelle paiz.

A importância dos animaes exportados em 1881 é a seguinte:

[Ver mapa na imagem]

1.ª Gado suíno ....
2.ª Lanígero ....
3.ª Muar ....
4.ª Cavallar....
5.ª Caprino ....
6.ª Vaccum ....
7.ª Asinino....

Com que direitos ficam estes nossos artigos?
O gado suíno, quer seja magro ou gordo, pagará por cabeça 13521 réis; o lanígero e o caprino 250 réis; o muar 33528 réis; o cavallar 33$094 réis ou 5$670 réis, segundo for ou um cavallo de marca ou um cavallo ou égua de trabalho; o vaccum. 2$484 réis; o asinino 1$512 réis.
De modo que a Hespanha, para quem a simples reciprocidade seria um beneficio, por isso que é ella que exporta mais animaes vivos, obtém a isenção de direitos para uns, alcança módicos direitos para outros, e deixa-nos em troca para a nossa exportação análoga, e tambem principal, direitos elevadíssimos, em geral maiores do que os applicados pela nossa pauta ainda às nações com as quaes não temos tratados, mesmo levando em conta os direitos acces-sorios. É realmente um explendido exordio para um tratado!
Quando os montados escasseiarem em Portugal e for necessario ou útil exportar gado suíno pequeno e magro, não o poderemos fazer, porque sobre cada cabeça recairá o direito de 13521 réis, direito equivalente ou maior do que o valor do producto; pelo contrario a Hespanha poderá invadir e inundar os nossos mercados com gado suíno gordo ou magro, todas as vezes que isso lhe convier. O nosso mercado amplamente aberto; o de Hespanha impenetrável ou difficil!
Pois que é o commercio de animaes vivos o principal commercio de ambas as nações, o que estava indicado, o que conviria a ambas, sendo ainda maior a vantagem da Hespanha, pela rasão que já mencimei, seria a mais completa reciprocidade, e foi nesse sentido que as negociações começaram, e deve-se dizer que sem grandes repugnancias da parte da Hespanha; frouxidão ou incúria de alguns negociadores e do actual governo é que levaram a este resultado.
Em nota de 17 de novembro de 1866 dava o sr. conde do Casal Ribeiro ao sr. duque dAvila, nosso ministro em Madrid, as seguintes instrucções sobre este assumpto:
«O gado constitue um dos principaes artigos da nossa exportação para a Hespanha. No que respeita a este artigo convém pedir a isenção reciproca. Este regimen teria, como v. exa. sabe, a grande vantagem de pur termo ao commercio fraudulento que se faz pela raia e às contestações e rixas a que o regimen actual dá motivo ou pretexto. Se, porém, se não poder obter isto, devemos insistir para que ao menos se estipule a isenção reciproca no que respeita ao gado vaccum, lanigero, caprino, suino e asinino, devendo o gado cavallar e muar ficar sujeito ao direito estabelecido em. Hespanha na pauta do tratado com a França, e em Portugal na pauta geral, que nesta parte é tambem o nosso regimen convencional com a França.»
Como respondia a Hespanha?
Com um contra-projecto em que pedia que o gado vac-

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2108 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Cum, suino, lanigero, caprino e asinino pagasse á sua entrada em Hespanha 0,040 de escudo ou 180 réis, e que á entrada em Portugal fosse completamente livre.
Devia-se argumentar com este offerecimento, para só não passar de um direito de 180 réis que nos pediam para os direitos muito superiores que ficámos pagando.
Porque foi que se não fez isto?
Em nota de 12 de maio de 1881 o sr. conde do Casal Ribeiro dizia ao sr. Anselmo Braamcamp: «A junta de aranceles, depois de larga e lúcida discussão, emittiu parecer favorável á nossa proposta. Na direcção geral de alfândegas tambem esta encontrou similhante acolhimento:» Acrescentava, porém, «que se suscitara uma difficuldade ponderosa, porque em vista dos termos em que estava formulada a garantia do tratamento de nação mais favorecida no convénio entre a Hespanha e a Franca, a França poderia reclamar igual isenção para os gados que por terra importa neste paiz, sem reciprocamente a conceder aos que daqui receber». Acrescentava c- sr. conde do Casal Ribeiro que o sendo então denunciado o convénio da Hespanha com a França, suscitara a idéa de remover a indicada difficuldade na negociação que ia encitar-se, formulando-se ahi o tratamento de nação mais favorecida, de modo a resalvar-se a hypothese do nosso projectado accordo e outros similhantes que possam indicar-se para facilitar o commercio fronteiriço por terra». Diz mais o sr. conde do Casal Ribeiro, e chamo a attenção da camara para este ponto: «Communiquei esta idéa ao sr. ministro d'estado, o qual, prestando ao assumpto toda a attenção e acquiescencia, tomou logo nota, promettendo ter em vista a minha suggestão nas instrucções que vão ser dadas aos commissarios negociadores do projectado tratado com a França.
«Também, continua a nota do sr. conde do Casal Ribeiro, na direcção geral das alfândegas, onde têem de ser preparados os trabalhos para aquellas instrucções, encontrou igual favorável acolhimento a minha indicação. O illustrado
sub-director, sr. Ecciza, com quem fallei neste negocio, logo na minha presença deu ordens ao empregado, especialmente encarregado do expediente respectivo, para inserir nas informações que devem ser enviadas ao ministerio d'estado, proposição no sentido da minha indicação.»
Passava-se isto em 12 de maio de 1881; velou, pergunto eu, o governo regenerador, velaram os seus delegados para que se cumprisse esta promessa?
O sr. Pinto de Magalhães: - Logo responderei ao illustre deputado.
O Orador: - Pois logo responderá; agora, pois, que não encontro nota alguma a este respeito, sou eu que respondo: não; esqueceu-se o illustre governo, esqueceram se os seus diplomatas, que não podem, ao mesmo tempo, ser beneméritos presidentes da camara dos pares e zelosos defensores dos interesses económicos do paiz. (Apoiados.)
A estes esquecimentos dos interessados seguiu-se naturalmente o da Hespanha, que veiu depois lamentar, como se vê da nota n.° 30 do Livro branco, que no tratado com a França não se houvesse resalvado qualquer resolução que entre Portugal e Hespanha facilitasse a troca commercial de gado, sem taes disposições poderem ser applicadas á França pela Hespanha.
Quem foi que pagou esta falta da resalva que tinha sido pactuada comnosco?
Portugal.
O sr. Andrade Corvo corta a difficuldade, dizendo ao sr. Antonio de Serpa na nota n.° 36 :
«Permitia-me v. exa. que lhe lembre que poderia ser sobre a importação de gados hespanhoes que adoptássemos uma tarifa favorável a este paiz; seria esta uma das concessões feitas á Hespanha. E bem sabido que a industria da engorda toma cada vez maiores proporções entre nós, e que os bois magros importados de Hespanha, depois de engordados em Portugal, são exportados para os mercados estrangeiros; a industria da engorda é nossa; a da creação pecuária maior em Galliza, por exemplo, do que no Minho. Assim, facilitando a importação, parece-me que nós ganhámos. De Galliza busca-se hoje exportar gado gordo para Inglaterra; facilitar a introducção de gado novo e magro é assegurar um dos ramos importantes do nosso commercio.»
O sr. António de Serpa acceitou.

E nossa, diz a nota, a industria da engorda; não discutirei ; é conveniente facilitar a introducção de gado novo e magro; é; mas lembro que as conclusões do tratado não estão contidas nestas premissas, porque á Hespanha se facilitou a entrada, não só do gado novo e magro, mas tambem do gordo; não só do gado vaccum, mas de qualquer outro, de que creio que não temos a industria da engorda, e para nós difficullou-se toda a exportação. (Apoiados.}
A Hespanha, sr. presidente, deveu rir-se deste começo de tratado; bem outras lhe tinham corrido as negociações com a França sobre o mesmo assumpto! Ali não só não lhe concederam isenções de direitos, mas nem sequer a reciprocidade; trouxe de alem um desastre; endossou-nol-o, e recebeu-o satisfeita e risonha a incúria ou a generosidade portugueza. (Apoiados.)

Passemos agora á analyse da 2.ª classe da escala de exportação hespanhola e da escala de exportação portugueza.
A 2.ª classe da escala de exportação da Hespanha para Portugal é lã e pellos, sendo nesta classe a lã em rama, lavada e por lavar, o artigo mais importante, que em 1881 importou em 493:263^000 réis.
O que fez o tratado? Declarou livres estes dois artigos; e eu nada teria que dizer, porque são matérias primas, se á classe correspondente da nossa exportação para Hespanha tivesse sido applicada a mesma doutrina; mas vae a camara ver que não foi.
A nossa 2.ª classe de exportações para Hespanha é constituída por madeiras em bruto ou quasi em bruto, importando as primeiras no anno de 1881 em 14:807$000 réis; e das segundas, o tabuado em 82:247$000 réis, os barrotes em 32:4620000 réis; as vigas, vigotas, longarinas e travessas em 22:248$000 réis; alguma em obra, sommando a de marceneiro em 6:509$000 réis, a de tanoeiro em 158$000 réis; cortiça em bruto 27:943$000 réis; alguma em rolhas 3:742$000 réis.
Ficaram livres estes artigos? Não. O artigo principal, tabuado, vigas e vigotas, ficaram pagando 360 réis por metro cubico emquanto subsistir o tratado de commercio com a Austria-Hungria, e depois disso 468 réis; a madeira em obra dividiram-na em duas classes; uma da ordinária, que paga 3$370 réis, outra da fina, que paga 6$075 réis; a cortiça em bruto ficou pagando por 100 kilogrammas 162 réis, e em obra 5$443 réis; ao passo que, se for exportada da Hespanha para Portugal, em bruto, ou em pranchas é livre, e em rolhas paga 9 réis por
kilo-gramma.
Não continua a ser maravilhosa, excepcional esta reciprocidade? (Apoiados.)

Vamos agora á 3.ª classe da escala.
Da parte da Hespanha occupam esta classe os farináceos, cuja exportação em 1881 foi de 332:475$000 réis; da parte de Portugal occupam este logar as pescarias,, que no mesmo anno sommaram em 262:030)5000 réis.
Nos farináceos não fizemos concessões, e ficaram pagando os direitos da pauta, que são levemente mais elevados que os da pauta convencional hespanhola, com o que pouco lucrámos, porque a nossa exportação de farináceos. para Hepanha occupa o duodécimo logar na escala, chegando apenas á media de 20:859$000 réis.
Nas pescarias unificaram-se nos dois paizes os direitos pelo artigo 24.° do tratado. Ha favor para noa por agora,

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porque exportâmos para a Hespanha mais peixe do que importámos. É, diz o sr. António de Serpa na nota n.° 45, o único ponto em que o governo de Sua Magestade Catholica concede a Portugal uma vantagem especial. «Mas, continua o sr. Serpa, alem de ser a vantagem reciproca para os dois paizes, a diminuição mais importante de direitos dá-se no pescado salgado, fumado e de escabeche, ficando com o mesmo direito o peixe fresco, que é aquelle de que actualmente se está fazendo exportação de Portugal para Hespanha.
Vantagem especial, unica sim, dizemos nós; mas muito reduzida pela conservação do direito que existia para o peixe fresco; mas distantissima das que já concedemos á Hespanha, e que além disso, póde inverter-se amanhã; porque, como já aqui disse em tempo o sr. Andrade Corvo, as costas de Portugal não têem o privilegio constante de serem mais productivas de peixe, do que as costas
hespanholas.

Passo agora a um ponto importante do tratado.
A 4.ª classe da escala de exportação de Hespanha para Portugal é constituída por matérias vegetaes diversas, que no anno de 1881 importaram em 120:073$000 réis, predominando nesta exportação o azeite, cujo valor fui em 1881 de 42:113$000 réis, e depois matérias seccas para as artes e fructas seccas.
Da parte de Portugal occupam este logar da escala - productos e despojos de animaes - que no mesmo anno importaram em 175:114$000 réis, entrando nesta classe, pela ordem por que vão, os artigos seguintes : cera em bruto, ovos, cera branqueada, pelles em bruto, seccas e verdes.
Sem me demorar em comparações, que seriam fastidiosas, e que não nos seriam favoráveis, occupar-me-hei de um ponto para que os diversos partidos da camara têem chamado varias vezes a attenção do governo, e que é decidido no tratado de um modo contrario às suas reclamações e ao voto do paiz, ha três annos manifestado numa lei; quero fallar do azeite.
A questão do azeite é mais complexa do que tem parecido; não é só uma questão de concorrência entre Portugal e Hespanha; é tambem isso; mas é tambem uma questão mais geral.

A nossa exportação de azeite foi em 1855 de .............. 238:728$200
Passados 10 annos, em 1865, era de........................ 482:206$100
No anno seguinte de ...................................... 813:193$100
Em 1867 de.............................................. 1.232:000$000

Os annos de 1868, 1869 e 1870 dão pela mesma ordem e em números redondos: 400:000$000, 200:000$000 e 300:000$000 réis, de exportação.

Em 1871 sobe-se, desprezadas as fracções, a............... 983:000$000
Em 1872 a............................................... 1.016:000$000

Nos annos de 1873, 1874, 1875, 1876, 1877 e 1878, a exportação é, em números redondos, de 600:000$000, 300:000$000, 400:000$000, 400:000$000, 300:000$000 e 300:000$000 réis.

No anno de 1879 começa porém uma baixa muito sensível e persistente; n'esse anno exportámos....................... 108:900$000
Em 1880.......................... 89:600$000
Em 1881.......................... 108:045$000
Em 1882.......................... 101:443$000
Em 1883.......................... 140:616$000
Em 1884 (janeiro a novembro)..... 206:395$000

Podemos pois marcar na exportação do azeite três períodos distinctos.
No primeiro, de 1855 a 1867, a exportação sobe de 200:000$000 a mais de 1.000:000$000 réis.
No segundo, de 1868 a 1872, a exportação variou nos primeiros três annos, entre 400:000$000, 200:000$000 e 300:000$000 réis, subindo nos dois últimos, no primeiro a mais de 900:000$000 réis, e no segundo a mais de réis 1.000.000$000.
No terceiro período, de 1873 a 1884, começa a depressão, que primeiro vae de 600:000$000 a 400:000$000 e a 300:000$000 réis, e que em 1879 só dá 108:000$000 réis, em 1880 só 89:000$000 réis, não se chegando nunca mais ao ponto de partida de 1855.
Vamos agora ver quaes são os mercados de exportação que correspondem a estes períodos.
No primeiro, os mercados de exportação do nosso azeite são a Grran-Bretanha, que costumava importar mais de 200:000$000 réis; o Brazil mais de 200:000$000 réis; a Rússia mais de 100:000$000 réis; a Hespanha entre 10:000$000 e 38:000$000 réis; os Estados Unidos entre 11:000$000 e 18:0006000 réis; as nossas possessões de África ordinariamente 13:000$000 réis. A nossa importação de azeite neste período, ou não existe, ou é de tal modo insignificante, que os resumos estatísticos a não mencionam.
No segundo período conservam-se os anteriores mercados com a mesma ou maior intensidade, exceptuando simplesmente os Estados Unidos, cujas compras começam a diminuir, passando da média de 11:000$000 réis para réis 2:000$000, e apparece de quando em quando a Hollanda, que em 1871 nos comprou 40:000$000 réis de azeite. Em todo este período a nossa importação de azeite é insignificante.
No terceiro periodo o principal mercado, a Gran-Bretanha, deprime-se extraordinariamente, passando de réis 300:000$000 e 200:000$000 réis a 30:000$000 e a réis 13:000$000; o mercado do Brazil conserva-se; o das nossas possessões de África augraenta; o da Rússia e o dos Estados Unidos e o da Hollanda desapparecem; a Hespanha, que era importadora, relativamente a nós, torna-se exportadora ; de Itália vem tambem para Portugal algum azeite.
Estas importações começam a ter importancia desde o anno em que mais se accentua a depressão das nossas exportações, desde 1879.
Em 1877 a importação entre azeite de Florença e outros é apenas de ... 3:367$000
Em 1878, de ......................... 4:304$000
Mas em 1879, só o azeite que importamos de Hespanha somma em........ 86:677$000
O que veio de Italia, em............................................. 21:465$000

Verbas que reunidas são apenas inferiores nalguns centos de mil réis á totalidade do azeite que exportámos nesse anno.
Em 1880 a pauta, menciona azeite não especificado que vem de

Hespanha ............................ 248:454$000
Itália................................ 1:488$000

Sommas superiores á nossa exportação.

Em 1881 veio de Hespanha azeite não especificado ............... 42:113$000
De Itália....................................................... 31:392$000

Pouco menos do que a nossa exportação.

Em 1882, sem distincção de procedências,

importámos......................... 57:849$000
Em 1883. ......................... 20:261$000
Em 1884........................... 67:721$000

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2110 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Os factos característicos deste ultimo período podem, pois, reduzir-se a dois: 1.°, perda de alguns dos mercados do nosso azeite e depressão de outros; 2.°, augmento da nossa importação de azeite.
Podendo estes factos resultar de três causas: 1.ª, colheitas deficientes; 2.ª, substituição de outras mercadorias ao azeite, nos serviços a que se applicava; 3.º, substituição do nosso azeite, no todo em parte, pelo de outras nações nos mercados em que o vendíamos, pergunta-se qual é, ou quaes têem sido as causas effectivas?
Não havendo estatística da nossa producção de azeite nos diversos annos, a questão só póde resolver-se indirectamente pelo conhecimento da elevação ou baixa dos preços.
Eu mandei vir tabeliãs de preços do azeite de diversos mercados; de Portalegre, de Abrantes, de Lisboa, desde 1872. Nestas tabeliãs os preços não são os mesmos, nem o podem ser, porque quanto mais afastado está o mercado do ponto de embarque, tanto menor ha de ser o preço, para se poderem custear as despezas de transporte. A tabella de Portalegre avisam-me de que só se póde considerar rigorosa nos últimos quatro annos; tem tambem o defeito de não se referir sempre á mesma unidade, exactamente determinada, porque umas vezes falia do decalitro atestado, isto é, cheio quasi a trasbordar, depois de tapado o orifício que marca a aferição, outras vezes de decalitro não atestado, isto é, cheio até esse orifício. Apesar destes defeitos, as estatísticas que apresento fornecem base para um começo de solução do problema. Não as leio todas para não cansar a camara, mas mandal-as-hei para o Diário, porque poderão servir, creio eu, de elementos de estudo, e porque são a base dos raciocínios que tenho de fazer.

Preços médios do azeite no concelho de Portalegre por decalitro

Estatística derivada da estiva camararia

[Ver quadro na imagem]

Preços médios do azeite no concelho de Abrantes por decalitro

Estatistica derivada de escripturação commercial

[Ver quadro na imagem]

Preços médios do azeite nacional por cada 10 kilogrammas em Lisboa

Estatística derivada de escripturação commercial

(Cada decalitro pesa 9 kilogrammas)

[Ver quadro na imagem]

Janeiro ....
Fevereiro ....
Março ....
Abril ....
Maio ....
Junho ....
Julho ....
Agosto ....
Setembro ....
Outubro ....
Novembro ....
Dezembro ....

Média annual dos preços, desprezadas as fracções....

nalysadas as estatísticas e confrontadas as altas e baixas dos preços com as altas e baixas de exportação e de importação, encontra-se nos dois primeiros períodos e dalguns annos do terceiro, o seguinte phenomeno:
A baixa de preço coincide com o augmento de exportação; a alta do preço com a diminuição da exportação e com o augmento da importação.
Assim, em 1872; anno de grande exportação, o preço é baixo em todas as três estatísticas ; nos annos de 1877 e de 1878, que já são annos de muito pouca exportação os preços sobem em todas ellas; nos annos de 1879-1880, em que a exportação é menor e a importação maior, os preços são, nos dois mercados de Abrantes e de Lisboa, dos mais elevados; factos que significam que a causa principal da diminuição da exportação e do augmento da importação nos annos a que nos estamos referindo, foi uma

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causa natural, a escassez da producção ; o azeite era caro, porque era pouco; por ambos esses motivos se importava mais, e por ambos elles se exportava menos.
Mas de 1881 por diante os phenomenos são inversos; os preços baixam e a exportação não augmenta proporcionalmente, encontrando-se em todas as estatísticas annos de preços muito mais elevados e de exportação muito maior; em todas as três estatísticas, o preço em 1884 é mesmo o mais baixo, accentuando-se a baixa ainda mais em Lisboa no anno actual; o phenomeno agora é pois diverso, e as causas hão de ser diversas também. Quaes são?
A depressão do preço do azeite é um facto geral; em 4 de novembro de 1881, queixava-se dessa depreciação no congresso da nação vizinha o sr. Coll y Moncasi. E o óleo de algodão, a ginguba e outros productos que se substituem em grande parte ao azeite; é a America que invade a Europa com esse óleo, de que os Estados Unidos exportaram em 1879 - 0.352:530 galões no valor de 2.232:330 dollars, e em 1880 - 6.997:796 galões no valor de 3.225:414 dollars; é um facto análogo ao da depreciação dos cereaes.
Mas a esta causa geral para todos os paizes acrescem outras relativamente a nós.
Outras nações, principalmente a Itália, se nos substituiram em mercados que nós perdemos, apresentando preços mais baixos, que a lotação com outros óleos lhes tornava possível.
Colheitas deficientes; a facilidade e a pequena fiscalisação do transito do azeite hespanhol; o seu menor preço pela falsificação com o óleo de algodão, que durante algum tempo os hespanhoes vinham effectuar a Portugal, utilisando-se da isenção de direitos que aquelle óleo tinha; a confusão de origens entre o azeite hespanhol e o portuguez, que, partindo do mesmo porto em vazilhas iguaes às portuguezas, portuguezas mesmo e sem marca, não se podiam differençar; o direito de exportação que o nosso azeite paga e de que está livre o hespanhol que transita por Portugal; a armazenagem gratuita que se concede no caminho de ferro ao azeite hespanhol, por muito mais tempo do que ao azeite portuguez, tudo isto deu ao azeite do paiz vizinho um logar que não tinha na nossa importação, facilitando-lhe ao mesmo tempo concorrer comnosco nos mercados estrangeiros, deixando-nos muitas vezes, alem de um prejuízo, o descrédito.
O drabawk concedido ao azeite que vem da Itália, e que se emprega na conserva do peixe, excita alem disto a importação d'aquelle paiz.
O que é certo é que o commercio de azeite em Portugal está completamente perdido; e todos aquelles que conhecem o commercio de Lisboa sabem que armazéns que custaram muitos contos de réis para depósitos de azeite, ou estão abandonados ou têem outra applicação.
O único mercado estrangeiro que se nos conserva é o Brazil; e esse com muita difficuldade, porque os direitos que o azeite ali paga são elevadíssimos, 160 réis por litro, onerados ainda com mais 60 por cento sobre este mesmo direito, acrescendo e, isto a dificuldade dos câmbios e a demora dos pagamentos.
E não é nestas circumstancias, que é licito vir ainda facilitar por um tratado a invasão do mercado nacional; e nem se justifica, nem se explica que um negociador reduzisse em 1883 os direitos do azeite hespanhol a 500 réis o decalitro, quando no anno antecedente se reconhecera por meio de uma lei, e tendo exactamente em vista o azeite hespanhol, que esses direitos deviam ser de 700 réis.
Para que fica servindo depois do tratado a lei de 17 de maio de 1882?
A que se ha de applicar?
Ao azeite de Itália, cujos direitos restituímos com o drawback? (Apoiados.)
Se o eommercio do azeite soffre por circumstancias que não são de todo naturaes, cumpre ao governo remover-lhes todos os obstáculos que lhe possam vir da legislação e dar-lhe todas as facilidades que por meio d'ella se lhe possam dar; remodele pois a legislação interna neste sentido, e seja prudente e protector nos tratados. (Apoiados.)
Da legislação interna é necessario fazer desapparecer os direitos de exportação sobre o azeite, e em geral todos os direitos de exportação, que são absurdos, e que já estão ha muito condemnados pela sciencia. (Apoiados.)
Felizmente já nesta camara foi apresentado um projecto de lei abolindo os direitos sobre a exportação do azeite, e eu espero que o parlamento vote esta medida, quê é realmente importante e urgente. (Apoiados.)
Em segundo logar é necessario investigar se o azeite de Itália é absolutamente indispensável para o atum, e em geral para o peixe que exportámos em conserva, ou se se lhe poderia applicar azeite portuguez, e neste caso acabar com o drawback, que está sendo um incitamento para a importação. (Apoiados.)
Alguns srs. deputados: - Já se applicou o azeite portuguez, e deu mau resultado.
O Orador: - Deu mau resultado; mas parece-me que para alguma cousa devem servir os agrónomos que temos. (Apoiados.) Não seria conveniente fazer com que esses agrónomos fizessem conferencias pelo paiz, principalmente nas regiões productoras de azeite, com o fim de indicarem a maneira por que era preciso que o fabricassem para poder servir para todas as funcções que póde ser chamado â desempenhar, de forma que não tivéssemos necessidade de importar de Itália ou de outro qualquer paiz? (Apoiados.)
Alem d'isso, ha ainda uma outra medida, que não tem nada com o tratado, mas que tem muitíssimo com o governo, e a respeito da qual é necessario que o governo faça alguma cousa.
Refiro-me á armazenagem e às tarifas dos caminhos de ferro.
Com relação á armazenagem, todos sabem que o azeite hespanhol a tem gratuita durante muito tempo, creio que dois mezes, nos armazéns dos caminhos de ferro, ao passo que com o azeite portuguez não se dá esse facto.
O sr. Avellar Machado: - Esse tem oito dias.
O Orador: - Oito dias, diz o illustre deputado. Oito dias para os nacionaes, dois mezes para os estrangeiros! Isto em Lisboa, perto do porto de embarque, e onde os negociantes de azeite portuguez de certo não têein quem lhes dê casa gratuita para armazenarem o producto que exportam para fora de Portugal, onde, antes pelo contrario, pagam rendas caríssimas, é uma circumstancia importantíssima a pesar sobre a nossa concorrência e a facilitar a hespanhola. (Apoiados.)
O governo póde e deve intervir neste assumpto. (Apoiados.)
Ainda dentro dos limites da nação é necessario obter das companhias de caminhos de ferro tarifas mais favoraveis para o transporte do azeite portuguez que para ò azeite hespanhol; não peço que se difficulte o trânsito deste, com o que se prejudicariam as companhias e os nossos portos ; não peço um imposto de transito, como têem pedido alguns agricultores; peço, o que é muito diverso, que se facilite o transito do azeite portuguez; e o governo póde e deve fazer esquecer e perdoar um pouco a sua intervenção abusiva em negócios de caminhos de ferro, zelando perante a companhia, pelos muitos meios que tem ao seu dispor, os interesses dos ramo» de commercio que soffrem. (Apoiados.)
Internacionalmente, seria conveniente um accordo entre todas as nações productoras de azeite para imporem ao óleo de algodão iguaes direitos de entrada, e convinha ir preparando este accordo por meio dos tratados, para que não aconteça que, pela facilidade de falsificação do azeite nalgumas nações, ellas o possam offerecer por menor preço, destruindo às mais leaes o mercado nacional e o estrangeiro.
Pergunto, fez isto o tratado?

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O sr. Pinto de Magalhães: - Ainda bem que o não fez.
O Orador: - Ainda bem que o não fez, diz s. exa. Ainda bem, diria eu, no caso de ficar em ambas as pautas o direito da pauta hespanhola; mas ainda mal que o não fez, no caso de ficar em ambas o direito mais elevado da pauta portugueza, e era isso o que eu queria. O óleo de algodão pela nossa pauta paga 700 réis por decalitro, conservando na hespanhola o direito de 6,40 de peseta por 100 kilogrammas, ou 113,68 réis por decalitro.
O sr. Pinto de Magalhães: - Paga mais.
O Orador: - Faça o illustre deputado favor de fazer a redução de 6,40 de peseta a dinheiro portuguez, e de kilogrammas a decalitros, e verá o que paga.
O sr. Fuschini: - E ainda que pague mais, em não pagando tanto como entre nós, o raciocinio fica de pé.
O Orador: - Diz muito bem o illustre deputado. O meu raciocínio é o seguinte: Entre nós o decalitro de óleo de semente de algodão paga 700 réis, na Hespanha paga muito menos; o resultado é que a Hespanha póde falsificar o azeite e concorrer deslealmente comnosco no mercado nacional e nos estrangeiros; o que eu pretendia, para evitar isto, era que o óleo de algodão em Hespanha pagasse o mesmo que em Portugal. (Apoiados.)
Era necessario no tratado permittir o transito do azeite, mas tomando as precauções necessárias para que o transito se não podesse converter em importação fraudulenta, e para que a exportação por transito, quando realmente a houvesse, não podesse simular origem portugueza, roubando-nos assim os mercados em que o nosso azeite gosa de bons créditos. Fez isto o tratado? Não; não que deixo aqui consignado, para o demonstrar quando me occupe da ultima parte deste projecto de lei, a que se refere ao transito.

Passemos a outra parte do tratado, a que se refere ao vinho.
O artigo 5.° do tratado dispõe que os vinhos hespanhoes pagarão os direitos estabelecidos para os vinhos francezes no tratado de commercio de Portugal com este paiz, ou os menores que successivamente poderem fixar-se para outra nação. Este direito é de 500 réis por decalitro.
Mas acrescenta o tratado uma clausula, que não se encontra no tratado com a França, que é realmente estranha, e para a qual chamo a attenção da camara.
É a seguinte: - Não pagarão tão pouco maiores impostos ou direitos interiores de caracter geral que os actualmente estabelecidos.
Que as mercadorias estrangeiras peçam, depois de terem entrado no paiz, tratamento igual às nacionaes, relativamente a impostos, comprehende-se, e é uso; das que peçam e que se lhes conceda um tratamento de favor; que possam augmentar os impostos para as nacionaes, sem um augmento igual para as estrangeiras, é uma novidade tão singular, que me parece ser um apanágio triste e exclusivo deste tratado, destinado a morrer com elle, sem deixar de si mais do que uma recordação pouco agradável da decadencia da nossa diplomacia e dos nossos brios! (Apoiados.)
Dizia o sr. Fontes, quando se votava a lei de 17 de maio de 1882:
«O género estrangeiro não pode ter a pretensão de ser mais considerado, depois que entra no paiz, do que o género produzido cá.»
Completamente verdadeiro; mas onde ficou aqui estabelecido este principio?
Amanhã poderemos lançar maior imposto sobre os nossos vinhos, mas não sobre os vinhos provenientes de Hespanha!
Os srs. Carrilho e Pinto de Magalhães: - Não é essa a interpretação verdadeira. São impostos de entrada.
O Orador: - S. exas. podem dar às palavras significação diversa da que as palavras têem; podem explical-as como quizerem, mas do que eu duvido é de que a Hespanha torne nota dessa interpretação e a guarde para seu uso.
Não são impostos de entrada são impostos internos; direitos interiores, diz o artigo. É uma clausula que não tem similhante noutros tratados! Percorri alguns, não encontrei nada igual! E pelo tratamento de nação mais favorecida que temos concedido a todas as nações com quem temos tratados, esta clausula vae
applicar-se a todas ellas; e ficámos na explendida posição de não podermos applicar a vinhos estrangeiros impostos que augmentemos nos nossos. É único! (Apoiados.)
Ainda tratando do vinho sejam-me permittidas mais algumas observações.
Quando a França fez o tratado com a Hespanha, concedeu a este paiz que o vinho ficasse pagando de direitos 2 francos por hectolitro, excepto tendo mais de 15 graus alcoólicos, porque nesse caso pagaria o direito do álcool, 30 centimos por grau.
O que se fez em Hespanha para se sophismar o tratado? Procurou-se e alcançou-se o meio de introduzir na França cinho, antes de fermentado, e, alem d'isso, introduzia-se omo vinho álcool misturado com diversas matérias corantes de pouco preço, ao que a França respondeu com a lei da aguardentação do vinho.
Não são só francezes que fazem estas declarações relativas á falsificação dos vinhos hespanhoes; a ellas se referiram, reconhecendo-as, membros importantes do congresso hespanhol; e parece-me que estes factos deviam e devem levar-nos a tomar precauções, para que se não introduza em Portugal como vinho o que realmente o não seja.
E a propósito de vinhos, sr. presidente, eu recordarei que ha muito que os renologistas portuguezes, como os srs. Ferreira Lapa e A. A. de Aguiar, incitam os nossos viticultores a fazer vinhos de consumo directo, em vez de vinhos de lotação, para que não se continue sempre o que está succedendo, virem aqui os francezes comprar-nos vinhos, pagando nos por almude o mesmo ou menos do que nós e outras nações, depois de preparados, lhes pagámos por garrafa.
Uma voz: - Pois não lhos comprem!
O Orador : - Pois se são melhores, porque são melhor fabricados, como é que não lhos hão de comprar? O que é preciso é que os nossos agricultores aprendam a fazer exactamente o mesmo que se faz lá fora. (Apoiados.) É preciso renovar as idéas a este respeito, e eu perguntarei de novo para que servem, se não ha de ser para isto, os agrónomos que ternos em todos os districtos?
Proponha o governo a revogação de uma legislação absurda, que os manda fazer conferencias, de modo que tocam duas a cada terra num período de doze ou quinze annos.
Uma voz: - Elles simplificam isso, não fazendo nenhuma.
O Orador: - Mesmo quando não querem simplificar, mesmo quando querem cumprir a lei, fazem o seguinte:
Em geral, na primeira conferencia limitam-se a demonstrar a utilidade da agricultura, na seguinte, tratam de mostrar a utilidade da sciencia da agricultura. E vão-se embora. Astros errantes, voltarão no fim de muitos annos!
O que era preciso era obrigal-os a fazer conferencias apropriadas às diversas regiões; (Apoiados.) mas conferencias positivas, conferencias praticas e muito repetidas, (Apoiados.) de maneira que as idéas de melhoramentos das culturas se infiltrassem no espirito dos agricultores, por mais resistentes que elles fossem às innovações. (Apoiados.)
Passemos agora á ultima parte do tratado, o transito.
Quaes devem ser as precauções num tratado de transito?
Já as indiquei. Em primeiro logar impedir que o transito se converta em importação fraudulenta ou em expor-

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tação que simule que a mercadoria é originaria da nação por onde se faz o transito. Alem disto é preciso combinar as tarifas dos caminhos de ferro e aduaneiras de modo que não fique mais fácil a exportação das mercadorias estrangeiras que a das mercadorias nacionaes.
A legislação que regula actualmente o transito entre Portugal e a Hespanha é o convénio de transito de 27 de abril de 1866, e o regulamento de 7 de fevereiro de 1877; e á sombra d'ella e mais ainda da incúria, do laissez faire do governo portuguez, têem-se introduzido dois graves abusos: 1.°, o da armazenagem gratuita nos caminhos de ferro e o da baldeação ahi, o que dá em resultado que o transito se converta em commercio; 2.°, passarem sem marca as mercadorias vindas de Hespanha, de maneira que se apresentam nos mercados estrangeiros, simulando que são mercadorias portuguezas.
O primeiro destes abusos nunca o governo pretendeu cohibil-o. O segundo, a simulação de origem portugueza, teve vontade de o reprimir; e para isso tentou pôr marcas de fogo nas vasilhas, para indicar a procedência; mas recuou diante da primeira reclamação hespanhola; e é muito para estranhar que não se encontrem notas, nem negociações sobre este assumpto; quando deviamos e era útil que negociássemos, porque uma nação leal não podia de modo nenhum recusar-nos com rasões solidas, nem sequer com pretextos plausíveis, que tomássemos as providencias necessárias para indicar às outras nações o que era portuguez e o que era hespanhol; porque, felizmente para a consciência humana, as rasões das nações pequenas ainda podem alguma cousa perante as nações grandes, quando essas rasões são irrefutáveis e evidentissimas.
O sr. Fuschini: - Infelizmente não podem nada.
O Orador: - Mesmo que não podessem nada, reclamássemos, experimentássemos era o nosso dever.
O sr. Fuschini: - De accordo.
O Orador: - E era provável que podessem alguma cousa, porque do mesmo modo que um homem honrado não nega o seu nome, tambem uma nação que se preza não esconde a sua bandeira, nem um producto não falsificado mascara a sua procedência. (Apoiados.)
Mas se podemos passar por estes factos e desculpai os, porque os negociadores do convénio de 1867 podem allegar a falta de experiência; porque os governos a que me referi podem allegar a letra do convénio, que não fallava de marcas; agora que temos a ensinar-nos uma triste experiência, podemos e devemos exigir que se tomem todas as precauções. Tomaram-se?
Não; é o que vou demonstrar.
Diz o artigo 14.°:
«As mercadorias em transito não serão sujeitas em nenhum dos dois paizes a imposto algum, quer geral, quer provincial ou municipal; é permittida a mudança de tara nos depósitos respectivos, quer dos fructos, quer das mercadorias, quando estas só destinem para qualquer outro paiz que não seja o da sua proveniência, reservando-se o governo do paiz donde se faça a expedição o direito de marcar as novas taras quando se transformem os volumes.»
A segunda parte deste artigo divide-se em duas clausulas. Uma diz:
«É permittida a mudança de taras nos depósitos respectivos, quer dos fructos, quer das mercadorias, quando estas se destinem para qualquer outro paiz que não seja o da sua proveniência.»
Mas eu pergunto: que necessidade tem o governo hespanhol desta permissão, que a nós nos prejudica, porque é á sombra d'ella que o transito se póde converter em importação fraudulenta? Pois as mercadorias não podem seguir nas mesmas vasilhas em que vieram, bastando que se consinta a reparação ou a substituição d'aquellas que se deteriorarem?
O sr. Pinto de Magalhães: - Não podem seguir nas mesmas vasilhas.
O Orador: - Não, diz o illustre deputado; pois eu consultei diversos commerciantes, entendidos em expedição de mercadorias para diversas nações, e são todos concordes em dizer que sim. Para que é esta mudança? O que significa? O que encobre? (Apoiados.)
A segunda clausula do artigo diz:
«Reservando-se o governo do paiz donde se faça a expedição o direito de marcar as taras quando se transformem os volumes.»
Em primeiro logar notarei que não é clara a phrase «quando se transformem os volumes».
Muda-se um producto de uma vasilha para a outra de igual forma; pergunto: transforma-se o volume?
Parece que não; (Apoiados.) mas ha ainda peior do que isso.
O azeite e outras mercadorias vem às vezes em vasilhas que parecem portuguezas, que têem as apparencias de portuguezas.
Uma voz: - O azeite vem em odres.
O Orador: - Venha como vier; com esta disposição do artigo póde continuar a fraude que tem havido; e as minhas asserções, porque estou tratando do transito, era geral applicam-se não só ao azeite, mas a outros quaesquer productos; e v. exa. e a camara sabem perfeitamente que até vão para Hespanha vasilhas portuguezas desarmadas para lá se armarem, e que mesmo vão tanoeiros
portuguezes para fazerem já as vasilhas.
Uma voz: - É porque lá lhes pagam melhor.
O sr. Pinto de Magalhães: - Não me consta tal.
O Orador: - Pois consta-me a mira. E o que é preciso é marcarem-se, não simplesmente os objectos que se transformam, mas marcai-os todos, de maneira que se distinga o que é hespanhol e o que é portuguez. Com o artigo, como elle está, continua-se contra toda a espectativa e contra toda a rasão, o direito reservado aos hespanhoes de simularem que uma exportação hespanhola é portugueza. Podem mudar as taras nos depósitos; o que lhes permittô a conversão de transito em commercio; podem seguir os volumes sem. marca, comtanto que os não transformem; o que lhes permitte a simulação de origem. Isto não póde ser; não é só um erro económico; é peior do que isso; é uma irrisão. (Apoiados.)
O problema de transito depende ainda de um outro ponto as tarifas; e esse não tem nada com o tratado; mas tem muito com o governo: e as tarifas neste assumpto podem ser consideradas sob duas relações muito diversas:
1.ª As tarifas dos caminhos de ferro portuguezes para as mercadorias de Portugal e para as hespanholas em transito. Requer-se que não sejam menores para estas do que para aquellas.
2.ª As tarifas de exportação dos caminhos de ferro hespanhoes, comparadas com as mesmas tarifas nos caminhos de ferro portuguezes. Requer-se que estas não sejam mais elevadas.
Pela primeira condição pretende-se que a saída pelos portos portuguezes não seja mais fácil para as mercadorias hespanholas que para as portuguezas; pela segunda pretende-se que, dadas iguaes distancias, a saída pelos portos hespanhoes não seja mais fácil para as mercadorias hespanholas do que a saída para as mercadorias portuguezas pelos portos portuguezes.
Satisfazem as tarifas dos nossos caminhos do ferro a ambas estas condições?
Eu pedi uma tabella de tarifas á companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, e por essa tabella parece-me que satisfazem á primeira condição, porque nunca o transporte de uma estação portugueza para Lisboa ou Porto é maior para a mercadoria portugueza do que da ultima estação hespanhola para os mesmos sítios.
A tabella refere-se ao azeite, e é a seguinte:

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2114 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Azeite por tonelada de 1:000 kilogrammas:

Da fronteira de Valença de Alcantara a Lisboa.... 6$028
Do Marvão, idem ................................. 5$816
De Castello de Vide, idem........................ 5$332
De Peso, idem.................................... 4$727
Da fronteira de Badajoz a Lisboa. ............. .. 5$870
De Elvas, idem. ................................. 5$600
De Assumar, idem ............................... 4$840
De Portalegre, idem............................. 4$640
Do Crato, idem.................................. 4$300
De Abrantes, idem............................... 3$000

Da fronteira de Valença de Alcântara ao Porto... 8$508
De Marvão, idem ................................ 8$296
De Castello de Vide, idem .................... 7$812
De Peso, idem.................................. 7$207

Da fronteira de Badajoz ao Porto............... 8$300
De Elvas, idem................................... 8$080
De Assumar, idem .......................... 7$320
De Portalegre idem ......................... 7$120
Do Crato .................................. 6$760
De Abrantes ............................... 5$480

Mas satisfazem as tarifas igualmente á segunda condição?
Creio que não.
Tenho aqui a resposta que a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste deu a duas representações da junta geral do districto de Portalegre, que reclamava para os productos portuguezes tarifas de taxa kilometrica tão baixa como as que se applicam aos productos hespanhoes, representações que o governo mandou á companhia para ella informar, e nessa resposta lê-se o seguinte:
«As companhias dos caminhos de ferro hespanhoes, com o fim de attrahirem aos seus pontos e desviarem do de Lisboa o trafego de suas linhas, favorecem por tarifas excessivamente reduzidas os transportes de ou para os portos de Hespanha e difficultam o accesso de ou para Hespanha pelo porto de Lisboa, applicando o máximo de suas tarifas aos transportes neste sentido.»
Segundo as declarações da companhia, a saída para os productos hespanhoes pelos portos hespanhoes é pois mais fácil do que a saída para os productos portuguezes pelos portos portuguezes; e o que é preciso é que, para oe tornar igualmente fácil, a companhia faça nas suas tarifas as reducções necessárias. Vele por isso o governo, trate disso; aliás o paiz, se o governo se mostrar mais propenso a garantir interesses particulares do que interesses publicos, ver-se-ha obrigado a fazer propor e a fazer passar no parlamento, porque alguma occasião ha de vir em que se não vote só o que os ministros querem, (Apoiados.) um projecto de lei que impeça os deputados, os pares e os ministros de serem directores de companhias, por si ou por interpostas pessoas. (Muitos apoiados.)
O sr. Pinto de Magalhães: - Dirige se provavelmente ao sr. Mariano de Carvalho.
O Orador: - V. exa. falia commigo?
Estimo o aparte do illustre relator.
O sr. Pinto de Magalhães: - Não fiz aparte; não fallei com v. exa.
O Orador: - Pois, apesar disso, ha de ouvir a resposta; o assumpto fornece-me ensejo para dar explicações, que de outro modo seriam inopportunas.
Antes de se levantar no paiz a ultima questão dos ca minhos de ferro, tinha eu consignado num escripto didáctico a opinião que expendi sobre a necessidade de se prohibir que deputados, pares e ministros sejam por si ou por interposta pessoa directores de companhias, sujeitas á fiscalisação do estado; o que se passou ha pouco não me fez mudar de opinião; mas emquanto não houver a lei de que eu fallo, é conveniente que todos os partidos tenham nessas companhias os seus representantes; porque de outra forma haveria um elemento mais de desequilíbrio politico, onde já ha tantos; (Apoiados.) e ninguém mais digno pela vastidão da sua intelligencia de presidir a um grande serviço, tão relacionado com o publico, nem mais apto, pela grandeza do seu desinteresse, de que tem dado provas evidentissimas numa longa carreira politica, para representar e defender nos conselhos de uma companhia os interesses do paiz, conciliando-os com os d'ella, do que o sr. Mariano de Carvalho. (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, não quero cansar mais a camara.
Em vista das considerações que tenho feito eu devia mandar para a mesa diversas propostas; mas não mando senão uma, que se refere ao artigo 14.°, e que é a seguinte:
«Proponho que o artigo 14.° do tratado de commercio seja alterado do modo seguinte:
«As mercadorias em transito não são sujeitas em nenhum dos dois paizes a imposto algum, quer geral, quer provincial ou municipal; só é permittida a mudança de taras em caso de necessidade verificada, e fazendo-se sob a inspecção dos empregados fiscaes, reservando-se o governo do paiz de onde se faça a expedição o direito de marcar todas as taras, tanto as novas, como as que se não tenham mudado.»
Mando para a mesa esta proposta, e entendo que a camará, pelo que deve ao paiz, e pelo que deve a si mesma, a acceitará. Pelo que deve ao paiz; porque todos sabem que têem sido mandadas á camara diversas representações neste sentido. Pelo que deve a si mesma; porque antes da ordem do dia, differentes srs. deputados de todos os partidos têein manifestado a sua opinião de accordo com essas representações, e seria estranho que depois de todos os dias se apresentarem reclamações dos povos, apoiadas pelos seus representantes, elles fossem agora approvar aquillo mesmo contra que tanto têem reclamado. (Apoiados.)
E não se diga que se não podem fazer alterações, por que é um tratado; eu podia mostrar o que já se tem feito a este respeito noutras occasiões, e que opiniões correm sobre a possibilidade de modificar os tratados entre os políticos da nação vizinha.
Alem d'isso o que se pede não póde a Hespanha recusar-nol'o. Pois o que pedimos nós? Simplesmente que o transito seja transito e que aquillo que é hespanhol se apresente como hespanhol. Não nos podem recusar isto, repito; em direito internacional foi sempre uma vergonha e um crime esconder ou disfarçar a bandeira. (Apoiados.)
O tratado tem uma cousa boa; é o praso da sua duração, que é curto. E quando findar, é licito esperar do governo, se ainda ahi estiver, ou de qualquer outro, que tenha um pouco mais em attenção os interesses do paiz.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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