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SESSÃO DE 7 DE AGOSTO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

Dá-se conta dos seguintes officios: do ministerio do reino, acompanhando uma representação; do ministerio da fazenda, acompanhando documentos requeridos pelo sr. José Julio Rodrigues; do ministerio da guerra, remettendo informações pedidas pelo sr. Adriano Monteiro; do mesmo ministerio, devolvendo, informado, um requerimento.- O sr. Bandeira Coelho apresenta um requerimento de interesse particular, ácerca do qual faz algumas considerações.- Dispensado o regimento a requerimento do sr. Serpa Pinto, lê-se na mesa, e é approvado, conjunctamente com um additamento apresentado pelo sr. Vargas, e depois de algumas observações do sr. Cancella, o projecto de lei n.° 164, relativo ás muralhas de Caminha.- O sr. Francisco Machado, discursando sobre diversos assumptos, apresenta alguns requerimentos de interesse publico.- O sr. Ruivo Godinho manda para a mesa um parecer da commissão de fazenda.- O sr. Cancella sente a ausencia do sr. ministro do reino, cuja attenção desejava chamar para o procedimento da auctoridade administrativa do concelho de Porto de Moz.- Dispensado o regimento a requerimento do sr. Horta e Costa, leu-se na mesa, e foi approvado sem discussão, o projecto de lei n.° 174.- Manda para a mesa uma representação o sr. Ferreira de Almeida.- Dá-se conta de uma ultima redacção.- Justificam faltas ás sessões os srs. Soares de Albergaria, José de Castro e Horta e Costa.- O sr. Pinheiro Chagas apresenta um requerimento de interesse publico.

Na ordem do dia tem logar a interpellação annunciada pelo sr. Emygdio Navarro ao sr. ministro dos negocios estrangeiros. O sr. Emygdio Navarro, censurando o sr. ministro por não dar á camara esclarecimentos alguns sobre o estado das suas negociações com o gabinete inglez, e de ser necessario recorrer á imprensa ingleza para que no paiz se saiba alguma cousa sobre o assumpto, verbera o facto da entrega do dinheiro que, na sua opinião, implica reconhecimento da companhia Delagoa Bay.- O sr. ministro dos negocios estrangeiros diz que não reconhecêra por acto algum essa companhia, pelo que, na falta da companhia portugueza ou de quem a representasse, entregára aquella quantia ao governo inglez para evitar a fallencia da companhia ingleza, fallencia que aggravaria a questão. S. exa. justifica a operação por meio da qual se effectuou o referido pagamento.- O sr. Francisco Beirão entende que, segundo o codigo commercial, a companhia portugueza não podia ter desapparecido sem que ficasse qualquer entidade que a representasse, e, dando a hora, ficou com a palavra reservada.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 58 srs. deputados. São os seguintes:- Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio Maria Cardoso, Antonio Maria Jalles, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Augusto José Pereira Leite, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo de Jesus Teixeira, Emygdio Julio Navarro, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Fortunato Vieira das Neves, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, João de Barros Mimoso, João de Paiva, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Moreira, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Simões Pedroso do Lima, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Simões Ferreira, Joaquim Teixeira Sampaio, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Domingos Ruivo Godinho, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria Greenfield de Mello, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Monteiro Soares de Albergaria, José Paulo Monteiro Cancella, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel Affonso Espregueira, Manuel Francisco Vargas, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Ignacio de Gouveia, Roberto Alves de Sousa Ferreira e Thomás Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Agostinho Lucio e Silva, Alfredo Cesar Brandão, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Costa, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Cesar Elimino da Cunha e Costa, Bernardino Pereira Pinheiro, Carlos Roma du Bocage, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco Severino de Avellar, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira do Carvalho de Abreu, Jacinto Cândido da Silva, João Marcellino Arroyo, Joaquim Germano de Sequeira, José Bento Ferreira de Almeida, José Dias Ferreira, José Elias Garcia, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Freire Lobo do Amaral, José Maria dos Santos, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Manuel de Arriaga, Manuel d'Assumpção, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira e Manuel Pinheiro Chagas.

Não compareceram á sessão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro, Adolpho da Cunha Pimentel, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alfredo Mendes da Silva, Antonio José Arroyo, Antonio José Ennes, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Carlos de Sousa, Lobo Poppe, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto Maria Fuschini, Barão de Paçô Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Caetano Pereira Sanches de Castro, Carlos Lobo d'Avila, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Conde do Covo, Conde de Villa Real, Custodia Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Feliciano Gabriel de Freitas, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José de Medeiros, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Lobo de Santiago Gouveia João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Sousa Machado, Joaquim Alves Matheus, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Antonio de Almeida,

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1746 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

José de Azevedo Castello Branco, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Luiz Ferreira Freire, José Maria de Alpoirn de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Latino Coelho, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Julio César Cau da Costa, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luciano Cordeiro, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz Virgílio Teixeira, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor da Costa Sequeira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde de Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio do reino acompanhando a representação da junta de parochia da freguezia de Abaças, no concelho de Villa Real, pedindo a isenção do pagamento de contri bnição por espaço de três annos devidos pelos proprietários da referida freguezia.

Para a commissão de fazenda.

Do ministerio dos negocios da fazenda, em satisfação ao requerimento do sr. deputado José Julio Rodrigues, acompanhando o mappa fornecido pela administração geral das alfandegas e contribuições indirectas, das fabricas de distillação de álcoois e aguardentes e sua producção, com respeito ao anno de 1889-1890.

Para a secretaria.

Do ministerio da guerra, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Adriano Augusto da Silva Monteiro, remettendo as informações pedidas pelo mesmo sr. deputado.

Para a secretaria.

Do mesmo ministério, devolvendo informado o requerimento do capitão de engenheria Pedro Romano Folque. Para a commissão de guerra.

REPRESENTAÇÕES

Da junta de parochia da freguezia de Abbaças, no concelho de Villa Real, pedindo a isenção do pagamento de contribuições por espaço de tres annos devidos pelos proprietários da referida freguezia.

Remettida em officio do ministerio do reino e enviada á commissão de fazenda.

Da commissão constituída pela corporação de caixeiros na cidade de Faro, pedindo para que seja decretado o encerramento obrigatório dos estabelecimentos ao domingo e dias santificados.

Apresentada pelo sr. deputado Ferreira de Almeida, enviada á commissão de petições e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me seja enviada, com urgencia, nota do processo de apprehensão de algumas pipas de vinho feita ha mezes a Augusto Teixeira de Carvalho, da cidade do Porto, assim como declaração do estado de adiantamento em que se encontra este processo, se porventura não estiver ainda concluido.

A apprehensão consta-me que foi feita num dos armazéns da rua de Miragaia. = F. J. Machado.

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me seja remettida, com urgência, copia da distribuição dos emolumentos pessoaes auferidos pelos verificadores e aspirantes que fizeram durante os últimos cinco mezes do corrente anno serviço fora das horas do expediente na alfândega de Lisboa.

Requeiro igualmente que esta nota contenha os nomes dos respectivos empregados e d'aquelles que não foram contemplados com os alludidos emolumentos. = F. J. Machado.

Requeiro que, pelo ministerio das, obras publicas me sejam enviadas copias das syndicancias que o ministro respectivo mandou fazer ao director do correio de Vallongo, assim como as queixas ou os fundamentos que deram origem a que se mandasse proceder a essas syndicancias. = F. J. Machado.

Requeiro que, com urgencia, pelo cominando geral da guarda fiscal, me seja enviada copia:

1.° Das apprehensões realisadas pela mesma guarda desde 1886;
2.° Qual a força ou numero de praças existentes a esta data;
3.° Distribuição dessa força pelos diversos postos. = F. J. Machado.

Requeiro que me seja enviada copia do officio circular da direcção geral das alfandegas de 5 de novembro de 1889, expedido aos administradores dos circulos das alfandegas, para que informem sobre quaes as vantagem e inconvenientes que têem encontrado na reforma de 1887. - F. J. Machado.

Requeiro que, pela direcção geral das contribuições directas, me seja enviada nota:

1.° Do numero de empregados em serviço na mesma direcção geral e suas categorias;
2.° Do numero dos empregados em serviço nas repartições districtaes;
3.° Do numero de escripturarios de fazenda existentes em cada concelho;
4.° Das gratificações e quotas dos escrivães de fazenda nos differentes concelhos no anno civil de 1889.= F. J. Machado.

Requeiro que, com urgência, me seja enviada pela administração geral das alfandegas nota:

1.° Do numero de praças de policia fiscal em serviço em Lisboa, e qual a natureza dos serviços que lhes estào commettidos;
2.° Nota da distribuição da policia fiscal nos diversos postos do paiz;
3.° Nota de qual o modo por que se tem dado execução á cobrança do imposto do fabrico dos álcoois;
4.° Nota de qual o numero de empregados de cada categoria em serviço em cada uma das circumscripções aduaneiras. = F. J. Machado.

Requeiro que, pela inspecção geral dos serviços techicos das alfandegas, me seja enviada nota:

1.° Do numero de processos do contencioso technico que tenham subido ao conselho superior das alfandegas;
2.° Nota de amostras ou exemplares existentes no museu a que se refere o artigo que o organisou;
3.° Nota das consultas ou pareceres, que, nos termos da carta de lei de 29 de dezembro de 1887, tiverem sido formulados pela mesma inspecção. = F. J. Machado.

Em nome da commissão do ultramar, requeira que seja

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ouvido o governo, pelo ministerio da marinha, sobre o adjunto requerimento de Jayme José Ferreira, capitão da provincia de Moçambique. - Manuel Pinheiro Chagas.

Mandaram-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

De Luiz Pinto de Almeida, segundo tenente de artilheria n.° 1, pedindo-lhe não seja descontado na sua promoção ao posto de primeiro tenente, o tempo em que foi obrigado a estar com parte de doente.

Apresentado pelo sr. deputado Bandeira Coelho e enviado á commissão de guerra.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Sousa Machado tem faltado e faltará ainda a algumas sessões, por motivo de doença. = José Maria de Sousa Horta e Costa.

Declaro a v. exa. e á camara que os srs. deputados Guerra Junqueira, Albano de Mello, Antonio Ennes e conde de Villa Real têem faltado e faltarão ainda a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, José de Castro.

Declaro a v. exa. e á camara que por motivo justificado têem faltado e faltarão ainda a algumas sessões os srs. deputados Antonio Teixeira de Sonsa, Ortigão de Carvalho, Urbano de Castro, barão de Paçô Vieira (Alfredo) e Co-lumbano Pinto Ribeiro. = O deputado, Amandio Eduardo da Mota Veiga.

Declaro que faltei á sessão nocturna do dia 2 e ás sessões dos dias 5 e 6 por motivo justificado. = José Monteiro Soares de Albergaria.

Para a secretaria.

O sr. Bandeira Coelho: - Mando para a mesa um requerimento do segundo tenente de artilheria, Luiz Pinto de Almeida, em que pede que não lhe seja descontado o tempo de serviço, em virtude da doença que adquiriu em serviço.

Permitta-me v. exa. que eu faça umas ligeiras considerações sobre o assumpto d'este requerimento.

Até 1863 a entrada de um dado curso para as armas especiaes era contada pela antiguidade de praça, não servindo de nada as classificações obtidas nas escolas.

A lei de 1863 estabeleceu o que eu chamarei promoção por merito; quer dizer, a entrada em serviço de cada curso é em virtude da classificação obtida nas escolas.

Ora eu estou convencido de que não podia entrar no espirito do legislador que, desde que a classificação era feita por merito, um dia de doença, como aconteceu ao requerente, que partiu uma clavicula por motivo de serviço, faça com que elle fique á esquerda de todos os seus condiscipulos. (Apoiados.)

Pois as instancias superiores não têem attendido a estes factos, e os officiaes que adoecem por motivo de serviço, vêem passar para a sua direita todos os que estavam á sua esquerda.

Isto é injusto, (Apoiados.) e por isso eu peço aos membros da commissão de guerra que tomem em consideração este requerimento, e peço tambem ao governo que lhe dispense o seu auxilio efficaz.

O sr. Serpa Pinto: - Peço a v. exa. que consulte a camara se permitte que entro desde já em discussão o projecto n.° 164, que se refere ás muralhas de Caminha.

Dispensado o regimento, leu-se na mesa o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 164

Senhores: - A vossa commissão de guerra, de accordo com o governo, é de parecer que se dê a concessão pedida, salvando os interesses da defeza do paiz, obrigando-se a camara municipal de Caminha a entregar desde já os terrenos destinados ás novas fortificações projectadas, de que esteja de posse.

Sala das sessões, 27 de junho de 1890. = Manuel Pinheiro Chagas = J. P. de Avellar Machado = Luiz Augusto Pimentel Pinto = Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas = José Estevão de Moraes Sarmento = José Maria Greenfield de Mello = Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro = José Gonçalves Pereira dos Santos = Alexandre Alberto Rocha Serpa Pinto, relator.

A vossa commissão de fazenda, concordando com o parecer da illustre commissão de guerra, entende que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisado o governo a conceder definitivamente á camara municipal de Caminha os terrenos das antigas muralhas desta villa, que lhe foram provisoriamente cedidas pela carta de lei de 9 de abril de 1877, comtanto que a mesma camara entregue desde logo os terrenos destinados ás novas fortificações projectadas de que esteja de posse.

Art. 2 ° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Sala da commissão de fazenda aos 22 de julho de 1890.= Manuel Pinheiro Chagas = José Lobo = Lourenço Malheiro = Lopes Navarro = Antonio José Arroyo = Arthur Hintze Ribeiro = José de Azevedo Castello Branco = Antonio de Azevedo Castello Branco = Pedro Victor da Costa Sequeira = José de Castro = Abilio Eduardo da Costa Lobo = L. Cordeiro = Jacinto Candido - Antonio M. P. Carrilho, relator.

N.º 108-A

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 245, de 1887, que concede definitivamente á camara municipal de Caminha os terrenos das antigas muralhas da villa d'este nome.

Sala das sessões, em 5 de maio de 1890. = Miguel Dantas.

N.° 245

Senhores.- Á vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n.° 90-A, tendente a conceder definitivamente á cantara municipal de Caminha os terrenos das antigas muralhas da dita villa, que lhe foram provisoriamente concedidos pela lei de 9 de abril de 1877.

E não havendo inconveniente na concessão definitiva de que se trata, parece que se póde approvar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisado o governo a conceder definitivamente á camara municipal de Caminha os terrenos das antigas muralhas d'esta villa que lhe foram provisoriamente cedidos pela carta da lei de 9 de abril de 1877.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, aos 9 de agosto de 1887 = A. Baptista de Sousa = V. R. Monteiro = Carlos Lobo d'Avila = A. Fonseca = Antonio Eduardo Villaça = José Frederico Laranja = José Maria dos Santos = Oliveira Martins = A. Carrilho.

A vossa commissão de guerra não se oppõe á concessão de que trata o projecto de lei n.º 95-A, comtanto que fiquem salvaguardados os interesses do estado.

Sala das sessões, 9 de agosto de 1887. = E. X. de Sousa e Serpa = Julio Carlos e Abreu e Sousa = A. E. T Villaça = Luiz de Mello Bandeira Coelho = Manuel Maria de Brito Fernandes = E. Goes Pinto = Antonio José Pereira Borges.

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1748 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

N.° 95-A

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É auctorisado o governo a conceder definitivamente á camara municipal de Caminha os terrenos das antigas muralhas d'esta villa, que lhe foram provisoriamente cedidos pela carta de lei de 9 de abril de 1877.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Camara dos senhores deputados, em sessão de 4 de maio do 1887. = O deputado, Miguel Dantas.

O sr. Manuel Francisco Vargas: - Mando para a mesa um additamento ao artigo 1.° do projecto.

Leu-se na mesa o seguinte:

Additamento ao artigo 1.º do projecto de lei n.° 164:

Artigo 1.° É tambem auctorisado o governo a conceder definitivamente á camara municipal de Villa Nova de Cerveira os terrenos das antigas muralhas d'esta villa e os fossos, que lhe foram provisoriamente concedidos pela carta de lei de 22 de março de 1855, que não forem precisos para as novas fortificações a executar n'aquelles pontos. = Manuel F. de Vargas.

O sr. Serpa Pinto: - Por parte da commissão, declaro que esta não tem duvida em acceitar o additamento apresentada pelo sr. Vargas.

O additamento foi admittido.

O sr. Paulo Cancella: - Continúa a canastrada dos projectos e é para isso que se prorogaram as côrtes. (Apoiados da esquerda.) Estamos aqui mais alguns dias para entretenimento da maioria, visto que só se trata de negocios de interesse particular.

De toda a parte apparecem projecticulos, por todos os lados pullulam as pretensões locaes!

Para isto, sr. presidente, não era necessario que as camaras tossem prorogadas, e parece-me muito mais conveniente para o paiz que ellas se fechassem.

Agora só vejo apresentar á discussão projecticulos que, ou têem por fim augmentar a despcza publica, ou cercear a receita do estudo. Por isso, repito, que me parecia muito mais conveniente para o paiz que se encerrasse o parlamento.

O sr. Serpa Pinto: - Peço licença a v. exa. para lhe fazer notar que estamos antes da ordem do dia.

O Orador: - Bem sei, mus estamos discutindo um projecto e parece me que posso fazer sobre esse projecto as considerações que entender convenientes. (Apoiados.)

Segundo vejo, pede-se n'este projecto a concessão de. umas muralhas á camara municipal de Caminha. Estranho que este projecto suja apresentado e acceito pela maioria, quando todos sabem que os bens pertencentes ao ministerio da guerra, julgados inuteis para a defeza nacional, servem de garantia de juro ao emprestimo de 2:100 contos de reis para a construcção de quarteis.

Ha pouco foram confirmadas pelo bill todas as medidas de caracter legislativo promulgadas em dictadura pelo governo, e tambem n'uma d'ellas se destinam para o fundo de defeza nacional os bens pertencentes ao ministerio da guerra que sobraram da garantia do pagamento do juro ao emprestimo.

De maneira que se fez um emprestimo, tendo por garantiu, todos na bens pertencentes ao ministerio da guerra e julgados inuteis para a defeza nacional; mas esses bens vão-se cerceando, diminuindo, por conseguinte, essa garantia.

Parece-mo isto uma falta de lealdade para com os nossos credores que emprestaram dinheiro, tendo como garantia uns certos valores.

Em presença da attitude que vejo tomar á maioria, tenho a certeza de que o projecto ha de passar. Em todo o caso quiz lavrar o meu protesto, para que se não dissesse que foi concorrencia de todos os membros d'esta camara que se diminuiu a garantia do emprestimo para a construcção de quarteis e o fundo da defeza nacional tão apregoado pelo governo quando se discutiu o bill.

Vão-se cerceando, como disse, pouco a pouco, todos os bens existentes. Uns, pertencentes ao ministerio da fazenda, são distribuidos com profusão á vontade de cada um dos srs. deputados da maioria. Outros, como se já não bastassem aquelles, pertencentes ao ministerio da guerra, vão para as camaras municipaes.

Como disse, quiz apenas lavrar o meu protesto contra estas medidas insignificantes, de nenhum valor, mas que ao mesmo tempo tem grande importancia sob o ponto de vista de servirem para nos desacreditarem, visto que vão diminuindo as garantias dos emprestimos que contraiamos, garantias que dentro em pouco terão desapparecido, só porventura cada deputado for pedindo um bocadinho d'esse montão de ruinas espalhadas pelo paiz.

Lido o projecto e o additamento foram approvados sem discussão.

O sr. Francisco Machado:-Ha dias que pedira a palavra para tratar de varios assumptos relativamente á pasta das obras publicas, mas tinha a infelicidade de sempre que lhe cabia a palavra, não estar presente aquelle sr. ministro.

S. exa., em vez de vir á camara, como lhe cumpria, andava passeando.

Se o governo queria ter o parlamento aberto a sua obrigação era vir á camara, e não era só ao sr. ministro das obras publicas que tinha de dirigir perguntas, era tambem aos srs. ministros da fazenda, da guerra, e do reino.

O sr. Arouca vivia no remanso da sua casa, e se entendia que era incommodo vir á camara, deixasse o seu logar, que encontraria no seu partido quem o substituisse com vantagem.

Dirigiam-se perguntas ao sr. ministro das obras publicas, s. exa. estava oito dias de ponto e depois é que vinha á camara responder a ellas; mas não esperava, como era natural, que os interpellantes lhe retorquissem.

Pedia ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que communicasse ao seu collega da fazenda as considerações que ía fazer e que reputava importantes.

No dia 6 do corrente começara a cobrança do imposto addicional de 6 por cento; mas essa cobrança estava-se fazendo de uma fórma irregular, dando-se-lhe effeito retroactivo.

Varios commerciantes que tinham mercadorias na alfandega pediram para que fossem mettidas a despacho dias antes de começar a vigorar o addicional, mas pela abundancia do serviço n'aquella casa fiscal, e naturalmente pela deficiencia de empregados, essas mercadorias não poderam ser todas despachadas antes do dia 6, e aquellas que o foram depois, já se lhes está exigindo o pagamento do imposto de 6 por cento.

Desejava pedir ao sr. ministro da fazenda que isentasse d'esse imposto, como era justo e racional, as mercadorias que já tinham sido pedidas a despacho antes de vigorar esse imposto.

Com a contribuição de renda de casas relativa ao primeiro semestre, estava se dando caso identico, pois nas recebedorias exigia-se já o pagamento dos 6 por cento addicionaes.

Mais succedia que, tendo varios individuos ido no dia 5 á recebedoria do bairro para pagarem a sua contribuição, foi-lhes respondido que não estavam ali os conhecimentos, e perguntando esses individuos só no dia seguinte já teriam de pagar mais os 6 por cento, foi-lhes respondido affirmativamente.

Esperava que o sr. ministro da fazenda, logo que tivesse conhecimento d'estes factos, daria as necessarias ordens para, que se não estivesse dando á lei, que estabeleceu o addicional de 6 por cento, um effeito retroactivo que ella não tinha.

Declarou que se associava ao projecto mandado para a

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mesa pelo sr. Mendes Pedroso, pelo qual era auctorisada a camara municipal de Coruche a desviar do cofre de viação a quantia de 9:000$000 réis para applicar á conclusão do matadouro, construcção de um cemiterio e outros melhoramentos importantes.

Sabia que os habitantes de Coruche iam dirigir aos poderes publicos uma representação, pedindo que o julgado municipal fosse transformado era comarca e desde já declarava que se associava a esse pedido e folgaria que o sr. Mendes Pedroso, representante do circulo de Santarem, a que pertencia Coruche, se interessasse por aquelle pedido.

Felicitava-se por não ter sido feita a concessão das malas do correio para a Merceana por 4$00 réis por dia, serviço que até ali era feito por 900 réis, porque ás suas reclamações se devia esse resultado.

Relativamente á suspensão do director do correio de Vallongo, insistiu em que esse funccionario fôra suspenso por politica, mas para que não lhe podesse restar duvida alguma, mandava para a mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me sejam enviadas copias das syndicancias que o ministro respectivo mandou fazer ao director do correio de Vallongo, assim como as queixas ou os fundamentos que deram origem a que se mandasse proceder a essas syndicancias. = F. J. Machado.»

Mandava tambem para a mesa um outro requerimento, que não justificava, porque não queria accusar sem provas.

«Requeiro, que, pelo ministerio da fazenda, me seja enviada, com urgencia, nota do processo de apprehensão de algumas pipas de vinho feita ha mezes a Augusto Teixeira de Carvalho, da cidade do Porto, assim como declaração do estado de adiantamento em que se encontra este processo, se porventura não estiver ainda concluido.

«A apprehensão consta-me que foi feita n'um dos armazens da rua de Miragaia. = F. J. Machado »

O sr. ministro das obras publicas, respondendo ás considerações que elle fizera em uma das sessões anteriores, sobre a annullação da portaria que nomeava aspirantes auxiliares do correio alguns aspirantes supranumerarios, justificára o seu proceder por uma fórma que o não satisfizera, e se s. exa. estivesse presente, elle havia de demonstrar que tinha commettido uma grandissimo irregularidade.

Mandava para a mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me seja remettida, com urgencia, copia da distribuição dos emolumentos pessoaes auferidos pelos verificadores e aspirantes que fizeram durante os ultimos cinco mezes do corrente anno serviço fóra das horas do expediente na alfandega de Lisboa.

«Requeiro igualmente que esta nota contenha os nomes dos respectivos empregados e d'aquelles que não foram contemplados com os alludidos emolumentos. = F. J. Machado.»

Disse que o governo já não se contentava com que os seus amigos tivessem só um logar, pois dava lhe dois, como succedia com um individuo de Guimarães, que fôra nomeado escrivão de juiz de paz, sendo arbitrador judicial.

Perguntou se o governo já tinha tomado as devidas providencias para que não estivessem os individuos que o anno passado foram nomeados para a posta rural de Guimarães a ganharem sem prestar serviço, por isso que essa posta ainda não tinha sido organisada.

Declarou que se associava ás considerações que fizera o sr. Christovão Pinto sobre a reclamação do coronel João Xavier Telles, e mandou para a mesa os seguintes requerimentos:

«Requeiro, que, com urgencia, pelo cominando geral da guarda fiscal, me seja enviada copia:

«1.ª Das apprehensões realisadas pela mesma guarda desde 1886;

«2.ª Qual a força ou numero de praças existentes a esta data;

«3.ª Distribuição d'essa força pelos diversos postos. = F. J. Machado.»

«Requeiro que me seja enviada copia do officio circular da direcção geral das alfandegas de 5 de novembro de 1889, expedido aos administradores dos circules das alfandegas, para que informem sobre quaes as vantagens e inconvenientes que têem encontrado na reforma de 1887. = F. J. Machado.»

«Requeiro que, pela direcção geral das contribuições directas, me seja enviada nota:

«1.° Do numero de empregados era serviço na mesma direcção geral e suas categorias;

«2.° Do numero dos empregados em serviço nas repartições districtaes;

«3 ° Do numero de escripturarios de fazenda existentes em cada concelho;

«4.º Das gratificações e quotas dos escrivães de fazenda nas differentes concelhos no anno civil de 1889. = F. J. Machado.»

«Requeiro que, com urgencia, me seja enviada pela administração geral das alfandegas nota:

«1.° Do numero de praças de policia fiscal em serviço em Lisboa, e qual a natureza dos serviços que lhes estão commettidos;

«2.° Nota da distribuição da policial fiscal nos diversos postos do paiz;

«3.° Nota de qual o modo por que se tem dado execução á cobrança do imposto do fabrico dos alcools;

«4.° Nota de qual o numero de empregados de cada categoria em serviço em cada uma das circumscripções aduaneiras. = F. J. Machado.»

«Requeiro que, pela inspecção geral dos serviços technicos das alfandegas, me seja enviada nota:

«1.° Do numero de processos do contencioso technico que tenham subido ao conselho superior das alfandegas;

«2.° Nota de amostras ou exemplares existentes no museu a que se refere o artigo que o organisou;

«3.° Nota das consultas ou pareceres, que, nos termos da carta de lei de 29 de dezembro de 1887, tiverem sido formulados pela mesma inspecção. = F. J. Machado.»

(O discurso da s. exa. será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando haja reviso aã notas tachygraphicas.)

Os requerimentos mandaram-se expedir.

O sr. Ruivo Godinho: - Por parte da commissão de fazenda, mando para a mesa o parecer sobre o projecto de lei n.° 119.

Foi a imprimir.

O sr. Paulo Cancella: - Os protestos da opposição alguma cousa conseguiram já; ao menos da parte da maioria já ha alguma frequencia de banco. Infelizmente essa frequencia ainda não se estendeu aos ministros, pois apenas vejo presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Ha dias pedi o comparecimento de differentes ministros, porque tinha assumptos importantes a tratar e que reclamavam a sua presença. Um dos ministros, do comparecimento do qual eu carecia, era o sr. ministro do reino.

N'esse dia o sr. ministro do reino appareceu, mas foi como um meteoro fugaz que chegou, viu e fugiu, sem dar explicações algumas sobre os assumptos para que eu tinha chamado a attenção de s. exa. Depois d'isso não voltou para me dar explicações sobre os assumptos que eu tratei, e não só para me dar explicações a mim, mas a muitos outros srs. deputados que têem tratado de varios assumptos que dizem respeito á sua pasta.

Eu desejava que s. exa., ao menos, lesse o extracto das sessões d'esta camara, para que era um dia em que as frescuras de Cintra o não attrahissem tanto, viesse aqui dar explicações. Eu, o outro dia, chamei a attenção de s. exa. para a crise alimenticia que existe no paiz, e para as pro-

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videncias a tomar relativamente ao cholera. Creio que esta questão é uma questão gravissima que interessa a todos nós; roas s. exa. está gosando as frescuras de Cintra, e quando aqui apparece, o que é raro, nem sequer só digna responder-nos.

Eu desejo chamar a attenção de s. exa. para um assumpto que me parece importante, e que mostra que as auctoridades subordinadas a s. exa. não sabem ou não querem saber o que seja lei, e que se fazem dictadores como se fez o governo.

Ha dias referir-me ao facto de no concelho de Porto de Moz não estar ainda organisada a matriz da contribuição industrial, que devia estar prompta ha mais de um mez. Sei que esta falta não provém de desleixo do escrivão de fazenda, porque elle não póde ser responsavel por omissões praticadas por outros; mas a verdade é que n'aquelle concelho ainda não está organisada a matriz industrial com grande prejuizo do serviço publico e com manifesta contravenção da lei que marca o praso em que ella deve estar prompta e em que contra ella se póde reclamar, praso que é muito pequeno.

Este estado de cousas, sr. presidente, é todo devido á caturrice, aos caprichos, ás arbitrariedades do administrador do concelho, que se fez rei absoluto d'aquella região.

(Interrupção.)

Será boa pessoa, mas, para administrador de concelho, está á altura do governo. Guino o governo fez dictadura em Lisboa, elle entendeu que devia tambem fazer lá dictadura.

Mas ha mais. O administrador do concelho devia convocar a junta das repartidores para se reunir no praso legal; mas ajunta não reuniu, nem nomeou os informadores louvados, e está lá a organisar-se uma matriz perfeitamente cahotica, segundo as informações dadas pelos regedores do parochia, visto que o administrador do concelho não tratou de nomear os informadores louvados para organisar a matriz devidamente. O praso para as reclamações já passou, e espero que o governo quererá remediar as arbitrariedades praticadas por aquelle administrador do concelho, e ha de attender aos interesses d'aquelles povos, marcando novo praso para as reclamações. Mas ainda não acabam aqui as proezas d'aquella auctoridade; ha muito mais do que isso. Ha pouco tempo, uma junta de parochia mandou lhe as suas contas, que tinha de apresentar na administração do concelho para serem remettidas ao tribunal administrativo de Leiria. O administrador devia passar recibo d'essas contas, mas não o passou, e disse que não o passava porque não queria. Como soube que o sr. ministro dos negocios estrangeiros tinha dito aqui que fizera uma certa cousa porque quiz, aquelle administrador entendeu que devia seguir este exemplo, e disse tambem que não passava recibo porque não queria, calcando assim aos pés a disposição da lei.

A camara municipal fez o seu orçamento supplementar. Esse orçamento tinha de ser remettido é commissão executiva da junta geral, mas para isso devia ser primeiramente entregue ao administrador do concelho, para este dar a sua informação, e enviar depois á commissão executiva.

A camara entregou o dito orçamento ao administrador e pediu-lhe recibo; mas o administrador não o quiz passar, porque para elle não ha rei nem lei. A camara, em vista d'aquella recusa, mandou o orçamento directamente á commissão executiva; mas de lá devolveram-lh'o, porque a via competente para a remessa era a administração do concelho. A camara entregou novamente o orçamento ao administrador, pedindo recibo, e elle tornou a negar-se a passal-o; em virtude do que a camara municipal officiou á commissão executiva da junta geral, narrando os factos occorridos com o administrador do concelho, que se recusára a passar-lhe recibo da entrega do orçamento, o que era extraordinario e illegal, e communicando-lhe para os devidos effeitos a data em que entregara o dito orçamento supplementar na administração do concelho.

(Leu.)

A commissão declarou na acta da sua sessão, cujo extracto aqui tenho, que ficava inteirada, notando-se o irregular procedimento do administrador do concelho.

Isto foi em 16 de julho, pois em 30 de julho officiou a camara municipal de Porto de Moz á commissão executiva, pedindo a approvação do orçamento supplementar, e então a commissão executiva declarou que não tinha dado ainda entrada na repartição o orçamento supplementar a que ella se referia! De tudo isto se vê que o administrador do concelho, que não quiz passar recibo da entrega que a camara lhe fez do orçamento supplementar, ficou com elle, não o mandando para a commissão executiva. Quem está sendo prejudicada com isto é a camara, porque tem obras de urgente necessidade a fazer, o não póde fazel-as, porque o administrador do concelho não quiz remetter para a commissão executiva o orçamento.

Ora o procedimento d'esta auctoridade é inqualificavel, e eu peço ao sr. ministro do reino que tome uma medida energica, fazendo com que aquelle seu empregado cumpra a lei, passe o competente recibo e remetta o orçamento supplementar para a commissão executiva, porque a demora d'elle traz um prejuizo importante para o respectivo municipio.

Chamo, pois, a attenção do sr. ministro dos negocios estrangeiros para este ponto, pedindo a s. exa. o obsequio de communicar estas observações ao sr. ministro do reino, porque é urgente que se remedeie um mal grave, como é este e que tire o concelho de Porto de Moz do estado de sitio em que o collocou o administrador do concelho, isto é, que se colloque dentro da lei, porque está fóra d'ella.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Horta e Costa (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer que, dispensado o regimento, catre immediatamente em discussão o projecto n.° 174.

Dispensado o regimento, leu-se na mesa o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 174

Senhores. - Á vossa commissão de guerra foi presente o requerimento do tenente coronel commandante da guarda municipal do Porto, Antonio Marciano Ribeiro da Fonseca, em que pede ser considerado, para os effeitos de reforma, como tendo sido promovido a coronel em 25 de fevereiro de 1885, e bem assim a informação favoravel do ministerio da guerra, ácerca d'esta pretensão; e

Considerando que o requerente, sendo primeiro sargento do extincto segundo regimento de artilheria, foi despachado segundo tenente para o batalhão de artilheria de Angola, por decreto de 10 de março de 1862;

Considerando que, nessa epocha, o accesso dos officiaes inferiores de artilheria era regulado pelo quadro dos aspirantes das praças de guerra, e que só, excepcionalmente, o requerente e um outro camarada foram mandados considerar como despachados para a arma de infanteria;

Considerando que se o requerente houvesse permanecido no quadro das praças, como os demais seus camaradas, teria sido promovido a tenente em 15 de janeiro de 1868, a capitão em 4 de fevereiro de 1874, a major em 23 de agosto de 1882, a tenente coronel em 31 de outubro de 1884 e a coronel em 25 de fevereiro de 1885;

Considerando que o requerente serviu durante dezenove annos em diversas provincias ultramarinas, sempre com notavel distincção, demonstrada nas condecorações e louvores que abundam na sua nota dos assentamentos;

Considerando que do facto de se haver offerecido para prestar serviço nos climas insalubres da Africa e na Asia, não devem, provir ao requerente menos vantagens do que

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se estivesse no reino no serviço das praças de guerra, aonde não teria arriscado a vida, nem passado as privações e doenças, que saio o apanágio de quem vae servir em África;

Considerando que, talvez por effeito das doenças contrahidas no ultramar, o organismo do requerente se rendeu aos estragos occasionados por uma vida afanosa e cercada de perigos e de insalubridade dos climas em que permaneceu:

Por todas estas considerações é a vossa commissão de guerra de parecer, de accordo com o governo, que, pela equidade que se deve a quem bem serve o paiz, especialmente nas províncias longinquas de alem mar, merece a vossa approvaçlo o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É contado, para o effeito da reforma, ao tenente coronel de infanteria, Antonio Marciano Ribeiro da Fonseca, a antiguidade do posto de coronel de 20 de fevereiro de 1880.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 28 de julho de 1890.= Manuel Pinheiro Chagas = Luiz Augusto Pimentel Pinto = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas = Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda = J. M. Greenfield de, Melo = Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro = Carlos Roma du Bocage = Antonio Eduardo Villaça = Francisco Felisberto Dias Costa = José Estevão de Moraes Sarmento, relator.

Approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia.

Os srs. deputados que quizerem mandar papeis para a mesa podem fazel-o.

O sr. Ferreira de Almeida: - Mando para a mesa uma representação da classe dos caixeiros da cidade de Faro, em que pedem se resolva por meio de uma disposição legislativa o encerramento obrigatório dos estabelecimentos aos domingos e dias santificados.

Peço a publicação da representação no Diario do governo, e solicito a attenção da camara e do governo para tão justa quanto sympathica reclamação.

Foi mandada publicar no Diario do governo e enviada á commissão de petições.

O sr. Presidente: - A commissão de redacção não fez alteração aos projectos n.ºs 147, 161 e 174 e por isso vão ser enviados para a outra camara.

O sr. Soares de Albergaria: - Declaro que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado.

O sr. Pinheiro Chagas: - Mando para a mesa um requerimento.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

Interpellação do sr. Emygdio Navarro ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, sobre a entrega de £ 28:000 ao governo inglez, por conta da indemnisação, que se ha de apurar, relativa ao caminho de ferro de Lourenço Marques

O sr. Emygdio Navarro: - Disse que no final de uma das sessões anteriores fizera uma pergunta ao sr. ministro dos negócios estrangeiros sobre aquelle pagamento, de que as cortes portuguezas tinham tido conhecimento pelas declarações feitas no parlamento inglez. O governo continuava a sonegar dos representantes da nação todas as informações e esclarecimentos sobre assumptos graves, e esses representantes achavam-se na situação humilhante de discutirem os actos e as responsabilidades do seu governo, pelas palavras e pelos documentos do governo inglez.

O sr. ministro dos negocios estrangeiros dissera que pagara as 28:000 libras, porque quizera. Paguei porque quiz; disse o sr. Hintze Ribeiro. Com isto quiz accentuar que pagara espontaneamente, sem nenhum constrangimento. O porque quiz tinha como reparo, que o sr. ministro não póde dispor livremente dos dinheiros publicos, fazendo pagamentos não auctorisados; que tambem lhe não era licito antecipar um pagamento a uma certa companhia, quando a fixação do quantitativo, e a determinação dessa companhia, eram objecto de uma arbitragem.

Mas aquellas palavras tinham sido contradictoriamente desvirtuadas e aggravadas com outras, quando o sr. ministro dos negocios estrangeiros disse, para justificar o porque quiz, que o governo inglez lhe ponderara que se a companhia ingleza fallisse antes da sentença de arbitragem, o governo portuguez teria de pagar mais os prejuízos resultantes d'essa fallencia.

Para evitar esse risco, fora que mandara pagar as 28:000 libras. Assim se mostrava a espontaneidade do pagamento! A Inglaterra pedira com os seus bons modos costumados; e o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que já proclamara que a Inglaterra era muito respeitadora do direito internacional, a proposito do fuzilamento de dois sipaes portuguezes, curvára-se mais uma vez a esses bons modos, e pagara, sem auctorisação legal, e sem a pedir ao parlamento.

Mas o caso era muito mais importante nas suas consequências. Não se tratava só de uma irregularidade de contabilidade financeira, aliás muito grave; não era só a humilhação de uma exigencia, que, fossem quaes fossem as exterioridades com que se disfarçava, tinha o caracter de uma caução ou fiança á arbitragem. O caso era muito mais grave, como ia demonstrar, tendo sido por isso que annunciára a sua nota de interpellação.

Precisava fazer uma rapida exposição da questão, que motivara a arbitragem. O orador relembra a celebre questão da liberdade absoluta de tarifas, por causa da qual o Transvaal se recusava a construir a sua linha, ficando por isso sem objectivo o caminho de ferro de Lourenço Marques, que é simplesmente a testa d'aquella linha. O ministerio progressista rescindira o contrato com fundamento legal; mas, segundo o contrato, o governo devia pôr em praça a linha, entregando depois o producto da praça ao arrematante. Mas, segundo o contrato, a linha tinha de ser posta em praça nas mesmas condições da concessão, e por conseguinte com a mesma liberdade absoluta de tarifas, com a qual a concessão fora interpretada.

Resultaria dahi a continuação do mesmo perigoso estado de cousas anterior, sendo de presumir que os interessados em desviar as comunicações ferro-viarias do Transvaal para as colónias inglezas não deixariam de se aproveitar da praça, para proseguirem na mesma campanha.

Para fugir a esta situação, o ministerio progressista não poz o caminho de ferro em praça, tomando como fundamento o ter sido obrigado a construir os ultimos 8 kilometros e a tomar conta da linha. Allegou o direito do utipossidentis. Mas nunca affirmou o proposito de se locupletar com a jactura alheia, e sempre declarou, que estava prompto a pagar á companhia a respectiva indemnisacão.

Por esta indemnisação reclamaram os interessados por via diplomatica. A importancia do pedido de indemnisacão sobe a muitos milhares de contos de réis.

Tem ouvido dizer a uns, que sobe a 9:000 contos de réis, e a outros, que a 12:000 contos de réis! Convinha ter presente, que o custo e valor da linha não póde ser superior a 1:200 contos de réis, ou 1:600 contos de réis, com os calculos mais largos.

Pedia ao sr. ministro dos negócios estrangeiros, que dissesse qual o quantitativo pedido. As pretensões eram tão exageradas e tão desprepositadas, que num officio do sr. Petre ao seu governo, e que se encontra no Livro Azul, o sr. Petre declara que se taes contas fossem admittidas como boas, o caminho de ferro de Lourenço Marques seria o caminho de ferro mais caro do mundo.
O governo progressista reconhecera a obrigação de indemnisar; mas mantivera sempre o ponto de vista fundamental, de que as suas obrigações eram para uma companhia portugueza, e sujeita a leis portuguezas. Foi n'este

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pé, que terminaram as negociações com o governo progressista, como se vê do Livro Azul inglez. A concessão fôra feita a uma companhia, com a condição de ser para todos os effeitos portugueza. Posteriormente, constituiu-se em Inglaterra a Delagoa, Bay Company, como desdobramento da primeira, mas sem que o governo portuguez a reconhecesse.

Nos estatutos da companhia portugueza, alem de outras imprudencias, commettêra-se a de permittir que a maioria da direcção podesse ser ingleza, embora a sede da companhia fosse era Lisboa.

D'ahi resultou uma serie de conflictos, que não vem para o caso contar, mas que obrigaram os membros portugueses da direcção a demittirem-se. Nessa occasião, a companhia requereu ao consul inglez para que tomasse á sua guarda os papeis o archivos da companhia; mas vê-se do Livro Azul, que o governo inglez em Lisboa ponderou a irregularidade de tal pretensão, por ser a companhia portugueza e estar sujeita às leis e tribunaes portugueses. Lord Saliabury conformou-se com este modo de ver, como consta d'aquelle Livro, ordenando que o consul recolhesse á sua guarda os papeis e archivos, se lhos fossem levar, mas que os entregasse immediatamente, se elles lhe fossem requisitados pelo tribunal do commercio de Lisboa ou por qualquer outro tribunal ou auctoridade legitimamente constituida. Vê-se, portanto, que o governo inglez reconheceu expressamente, que a companhia era portugueza, e só portugueza. E foi neste pé, que ficavam as negociações ao tempo da queda do ministerio progressista.

Como succedêra depois d'isso, que o actual governo reconhecera a existencia legal da Delagoa Bay Company? Não o sabia, porque o governo não o dissera, nem publicara os respectivos documentos, o que aliás se podia fazer sem inconveniente, visto que a arbitragem estava instaurada, o elles eram anteriores á instauração. Mas notava que o sr. ministro dos negocios estrangeiros pagara as 28:000 libras para que a indemnisação á Delagoa Bay não tivesse de ser aggravada com a fallencia desta companhia. Por conseguinte, reconheceu como parte litigante, e legitima representante da concessão do Lourenço Marques, essa companhia. E nem mesmo se poderia conceber que o governo portuguez d'esse ao governo inglez 28:000 libras para esto entregar a uma companhia portugueza.

Este facto era da mais alta gravidade, tanto em these geral, como na hypothose. Estabeleceu-se assim o precedente de que uma companhia estrangeira póde enxertar-se numa companhia portugueza, sem nenhuma sujeição ás leis e auctoridades portuguezas, podendo emittir livremente acções e obrigações, o fazer as mais phantasiosas especulações de bolsa, apresentando-se depois como a única parte legitima, e com direito a todas as reclamações o indemnisações derivadas dessas especulações menos licitas.

Na hypothese, esse inconveniente estava patente. O caminho de ferro de Lourenço Marques poderia valer de 1:200 a 1:600 contos de réis. Ora a companhia portugueza, segundo se via dos estatutos de 4 de dezembro de 1885, nos artigos 5.° e 35.°, emittira 500:000 libras do acções, que foram logo dadas como integralmente subscriptas, e 425:000 libras de obrigações, importando tudo em 4.162:500$000 réis. Era quantia mais que sufficiente para a conitrucção do caminho de ferro. Sem embargo d'isso, como se vê a paginas 278 do volume de documentos publicados pelo ministerio da marinha, a Delagoa Bay emittiu 500:000 libras de acções, e mais 400:000 libras de obrigações de 7 por cento. As duas emissões das duas companhias ascendem á enorme somma de mais de 8:212 contos de réis, para um caminho de ferro que não póde ter custado mais de 1:600 contos do réis! Pois é n'estas condições, que se pede e se effectua um pagamento de 28:000 libras, allegando os perigos de fallencia d'aquella companhia, como responsabilidade eventual do governo portuguez!

O governo inglez reconhecera que a companhia ora portugueza, e que só como portugueza podia apresentar-se a reclamar. Era necessario fazer desapparecer esse obice. A A exigencia das 28:000 libras tinha esse fim: apagar esse reconhecimento, que constava do Livro azul, alterar fundamentalmente os termos da questão, o deixar consignado que o proprio governo portuguez reconheceu como legitima parte reclamante a companhia ingleza. O sr. ministro dos negocios estrangeiros deixára-se cair no laço. Embora por intermédio do governo inglez, reconheceu a legitimidade da companhia ingleza; por conseguinte, ha de reconhecer os termos da sua constituição, e as operações e emissões phantasiosas que a assignalaram. E isto ha de levar o governo portuguez a ter de pagar como indemnisaço legitima o que não é mais do que a liquidação de escandalosas tripotages.

O orador fez ainda largas considerações. Cita com louvor as declarações do almirante inglez em Africa, que em resposta a um officio do consul inglez em Lourenço Marques, lhe disse que não comprehendia como a vida e a. fortuna dos súbditos inglezes podiam estar em perigo sob a protecção da bandeira e das auctoridades portuguezas. Diz que não faz politica accintosa ao sr. ministro dos negocios estrangeiros. Se as responsabilidades moraes são suas, e hão de acompanhal-o ainda alem do ministerio, as politicas e constitucionaes são de todos os seus collegas, como resoluções do conselho de ministros. Julga da alta conveniencia o restabelecimento das boas relações entre Portugal e a Inglaterra; lastima que duas grandes e poderosas nações se façam protectoras de um pedido, que traduz principalmente escandalosas tripotages, contra uma nação fraca mas honrada. O restabelecimento da boa harmonia era de alta conveniência; mas não podia ter como base nem a nossa espoliação nem o nosso aviltamento. E que tivesse o sr. ministro dos negocios estrangeiros muito em conta, que o accordo entre os dois governos podia deixar subsistir, e cada vez mais fundo, o desaccordo entre as duas nações; e este é que convinha fazer desapparecer. O accordo entre os dois governos com desaccordo dos dois povos póde dar ainda para nós outro triste resultado; estabelecer tambem uma dissidência profunda entre os poderes governantes e o paiz.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - E escusado que o illustre deputado invoque a responsabilidade dos meus collegas; nenhum d'elles a renega; todos conhecem bem as responsabilidades collectivas e politicas que lhes adveem da situação em que têem gerido os negocios publicos. Nenhum se arreceia de que o parlamento lhes tome por isto contas severas. Pela minha parte e pelo que toca às minhas responsabilidades, s. exa. decerto não tem a mais pequena illusão, ácerca da consciencia que eu tenho dessas responsabilidades; porque sempre as assumi inteiras perante o parlamento.

Não creia o illustre deputado, que em occasião alguma, emquanto eu seja ministro, ou, mais tarde, em epocha alguma da minha vida, eu possa renegar responsabilidades tão graves como aquellas que actualmente impendem sobro mim. E não me arreceio disso porque entendo, que quando um ministro, isto é, um homem de estado, olha com interesse e dedicação pelo bem estar do seu paiz, envidando todos os seus esforços para bem o servir, não deve receiar a condemnação publica, e póde pelo contrario contar com a justiça de todos aquelles que imparcialmente avaliarem as suas acções.

Não peço favor, nem benevolência, peço tão somente, quando os meus actos forem conhecidos, que se apreciem com imparcialidade e com justiça.

O illustre deputado mais uma vez alludiu ao meu silencio em assumptos internacionaes! E necessario distinguir. Ha assumptos em que eu entendo, que o silencio é uma obrigação do governo, muito embora eu sinta, por deferência pessoal para com o illustre deputado, não poder dar

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prompta satisfação às suas reclamações; ha outros, pelo contrario, em que entendo que o silencio não é uma lei que se impõe, mas sim um dever, que se traduz em uma necessidade. Em muitas occasiões creio que, poderá dar testemunho disso toda a camara, tenho estado sempre prompto a responder a qualquer pergunta, a que, em minha consciência, entendo poder dar resposta. (Apoiados.) Ainda o illustre deputado me não chamou aqui a terreno uma única vez, que me eu não apresentasse desde logo; mas não indo tão longe nas minhas respostas, como o illustre deputado desejaria, e s. exa. de certo comprehendera as rasões superiores e graves, que me obrigam a isso.

O facto é que sempre que posso desempenho os meus deveres ministeriaes e políticos, dando conta dos meus actos como membro do governo.

O illustre deputado sabe perfeitamente, que desde que annunciou a interpellação, eu logo me habilitei para responder. (Apoiados.)

E sobre este assumpto direi mais. Estimei ouvir o illustre deputado, e confesso que acho toda a vantagem na interpellação que s. exa. me dirigiu; porque s. exa. está no presupposto, e foi esse o fundamento capital da sua interpellação, de que no acto que pratiquei, houve um erro grave e grosseiro, qual o de reconhecer uma companhia ingleza, em detrimento dos interesses do para, desnaturando completamente o terreno em que esta questão se achava collocada! Folgo em dizer ao illustre deputado, que o que s. exa. suppõe não é, felizmente, verdade. Tal erro não commetti. (Apoiados.) E vou provar-lhe, não com palavras, mas com documentos; não com simples affirmações, mas com o testemunho irrecusavel do que está escripto.

E a este respeito uma simples explicação.

O illustre deputado estranhou, ver-se na necessidade de num assumpto d'esta ordem, fazer obra por documentos publicados no Livro Azul, e que o governo os não tivesse apresentado desde logo ao parlamento. Eu direi ao illustre deputado, que quando entrei para o ministerio dos negócios estrangeiros encontrei esta questão pendente. Foi ha muito pouco que se decidiu constituir o tribunal arbitral, e que tão depressa a negociação chegue a determinado ponto, farei distribuir no parlamento todos os documentos que estão a imprimir, e que tenho com o máximo cuidado procurado coordenar.

Se ha mais tempo o não fiz foi para não dar d'elles conhecimento incompleto. E seria dar conhecimento incompleto se tivesse apresentado os documentos que existiam até certa data, e não apresentasse todos até ao accordo final ácerca da constituição do tribunal.

Esteja, pois, o illustre deputado a esse respeito muito descançado.

Os documentos estão a imprimir, e tão depressa seja possível, serão enviados á camara.

Em todo o caso serão presentes na sessão de janeiro, com todos os esclareci mentos e com todas as informações, para os illustres deputados poderem discutir a questão de Lourenço Marques inteiramente á sua vontade.

E se por essa occasião já o tribunal arbitrai se tiver constituido, se já se tiver pronunciado, e proferido a sua sentença, então desafogadamente discutiremos todas as responsabilidades.

Se eu agora apresentasse os documentos, e desejaria fazel-o, pergunto, se nesse caso se podia discutir a questão? Eu julgaria inconveniente essa discussão, e o illustre deputado comprehende bem, que dada uma arbitragem para decidir um litigio, levantar-se ia uma discussão, que daria logar a reclamações de um e outro lado, pelo que seria mais do que permatura, inconveniente, porque poderia influir no modo por que ella deve ser encarada. É o facto é que o modo de ver uma questão influe em geral na fixação dos seus pontos e detalhes mais importantes. Aqui tem o illustre deputado a rasão por que não apresento os
documentos, e mesmo quando os apresentasse, o motivo porque não desejaria discutil-os por agora.

O illustre deputado suppõe, porventura, que foi um acto voluntário meu o pagamento de 28:000 libras, por eu haver dito que pagara porque quizera. Em nome de quem fallava eu n'esse momento? Em nome do governo. De que era accusado o governo? De ter cedido a uma pressão humilhante, mas o facto é que o governo não cedeu a instancias nem a pressões.

Quando eu soltava aquella phrase, que s. exa. inverteu completamente, querendo dar-lhe um sentido que não tinha, não fiz mais do que reivindicar para Portugal a posição em que se collocára, que não - era uma posição de subserviencia, mas sim a de quem procedia por um acto voluntário, sem pressões nem sugestões de espécie alguma, Aqui tem a camara o sentido da, minha phrase.

E claro que não disponho dos interesses do thesouro, nem posso, contra a vontade do parlamento e contra todos os preceitos da contabilidade publica, praticar um acto financeiro ou político, tão sómente pelo meu critério. E evidente que quando por ventura o faça, tenho em vista as conveniências da nação, inspirando-me, não unicamente no meu arbítrio, mas no que para a nação me pareça mais vantajoso. Eu julgava inútil dar esta explicação ao illustre deputado.
Posto isto, entremos na questão, e serenamente, como quem faz exposição de factos, para se chegar ao convencimento da regularidade e conveniência do acto que pratiquei.

Para avaliar a acção de alguém, é necessario collocar-se quem a aprecia, propriamente, no terreno e no ponto de vista em que deve collocar-se, para bem medir as circumstancias que porventura se tenham dado, e conhecer se effectivamente essa resolução foi ou não justificada.

Qual era o estado da questão quando eu tomei conta da pasta dos negócios estrangeiros? O ministerio passado, tinha, por um decreto, rescindido a concessão do caminho de ferro de Lourenço Marques, e havia declarado que tomara posse da linha mediante inventario, procedendo, sem perda de tempo, á avaliação, e que concluída esta, poria em hasta publica o referido caminho de ferro. Não imagine s. exa., nem por um momento, que eu vou apreciar os actos do governo transacto, que não é essa a minha intenção, especialmente porque toda e qualquer apreciação que não fosse no sentido de dar força ao governo que praticou esse acto, seria, neste momento, um attentado aos interesses do paiz.

E não digo isto agora porque as minhas responsabilidades são graves, disse-o quando não tinha responsabilidades nenhumas, quando era simplesmente um membro da camara dos pares. Disse-o quando ainda não tinha intervido n'este assumpto. Então, eu sem apreciar o acto do governo, disse na sessão de 9 de julho:

«V. exa. e a camara comprehendem que em presença das reclamações e da maneira como se apresentavam os interessados,, nós todos não vemos aqui senão uma questão que prende com a dignidade do paiz. Em frente das reclamações, menos justificadas, do estrangeiro só temos que prestar ao governo portuguez toda a força, de que elle precise, para manter a sua resolução e os direitos da nação. (Apoiados.)»

Era assim que eu me exprimia na occasião em que nenhuma responsabilidade pesava sobre mim.

Já vê, pois, o illustre deputado, que não vou discutir o decreto da rescisão.
Como disse, o governo, n'aquelle decreto, declarava que mandaria proceder á avaliação da linha, e que concluída essa avaliação, poria em hasta publica o caminho de ferro.

O governo não fez isso; concluida a avaliação, não foi posto em hasta publica o caminho de ferro. Não foi, nem devia ser, porque no intervallo, entre a publicação do decreto de rescisão e a avaliação, o governo portuguez tinha

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feito um accordo para a fixação das tarifas, com a companhia neerlandeza do caminho de ferro para Pretoria, e esse accordo tornava impossivel pôr a linha em hasta publica, porque nos termos do contrato, o caminho de ferro tinha de ser posto em praça nas condições da concessão primitiva. É este o primeiro ponto que eu desejo frisar bem.

Cito os factos para ficarem consignados e nada mais, sem que da minha parte haja o menor intuito de criticar ou fazer allusão às intenções que inspiraram esse acto.

Outro ponto que desejo consignar é o seguinte: publicado o decreto da rescisão, levantaram-se immediatamente reclamações por parte dos governos americano e inglez, e o governo acceitou as negociações diplomaticas.

O governo acceitou essas negociações, não as recusou, e às reclamações que foram feitas por parte dos referidos governos, contrapoz respostas, e procurou destruir os argumentos adduzidos, acceitando, por conseguinte, a discussão diplomática sobre o assumpto.

É tambem este um facto que eu desejo deixar consignado. Quaes eram as reclamações dos dois governos? Eram no sentido de que o decreto da rescisão era uma illegalidade; que o governo confiscara propriedade alheia, tomando conta daquelle caminho de ferro, e que, portanto, ou havia de restituir a propriedade a quem de direito pertencesse, ou d'ella daria indemnisação conveniente, desde que ficara na posse do mesmo caminho de ferro.

Na discussão diplomatica, e pelos argumentos que se contrapozeram, o meu illustre antecessor deixou consignado os seguintes pontos, que eu preciso expor á camara.

Primeiro ponto. Promptificou-se a acceitar, com a companhia concessionaria, que era a portugueza, a arbitragem sobre o próprio decreto da rescisão. Se a companhia portugueza entendesse dever reclamar contra o acto do governo, reclamava, e a arbitragem decidiria se o acto do governo devia subsistir ou não.

Segundo ponto. - Promptificou se a entrar em accordo directo com os interessados, isto é, com a companhia portugueza para o effeito de se liquidar esta questão sem intervenção da justiça; e, quando se não podesse chegar a accordo directo, promptificou-se a acceitar a arbitragem para a fixação da indemnisação.

Ainda mais. Na discussão diplomática reconheceu-se, pela nossa parte, que effectivamente houvera um contrato entre a companhia portugueza e a Delagoa Bay, para a construcção do caminho de ferro, e que a quasi totalidade das acções da companhia portugueza estava nas mãos da companha ingleza.

Creio que o illustre deputado não põe em duvida isto que estou dizendo; são precisamente os factos e nada mais.

O sr. Emygdio Navarro: - Apoiado.

O Orador: - Este, era pois, o estado da questão.

Diz o illustre deputado que o governo inglez se tinha desinteressado do assumpto, porque a uma longa nota do sr. Barro Gomes se limitara a responder enviando uma copia da reclamação da companhia ingleza.

Ora, eu posso affirmar ao illustre deputado que o governo inglez nunca se desinteressou da reclamação que iniciou sobre este assumpto, e que, pelo contrario, a proseguiu sempre, sustentando que a companhia portugueza cessara de funccionar, que o acto praticado pelo governo portuguez não era legal, que por estas rasões devia esse governo, ou a restituição da linha, ou uma indemnisação.

Que essa indemnisação não podia ser dada á companhia portugueza que, no entender do governo inglez, não existia, e que portanto devia ser dada aos interessados, snbditos inglezes, em nome dos quaes elle reclamava, assim como o governo americano reclamava em nome dos súbditos americanos.

Não pense, pois, s. exa., que esta questão era uma questão morta, da qual o governo inglez se desinteressara á data da demissão do governo transacto.

Se assim pensa, está em erro.

Aqui tem o illustre deputado o estado em que eu encontrei a questão.
Direi agora o que só seguiu, e a rasão porque acceitei a arbitragem.
Pouco depois de eu ter entrado no ministerio foram-me dirigidas duas notas dos governos, inglez e americano, simultaneamente, prevenindo-me de que, senão chegasse a um accordo com os interessados, teriam que reclamar uma arbitragem internacional sobre o assumpto.

A minha resposta, que o illustre deputado verá, logo que eu publique os documentos, foi sustentar exactamente o mesmo que o sr. Barros Gomes sustentára, isto é, que a concessão fora. feita a uma companhia portugueza, que essa companhia se sujeitara às leis do paiz, e que para decidir qualquer pendência, entre ella e o governo, estava estabelecida a forma no contrato; e bem assim que o governo não podia ser responsável senão pelas concessões nos termos em que as fizera.

Mas para isso era evidentemente necessario que a companhia portugueza se fizesse representar ante o governo portuguez para que, ou por meio de um accordo directo, ou por meio de uma arbitragem, se fixasse a indemnisação que este reconhecera como devida.

Mas não foi só isto, visto allegar-se que a companhia portugueza desapparecêra, deixando de funccionar, que a direcção resignara os seus logares o que portanto essa companhia não estava em condições de viabilidade, pelo que, julguei dever indicar os meios segundo os quaes, nos termos da legislação portugueza, a companhia, apesar de todas as dificuldades que se davam, podia fazer-se representar ante o governo portuguez para solicitar, a bem dos seus direitos, e a fim de que essa solicitação fosse resolvida convenientemente, por accordo ou por arbitragem.

Já vê o illustre deputado que eu nau podia ir mais longa do que até indicar quaes os termos em que a companhia portugueza se podia fazer representar para se liquidar esta questão. Ha uma circumstancia que o illustre deputado comprehende perfeitamente, e é que eu não podia fazer representar a companhia portugueza ante o governo portuguez para reclamar uma indemnisação qualquer; mas podia indicar-lhe os meios a seguir para que ella reclamasse, não podendo fazer ao mesmo tempo do quem defere e de quem solicita, do governo e do companhia, substituindo-me a esta. Ora, o que aconteceu? Aconteceu que a companhia portugueza não se fez representar antes o governo portuguez, a que portanto a questão não só podia liquidar com ella, visto nunca me ter apparecido, apesar de me indicar os meios pelos quaes ella se podia fazer convenientemente representar, nenhum representante dessa companhia.

Como o illustre deputado comprehende, esta questão devia ter uma solução, porque é claro que o governo não pó dia rescindir o contrato, e tomar conta da linha sem a pagar; similhante facto justificaria todos os clamores, e arguições injustas com que nos atacam os jornaes estrangeiros. Quando sã fez a rescisão tomou o governo portuguez conta da linha, que tinha sido construída com dinheiro alheio, sem dar indemnisação alguma, apesar de reconhecer a obrigação dessa indemnisação.

S. exa. comprehende qual era a minha posição, e qual o meio que eu tinha do poder resolver a questão. Desde que a companhia portugueza nau se fazia representar para liquidar o assumpto directamente com o governo, não havia senão um de dois meios, ou pôr o caminho de ferro em praça, e então seria adjudicado a quem mais vantagens offerecesse, e resolvia-se assim a difficuldade, ou então indemnizar, e para indemnisar, tratar ou com os interessados, ou com os governos estrangeiros. Desde que a companhia portugueza, que era quem devia fazer-se representar junto do governo portuguez, não apparecia, creio poder affirmar não haver outra maneira de resolver a difficuldade.

O sr. Manuel de Arriaga: - Mas onde estava a

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companhia portugueza ou os seus representantes ? Parece-me que alguns d'elles não estão muito longe de v. exa.

O Orador: - Peco perdão, o representante de uma companhia qualquer tem o direito de servir esse logar em quanto quizer, e do renuncial-o quando o entenda, sem que ninguem possa por isso arguil-o.

Cada um está no uso liberrimo do seu direito deixando o logar de representante de uma companhia quando queira, (Apoiados.) quando entenda que não deve continuar a exercel-o, e sobre tudo, quando, como n'esta casa, se levantam reclamações enérgicas contra um acto do governo portuguez, não é muito para estranhar que portuguezes se ponham do lado do seu governo contra os estrangeiros. (Vozes: - Muito bem.)

Mas, como ia dizendo, para sair da difficuldade era necessaria uma de duas cousas, pôr em praça, ou indemnisar.

Pergunto, podia eu pôr em praça o caminho de ferro? Não podia, pela mesma rasão porque o governo precedente não o tinha feito, porque já não podia pol-o em praça nas condições do contrato anterior, desde que essas condições tinham sido alteradas por virtude do novo accordo a respeito de tarifas. Mas, mesmo que eu podesse pôr o caminho em praça, não o punha, e porque? Porque entendo que isso seria um erro, e tenho a franqueza de o declarar, porque entendo que, desde que se rescindiu aquella concessão, era de toda a conveniência do governo portuguez ficar com esse caminho de ferro, e nunca mais abrir mão d'elle. (Muitos apoiados.) E sobretudo, não o faria justamente na occasião em que se levantavam reclamações vivíssimas dentro do paiz contra a Inglaterra, na occasião em que os espíritos estavam apaixonados. Se nessa conjunctura mo lembrasse de pôr em hasta publica aquelle caminho de ferro, e depois de ter já estado nas mãos do governo portuguez, para o ir abandonar a uma companhia ingleza, imagine o illustre deputado quaes seriam os ataques e accusações de que eu si na alvo. (Muitos apoiados.)

Já vê, pois, s. exa. que eu não podia sair da difficuldade pondo o caminho de ferro em praça. Logo havia de procurar outro meio. Vejamos qual poderia ser.

Desde que eu não podia ficar com o caminho de ferro sem o pagar, nem podia pol-o em praça, restava o meio de indemnisar. A quem? Á companhia portugueza? Mas como pagar á companhia portugueza, se esta não apparecia, se esta não se fazia representar perante o governo portuguez?

Ora, nestas alturas, apparece em Lisboa um representante da companhia ingleza, que me expoz as reclamações dessa companhia. Declarei-lhe que não reconhecia a companhia ingleza absolutamente para effeito algum; que, portanto, como representante dessa companhia me era impossível discutir com elle o assumpto. Particularmente podia ouvir quaesquer reclamações.

Aqui tem o illustre deputado como eu cheguei ao conhecimento das reclamações que se haviam de apresentar. Essas reclamações ascendiam a uma annuidade que correspondia a um capital de 7:875 contos de réis.

Pergunto: podia eu chegar a um accordo desde o momento em que a avaliação do caminho de ferro de Lourenço Marques, feita pelos engenheiros portuguezes, não passava do 750 contos de réis e que a reclamação attingia a 7:800 e tantos contos? O accordo n'estas condições era inteiramente impossível. Só porventura eu tivesse entrado neste caminho, embora conseguisse uma reducção consideravel nessa importante cifra, havia de ir alem da importância da avaliação, e desde o momento que o fosse, num accordo directo, os illustres deputados podiam ter o direito de me condemnar, por isso que eu sacrificara os interesses do paiz.

Comprehendia se que eu acatasse uma sentença proferida por um tribunal que, regularmente organisado, a proferisse com justiça e imparcialidade mas o que não se comprehendia era que eu fosse, num accordo directo, dar duas, tres, quatro, cinco vezes a importância da avaliação que tinha sido feita. (Apoiados.)
Eis a rasão por que eu não pude chegar a accordo.

O resultado foi que os governos, inglez e americano, vendo que não havia accordo entre o governo portuguez e os interessados, e que nem a linha se punha em praça, vieram pedir uma arbitragem. Bem sei que esta arbitragem devia ser com a companhia portugueza e não com os dois governos estrangeiros; mas d'esde o momento em que a companhia portugueza não apparecia, e sobretudo, desde que se tinha acceitado a discussão diplomatica, e que essa discussão não dava resultado, como se havia de sair da difficuldade? Como se são de uma pendência entre dois governos quando se vê que essa pendencia se não póde resolver diplomaticamente? Não conheço outro meio, a não ser extremamente violento, senão o da arbitragem. (Apoiados.)

Eu allegava que a questão era com a companhia portugueza, e que só com ella se devia tratar de o solver, e o modo de ver dos dois governos, inglez e americano, era exactamente contrario a esta minha opinião, contrapondo os seus aos meus argumentos. Eu tinha a convicção de que os meus argumentos eram fundados, a minha posição correcta, e o terreno em que me collocára o verdadeiro; mas não era essa a convicção d'aquelles dois governos.

Acceita a discussão diplomatica sobre o assumpto, desde que se não podia resolver por considerações, só se podia resolver pela justiça, e a justiça era pela arbitragem. Aqui está a rasão por que ella foi acceita. (Apoiados.) Pergunto: é isto um meio que seja oppressivo ou indecoroso para nós? Não. (Apoiados.) Desde que ha uma pendência entre dois governos, e essa pendência não se póde resolver convenientemente pelas vias diplomaticas, a arbitragem é sempre o meio mais regular e mais correcto do se chegar a um resultado. (Apoiados.)

Aqui tem o illustre deputado a rasão porque eu acceitei a arbitragem em principio. Mas isso não bastava, era necessario saber qual o seu objecto e como ella só constituiria; e não entrando em mais pormenores direi que a arbitragem foi entregue ao governo suisso, de cuja imparcialidade ninguem póde suspeitar. (Apoiados.) A integridade do julgador está absolutamente reconhecida, e é uma garantia para todos. (Apoiados.) Por outro lado o objecto da arbitragem é pura e simplesmente a indemnisação a pagar por parte do governo portuguez, e portanto esse objecto está reduzido às suas justas proporções. Desde o momento em que a arbitragem está confiada a um, governo como é o da Suissa, e que o objecto da arbitragem é o que deve ser, creio que o illustre deputado já não tem rasão bastante para me increpar, relativamente a este assumpto. (Apoiados.)
Vamos agora á questão da entrega das 28:000 libras.

O illustre deputado pretendeu saber se o governo portuguez tinha sido coagido a effectuar aquelle pagamento.

O sr. Emygdio Navarro: - Constrangido.

O Orador: - Como v. exa. quizer; não faço questão de palavra. Contrangimento ou coacção significam sujeição á vontade alheia, a não satisfação da vontade propria, e para mira o resultado é o mesmo.

Ora, s. exa. perguntou se o governo portuguez tinha sido constrangido a entregar as 23:000 libras ao governo inglez, e, francamente, era isto o que no meu entender podia traduzir se numa accusação grave feita ao governo, era isto o que mais dolorosamente podia affectar a susceptibilidade nacional. Parece-me que era este o ponto mais grave, aquelle que mais interessava á nação, mas não se dando o constrangimento ficava a questão reduzida às simples proporções de uma questão administrativa. O que de facto succede, desapparecendo assim a sua gravidade no que respeitava á affirmativa de eu me ter curvado a quaesquer imposições.

Têem sido tantas e de tal ordem as accusações de sub-

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serviencia que ae me têem feito, que não podia deixar de aproveitar a primeira occasião para levantar bem alto a minha voz, e dizer, que este acto fora unicamente da minha vontade, e nunca originado em qualquer imposição. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Mas eu reconheci a Delaga-Bay, é esse o erro que commetti, segundo a opinião de s. exa.

Estão aqui os documentos; as duas notas trocadas sobre o assumpto: a do governo inglez, e a minha resposta.

O sr. Emygdio Navarro: - E a nota do governo americano?

Orador: - Sobre esta questão não ha nota alguma do governo americano a Portugal. A nota d'aquelle governo é sobre a questão principal da arbitragem.

Estas notas referem-se á questão das 28:000 libras a cujo pagamento s. exa. disse que o governo inglez tinha constrangido o governo portuguez.

Eu vou, com estes documentos, demonstrar, á raciedade, primeiro, que não houve imposição alguma do governo inglez, e que este foi um acto, única e exclusivamente da vontade do governo portuguez; segundo, que o governo portuguez não reconheceu a Delagoa Bay, pela entrega das 28:000 libras.

E francamente, se s. exa. não deseja fazer desta uma questão accintosa, eu creio que, dadas as minhas explicações, sem de forma alguma ir ferir quaesquer melindres, ou susceptibilidades, tendo eu exposto os factos como elles são, sem paixão e sem acrimonia, s. exa. não tem motivo para n'ella proseguir.

A nota do governo inglez foi a seguinte:

«Legação britannica - Lisboa, 3 de julho de 1890 - Sr. ministro.- Encarrega-me o marquez de Salisbury de informar v. exa. de que foi notificado aos directores da companhia do caminho de ferro de Delagoa Bay, que era intenção dos credores fazer liquidar a companhia no caso de não serem pagas 12:000 libras antes do dia 25 do corrente.

«Ha outros compromissos a liquidar, que a companhia não póde satisfazer porque o governo de Portugal tomou posse da sua propriedade e está percebendo as receitas do caminho de ferro.

«Estou igualmente encarregado de chamar a attenção do v. exa. para a communicação que tive a honra de lhe dirigir em 26 de abril, ácerca do effeito que teria uma liquidação forçada, no sentido de augmentar proporcionalmente o direito a indemnisação da companhia.

«Aproveito, etc.»

Com referencia a esta nota respondi nas seguintes termos:

«Ao ministro de Inglaterra - 25 de julho de 1890.

«Com data de 3 de julho mo foi entregue uma nota, em que v. exa., por instrucções recebidas de lord Salisbury, me informou de que a companhia ingleza Delagoa Bay Railway Company havia sido intimada para, até 25 do corrente, pagar a credores seus 12:000 libras; que outras similhantes exigencias lhe eram feitas; e que a companhia se achava impossibilitada de as satisfazer, por isso que o governo portuguez tomara posse da sua propriedade e cobrava as receitas do caminho de ferro. Em additamento recommendava v. exa. a communicação final inserida na sua nota de 26 de abril, de que uma liquidação forçada augmentaria proporcionalmente a importancia da indemnisação reclamada pela companhia.

«Ora, como v. exa. sabe, e mis minhas notas de 22 de março e de 1 de maio deste anno, muito explicitamente o declarei, o governo portuguez nenhum contrato fez com aquella companhia, nenhumas responsabilidades assumiu jamais para com ella, nunca officialmente a reconheceu para qualquer effeito. E se é certo que este governo concordou com os dois governos, da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, na constituição de um tribunal arbitrai para fixar a importancia da indemnisação por elle devida, em consequencia de ter rescindido a concessão, e tomado posse d'aquelle caminho de ferro, não menos certo é que essa arbitragem, assim constituída, é uma arbitragem entre governos, e não entre o governo portuguez e aquella ou outra qualquer companhia, ou individualidade estrangeira.

«N'estes termos ia eu responder á sua nota, quando v. exa., em 5 deste mez, me procurou e me expoz que, alem das 12:000 libras que primeiro referira, uma outra somma de 16:000 libras era instantemente exigida á companhia; que era evidente que não estando ella na posse da linha, e não lhe auferindo, portanto, os rendimentos, não podia absolutamente fazer face aos encargos que lhe resultaram dos capitães que levantara e empenhara na construcção; que o governo inglez, reclamando em favor dos interessados n'aquelle caminho de ferro tinha precisamente em vista attender aos prejuízos que dos actos do governo portuguez provieram aquella companhia; que esses prejuízos muito maiores seriam se a companhia fosse impellida a uma fallencia; que o governo portuguez reconhecera dever indemnisação pela rescisão do contrato e posse da linha, e tanto que, para se tíxar essa indemnisação concordara em uma arbitragem; que qualquer indemnisação que se arbitrasse seria sempre muito superior á referida somma de 28:000 libras; e que nestas circumstancias o governo inglez consideraria como um testemunho de boa vontade por parte do governo de Portugal o adiantar aquella somma que mais tarde seria levada á conta de indemnisação que houvesse de pagar.

«Collocada a questão nestes termos, considerando-se o adiantamento desta quantia puramente como um acto de boa vontade por parte do governo portuguez, acto que nem constituo precedente, nem estabelece obrigação, declarei que me promptificava a fazer o adiantamento que se me pedia, mas que, não reconhecendo, nem tendo jamais reconhecido a companhia ingleza Delegoa Bay, só ao governo inglez, directamente, podia entregar aquella quantia á conta da indemnisação, que na arbitragem se liquide.

«Tendo v. exa., então, ficado em referir a minha resposta ao seu governo, e tendo me ultimamente communicado que o governo de Sua Magestade Britannica aeceitava, nos termos que ficam indicados, e que para isso podiam as referidas 28:000 libras ser entregues em Londres no Pay Master Generals Department, venho dizer a v. exa. que neste sentido foram já expedidas as ordens convenientes á agencia financial do governo de Sua Magestade Fidelissima em Londres.
«Aproveito, etc.»

Aqui tem s. exa. fidelissimamente exposto, o que se passou. Provei, em primeiro logar que não houve imposição feita ao governo portuguez, em segundo logar que da minha parte nada significa reconhecimento da companhia ingleza, dizendo, pelo contrario na minha nota que para effeito algum a reconhecia.

N'estes termos, a resolução que tomei reduz-se a um acto de administração, e collocada a questão neste terreno, pergunto: onde está o meu erro? Resultou daqui algum prejuizo para o estado? Respondo que não, porque a somma que eu entreguei ao governo inglez tem de ser levada á conta da indemnisação que se pagar, e eu creio que em caso algum resultará prejuizo para nós. Poderiamos ser prejudicados se a indemnisação tivesse de ser inferior a esta quantia, mas dada a nossa avaliação, é claro que a avaliação feita pela arbitragem ha do ser superior às £ 28:000 que adiantei. E ainda assim se effectivamente a indemnisação a fazer fosse inferior às £ 28:000, póde o illustre deputado ter alguma duvida de que o governo inglez entregaria o resto?

Eu não entreguei o dinheiro á companhia ingleza, nem para a companhia ingleza, entreguei-o ao governo inglez para os interessados, que tinham reclamado perante o tribunal arbitral.

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Resta-me o ultimo ponto, o da irregularidade do acto praticado.

O illustre deputado queria que eu viesse desde logo informar sobre elle O parlamento.

Em primeiro logar, publicados todos os documentos, é claro que o parlamento seria absolutamente informado de tudo quanto se passou. Mas faria a seguinte observação: o governo transacto publicou o decreto de 1889 e tomou conta da linha, mas a linha não estava completa; foi necessario fazer despezas para a completar. Qual foi a auctorisação que o governo pediu para isto? Como é que pagou as despezas? Em quanto importaram essas despezas?

Eu digo ao illustre deputado. As primeiras despezas foram de 92 contos de réis. Como as pagou o governo? Por uma operação de thesouraria. Exactamente o facto por que s. exa. me condemnou. Mas depois expediram-se ordens que subiram a mais de 1:000 contos de réis. Guino se satisfizeram? Pelas verbas do ministerio. Como é que a verba de £ 28:000 se paga? E pelas despezas geraes do ministerio da marinha; e depois, quando se pedir auctorisação para se completar o pagamento da indemnisação, é claro que se regularisa.

E como se faz isto ? Pelo ministerio da marinha, e pela repartição de contabilidade. E neste caso, como o pagamento tem que se effectuar em Londres, é pela thesouraria que estas sommas hão de ser entregues n'aquella capital. (Apoiados.}

Ahi está como se completou o pagamento da quantia necessaria para acabar o caminho de ferro, de que o governo portuguez tomou posse.

Onde está, pois, a irregularidade que não se possa sanar?

No que diz respeito á enormidade das reclamações, estou perfeitamente de accordo, e nada mais farei do que reforçar os argumentos de s. exa.

Pelo que diz respeito a suppor que eu reconheci a Delagoa Bay, não tem s. exa. rasão, e pelos documentos que acabei de ler fica estabelecido que a não reconheci nunca.

Qual foi, portanto, o objecto da interpellação do illustre deputado?

S. exa. censurou-me por eu ter praticado um acto, menos regular, sob o ponto de vista da contabilidade publica. Eu expliquei-o, mas s. exa. declarou que, se fosse isto só, não fazia a interpellação, porque não era este o seu ponto fundamental. O que o preoccupava era que eu houvesse reconhecido a Delagoa Bay, e que propondo a arbitragem justificava a enormidade da sua reclamação.

Ora, desde que eu provei que o que fiz foi não reconhecer a Ddagoa Bay, e para não a reconhecer é que entreguei ao governo inglez o dinheiro, a accusação não tem fundamento.

É claro que deve estar destruída completamente a preocupação do illustre deputado, em boa fé, em boa paz, e serenamente. Se, portanto, da parte de s. exa. não ha desejo acintoso de fazer desta questão uma questão acrimoniosa e irritante, creio que com estas explicações se deve julgar satisfeito.

Pelo que diz respeito á questão fundamental permitta-me dizer-lhe que é cedo para a discutir, e peço mesmo á camara que a não discuta. Dei conta dos meus actos como era minha obrigação; mas discutir tudo quanto se passou sobre este assumpto, precisamente na occasião em que o tribunal arbitral se vae constituir, e quando se procede a importantissimas negociações, parece-me que não póde ser senão prejudicial aos interesses do paiz. (Apoiados.)

Concluirei, portanto, como conclui quando era apenas par do reino, por dizer que num assumpto desta ordem nos devemos reunir todos para dar força ao governo, seja elle qual for, a fim de que possa sustentar os direitos do paiz (Apoiados.)

Póde s. exa. tornar-me contas das minhas responsabilidades, mas faça-o sem aggravar a situação em que o paiz só encontra. (Apoiados.}
Tenho concluido.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.}

Vozes: - Muito bem.

O sr. Emygdio Navarro: - Requeiro que se consulte a camara, sobre se permitte que tomem a palavra, n'esta questão, os srs. deputados que pretendem fazel-o.
Foi approvado este requerimento.

O sr. Emygdio Navarro (para um requerimento}: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que n'esta interpellação possam tomar parte os srs. deputados, de um e outro lado da camara, que quizerem.

Consultada a camara resolveu afirmativamente.

O sr. Francisco Beirão: - Começarei por pedir a v. exa. e á camara me permitiam, antes das breves considerações que tenho de fazer em resposta às explicações dadas pelo nobre ministro dos negocios estrangeiros, que eu possa, tão rapidamente quanto possivel, passar pela vista os documentos de que s. exa. acaba de fazer leitura.

(Pausa.}

O Orador (continuando.): - O sr. ministro dos negócios estrangeiros pediu que apreciássemos serena e friamente o assumpto que se acha em discussão.
Não serei eu, pela minha parte, que deixarei de annuir ao pedido que acaba de fazer este illustre membro do governo.

Escuso fazer declaração alguma individual ou política com respeito aos sentimentos que professo relativamente ao sr. ministro dos estrangeiros; porque s. exa. sabe que ha muitos annos nos une reciproca amisade; demais, succede, e neste momento não quero deixar de o dizer, que quando eu estive no poder encontrei para o trabalho mais importante que tive a honra de apresentar ao parlamento da parte do sr. ministro dos estrangeiros a par do maior auxilio a mesma cordialidade nas nossas relações pessoaes.

A questão, porém, de que se trata, é em extremo grave, e não pôde, por isso, sobrepor-se lhe qualquer sentimento de amisade particular ou de gratidão pessoal.

Esta questão é, alem disso, essencialmente política e por isso estou de perfeito accordo com o meu illustre amigo o sr. Emygdio Navarro, quando accentuou, e muito bem, que as responsabilidades d'ella emergentes, não ficam, nem podem ficar, só no sr. ministro dos negócios estrangeiros; têem de ir, vão mais longe, alcançam todo o gabinete, pois os seus membros não podem eximir-se em assumptos de tal importancia, á solidariedade constitucional que sobre todos impende.
O sr. ministro dos negócios estrangeiros declarou que, para fazer o adiantamento das 28:000 libras ao governo inglez não existira pressão alguma estrangeira que a isso o constrangesse, e que por conseguinte, esse acto, voluntário da sua parte, não importava, como tal, humilhação alguma para a nação porttigueza.
Tomei nota destas palavras, e folguei com esta declaração feita pelo governo do meu paiz. Ainda bem que assim foi.

Mas por que se fez então o adiantamento das 28:000 libras?

Disse o illustre ministro que o governo portuguez entendera dever adiantar ao governo inglez a quantia referida, por conta da indemnisação a que aquelle é obrigado por virtude da rescisão do contrato do caminho de ferro de Lourenço Marques, e isto em virtude de simples ponderações que lhe haviam sido feitas pelo representante da Grã-Bretanba nesta corte. E o sr. ministro ao dar esta informação, julgou-se obrigado a explicar uma phrase que proferira noutra sessão, a qual foi de que pagara porque quizera.

A explicação do sr. ministro era hoje desnecessária, pois que antes de s. exa. a dar, já o sr. Emygdio Navarro fizera sentir que taes palavras, ae com ellas se quizesse ex-

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pressar o acto voluntarioso de um ministro, não eram de receber, e que por isso deviam ter, como de facto tinham outra significação. Foi, pois, o ministerio que quiz pagar aquellas 28:000 libras, e por isso não cedeu a pressão alguma do governo britannico ou de outro qualquer, e se quiz, livre de toda a coacção, praticar esse acto foi por que para isso teve rasão justificativa. Muito bem.

A nação pôde, pois, ficar satisfeita ao saber que não fui por subserviencia a qualquer governo estrangeiro que se tez tal pagamento, mas nem por isso deixará de exigir ao governo actual a responsabilidade do acto que este praticou. E eu entendo que essa responsabilidade do governo, se não é a mesma que seria no caso de haver cedido a uma pressão estranha, é comtudo muito grave.

Afigura-se-me, ar. presidente, e isso quero demonstrar, que o governo fazendo o adiantamento das 28:000 libras, praticou um acto illegal e que, alem disso e talvez por isso mesmo, póde ser de consequencias funestas.

E como se isto não bastasse, ha ainda peior, e é que o governo procedendo como procedeu entrou, como se diz, creio, em estylo diplomatico, nos vistas, não só do governo inglez, como tambem nas dos proprios interessados estrangeiros na exploração do caminho de ferro de Lourenço Marques.

Dois actos praticou o governo, que eu considero de grande importância. Sabe a camara quaes foram? O ministerio acceitou a arbitragem internacional em vista da reclamação dos governos dos Estados Unidos o da Grã-Bretanha, para se fixar o quantum de uma indemnisação devida, por virtude de uma deliberação do governo de Portugal. Este é o primeiro dos actos que considero de summa gravidade. O outro foi o governo portuguez ter adiantada ao governo inglez 28:000 libras por conta d'essa mesma indemnisação.

Porque praticou o governo esses dois actos? Responde o sr. ministro dos estrangeiros que, tendo o governo portuguez a obrigação de satisfazer uma indemnisação pelo acto que praticara, a companhia portugueza do caminho de ferro de Lourenço Marques nunca se apresentara perante o governo, e por isso se vira na impossibilidade de contratar com ella a respectiva liquidação, e que não tendo querido reconhecer officialmente a companhia ingleza Delagoa Bay, adiantara uma quantia por certo inferior. A indemnisação e por conta d'esta ao governo inglez, em vista das notas diplomaticas que hoje nos leu. Eis a summula e o complexo das declarações do governo, lias, sr. presidente, porque é que a companhia portugueza, unica que fora organisada em termos de se fazer representar perante o governo, se não apresentou perante este a reclamar o adiantamento de uma parte da indemnisação se a ella se julgava com direito?

Vamos ver.

A companhia portugueza do caminho de ferro de Lourenço Marques ao Transvaal deixou de ter representação legal, era virtude da exoneração offerecida pela direcção de Lisboa, e por isso não podia fazer representar perante o governo portuguez a sua individualidade juridica. Isto é o que se allega. E o sr. ministro dos negocios estrangeiros, fundando-se na falta de apresentação da companhia portugueza, entendeu, para não prejudicar quaesquer direitos ou interesses de subditos de potencias estrangeiras envolvidas na dita companhia, que devia reconhecer os governos dessas nações como representantes e defensores dos seus nacionaes, e por isso admittiu a arbitragem internacional entre as três potências Portugal, Estados Unidos e Inglaterra. E em segundo logar o mesmo sr. ministro entendendo, e muito bem, que a liquidação devia ser feita com a companhia portugueza, mas insistindo sempre em que ella se não fizera representar perante o governo, entendeu de certo por isso não poder com ella liquidar a indemnisação, e não podendo igualmente fazer-lhe o adiantamento de que se trata, foi entregal-o ao governo inglez de certo por o considerar legitimo representante dos interessados.

Taes são os factos.

Ora, se eu demonstrar que, segundo a legislação d'este paiz, a companhia portugueza tinha representação legal, e que, quando a não tivesse, ao governo sobravam os meios para lhe fazer dar representação juridica e legal, cáe por terra a rasão fundamental que o governo allega para praticar dois actos de importancia summa como foram: primeiro, acceitar a arbitragem, não nos termos consignados no contrato, mas uma verdadeira arbitragem internacional, encarregando-te uma potencia estrangeira de fixar o quantum da indemnisação, e, segundo, pagar logo adiantadamente por conta d'essa indemnisação 28:000 libras ao governo inglez.

Vejâmos, pois, o que dispõe a tal respeito a legislação portugueza, que é a unica que póde ser applicavel ao caso. (Apoiados.} Esse exame mostrará que n'ella havia os recursos necessarios para que quando a companhia carecesse de representação o governo podesse fazer representar perante, si essa entidade, que era a final uma sociedade anonyma constituida á sombra da legislação portugueza. (Apoiados.) Em presença d'essa demonstração, cairá a rasão por que o governo praticou estes dois actos importantissimos.

Mas antes d'isto preciso dizer que o modo do ver que o governo tomou, entendendo que a companhia portugueza não tinha representação n'este paiz, é precisamente o modo de ver dos interessados estrangeiros e dos governos que os representam, e é por isso, disse eu, que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, embora nos declare que não praticou acto algum de subserviencia para com potencia estrangeira, e eu estimei muito que s. exa. fizesse esta declaração, o sr. Hintze Ribeiro entrou nas vistas dos governos estrangeiros. (Apoiados.)

Eu procurarei não ler muitos documentos á camara, mas não posso deixar de ler os sufficientes, para justificar esta proposição.

Disse o illustre ministro, e s. exa. accentuou mais do uma vez esta idéa, que quando entrou no gabinete encontrara que o governo progressista tinha acceitado em tempo uma discussão diplomatica sobre este assumpto e que esta discussão não dera resultado. Eu não sei bem qual a conclusão que s. exa. quer tirar deste facto, pois que se é certo que ainda entre particulares constituo indelicadeza o deixar de responder a uma carta qualquer, de governo para governo, e sobretudo no estado de relações existentes entre os governos de que se trata, seria mais que indelicadeza o gabinete portuguez receber notas do gabinete inglez sobre qualquer assumpto, e nem sequer lhe responder. O facto pois de se ter respondido, só por si nada prova. Mas o que é que &e respondeu? Isso e que é importante. (Apoiados.)

Não basta dizer que se encontrou uma correspondência ou uma discussão diplomática sobre o assumpto; é preciso dizer o que se respondeu e o que se sustentava n'essa discussão diplomatica.

É isto que eu vou dizer á camara.

Os interessados inglezes nesta questão, nem lhe podemos levar isto a mal, nunca tiveram em mira outro objectivo que não fosse dar toda a consideração, importancia e força a uma nova companhia ingleza, a Delagoa Bay que se enxertara na companhia do caminho de ferro do Lourenço Marques ao Transvaal, como logo veremos.

E tanta e tamanha era a sua ambição n'este sentido que se deduz do que se fez e do que se está fazendo, que o seu fito era como que fazer desapparecer a companhia portugueza por detrás da nova companhia.

E esses interessados pretenderam sempre que essa nova companhia que assim se sobrepunha á primitiva fosse considerada como ingleza. E isto foi assim desde todo o principio.

O illustre ministro dos negocios estrangeiros deve saber que, quando appareceram na praça de Londres os prospe-

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ctos para a emissão das obrigações da Delagoa Bay and East African railway company, n'ellas se declarava claramente «encorporated under the companies acts», ainda mais do que isso é o que consta de um documento que se acha a pag. 271 da publicação ordenada pelo ministerio da marinha, referente a este assumpto, e que aqui tenho presente. É um officio de lord Castletown, que tem o valor que lhe dá o signatário, e tanto mais quanto este o assigna com a declaração de ser o chairman da direcção e de o fazer por ordem d'esta.

N'esse officio lê-se o seguinte trecho que vou traduzir á camara:

«O dinheiro para construir este caminho de ferro só foi obtido com a condição da companhia ser uma companhia ingleza, visto a aversão dos capitalistas a empregarem dinheiro para construir uma via férrea num paiz inteiramente novo para elles, e de que não conhecem as leis que regulam a formação das companhias; e não pareço senão rasoavel, que, bondo o dinheiro destinado á construcção de um caminho de ferro, obtido em para estrangeiro, seja permittido áquelles que o adiantaram obrar sob o imperio das suas leis sociaes, que elles conhecem, e cujas responsabilidades podem plenamente calcular.»

Portanto, no tempo em que se tratou de construir esta companhia, na praça onde se ia fazer a emissão, não se podia, segundo sã adega, encontrar dinheiro para a construcção do caminho de ferro, a não ser com a condição de se formai- uma companhia ingleza, só sujeita á legislação ingleza!

Ora, sr. presidente, esta pretensão de querer que a companhia do caminho de ferro de Lourenço Marques fosse ingleza, e quando o não fosse o parecesse, contrariava abertamente, como é sabido, uma das condições da primitiva concessão.

E eu não levo a mal similhante pretensão; era natural que os interessados inglezes quizessem estar sempre á sombra da sua legislação e pretendessem ser julgados pelos seus tribunaes.

Para conseguir esse fim se organisou, como se organisou, depois da companhia portuguesa do caminho de ferro de Lourenço Marques ao Transvaal, a companhia ingleza Delagoa Bay, que se tornou por assim dizer a sociedade effectiva, ficando aquella quasi como nominal.

Isto posto, rescindido o contrato pelo decreto do governo portuguez de 25 de junho de 1889, a Delagoa Bay Railway Company dirigia logo a 2 de julho um officio a lord Salisbury, que vem publicado na collecção official de documentos relativos a esta questão apresenta vá ao parlamento britannico, que é este volume que aqui tenho, officio que vou ler a camara, traduzindo-o em vulgar:

«Para conhecimento de v. exa. mandamos inclusa copia de dois telegrammas que recebemos dos directores de Lisboa da companhia portugueza que nominalmente recebeu a concessão. Pelos estatutos da companhia, de que v. exa. já tem copia, devem haver três directores em Lisboa, de nacionalidade portugueza, bem como outros empregados. Ha de parecer evidente a v. exa. que as circumstancias que obrigaram os actuaes directores a resignarem os seus encargos hão de tornar impossivel achar outros que queiram tomar os seus logares. O resultado d'isto ha do ser que para os effeitos praticos a companhia ha de pela exoneração dos directores portuguezes, deixar de existir. Os nossos directores não podem duvidar de que o governo portuguez ha de querer utilisar este facto, quanto possivel, em prejuizo da nossa companhia, e por isso pedem para expor o assumpto a v. exa. a fim de que as providencias que possam desejar-se no intuito do prevenir aquelle proposito, sejam quanto antes tomadas. Se v. exa. for de opinião que os nossos directores devem dar alguns passos, elles terão a satisfação de assim o fazerem.»

N'este officio ia inclusa a copia dos dois telegrammas de 30 de junho e 1 do julho, em que os directores portuguezes davam a sua demissão e pediam para serem substituidos, e a que logo terei ainda de me referir.

Tal era, sr. presidente, o modo por que os interessados estrangeiros, a Delagoa Bay, considerava esta questão. E o que pensava o governo inglez?

O governo inglez adoptava este modo de ver, como vou mostrar á camara, e por isso eu disso que o sr. Hintze Ribeiro entrara nas vistas do gabinete de Saint-James. Essas vistas constam do officio dirigido por lord Salisbury, em 10 de setembro de 1889, ao representante da Gran Bretanha nesta corte, e que vem publicado na já citada collecção. N'esse documento leio, traduzindo-o, o seguinte trecho:

«Depois da correspondencia trocada entre o governo de Sua Magestade e o governo portuguez a respeito da apprehensão (seisure) do caminho de ferro de Lourenço Marques, tem o governo de Sua Magestade examinado cuidadosamente qual a importancia de similhante acto com respeito aos interesses dos súbditos de Sua Magestade n'elle envolvidos. O sr. Barros Gomes nas suas notas de 26 de junho e de 1 de julho, embora admittindo o direito do governo de Sua Magestade a patrocinar, com motivo justo, as reclamações dos subditos britannicos, sustenta que nó presente caso tal patrocinio não era necessario visto o governo português nada ter com a companhia ingleza e poder sómente reconhecer a companhia portugueza, a qual tem a faculdade de pedir protecção às leis portuguezas. Se tal allegação fosse admittida, os interesses da companhia ingleza ficariam ao presente desprotegidos de todo, pois que tendo se a companhia portugueza submettido, embora protestando, a um decreto a que ella reconheceu não poder resistir, deixou para todos os effeitos praticos de existir. O governo de Sua Magestade, considera este modo do ver como inteiramente insustentavel...»
E mais adiante lê-se o seguinte:

«Sustenta (a Delaga-Bay} que o acto do governo portuguez foi injusto, violador dos direitos evidentes o prejudicial aos interesses da companhia ingleza, impotente para se lhe oppor, e que por isso, como a companhia portugueza está praticamente defuncta, não lhe resta recurso algum a não ser a intervenção do seu governo.»

Estes documentos instruem sufficientemente qual o modo de ver a questão, não só por parte dos interesses da companhia, mas tambem da parte do governo inglez.

E o que faz o governo portuguez hoje? O governo vem declarar á camara que effectivamente acceitou uma arbitragem internacional, sobre o quantum da indemnisação devida e adiantou ao governo inglez 28:000 libras por conta d'ella, porque a companhia portugueza com a qual havia a liquidar essa indemnisação, não se apresentara perante elle! E já sabemos o motivo por que ella se não apresentou, foi a exoneração dada pela direcção effectiva de Lisboa.
Mas, sr. presidente, o governo tinha na legislação nacional os recursos necessários para fazer com que a companhia portugueza tivesse a representação social a que era adstricta, bem como os meios indispensáveis para conseguir que ella se lhe apresentasse a tratar os assumptos para que era indispensavel a sua comparencia.

E o governo devia saber, e sabia, quaes são os meios que havia para se tornar effectiva a representação da companhia portugueza; e tanto assim que o sr. Hintze Ribeiro disse aqui que tinha ido até ao ponto de indicar os meios pelos quaes, segundo a lei, a companhia se podia fazer representar perante o governo. E nem admira que o soubesse, pois que o sr. Hintze Ribeiro é, alem de ministro dos negócios estrangeiros, especialista distincto em direito commercial.
Se pois havia meios e recursos para obter a representação social da companhia portugueza, porque é que o governo não lançou mão d'elles e não os empregou? Porque é que o governo abandonou esse modo de proceder e foi

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entrar na ordem de idéas do governo inglez, admittindo implicitamente ao menos que os interesses britannicos estavam desprotegidos, por isso que em Portugal não havia representação da companhia? (Apoiados)

Esta é que é a questão. (Apoiados.)

E agora, sr. presidente, é tempo de vermos como appareceu e se organisou esta nova companhia conhecida pela denominação de Delagoa Bay Railway.

É sabido que a concessão do caminho de ferro de Lourenço Marques á fronteira do Transvaal, foi originariamente feita a um súbdito americano, o coronel Edward Mac-Murdo.

Este individuo, nos termos do contrato celebrado com o governo, apresentou um projecto de estatutos de uma companhia denominada, caminho de ferro de Lourenço Marques ao Transvaal, que foi approvado em portaria de 24 de março de 1884.

Este projecto foi modificado posteriormente, e tendo sido essa modificação approvada superiormente pela portaria, de 10 de maio de 1884, foram os estatutos reduzidos a escriptura publica, e ficou constituída uma sociedade anonyma de responsabilidade limitada, sob aquella denominação, o que tudo foi approvado em 14 do mesmo mez.

O governo entendera que para a elaboração desses estatutos devia revogar algumas das disposições da lei de sociedades anonymas, uma das quaes era a que dispensava da previa auctorisação administrativa e approvação de estatutos a constituição de taes sociedades, e por isso teve de intervir na approvação original e do projecto modificado dos estatutos.

Os estatutos foram ainda modificados outra vez, havendo como sempre approvação por parte do governo para essa nova reforma, a qual foi dada em portaria de 26 de dezembro de 1885.

O que dizia o contrato primordial com relação A legislação a que ficaria sujeita a sociedade anonyma assim constituida?

Dizia o seguinte:

«Artigo 50.° A empreza, seus contratadores, agentes e operários ficarão sujeitos em tudo quanto diz respeito a este contrato às leis e tribunaes do reino de Portugal. Não se entende comtudo que os interessados renunciem aos pó vos da sua nacionalidade. O governo pela sua parte lhes garantirá a elles e às suas propriedades a mesma protecção que as leis do reino conferem aos nacionaes.

«Artigo 51.° Os concessionarios ficam obrigados a constituir no praso de seis mezes a contar da data da assignatura d'este contrato uma sociedade anonyma com a séde em Lisboa para a execução dos fins a que se refere o mesmo contrato, devendo os estatutos ser approvados pelo governo sem embargo da lei de 22 de junho de 1807. A empreza será portugueza para todos os effeitos.»

A legislação e a jurisdicção, pois, a que a empreza constructora, agentes, e depois a sociedade ficavam sujeitos eram para todos os effeitos, as de Portugal. De passagem notarei que dada a generalidade desta clausula, não é facil comprehender a disposição por virtude da qual os interessados não renunciavam aos foros da sua nacionalidade, porquanto se ficavam sujeitos aos tribunaes portugueses como é que não haviam de renunciar isso facto os seus foros? Mas emfim isso para a questão nada importa porquanto ainda querendo applicar a hypothese especial a que essa provisão se refere o mais que se podia fazer ora os interessados serem julgados nos tribunaes do sou foro especial, se o tivessem, mas ahi mesmo haviam ahi applicar-se as leis portuguezas. E tanto mais quanto isto constitue hoje até um principio de direito internacional. Por consequência esta mesma provisão não envolve de modo algum a dispensa da legislação portugueza.

O que é certo porém, é que quanto á companhia a organisar esta devia ser portugueza para todos os effeitos, e isto envolvia não só a legislação mas a jurisdição. E assim foi que a própria portaria de 14 de maio de 1884 tomando em consideração achar-se prodado pela respectiva escriptura a constituição de uma sociedade anonyma devendo a empreza ser portugueza para todos os effeitos, palavras quasi textuaes, deu a necessa ria auctorisação.

Portanto não ha duvida que a similhante sociedade só devia ser applicada a legislação portugueza.
Isto posto prosigâmos.

O concessionario com quem tinha sido feito o contrato original para se construir o caminho de ferro, fez em 26 de maio de 1884 uma escriptura com a companhia, já então constituída, em virtude da qual lhe cedeu a concessão feita, recebendo da mesma como preço da cessão e indemnisação de todas as despezas feitas para se obter o preço convencionado.

N'esse diploma a companhia encarregou Mac-Murdo de construir o caminho de ferro, dando até ao acto, o nome de empreitada geral. Creio que é este o termo que se encontra no contrato.

Seguiram-se varios episodios e peripecias, até que em fim, constituída em Londres uma companhia, denominada The Delagoa Bay and East African railvay, para a construcção do caminho de ferro, concedido em 14 de dezembro de 1883, Mac-Murdo depois, por um contrato que fez em Inglaterra, em 5 de março de 1887, cedeu a esta todos os seus direitos, faculdades, obrigações e encargos derivados da citada escriptura de 26 de maio de 1884.

Esta companhia Delagoa Bay por um contrato feito em terra portugueza, perante um tabellião publico de Lisboa, em 17 de março de 1887, foi acceitae approvada pela companhia portugueza do caminho de ferro de Lourenço Marques Transvaal com as condições ali exaradas, ficando por isso considerada unicamente, como a empreiteira geral para a construcção d'esta linha.
Aqui está como appareceu a Delagoa Bay e como se veiu enxertar na sociedade portugueza.

Tinha o governo alguma cousa com esta nova companhia? Absolutamente cousa nenhuma.

Disse-o o sr. ministro dos negócios estrangeiros, mas antes de s. exa. o dizer já o tinha dito o presidente da direcção.

Com effeito no officio dirigido por este ao ministro da marinha, em 17 de março de 1887, lê se o seguinte:

«É certo que e ta companhia contratou com aquella outra «Delagoa Bay East and African railway company limited» a construcção do caminho de ferro de Lourenço Marques até á fronteira do Transval, que faz objecto da sua concessão. Mas do cumprimento das concessões d'este contrato que a companhia portugueza, a cuja direcção presido, effectuou dentro da faculdade dos seus estatutos, só as duas companhias são, uma para com a outra responsaveis, sendo da construcção do caminho de ferro de Lourenço Marques ao Transvaal, nos termos da sua concessão sómente responsavel para o governo a companhia portugueza a cuja direcção presido.»

Ora a posição do presidente da direcção, e a individualidade que este cavalheiro hoje representa, tem por todos os modos tal auctoridade e tem estado tanto em evidencia actualmente, que eu não quiz deixar de ler a sua opinião a este respeito. Esse cavalheiro, como é sabido é o sr. conselheiro António do Serpa Pimentel actual presidente do conselho de ministros.

Temos, pois, confessado pela própria companhia portugueza. de que, para com o governo e com respeito ao contrato, não póde haver intervenção de outra entidade. Friso e accentuo estas palavras: «não póde haver intervenção de outra entidade senão da companhia portugueza.»
Mas diz-se: a companhia portugueza desappareceu!

Eu julgava, até aqui, que a morte, physica, com respeito nos individuos, ou a morte social, com respeito às companhias, não suspendia os direitos que houvesse contra essas entidades, nem extinguia as obrigações em que estivessem

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envolvidas. Todos nós deixâmos um representante; os individuos deixam os seus herdeiros e as companhias têem na lei os períodos marcados para se fazerem representar até que tenham solvido todas as suas obrigações.

Mas diz-se: os directores da companhia, por um sentimento patriotico, tinham-se demittido; e ninguem é obrigado a servir contra vontade. E quero ser tão leal na minha argumentação, que até acrescento que existe um artigo dos estatutos que dá aos directores o direito de resignarem o mandato, contando-se essa resignação da data em que assim o parteciparem á sociedade. Não discuto agora se este artigo introduzido nos estatutos é ou não legal, e por isso exequível, mas o que entendo que devo accentuar, é que, embora os directores se possam demittir, o que elles não podem é abandonar as suas funcções e os interesses da companhia que administram. Isso é que não podem; é expresso em direito, como muito bem sabe o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e tanto quero codigo commercial se diz claramente que elles continuam no caso de dissolução e fallencia.

É no artigo 122.°, § 2.°, onde se lê o seguinte:

«Os administradores das sociedades continuarão a represental-as emquanto os liquidatarios não assumirem o exercicio das suas attribuições, e no caso de dissolução ou fallencia até final conclusão da quebra.»

Qualquer que fosse, pois, o sentimento de melindre que aconselhou os cavalheiros portuguezes que faziam parte da direcção portugueza da companhia a resignar os seus logares, elles não podiam em globo abandonar o exercicio das suas funcções, sem que tivessem sido substituídos na administração social.

A faculdade concedida nos estatutos, quando fosse legal, seria applicavel â resignação do mandato de um director, mas não á de toda a direcção. Absurdo era que essa direcção, só pela simples declaração de demissão collectiva, e sem esperar a sua substituição, podesse abandonar os direitos e os interesses da sociedade sua comittente. Quando assim fosse, porém, o que aconteceria?

A companhia ficava sem representação? De modo algum.

Ninguem podia coagir os directores effectivos a exercerem as funcções que lhes competiam, é certo, embora se podessem tornar responsáveis pelo prejuízo que viesse a soffrer a companhia, por terem abandonado as suas funcções. Isso, porém, não é comnosco ; era negocio entre elles e os seus comittentes. Mas o que não é menos certo, é que essa direcção effectiva tinha uma substituição. Ora nos documentos que me foram presentes, não vejo que a demissão comprehendesse senão a direcção effectiva e o conselho fiscal; se havia, pois, substitutos, ahi tinha o governo, na falta de direcção effectiva, a representação legitima e directa da companhia.

Como é, pois, que não tinha com quem tratar?! Para que eram os substitutos senão simplesmente para supprir as faltas temporárias ou permanente dos directores effectivos? Se os directores effectivos não funccionavam, havia os substitutos para tomarem os seus legares e poderem representar a companhia, e ahi tinha, repito, o governo uma pessoa legitima para com ella fazer a liquidação.

Mas não é só isto. Ha mais e melhor.

Qual era o estado dessa companhia? Qual é a situação juridica, em que o governo considerava achar se a sociedade?

Considerava-a, existindo em pleno vigor de todas as suas funcções? Se a considerava assim, tinha que tratar com a direcção effectiva, em quanto esta não tivesse sue cessor, e na sua falta com os substitutos.

Apparentemente era esta a situação juridica, mas na realidade a situação era outra.

Com effeito eu vejo que o fira da sociedade se tornara impossivel de satisfazer.
Para que era ella constituida senão para obter as concessões feitas em 14 de dezembro de 1884 a Mac Murdo? Ora desde que um decreto do governo rescindira o contrato em que se faziam taes concessões, a companhia não podia mais usar d'ellas.

Portanto a sociedade, em virtude d'esse decreto, ficou isso facto dissolvida. Dil-o o artigo 120.°, n.° 3.°, do codigo commercial.

O que se segue á dissolução de uma sociedade? O ficar ella só tendo existencia juridica para a liquidação e partilha. Preceitua-o o artigo 122.° do mesmo codigo.

Segue-se, pois, ao acto do governo simplesmente a liquidação, e ficando os administradores a represental-a até á nomeação dos liquidatarios.

E como se nomeiam os liquidatarios? Dizia a lei das sociedades anonymas que o seriam na forma dos estatutos, e quando estes não houvessem indicado o modo de proceder que a assembléa geral o regularia, sendo liquidatarios os administradores, quando assim se não houvesse procedido. E o codigo commercial vigente determina que a um certo numero de sócios devidamente reunidos e representando determinado capital, pertence a nomeação dos liquidatários. E caso se não apure esse numero tambem está prevenido no nosso codigo commercial o que ha a fazer, e é recorrer ao poder judicial competente, ao juízo commercial, que então nomeará os liquidatarios.

Applicasse-se, pois, a lei antiga ou o codigo commercial, e eu nessa questão não entro, havia os meios necessários para a companhia se achar sempre representada.
Mas dir-se-ha «podiam-se em verdade ter indicado esses remédios, mas o governo não podia valer-se dessa indicação e descer a intervir na constituição e funccionamento da companhia!))

Pois eu digo, que não só podia, mas devia providenciar a tal respeito.

De facto, a sociedade apesar do decreto de rescisão, continuar a ter existência jurídica, absoluta para os que a considerassem ainda subsistente, limitada á liquidação e partilha para os que a houvessem por dissolvida. Ora, em qualquer d'estes casos, o que ella não podia era contrariar as disposições da lei, continuando sem representação por meio de directores ou liquidatarios.

N'estes termos, ao governo competia, quer em virtude do artigo 58.° da lei de sociedades anonymas, quer em virtude do artigo 147.° do codigo commercial promover nos tribuuaes de commercio competentes, por intervenção do ministerio publico, as acções necessárias para a dissolução da sociedade, ou para ella se julgar como não existente. E, pendendo a competente acção ou julgada ella, se tomariam judicialmente as providencias para se restabelecer o estado de direito.
Pergunto, em qualquer dos casos que deixei considerados, esta companhia não estava infringindo as disposições da lei, que mundavam tivesse uma administração em Portugal? Se estava funccionando contra lei, o ministerio publico devia fazel-a declarar como não existente, e então o governo teria os meios para contratar ou deixar de contratar com a companhia.

Se tenho demonstrado que a companhia não carecia de representação em Portugal, se carecendo o governo tinha todos os meios para fazer com que ella fosse devidamente representada, cáe pela base a argumentação do sr. ministro dos negocios estrangeiros, assim como a do governo inglez, que, como já fiz ver, não era outra senão esta.

O sr. Presidente: - A hora está a dar e hoje ha sessão nocturna.

O Orador: - N'esse caso, como tenho de fazer mais algumas considerações, peço a v. exa. que me reserve a palavra; mas antes do encerrar a sessão peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que sejam publicadas no Diario do governo as, notas que o sr. ministro dos negocios

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estrangeiros ha pouco me forneceu, caso s. exa. não veja nisso inconveniente.

O sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Não tenho duvida em que sejam publicadas as notas que ha pouco ministrei ao illustre deputado.

O sr. Presidente: - A ordem da noite é a continuação da que estava dada, e mais o projecto n.° 178, auctorisando o governo a reformar vários serviços dependentes do ministerio da fazenda.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

O redactor = Sá Nogueira.

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