O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1660

1660

CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 21 DE MAIO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

Antonio Carlos da Maia

Chamada — Presentes, 60 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Pequito, Affonso Botelho, Garcia de Lima, Annibal, Vidal, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Sá Nogueira, Quaresma, Brandão, A. Pinto de Magalhães, Arrobas, Mazziotti, Pinheiro Osorio, Magalhães Aguiar, Albuquerque e Amaral, Abranches, Beirão, Ferreri, Almeida Pessanha, Cesario, Cypriano da Costa, Fernando de Magalhães, Bivar, Abranches Homem, Coelho do Amaral, Diogo de Sá, F. L. Gomes, F. M. da Costa, F. M. da Cunha, Medeiros; Gomes de Castro, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, J. J. de Azevedo, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Joaquim Cabral, Rodrigues Camara, Mello e Mendonça, José da Gama, Galvão, Alves Chaves, Figueiredo Faria, Costa e Silva, Frasão, Rojão, Sieuve de Menezes, José de Moraes, Oliveira Baptista, Julio do Carvalhal, Affonseca, Manuel Firmino, Murta, Pereira Dias, Miguel Osorio, Modesto Borges, Monteiro Castello Branco, Ricardo Guimarães, R. Lobo d'Avila e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Braamcamp, Carlos da Maia, Gouveia Osorio, Ferreira Pontes, Mello Breyner, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, Lopes Branco, A. de Serpa, A. V. Peixoto, Zeferino Rodrigues, Barão da Torre, Garcez, Freitas Soares, Cyrillo Machado, Pinto Coelho, Claudio Nunes, Conde da Torre, Domingos de Barros, Fortunato de Mello, Barroso, Ignacio Lopes, Izidoro Vianna, Gaspar Pereira, Gaspar Teixeira, Pereira de Carvalho e Abreu, Guilhermino de Barros, Blanc, Silveira da Mota, Sant'Anna e Vasconcellos, Fonseca Coutinho, Albuquerque Caldeira, Nepomuceno de Macedo, Calça e Pina, Torres e Almeida, Simas, Matos Correia, J. Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, Sette, Fernandes Vaz, Luciano de Castro, Casal Ribeiro, Alvares da Guerra, Mendes Leal, Camara Falcão, Camara Leme, Martins de Moura, Alves do Rio, Rocha Peixoto, Pinto de Araujo, Placido e Abreu.

Não compareceram — Os srs. Abilio, A. B. Ferreira Correia Caldeira, Antonio Eleuterio, Gonçalves de Freitas, Seixas, Fontes, Lemos e Napoles, Pinto de Albuquerque, David, Palmeirim, Barão das Lages, Barão de Santos Barão do Vallado, Barão do Rio Zezere, Oliveira e Castro Almeida e Azevedo, Bispo Eleito de Macau, Carlos Bento Conde da Azambuja, Poças Falcão, Drago, Fernandes Costa, Borges Fernandes, Gavicho, Bicudo Correia, Pulido, Chamiço, Cadabal, H. de Castro, Mártens Ferrão, João Chrysostomo, Coita Xavier, Ferreira de Mello, Coelho de Carvalho, Neutel, Veiga, Infante Pessanha, D. José de Alarcão, J. M. de Abreu, Latino Coelho, Silveira e Menezes, Toste, Gonçalves Correia, Batalhós, Levy Maria Jordão, Freitas Branco, Alves Guerra, Mendes Leite, Sousa Junior, Sousa Feio, Charters, Moraes Soares, Fernandes Thomás, Simão de Almeida, Thomás Ribeiro, Teixeira Pinto e Vicente de Seiça.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Uma declaração do sr. C. Justino da Costa, de que por incommodo de saude não pôde assistir ás quatro ultimas sessões da camara. — Inteirada.

2.º Do sr. J. A. de Sousa, de que o sr. barão do Rio Zezere tem faltado a algumas sessões por incommodo de saude. — Inteirada.

3.º Um officio da camara dos dignos pares, devolvendo, com as alterações ali feitas, o projecto de lei relativo aos celleiros communs, monte pios agricolas ou montes de piedade. — Á commissão de administração publica.

4.º Da mesma camara, acompanhando a relação dos projectos de lei que lhe foram enviados por esta camara e ali approvados. — Inteirada.

5.º Do ministerio do reino, acompanhando a copia, pedida pelos srs. Faria Guimarães e Ayres de Gouveia, do relatorio e parecer da commissão especial creada para propor o modo de continuarem as obras da academia polytechnica do Porto. — Para a secretaria.

6.º Uma representação da camara municipal de Coimbra, pedindo que ao seu municipio se estendam as disposições da lei de 16 de julho de 1863. — Á commissão de administração publica, ouvida a de legislação.

7.º Da camara municipal da Arruda, pedindo que se lhe conceda um edificio nacional, para n'elle estabelecer um aquartelamento para os destacamentos militares e para escola de instrucção primaria. — Á commissão de fazenda.

8.º Da misericordia de Portel, pedindo que se desamortisem os bens das misericordias, applicando-se o seu producto a contratos de mutuo. — Á commissão de administração publica.

SEGUNDAS LEITURAS

PROPOSTA DE LEI N.° 114-B

Senhores. — Por decreto de 1 de outubro de 1862 foi no-

Página 1661

1661

meada uma commissão para rever e examinar as tabellas dos emolumentos e salarios judiciaes, e apresentar ao governo um projecto de reforma das mesmas tabellas, para ser tomada na devida consideração.

A commissão satisfez, como era de esperar do seu zêlo e intelligencia, a este laborioso encargo, e o projecto que apresentou, depois de alterado em alguns pontos, como pareceu conveniente, foi convertido na proposta de lei, que acabo de ter a honra de submetter á vossa illustrada apreciação.

Mas, alem d'aquelle encargo, o decreto citado incumbiu tambem a mesma commissão de organisar os projectos adequados para a remoção dos inconvenientes resultantes do modo por que actualmente se faz a distribuição dos processos orphanologicos pelas varas das comarcas de Lisboa e Porto; e bem assim os dos formularios dos autos e termos do processo que se devessem observar nos differentes tribunaes de justiça.

Satisfazendo tambem aquella primeira incumbencia, e declarando; quanto á segunda, que continuava a occupar-se d'ella, a commissão offereceu, com o projecto da reforma das tabellas, um mappa, no qual se faz, unicamente para o effeito da distribuição orphanologica, uma nova divisão de freguezias pelas seis varas da comarca de Lisboa, distribuindo as por cada uma d'ellas, segundo a população e riqueza das mesmas freguezias, e grupando-as de modo que ficasse cada uma das varas com o maior numero possivel das que já tinha.

Por este meio entende a commissão que, sem inconveniente attendivel para o serviço, se póde diminuir consideravelmente, senão acabar de todo, a grande desigualdade que actualmente se dá entre as diversas varas, o que faz com que os proventos dos empregados de umas sejam muito differentes dos que pertencem aos empregados de outras.

Finalmente no relatorio, em que a sobredita commissão dá conta do resultado de seus trabalhos, declara a mesma commissão que, em vista das informações officiaes, que obteve, está convencida que na distribuição dos inventarios orphanologicos da comarca do Porto se não dão os inconvenientes acima ponderados, e que por isso não ha motivo para tornar extensiva aquella comarca a providencia de que se trata.

Parecendo-me portanto util estabelecer, unicamente para o mencionado fim, a nova divisão de freguezias constante do mappa offerecido pela commissão, o qual para esclarecimento se junta na sua integra, tenho a honra de apresentar ao vosso esclarecido exame e approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É approvada, sómente para o effeito da distribuição dos inventarios orphanologicos, a divisão das freguezias da comarca de Lisboa pelas seis varas civeis da mesma comarca, segundo o mappa que faz parte da presente lei.

Art. 2.° Os inventarios orphanologicos, que estiverem já começado são tempo da publicação d'esta lei, e que pertencem a freguezias que pela nova divisão passem para outra vara, continuarão a seguir os seus termos nas varas e cartorios em que estiverem pendentes, até que passe em julgado a sentença que julgar a partilha, e logo depois serão remettidos para a vara a que ficarem pertencendo as referidas freguezias, e distribuidos pelos respectivos escrivães, para que se continuem até final os mais termos da administração orphanologica pela dita varas e cartorios competentes, nos quaes deverão ser guardados.

Art. 3.° Fica refogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 20 de maio de 1864. = Gaspar Pereira da Silva.

Mappa das freguezias que, para o effeito da distribuição orphanologica, ficam pertencendo a cada uma das varas da comarca de Lisboa

1.ª VARA

Freguezias:

Santa Maria Magdalena.

Santa Maria Maior.

S. João da Praça.

S. Miguel de Alfama.

Santa Engracia.

S. Vicente, S. Thomé e S. Salvador.

Santo Estevão.

Santa Cruz do Castello,

S. Thiago e S. Martinho.

S. Bartholomeu do Beato.

Santa Maria dos Olivaes.

Sacavem.

S. Thiago de Camarate.

S. Silvestre de Unhos.

Santa Maria de Loures.

2.ª VARA

Freguezias:

Santa Justa.

Nossa Senhora do Soccorro.

Nossa Senhora dos Anjos.

Nossa; Senhora da Pena.

S. Jorge.

S. José.

Santissimo Coração de Jesus.

3.ª VARA

Freguezias:

Conceição Nova.

S. Julião.

S. Nicolau.

Nossa Senhora da Purificação de Bucellas.

S. Bartholomeu da Charneca.

Nossa Senhora da Assumpção de Vialonga.

Nossa Senhora do Amparo de Bemfica.

S. Christovão.

S. Lourenço.

Santo André e Santa Marinha.

4.ª VARA

Freguezias:

Nossa Senhora da Encarnação.

Nossa Senhora das Mercês.

S. Sebastião da Pedreira.

Santos Reis do Campo Grande.

S. João Baptista do Lumiar.

Nossa Senhora da Encarnação da Ameixoeira.

Povoa de Santo Adrião.

S. Julião do Tojal.

Santo Antão do Tojalinho.

S. Saturnino de Fanhões.

S. Pedro de Lousa.

S. Julião de Friellas.

Santíssimo Nome de Jesus de Odivellas.

S. Julião da Talha.

Nossa Senhora da Appellação.

S. Lourenço de Carnide.

5.ª VARA

Freguezias:

Nossa Senhora dos Martyres.

Santissimo Sacramento.

Santa Catharina.

Nossa Senhora da Lapa.

Santa Izabel.

6.ª VARA

Freguezias:

S. Paulo.

S. Mamede.

Santos o Velho.

S. Pedro, em Alcantara.

Santa Maria de Belem.

Nossa Senhora da Ajuda.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 20 de maio de 1864. = Gaspar Pereira da Silva.

Distribuição orphanologica pelas seis varas da capital, segundo o rendimento collectavel e numero de fogos dos quatro bairros de Lisboa, e dos concelhos de Belem e Olivaes.

Rendimento collectavel 2.341:849$787 réis, dividido pelas seis varas, cabe a cada uma 390:308$297 réis.

Numero de fogos 59:733, dividido pelas seis varas, cabe a cada uma 9:955.

[Ver Diário original]

Antonio Maria Branco = José Caldeira Pinto de Albuquerque = Antonio de Vasconcellos Pereira Coutinho de Macedo = José Pereira Sanches e Castro = Manuel Pedro Sergio de Faria Azevedo.

Está conforme. = Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 20 de maio de 1864. = José Julio de Oliveira Pinto.

Foi remettido á commissão de legislação.

PROPOSTA DE LEI N.° 114-E

Senhores. — Os amanuenses da secretaria da procuradoria regia do Lisboa fizeram subir á presença do governo uma representação, em que pediam ser equiparados aos amanuenses da secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, tanto emquanto ás vantagens do augmento de ordenado no fim de dez e quinze annos de serviço, como ás da aposentação. Pareceram-mo dignos de alguma consideração aquelles empregados, por motivos que são obvios; mas não posso concordar em os equiparar absolutamente aos amanuenses da secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, já em rasão da diversidade de categoria d'estas repartições, já em rasão da diversa natureza das habilitações litterarias que se lhes exigem e que são incontestavelmente superiores para os d'aquella secretaria d'estado.

Entendi pois conveniente tomar-lhes extensivas sómente as vantagens da aposentação. Na mesma proposta comprehendo tambem tortos os outros empregados das procuradorias regias, presidencias das relações e procuradoria geral da corôa, porque se dão quanto a todos as mesmas rasões.

N'estes termos tenho a honra de submetter á vossa consideração a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É applicavel ao secretario, official e amanuenses da secretaria da procuradoria geral da corôa, aos officiaes e amanuenses das secretarias das procuradorias regias de Lisboa e Porto, e aos secretarios, officiaes, amanuenses e guardas menores das secretarias das presidencias das relações o artigo 35.° e seus §§ do decreto com força de lei de 19 de agosto de 1859.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 20 de maio de 1864. = Gaspar Pereira da Silva.

PROPOSTA DE LEI N.° 114-F

Senhores. — Tendo alguns srs. deputados, por occasião da discussão do orçamento do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, apresentado differentes propostas, sendo umas para igualar os vencimentos dos chefes de repartição do dito ministerio aos dos outros que têem analoga organisação; outras para augmentar 100$000 réis aos dos delegados do procurador regio em Lisboa e Porto, e secretarios das procuradorias regias nas mesmas cidades: e havendo eu sido ouvido na commissão de fazenda ácerca d'estas pro, postas, concordei n'ellas; porém, tendo parecido á mesma commissão conveniente que ellas fossem votadas por meio de uma proposta de lei especial, nenhuma duvida tenho em tomar a iniciativa d'essa proposta, que tenho a honra de vos apresentar. Em poucas palavras indicarei os motivos que me determinaram a esta resolução.

«Emquanto aos chefes de repartição do ministerio a meu cargo, é indubitavel que, sendo elles empregados de categoria igual á dos chefes de repartição dos ministerios, que têem organisação analoga, e não sendo inferior o seu serviço, incontestavel é que não devem ser considerados mais desfavoravelmente do que estes. No ministerio dos negocios do reino ha, na direcção geral de administração politica, tres chefes de repartição; tres na de administração civil; quatro na de instrucção publica, e um na repartição de contabilidade; e todos têem a gratificação annual de 180$000 réis. Igual gratificação têem tres chefes de repartição que ha na secretaria d'estado do ministerio dos negocios da fazenda; cinco no ministerio dos negocios estrangeiros; e outros tantos no ministerio das obras publicas, sendo tres na direcção geral do commercio e industria, um na repartição central e um na de contabilidade. Sou informado de que a rasão por que a ultima reforma da secretaria do ministerio a meu caro, de 19 de agosto de 1859, deixou esta desigualdade foi a limitação da verba de 4:000$000 réis, que tinha sido fixada para augmento de despeza, e que o respectivo ministro não quiz exceder, quanto a estes empregados, para que esta parte da dita reforma ficasse logo plena e definitivamente concluida. Creio que nada mais é necessario para justificar esta primeira parte da proposta.

O augmento, que tambem proponho no vencimento dos delegados do procurador regio em Lisboa e Porto, justifica-se pelo facto, de todos conhecido, da carestia da subsistencia n'estas duas cidades. Não proponho em logar d'isso o alvitre de entregar a estes magistrados a curadoria geral dos orphãos, porque conheço que era materialmente impossivel que elles, já tão sobrecarregados de trabalhos, podessem ainda satisfazer a esta outra ordem de obrigações tão

Página 1662

1662

espinhosas e de tão grande responsabilidade. Os orphãos curatelados pagariam por preço demasiado caro uma protecção illusoria. Reconheço que os magistrados do ministerio publico nas outras comarcas tambem estão mal retribuidos. Não é possivel, porém, de uma só vez remediar tudo; acrescendo que a desproporção entre as necessidades e os recursos é, para esta classe de funccionarios, maior em Lisboa e Porto do que nas outras terras.

Ao mesmo tempo estabeleço para estes magistrados a prohibição do exercicio da profissão de advogado. De facto não a exercem n'estas duas cidades, porque não lhes sobra tempo para isso. Mas se assim esta prohibição não constituo um facto novo, exprime uma regra que deve ser applicada a todos logo que seja possivel dota-los pelo orçamento com vencimentos em harmonia com as funcções que exercem. Augmentando os ordenados aos delegados do procurador regio em Lisboa e Porto, era impossivel deixar de elevar proporcionalmente os dos secretarios das procuradorias regias n'estas duas cidades, para que não ficassem em uma situação de inferioridade. A differença de ordenado que hoje existe, e que é preciso manter, provém do facto de se acharem estes magistrados privados de emolumentos.

Em ultimo logar proponho tambem a creação de mais um logar de amanuense na secretaria do ministerio a meu cargo. Todos vós sabeis que não é n'esta secretaria que abunda o pessoal; sobretudo se se attender á multiplicidade e importancia dos negocios que por ella correm. Folgo de poder aqui dar testemunho de que só á regularidade e assiduidade no trabalho de todos os empregados d'esta secretaria é devida a regularidade do serviço que d'este ministerio depende. Porém se a boa vontade faz muito, não pôde comtudo fazer o impossivel. A segunda repartição da direcção central, que tem a seu cargo o archivo da secretaria e os trabalhos de estatistica do ministerio, não possue mais de quatro empregados. Basta esta declaração para se conhecer que lhe é materialmente impossivel a execução do trabalho que lhe é confiado. O serviço do archivo é grande, e se a isto se acrescentar o exame de mais de cem mil mappas annuaes do registo parochial, e de mais de setecentos de estatistica criminal, e a coordenação dos trabalhos que d'este exame resultam, é facil reconhecer a impossibilidade material do completo desempenho dos teus deveres. D'aqui resulta que até agora só pôde apurar se a estatistica parochial de 1860 e a criminal de 1861, que ultimamente foi concluida e em breve será publicada. Por estes motivos não achareis que seja pedir muito propor a creação de mais um logar de amanuense na dita secretaria d'estado. Por esta fórma o numero total d'elles, que é de onze, ficará elevado a doze.

Eis as rasões que me determinaram a submetter á vossa consideração as seguinte proposta de lei: ~

Artigo 1.° E elevada á quantia de 180$000 réis a gratificação annual de 90$000 réis que compete a cada um dos chefes de repartição das tres direcções geraes do ministerio dos negocios, ecclesiasticos e de justiça.

Art. 2.° E creado no mesmo ministerio mais um logar de amanuense.

Art. 3.° É elevado a 500$000 réis o ordenado annual dos delegados do procurador regio nas varas das comarcas de Lisboa e Porto, aos quaes fica prohibido o exercicio da profissão de advogados em quaesquer causas que não sejam suas proprias.

§ unico. E igualmente elevado a 600$000 réis o ordenado de 500$000 réis annuaes que têem os secretarios das procuradorias regias de Lisboa e Porto.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 20 de maio de 1864. = Gaspar Pereira da Silva. Foram enviadas á commissão de legislação, ouvida a de fazenda.

(Pela sua extensão não podem ser publicadas n'este logar as duas propostas de lei apresentadas pelo sr. ministro da justiça, uma relativa á reforma das tabellas judiciaes, e outra relativa á reforma do tribunal do commercio, as quaes serão publicadas no fim das sessões seguintes.)

PROPOSTA

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 121, de 1859, e que já esteve em discussão em 28 de maio d'aquelle anno.

Sala da camara dos senhores deputados, 21 de maio de 1864. = O deputado por Loulé, João Antonio de Sousa.

Foi enviada á commissão de fazenda.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a conceder á camara municipal de Moimenta da Beira uma morada de casas sitas no largo do Taboado, da mesma villa, e pertencentes á fazenda pela herança jacente de D. Claudina Adelaide de Almeida Carvalhaes, a fim de nellas estabelecer os paços do concelho, tribunal judicial, cartorios e mais repartições publicas.

§ 1.° Restituir-se-hão á mesma camara municipal réis 600$000, que se acham em deposito á ordem do juizo de direito da comarca de Moimenta da Beira, os quaes foram destinados á expropriação legal da morada de casas acima mencionadas.

§ 2.° Fica tambem exonerada a mesma camara municipal do pagamento de 300$000 réis, a que se obrigou por escriptura publica de 28 de agosto de 1859, para o mencionado fim.

Art. 2.° É igualmente o governo auctorisado a conceder á camara municipal de Moimenta da Beira o terreno contiguo á morada de casas, de que trata o artigo 1.° pertencente á mesma herança jacente, a fim de n'elle construir a cadeia, aproveitando a parte que sobejar para uso do mercado quinzenal que se faz na mesma villa.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 20 de maio de 1864. = Antonio de Serpa.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — A representação da camara municipal de Sabrosa, com data de 14 de março, que tive a honra de mandar para a mesa, veiu despertar uma idéa luminosa, que não pôde deixar de ser benignamente acolhida pelo governo e pelos corpos legislativos; e o governo que, pela voz do nobre ministro das obras publicas, prometteu occupar-se de melhorar a viação interna do paiz vinhateiro do Douro, lançou a esperança no coração d'aquelles povos.

O prompto melhoramento da viação interna d'aquelle paiz é uma grande necessidade publica, não só para a agricultura e commercio dos vinhos, mas tambem para a prosperidade agricola e commercial das provincias de Traz os Montes e da Beira Alta.

Aconselha a topographia d'aquelle paiz que a sua viação interna seja dirigida pelos valles e pelas margens dos rios confluentes ao Douro que o atravessam, o que não só deve facilitar, tornar baratas, seguras e commodas as carregações dos vinhos de exportação, mas vae proporcionar ás provincias limitrophes meios naturaes, faceis e seguros para cortarem com boas estradas as montanhas que por tanto tempo as têem separado das margens do Douro, cuja navegação e viação marginal é a base mais segura e natural da sua futura prosperidade.

Entre todos os rios confluentes ao Douro, que mais tarde ou mais cedo devem ser dotados com boas estradas marginaes dentro do paiz vinhateiro, concorrem no rio Pinhão circumstancias que o recommendam como aquelle por onde devem principiar os trabalhos d'esse feliz systema de viação, a que darei o nome de «viação commercial».

A posição topographica da foz do rio Pinhão torna o seu caes sobre o Douro a posição mais natural, mais commoda e central para ligar o commercio interno do alto Traz os Montes com a navegação do Douro e com o caminho de ferro, que o bom senso e a civilisação não podem deixar de trazer mui brevemente aquellas margens do Douro.

A grande estrada central que atravessa a provincia de Traz os Montes em parte nenhuma passa tão perto do Douro como no sitio em que atravessa o rio Pinhão.

Em vista das rasões e circumstancias que deixo expostas, uma estrada desde o Douro pela margem do rio Pinhão, a entroncar com a estrada que de Vila Real vae por Mirandella para Bragança, deve concorrer muito para o prompto desenvolvimento da prosperidade commercial e I agricola do alto Traz os Montes, facilitando aos seus productos uma facil, segura o commoda communicação com o Porto e com o paiz vinhateiro, aonde têem um mercado certo, e igualmente vantajoso para os productores e consumidores.

Sem a proposta estrada marginal do rio Pinhão, sendo os productos do alto Traz os Montes obrigados a irem a Villa Real ou á Regua, para procurarem o mercado do Porto, pequenissimo é o melhoramento que recebem os generos do consumo do interior da provincia de Traz os Montes, tanto do lado de Bragança e Mirandella como do lado de Vinhaes e Valle Passos.

Ao contrario, com a estrada marginal do Pinhão, cuja foz no Douro dista da grande estrada central do Traz os Montes 14 ou 15 kilometros, ficam communicados com a navegação do Douro todos os productos viáveis pela grande estrada central de Traz os Montes por meio d'aquella estrada marginal do Pinhão, que deve ficar com um declive suavíssimo e proprio para viação accelerada, o que difficilmente se poderá alcançar em outra qualquer situação das margens do Douro, ao mesmo tempo que os finíssimos vinhos de exportação que se produzem em ambas as margens do rio Pinhão, ficam com um transporte seguro e barato, descendo de todos os lados para a estrada marginal, que deve ficar ligada a ambas as margens por pontes que já tem, e outras opportunamente collocadas para facilitar as carregações dos vinhos.

A estrada proposta pelo meu nobre collega e amigo, o sr. deputado Julio do Carvalhal, para ligar o caes do Pinhão por Alijó com Mirandella, em nada se oppõe á proposta estrada marginal do Pinhão, e talvez o estudo do paiz possa ligar o traçado dos dois projectos com grande utilidade de ambos.

A vista do que deixo exposto, e

Considerando que uma estrada que no curto trajecto de tres escassas leguas, ou 14 a 15 kilometros, vae ligar com a navegação do Douro e com o commercio do Porto a grande estrada central que atravessa a provincia de Traz os Montes, e conseguintemente todos os objectos viáveis que por ella podem transitar, deve merecer do governo a mesma consideração que as estradas de outras provincias que ligam os grandes centros commerciaes com os caminhos de ferro. Tenho a honra de propor o seguinte projecto de lei: Artigo 1.° E o governo auctorisado para mandar fazer os estudos necessarios para a abertura de uma estrada marginal, desde a foz do rio Pinhão a entroncar na grande estrada que atravessa a provincia de Traz os Montes, no sitio que se julgar mais commodo, para a maior facilidade de transporte dos generos da provincia de Traz os Montes que procurarem a navegação do Douro, e que for mais commodo para a boa construcção e direcção da estrada.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes, na futura legislatura, dos estudos e orçamento da despeza da referida estrada, a tempo de poder-se aproveitar a estação propria para a sua abertura, no caso que seja approvada pelo corpo legislativo.

Art. 3.° É revogada toda a legislação em contrario. Sala das sessões da camara dos deputados, em 16 de maio de 1864. = Affonso Botelho.

Foi admittido e enviado á commissão de obras publicas. O sr. Pinheiro Osorio: — Pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte requerimento (leu).

Mando tambem a seguinte nota de interpellação (leu). Ha mais de tres mezes que apresentei n'esta casa dois requerimentos, que remetti para a mesa, a pedir esclarecimentos ao governo; um era relativo ás eleições municipaes ultimas do concelho de Lamego, e o outro dizia respeito á dissolução da mesa da misericordia da mesma cidade. O meu fim era interpellar o governo emquanto aquelles dois pontos, logo que os requerimentos fossem satisfeitos.

Hoje porém, sr. presidente, já estou convencido que os meus requerimentos não são satisfeitos, não só porque houve para isso tempo mais que sufficiente, mas alem d'isso porque tenho reparado que este governo, que está ahi á frente dos negocios do paiz, só satisfaz os requerimentos que bem lhe parece (apoiados).

Todos os dias ouço queixar collegas meus da falta de cumprimento aos seus requerimentos por parte do governo (apoiados).

Eu mesmo, sr. presidente, tenho aqui apresentado alguns requerimentos nas sessões passadas, que nunca foram cumpridos e nem ao menos se deu a rasão por que o não eram. Pela minha parte cumpre-me só notar o facto, porque a desconsideração não é a mira, é á camara em nome da qual são remettidos ao governo; não podendo deixar de notar, ainda que muito de passagem, que é este um muito mau precedente, porque assim é impedir e obstar completamente a que os representantes do paiz possam na maior parte dos casos advogar os interesses d'elle e trata-los convenientemente (apoiados).

Mas, sr. presidente, apesar dos meus requerimentos não serem satisfeitos, hei de verificar a interpellação que acabei de annunciar, preciso de o fazer e hei de empregar para esse fim todos os meios ao meu alcance, porque é muito conveniente que o paiz saiba o modo como a auctoridade local de Lamego abusou da sua posição official, chegando a commetter toda a qualidade de excessos, sendo preciso que o sr. ministro do reino declare se ella tem de seguir o mesmo caminho na proxima eleição de deputados. Alem d'isso quero perguntar ao sr. ministro do reino qual é a lei d'este paiz, qual é o artigo do codigo administrativo que auctorisa um governador civil qualquer a dissolver a mesa de uma confraria ou irmandade, só pelo facto de serem os seus membros contrarios á politica dominante.

Sr. presidente, este negocio da dissolução da mesa da misericordia de Lamego é muito desgraçado: é desgraçado, porque o governador civil de Vizeu faz encapotadamente applicação á mesa da misericordia de Lamego do grande principio das suspeições politicas posto em pratica no districto de Villa Real; é desgraçado, porque o sr. ministro do reino não mandou proceder á eleição da mesa, como pediu uma grande maioria da irmandade, desprezando assim os verdadeiros principios.

Hei de mostrar, sr. presidente, que por esta fórma administra o governo directamente aquelle estabelecimento, o que lhe não é permittido por lei alguma d'este paiz.

Preciso pois como disse, sr. presidente, verificar a minha interpellação, e espero por isso que o sr. ministro do reino, logo que tenha conhecimento das reflexões que acabo de fazer, se apressará a vir responder, porque s. ex.ª deve estar mais que habilitado, porque não se pôde admittir que ignore o que se passa na administração do paiz.

Sr. presidente, continuando a usar da palavra, vou apresentar á consideração da camara uma proposta que reputo altamente importante. Esta proposta deveria ter sido apresentada ha mais tempo, mas não o fiz pela difficuldade que desgraçadamente n'esta sessão tem havido de te obter a palavra antes da ordem do dia. Mas, sr. presidente, apesar de tudo sempre a apresento, não só porque assim cumpro os deveres da minha consciencia, mas tambem porque entendo que, se esta camara e o governo a tomarem na consideração devida, pôde muito bem ser approvada antes do encerramento da actual sessão. A proposta é a seguinte (leu).

As idéas contidas n'esta proposta não é só de agora que as tenho. Pensei sempre assim desde que estudei os primeiros elementos de direito publico constitucional, e n'esta casa já ha muito que consignei esta minha opinião. Na sessão de 22 de abril de 1854, tratava-se de se discutir aqui um projecto de lei apresentado pela commissão de legislação daquella epocha, projecto que tinha por fim abolir os vinculos pequenos, e deixava ficar subsistindo os grandes, isto é, abolia aquelles que menos inconvenientes tinham, e deixava ficar os que produziam em larga escala todos os transtornos d'aquella instituição.

Sr. presidente, n'esta occasião tratei de combater do modo que pude este projecto, e apresentei-lhe uma substituição em que consignava o principio da abolição completa dos morgados. Mas justamente com esta minha substituição apresentei tambem uma proposta para a reforma do artigo 39.° da carta constitucional, que estabelece a herança do pariato, porque entendi então, e ainda hoje entendo, que a herança do pariato, ampla e sem restricções como a carta constitucional a estabelece, se não pôde sustentar sem a propriedade vinculada, e isto alem de ir de encontro a todos os principios da sciencia e utilidade publica.

Sr. presidente, permitta-me v. ex.ª que eu cite em abono das minhas opiniões, e como argumento de auctoridade, o exemplo de uma das nações mais adiantadas da Europa. Pela lei de 12 de maio de 1835 foram em França abolidos os morgados, mas só o foram, note v. ex.ª bem esta circumstancia, depois de o ter sido primeiro a herança do pariato. Assim é que se põem em pratica os bons principios em toda a parte, menos em Portugal. Pela minha parte declaro a v. ex.ª que me admiro e espanto que esta camara e este governo, que concorreram para a abolição dos morgados, tenham parado como amedrontados na presença da herança do pariato.

Página 1663

1663

Sr. presidente, agora só me resta o ver pôr de parte esta proposta, e será mais um desengano que juntarei aos mais que tenho tido.

Sr. presidente, tambem declaro que, apesar de apresentar esta proposta, tenho toda a consideração pela outra casa do parlamento, e em particular por cada um do seus membros; mas a questão não é de pessoas, é de principios.

Continuando a usar da palavra, sr. presidente, e sem querer abusar da paciencia da camara, passo a apresentar algumas breves reflexões relativas a um objecto de grande importancia para este paiz, e que diz respeito á sua principal industria agricola. Já se vê que me refiro á questão da liberdade do commercio dos vinhos do Douro.

Sr. presidente, constantemente ouço fallar aqui na questão do Douro, ainda que, diga-se a verdade, sempre Bem resultado. Todavia seja-me licito tambem apresentar succintamente a minha opinião, por isso que sou deputado por um circulo que tem a maior parte dos seus interesses no paiz vinhateiro do Douro.

Ha tempos ouvi dizer n'esta casa que o governo ainda n'esta sessão tencionava fazer approvar o projecto para a liberdade do commercio dos vinhos do Douro, e alguns dos meus illustres collegas não têem cessado de empregar ob meios ao seu alcance para o conseguir. Mas, apesar de todos estes nobres esforços e do que ouvi, sempre disse que não era n'esta sessão que similhante negocio tinha de ser resolvido. E quer v. ex.', sr. presidente, saber por que assim pensei? Porque sempre estive convencido que o governo, alem de outros motivos, não queria nas proximidades da eleição geral levar aos povos do Douro o presente forçado da liberdade. Sr. presidente, eu não defendo, nem defenderei completamente, o systema restrictivo antigo ou moderno. Chamo systema restrictivo antigo ao estabelecido pelas leis do marquez de Pombal e alguns subsequentes, e moderno ao actualmente em vigor. E não o farei, porque estou completamente convencido que, alem do conterem disposições insustentaveis, estão muito longe de conseguirem, tanto quanto seja possivel, o fim a que se propõem. Sr. presidente, querem a liberdade para o Douro, tambem eu a quero (apoiados); mas se quero a liberdade não quero a falsificação, não quero o roubo, porque são cousas inteiramente differentes e contrarias. O vinho do Douro, como sabem todos os que têem perfeito conhecimento d'elle, tem um inimigo formidavel, um inimigo muito notavel que é a falsificação, ou assimilhação de outros vinhos nos primeiros tempos da sua existencia. Todos sabem que com assucar, baga e aguardente se faz de qualquer vinho do Douro, e de tal sorte que nos primeiros tempos os paladares mais distinctos e mais experimentados não são capazes de distinguir o verdadeiro d'aquelle que o não é. Vejamos o que se segue d'aqui. O verdadeiro vinho do Douro apura com o tempo e com o correr dos annos as suas qualidades a tal ponto que se torna um licor delicioso, emquanto que aquelle que o não é, é o tempo que se encarrega de lhe arrancar a mascara, e de o mostrar tal qual elle é.

D'aqui uma outra consequencia e é o descredito do vinho do Douro, o descredito da principal industria agricola do nosso paiz, porque eu comprador, eu consumidor que comprei uma porção de vinho, e que vi pelo correr do tempo que elle, longe de apurar as suas qualidades, perdeu as que tinha, o que se segue é que eu não compro mais, ou se o procuro não o quero senão muito mais barato, pela desconfiança em que estou se elle, será ou não verdadeiro. Por conseguinte, Sr. presidente, já se vê que o que pretendo é um conjuncto de medidas que tenham por fim o garantir, tanto quanto seja possivel, a genuinidade do vinho do Douro, e evitar que outrem lhe roube o nome que lhe pertence. Sr. presidente, desenganem-se todos, o vinho do Douro não receia a concorrencia, não lhe importa ir ao mercado nacional ou estrangeiro na companhia de outros vinhos, porque as suas qualidades o tornam sem duvida alguma superior, mas de que tem receio é da falsificação, da adulteração e do roubo. Portanto todas as vezes que se apresente uma medida, que tenha por fim o evitar estes grandes inconvenientes, hei de votar por ella, no caso contrario hei de combate-la e rejeita-la (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Calça e Pina: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Alter do Chão, pedindo que na actualidade se não tome medida alguma legislativa para a admissão de cereaes estrangeiros.

O sr. Abranches Homem: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da municipalidade de Ceia, em que pede a abertura de um ramal que ligue aquella antiga villa á estrada que vae de Celorico a Coimbra; e é ella tão cheia de justiça e bons fundamentos, que me abstenho de cansar a camara com as minhas considerações, e só me limito a pedir á camara e ao sr. ministro das obras publicas que a considerem devidamente.

O sr. Julio do Carvalhal: — Requeiro a v. ex.ª que queira consultar a camara sobre se quer dispensar a formalidade de ser mandado á commissão de fazenda o projecto n.° 103, a fim de se entrar já na sua discussão.

Diz elle respeito á reforma do honrado Barão de Grimancellos. São cento e tantos mil réis a differença entre o que recebe hoje aquelle official e o que ha de receber sendo approvado o projecto, e parece-me que por uma tão insignificante quantia não deve adiar-se a justiça que se deve fazer aquelle benemerito liberal. Portanto mando para a mesa o seguinte

REQUERIMENTO

Peço que seja consultada a camara para entrar em discussão o projecto n.° 103. = Julio do Carvalhal—Ferreira Pontes = F. Coelho do Amaral = Visconde de Pindella = Miguel Osorio—A. Julio de Castro Pinto de Magalhães — Joaquim Pinto de Magalhães.

O sr. José de Moraes: — Pedi a palavra para me oppor a que se discuta desde já o projecto n.° 103, porque a camara resolveu que não se discutisse projecto algum, que não fosse de iniciativa do governo, antes do projecto que apresentei n.° 89.

(Varios srs. deputados pedem a palavra.)

O Orador: — Estou contente, porque vejo muitos srs. deputados pedirem a palavra contra mim, e gosto sempre de me achar só quando defendo uma boa causa.

O projecto n.° 103 não pôde discutir-se, a não querer a camara reconsiderar aquillo que votou por 58 votos contra 7 em uma das sessões passadas. A camara, sob proposta que mandei para a mesa e assignada tambem pelo sr. Coelho do Amaral, votou que não se discutisse projecto algum antes de se discutir o n.? 89, excepto aquelles projectos que fossem da iniciativa do governo. Ora, este não é da iniciativa do governo, portanto a camara não o pôde nem o deve discutir agora.

O sr. Ferreira Pontes: — Pôde, pôde.

O Orador: — A camara pôde fazer o que entender, porque nós hontem vimos aqui votar um projecto sem ter sido sobre elle ouvida a commissão de fazenda, quando a camara por uma votação d'esta sessão resolveu que projecto algum, que trouxesse, augmento de despeza, fosse votado sem ser ouvida sobre elle a commissão de fazenda.

A camara pôde votar o que quizer, porque está no seu direito, e entendo sempre que a camara vota com a sua consciencia, assim como eu, combatendo, combato com a minha consciencia.

Mas este; projecto, alem de não poder ser votado, porque é um projecto de interesse particular, não deve ser votado ainda por outras rasões, ainda que a camara já hontem revogou uma resolução, e pôde revogar agora esta, e pôde revoga-la centos de vezes.

O que vemos nós todos os dias e todas as horas? É votar projectos de augmento de despeza sem se saber quem é que a ha de pagar...

O sr. Ferreira Pontes: — Quem a deve.

O Orador: — E quem a deve?

O sr. Ferreira Pontes: — Devemo-la todos.

O Orador: — Peço ao illustre deputado que, em vez de me interromper, peça a palavra, e discuta commigo, porque acha com quem discutir.

Vejo presente o sr. ministro da fazenda, o lembro a s. ex.ª um áparte que ha dias aqui fez, quando se estava discutiu--do o orçamento. S. ex.ª disse, em um áparte, que = não sabia onde nos levava este augmento de despeza em tão larga escala =.

Pois nós não vemos que o sr. ministro da guerra apresentou no orçamento cinco contos e tantos mil para se pagar aos sargentos da junta do Porto reformados em alferes?

Vozes: — Ordem, ordem.

O Orador: — Podem fazer o barulho que quizerem, e dizer o que quizerem, porque vou continuando.

Repito, o sr. ministro da guerra o outro dia apresentou aqui no orçamento, para os officiaes que estavam comprehendidos na lei de 30 de janeiro de 1864, uma verba de cinco contos e tanto, e hoje vemos que o proprio sr. ministro da guerra já vem pedir mais 21:000$000 réis para esta mesma despia. E será só isto? Não. Qual é o resultado? E depois termos de votar tributos para satisfazermos estes beneficios, porque nós não temos feito n'esta sessão mais do que dar despachos.

Não se vê na collecção dos projectos d'este anno senão projectos da commissão de guerra, propondo augmentos de despeza, e talvez de cem ou cento e cincoenta projectos que se acham na collecção, metade sejam da commissão de guerra. Isto não pôde nem deve continuar assim.

O sr. ministro da fazenda, como primeiro fiscal do orçamento, como aquelle que ha de pagar, há-de ver-se em pessimas circumstancias; porque ou ha de lançar tributos ou ha de contrahir emprestimos em larga escala, para se pagarem estas despezas improductivas que se têem aqui votado.

O sr. Ferreira Pontes: — Estas despezas produziram antecipadamente.

O sr. Coelho do Amaral: — Trata-se do coronel dos voluntarios da Rainha.

O Orador: — Não trato de pessoas, nem sei mesmo quem é esse individuo.

O sr. Coelho do Amaral: — Deve tratar; porque estas excepções são relativas a um individuo que representa grandes serviços, e por isso conheça-os, avalie-os e saiba aprecia-los.

O Orador: — Admira-me que só passados trinta annos se considerem serviços...

O sr. Ayres de Gouveia: — Pagam-se tarde.

O sr. Visconde de Pindella: — Mais vale tarde do que nunca.

O Orador: — O illustre deputado acha que é tarde que se faz este pagamento, e eu acho que é cedo de mais; mas os illustres deputados tratam agora d'este assumpto porque antes não acharam melhor occasião do que esta, e com esta camara. Tenho dito.

O sr. Coelho do Amaral: — Peço desculpa ao meu illustre collega, o sr. José de Moraes, por ha. pouco me ter exaltado; mas mal esperava que o sr. José de Moraes, de cujos sentimentos liberaes não ouso duvidar, nem elle mesmo deixaria que alguem impunemente d'elles duvidasse, viesse combater a admissão á discussão, ou, para melhor dizer, a votação sem discussão (apoiados) do projecto n.° 103.

O sr. José de Moraes admirou-se de que trinta annos depois dos serviços prestados por este valente e benemerito cidadão a camara se occupe de os recompensar, prestando testemunho d'esses serviços. Admira-se s. ex.ª d'isto! Pois eu tambem me admiro, mas não concluo como s. ex.ª — que é cedo. É cedo! Espera-se porventura que elle desça á sepultura! Para que? Para se lhe cuspir sobre ella?

Respeitem os serviços, e abstraham do homem que não está aqui. Aqui está diante de nós o coronel do regimento de voluntarios da Rainha (apoiados), e regateia-se e protesta-se a justiça que lhe é devida, invocando-se os interesses dos contribuintes! Eu tambem os zêlo; sou contribuinte e nada mais. Eu sou productor e não consumidor; mas não lamento estas e outras votações que se têem aqui feito; nem estremeço, como vejo que estremecem alguns illustres deputados, pela bolsa dos contribuintes; porque essas votações são, como muito bem disse n'um áparte o sr. Ferreira Pontes, o pagamento do despezas que se fizeram adiantadamente; porque esses cidadãos, a quem nós temos aqui votado escassos meios de subsistencia, ganharam ha muito o direito a essas pensões pelos serviços que prestaram á liberdade e ao paiz, com perda de sangue e risco de vida (apoiados); e então é necessario não confundirmos as cousas.

Admiro-me, como me admirei já honrem, quando ouvi aqui combater um projecto com o fundamento de que tão tarde se cuidasse em remunerar os serviços e os sacrificios, não digo das victimas mais illustres, mas digo das victimas illustres das nossas heróicas lutas politicas. Sinto que, com o mesmo pretexto de zelar a bolsa dos contribuinte, se diga que as nossas finanças se aggravam porque se faz justiça, embora tardia, aos restos d'esses nossos irmãos de armas, que por muito tempo jazeram nos carceres; que todos os dias viram a sua vida arriscada diante do furor das multidões; que presenciaram as scenas desastrosas de Extremoz, de Lamego e as hecatombas de Vizeu. Esses homens, proximos a descer á sepultura, não sei como não tremeram de indignação vendo que se lhes regateia aqui justiça tardia, mesquinha e miseravel; porque pôde dizer-se que o abonar-se-lhes simplesmente para o effeito da reforma o tempo em que estiveram presos, é uma mesquinharia, que ainda assim se lhes quer recusar em nome dos contribuintes, em nome do fisco, em nome dos interesses da fazenda!

Não quero demorar-me n'este assumpto, porque estou intimamente convencido, fazendo justiça aos sentimentos da camara, que ella vota sem discussão este augmento que se propõe para o sr. barão de Grimancellos, augmento que, como disse o sr. Julio do Carvalhal, é apenas de 100$000 réis.

O sr. F. M. da Cunha: — É de 60$000 réis.

O Orador: — Diz aqui um illustre membro da commissão de guerra que é de 60$000 réis o augmento que se propõe para o barão de Grimancellos, commandante do regimento de voluntarios da Rainha desde 11 de agosto de 1829, desde a Villa da Praia até á Asseiceira e até Evora Monte (apoiados).

Eu sou signatario da proposta, a que alludiu o sr. José de Moraes, para que se sustente a votação da camara, para não ser preterido o projecto sobre raptos parlamentares; mas reconheço tanta justiça no projecto, cuja discussão se pede agora, que voto para que se faça uma excepção; e peço mesmo á camara que ella se faça, a fim de se discutir o projecto n.° 103.

S. ex.ª sabe o vehementissimo empenho que tenho manifestado, para que se discuta o projecto dos raptos parlamentares; mas tenho quasi desvanecida a esperança de que elle se discuta. Sinto-o por decoro da camara; entretanto lavo d'ahi as minhas mãos, o meu protesto está lavrado.

Apesar d'estas considerações, á vista da justiça que assiste a este projecto, peço á camara que faça uma excepção, porque a excepção recommenda-se por si mesma.

O sr. F. M. da Cunha: — Maravilha-me realmente ouvir censurar uma commissão por trabalhar de mais! O sr. José de Moraes diz que = entre os cento e tantos projectos que se têem apresentado n'esta sessão, mais de metade são da commissão de guerra =: s. ex.ª admira se d'isto e eu lisongeio-me, juntamente com os meus collegas da commissão, por termos apresentado o resultado dos nossos trabalhos.

O projecto de que se trata é da maior justiça. Fizeram-se muitos serviços á causa da liberdade, mas ninguem fez mais do que o batalhão dos voluntarios da Rainha (apoiados); basta dizer que eram voluntarios.

Diz tambem o illustre deputado que = já é tarde para se fazer justiça =; e eu digo a s. ex.ª que para se fazer justiça é sempre tempo (muitos apoiados).

A camara sabe que uma carta de lei de 1840 encorporou no exercito o batalhão dos voluntarios da Rainha; e em virtude d'essa carta de lei estão hoje muitos officiaes d'esse corpo reformados em coroneis; e o sr. barão de Grimancellos, o homem que commandou aquelle batalhão desde o principio até ao fim, está reformado em coronel graduado! Eu não comprehendo mesmo que no exercito se reformem officiaes em coroneis graduados, porque se é graduado tem direito á effectividade.

Foram estas as rasões que me levaram a dar o meu assentimento a este projecto, e espero que a camara o approvará, como é de rigorosa justiça (apoiados).

O sr. Antonio de Serpa (para um requerimento): — O meu requerimento é muito simples: tem por fim lembrar a v. ex.ª que o regimento diz que os requerimentos d'esta natureza não têem discussão; e o que estamos nós discutindo? Se é o requerimento para entrar já em discussão um projecto, não pôde ser discutido; apenas se vota sobre elle; e se o que se discute é o projecto, tambem não pôde ser, porque a camara ainda não resolveu que elle entrasse em discussão.

Estamos pois gastando tempo inutilmente com duas dis-

Página 1664

1664

cussões iguaes; uma agora, e a outra quando o projecto entrar em discussão.

Concluo pedindo a v. ex.ª que consulte já a camara sobre se quer que se discuta o projecto a que o requerimento do illustre deputado se refere.

Consultada a camara, resolveu afirmativamente.

Leu-se na mesa o projecto, que é o seguinte:

projecto de lei N.º 103

Senhores, — A commissão de guerra examinou o requerimento do coronel graduado barão de Grimancellos, governador do castello da Foz do Douro, e não pôde deixar de reconhecer os relevantes serviços feitos por este official á causa da liberdade, que são, como diz o requerente, notorios no exercito e no paiz.

Convence-se de que o batalhão de voluntarios de D. Pedro IV, depois de D. Maria II, concorreu de uma maneira distincta e gloriosa para implantar no paiz a arvore da liberdade, e que partilhou todos os incommodos d'essa porfiada luta, para o que contribuiu de certo o barão de Grimancellos, commandando o e dando lhe exemplos de valor e dedicação.

Por estas rasões, e attendendo a que este official, sendo considerado no effectivo do exercito por carta de lei de 9 de novembro de 1840, ficou pertencendo á 4.ª secção do exercito, não se podendo entender por isso que houvesse sido reformado;

Attendendo a que desde esta epocha tem elle estado sempre encarregado de um serviço de responsabilidade, como é o do governo do castello da Foz do Douro;

Attendendo a que, já depois de ser collocado no effectivo do exercito, organisou em 1840 o regimento de voluntarios da Rainha;

Attendendo a que no exercito a graduação de um posto importa o reconhecimento do direito a esse posto;

A commissão tem a honra de submetter á vossa approvação o seguinte, projecto de lei:

Artigo 1.° E o governo auctorisado a reformar no posto de coronel, com o vencimento correspondente a este posto, o coronel graduado, governador do castello da Foz do Douro, barão de Grimancellos.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, 9 de maio de 1864. = Augusto Xavier Palmeirim = Placido Antonio da Cunha e Abreu — Antonio de Mello Breyner = D. Luiz da Camara Leme = João Nepomuceno de Macedo = Fernando de Magalhães Villas Boas = Francisco Maria da Cunha.

O sr. José de Moraes: — Pedi a palavra, nao para combater o projecto, porque ainda agora expuz as rasões por que votava contra elle, mas simplesmente para responder a algumas observações feitas pelos illustres deputados os srs. Coelho do Amaral e Cunha.

O sr. Coelho do Amaral disse que era productor e não consumidor; pois eu devo dizer a s. ex.ª que tambem não sou consumidor sou productor: felizmente não tenho talher á mesa do orçamento, assim como o illustre deputado tambem o não tem.

O sr. Coelho do Amaral: — Nem queremos.

O Orador: — Apoiado, nem queremos. N'esta parte estamos pois tambem iguaes.

Pelo que respeita á observação feita pelo sr. Cunha, devo dizer a s. ex.ª que eu não censurei a commissão de guerra por ter trabalhado de mais; eu disse que, entre cento e tantos projectos que tinha no meu caderno, a maior parte eram da commissão de guerra, sendo quasi todos os da commissão de guerra não para beneficiar o paiz, mas para lhe tirar a pelle (riso).

Portanto eu não censurei a commissão de guerra por ter trabalhado muito; lamentei simplesmente que não tivesse proposto alguma economia no seu orçamento. E verdade que no anno passado fez-se uma economia de 435000 réis que se davam ao executor de alta justiça; o logar ficou, mas foi-lhe tirado aquillo que lhe serviria talvez para elle fumar o seu cigarro. Este anno tambem fizemos uma grande economia, que foi supprimir o logar de comprador junto ao ministerio da marinha, mas não é para já, é para quando o homem morrer; isto é, para quando vier a caldeirinha.

Tenho dito.

O sr. Coelho do Amaral: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida e seguidamente posto á votação o projecto foi approvado.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Peço a v. ex.ª que ponha já em discussão o projecto n.° 17 d'este anno, que trata da organização do pessoal da junta do credito publico, porque é um negocio muito urgente.

O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade o projecto n.° 17.

projecto de lei n.° 17

Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposta de lei n.° 7 - N, que tem por fim interpretar e declarar o artigo 4.° da carta de lei de 8 de junho de 1843, tornando effectivas as disposições consignadas no artigo 142.° do regulamento geral de contabilidade, que faz parte do decreto de 12 de dezembro proximo passado:

A commissão, considerando a urgencia da effectividade do logar de thesoureiro pagador da junta do credito publico, responsavel pelos fundos importantes que esta repartição administra;

Considerando que da não effectividade d'este cargo resulta o absurdo de se não poderem cumprir as disposições dos artigos 11.º e 14.º do decreto com força de lei n.º 1 de 19 de agosto de 1859, o qual; presuppondo a existencia na junta de um thesoureiro pagador, commetteu ao tribunal de contas o encargo de julgar annualmente as d'esse funccionario, comparando, para formular a sua declaração geral de conformidade, o resultado d'este julgamento com as contas annuaes de exercicio da junta;

Considerando que a inexequibilidade das disposições da referida lei tem dado origem a repetidos conflictos entre estas duas repartições;

Considerando finalmente a urgencia de estabelecer de um modo mais claro e expresso a organisação definitiva do pessoal d'esta repartição do estado:

E de parecer que a proposta deve ser approvadas convertendo se no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O numere e os vencimentos dos empregados da junta do credito publico são os que designa a tabella junta, que faz parte d'esta lei.

Art. 2.° Fica por este modo interpretado e declarado o disposto no artigo 4.° da carta de lei de 8 de junho de 1843.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, 5 de fevereiro de 1864. = Belchior José Garcez = João Antonio Gomes de Castro = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Claudio José Nunes = Antonio Vicente Peixoto — Hermenegildo Augusto de Faria Blanc — Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos.

Tabella dos empregados da junta do credito publico e dos respectivos vencimentos

1 Contador geral....................... 1:200$000

2 Chefes de repartição, a 800$000 réis..... 1:600$000

4 Primeiros officiaes, a 600$000 réis...... 2:400$000

6 Segundos officiaes, a 480$000 réis...... 2:880$000

8 Amanuenses de 1.ª classe, a 300$000 réis 2:400$000

13 Amanuenses de 2.ª classe, a 1920000 réis 2:496$000

1 Thesoureiro pagador:

Ordenado............... 1:200$000

Gratificação para falhas... 400$000 1:600$000

1 Fiel do thesoureiro pagador:

Ordenado............... 500$000

Gratificação para falhas... 100$000 600$000

1 Ajudante do fiel...................... 300$000

1 Porteiro............................ 480$000

4 Continuos, a 280$000 réis............. 1:120$000

17:076$000

Sala da commissão, 5 de fevereiro de 1864. = Belchior José Garcez = João Antonio Gomes de Castro = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Claudio José Nunes = Antonio Vicente Peixoto — Hermenegildo Augusto de Faria Blanc = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos.

Este projecto deriva da proposta de lei que se acha transcripta no Diario de 20 de janeiro, a pag. 167, col 2.ª

Foi logo approvado na generalidade.

O sr. Pereira Dias: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que dispensado o regimento se passe já á discussão da especialidade.

Assim se resolveu, e poz-se em discussão o

Artigo 1.°

O sr. Faria Blanc: — Por parte da commissão de fazenda mando para a mesa um additamento ao artigo 1.°. additamento

A commissão de fazenda, de acordo com o governo, propõe o seguinte additamento no artigo 1.° do projecto de lei n.° 17 da actual sessão. »

§ 1.° ao artigo 1.° Os empregados do quadro actual da thesouraria da junta do credito publico, que em virtude do effeito d'esta lei perderem a sua collocação, continuarão a receber os seus vencimentos pelo cofre da dita junta, prestando o serviço que lhes for designado.

§ 2.° Os empregados da junta do credito publico serão nomeados pelo governo independentemente da proposta da mesma junta, a qual será consultada temente para o caso de promoção e accesso dos empregados do quadro d'esta repartição.

Sala da commissão, 21 de maio de 1664. = Placido de Abreu — Claudio José Nunes = Guilhermino Augusto de Barros = A. V. Peixoto = A. J. Braamcamp —H. A. Blanc.

Foi admittido.

O sr. Serpa: — Pela leitura rapida que ouvi na mesa, pareceu-me que o fim da proposta do illustre deputado é que os empregados da junta do credito publico sejam no meados pelo governo, independentemente da proposta da junta.

A questão não é de grande importancia; mas creio que não é de grande vantagem dar ao governo mais attribuições a respeito da nomeação dos empregados publicos. A junta do credito publico tem uma grande responsabilidade; todos sabem quaes são as funcções que lhe cabem pela lei actual; e portanto parecia me de grande conveniencia que, tratando se de objectos financeiros, e da um estabelecimento de tal responsabilidade, se lhe deixasse a iniciativa sobre a nomeação dos seus empregados.

Isto é uma cousa rasoavel. Ainda não vi apresentada rasão alguma em favor d'esta proposta da commissão, nem se me afigura que alguma haja para se dar ao governo mais este arbitrio a respeito da nomeação de empregado», que> quasi nunca é vantajoso a não serem aquelles empregados dos que propriamente são da sua confiança. Como a junta é que é responsavel e não o governo, parece-me que é á junta que compete a proposta da nomeação dos empregados.

Estou portanto persuadido de que este additamento, emquanto não houver rasões que convençam do contrario, não pôde ser approvado pela camara.

O sr. Ministro da Fazenda: —... (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicados este logar)..

O sr. Antonio de Serpa: — Estou completamente de accordo com as observações que fez o sr. ministro emquanto

á instituição da junta do credito publico; entretanto s. ex.ª não propõe a reforma d'este estabelecimento, nem a sua reorganisação, e emquanto a junta existir d'esta maneira, ao passo que o sr. ministro entende que não ha inconveniencia no que se propõe no additamento, persuado-me eu pelo contrario que não ha vantagem nenhuma. Antes a vantagem é que continue a existir a proposta da junta para os seus empregados.

E verdade, como disse o sri ministro, que houve um empregado da junta que commetteu uma fraude, um crime de roubo, de que a junta não se quiz tornar responsavel, sendo preciso que as côrtes votassem as sommas necessarias para satisfazer aos individuos prejudicados pela fraude daquelle empregado; mas ha muitos outros empregados que propõem a nomeação dos seus subordinados, e comtudo não respondem tambem pelas fraudes que elles possam commetter. Assim os governadores civis quando fazem propostas para os logares de administrador do concelho; não respondem pelos abusos que esses administradores commettam senão quando tenham sido complices ou consentidores n'esses abusos.

E sempre conveniente que quem está á testa de um estabelecimento tão importante como a junta do credito publico tenha empregados da sua confiança. De certo que ninguem quereria ser membro da junta do credito publico se tivesse que responder pelos extravios e abusos que commettesse qualquer empregado d'ella; mas ninguem poderá negar que é vantajoso para quem gere sommas tão importantes ter empregados era quem confie.

Assim como ha propostas obrigatorias para outros empregos subordinados, porque não as ha de haver para estes? Que quer isto dizer? Quer dizer que o governo deseja ter mais estes empregos para dispor d'elles sem proposta da junta, não no interesse publico, mas no teu interesse politico.

A camara se entender que é conveniente vote o additamento; eu pela minha parte rejeito-o.

O sr. Sieuve de Menezes: — Não impugno nem a materia do projecto que se discute nem a proposta mandada para a mesa pelo illustre relator da commissão de fazenda, mas no caso d'ella passar mando para a mesa a seguinte proposta (leu).

Parece-me que todos reconhecem a conveniencia que ha em serem os empregos dados aquelles pretendentes que tiverem mais habilitações. O concurso publico está adoptado nas secretarias do reino, obras publicas e justiça, e ultimamente no regulamento que o sr. ministro da justiça publicou com respeito aos conservadores, lá está adoptado tambem o concurso para provas publicas.

N'este sentido, e pugnando por estes principios, mando para a mesa a proposta, que estimarei muito que o sr. ministro da fazenda assim como a camara approvem, porque approvando-a darão um testemunho insuspeito de estarem convencidos de que os logares devem ser dados aos pretendentes, que nos exames e provas publicas derem demonstrações de que devem ser preferidos.

Nada mais digo sobre este objecto, nem é necessario, segundo julgo.

ADDITAMENTO Á PROPOSTA

A nomeação dos novos empregados da junta do credito publico será feita por meio de concurso e provas publicas. = Sieuve de Menezes.

Foi admittido.

O sr. Ministro da Fazenda: — É para declarar que não tenho duvida nenhuma em aceitar o principio do concurso indicado pelo illustre deputado, porque me parece que pôde dar mais uma garantia para a escolha de empregados habeis.

O governo não deseja esquivar se a seguir o principio indicado pelo illustre deputado, nem mesmo a colher todas as informações, e todas as provas de aptidão e capacidade para a nomeação d'estes empregados; portanto não tem duvida em aceitar o principio do concurso.

O sr. Faria Blanc: — A proposta que mandei para a mesa contém duas partes, na primeira propõe a commissão de fazenda que os empregados do quadro actual da thesouraria da junta do credito publico que em virtude dos effeitos do projecto que te discute perderem a sua collocação, continuarão a receber os seus vencimentos pelo cofre da dita junta, prestando o serviço que lhes for designado. E na segunda parte propõe-se que os empregados da junta do credito publico sejam nomeados pelo governo independentemente de proposta da mesma junta, a qual será consultada somente para o caso de promoção e accesso dos empregados do quadro d'esta repartição.

A primeira parte da proposta não foi, nem podia ser impugnada, porque ella tem por unico fim evitar qualquer prejuizo que podessem soffrer empregados que têem prestado bom serviço, e que não podiam sem flagrante injustiça ser privados dos seus vencimentos (apoiados).

Com respeito porém á segunda parte da proposta, o illustre deputado que encetou o debate entende que ella importa a privação de um direito de que a junta gosa, parecendo lhe que não ha motivo que justifique este procedimento.

Seja me permittido explicar a proposta que mandei para a mesa, que foi mal interpretada pelo nobre deputado, o sr. Antonio de Serpa. A commissão de fazenda não apresentou esta proposta com o fim singular de privaria junta do credito publico do goso dos seus direitos e prerogativas, mas só e unicamente com o intuito de solicitar do corpo legislação a interpretação authentica do artigo 4.° da lei de 8 de junho de 1843, por isso que a junta do credito publico com fundamento na disposição do §,2.° do artigo 2.° da lei da 15 de julho de 1837,. tem se arrogado attribuições que lhe não competem(apoiados).

Página 1665

1665

É certo que ao governo compete prover os empregos civis e politicos, nos termos do § 4.° do artigo 75.° da carta constitucional, e com relação aos empregados de fazenda -está esta disposição expressamente consignada non. 2.º do artigo 4.° do decreto com força de lei de 10 de novembro de 1849, que se refere á nomeação dos empregados do ministerio da fazenda e das repartições d'elle dependentes, e todos sabem que a junta do credito publico é uma repartição dependente do ministerio da fazenda (apoiados).

A junta porém, considerando se auctorisada a fazer a proposta de que falla a lei de l5 de julho de 1837, procede sempre de modo que priva o governo do direito que lhe confere a lei do estado.

Se o governo não pôde deixar de nomear os empregados que a junta propõe, propondo ella (como muitas vezes tem praticado) para cada um logar um só individuo, é em taes termos a junta, e não o governo, que faz a nomeação dos empregados, porque tanto importa a proposta que tem de. aceitar-se, se porventura a lei podesse ser. assim interpretada (apoiados); mas este proceder da junta é contrario ao citado artigo da carta constitucional, que só ao governo confere a faculdade de prover os empregos civis e politicos.

Para que estas irregularidades acabem e a junta do credito publico não exorbite creando embaraços á administração com grave prejuizo da causa publica, entendeu a commissão que era de absoluta necessidade solicitar do corpo legislativo a interpretação authentica do citado artigo 4.° da lei de 8 de junho de 1843, que só poderá ser entendido nos termos da proposta que mandei para a mesa, como passo a demonstrar.

A carta de lei de 15 de julho de 1837 determina no § 2.º do artigo 2.° que os empregados para o serviço da junta do credito publico sejam nomeados pelo governo, sobre proposta d'ella.

Dos termos em que esta lei se acha concebida, attentas as circumstancias especiaes da epocha em que foi publicada, manifesta-se que as suas differentes disposições tinham um caracter provisorio, e que deviam, na maxima parte, ser alteradas logo que o exigissem as conveniencias do serviço; não podendo duvidar-se com respeito á nomeação dos empregados para o serviço da junta, que ó o assumpto de que se trata, que a disposição do citado § 2.º do artigo 2.° da lei de 15 de julho de 1837, foi uma medida temporaria, emquanto se não regulasse definitivamente o pessoal da junta do credito publico, como claramente se deduz da disposição do artigo 16.° da mesma lei, que diz assim:

«Emquanto se não regular definitivamente o pessoal da junta do credito publico, passarão a ter exercicio na mesma junta os empregados da actual commissão, com os ordenados que no orçamento lhes forem estabelecidos.»

Publicou-se posteriormente a outra lei de 8 de junho de 1843, que veiu estabelecer definitivamente a organisação da junta, determinar - as tuas attribuições, -e regular e fixar o quadro dos seus empregados; -determinando esta lei -no artigo 4.° que «a empregados da junta seriam os designados na tabella annexa á mesma lei, não fallando em proposta da junta para a nomeação dos seus empregados fica evidente que -a disposição do § 2.° do artigo 2.º da -lei de 15 de julho 1837 foi n'esta parte modificada; sem que se tornasse necessario fazer expressa menção d'esta modificação, porque assim se conclue da disposição do artigo 12.° da lei de 8 de junho de 1843.

Apesar da lei dever ser assim interpretada, é certo que junta do credito -publico, dando-lhe differente intelligencia e considerando em pleno vigor o artigo 2.º da lei de 15 de julho de 1837, se tem recusado dar posse aos empregados nomeados pelo governo sem precedencia de proposta, não cumprindo as portarias que lhe têem sido expedidas, resolvendo as suas consultas. -

Este irregular procedimento da junta, prejudicando gravemente o serviço publico (apoiados), e privando o governo dos direitos que lhe confere a lei fundamental do estado (apoiados), convenceu a commissão de fazenda da necessidade de uma providencia, que pozesse termo a estas infundadas questões de competencia que por parte da junta continuamente se suscitavam, e eis-aqui as causas que motivaram a proposta que mandei para a mesa, com o fim de se fixar a verdadeira intelligencia da lei (apoiados).

Quanto á proposta do sr. deputado Sieuve de Menezes, entendo que é adoptavel o principio do concurso, parecendo-me preferivel o concurso documental; no entretanto não faço questão do modo como o concurso deva verificar se, adopto o principio, e não tenho duvida em declarar que a commissão de fazenda igualmente o adopta (apoiados).

O sr. Casal Ribeiro: — Se as nossas praticas regimentaes tivessem ainda conservado a inscripção sobre, seria essa a que eu preferiria, tratando d'este projecto. Elle mesmo não tem sido impugnado nem defendido na sua generalidade; e a discussão que tem havido apenas tem versado sobre um incidente.

Levanto-me em primeiro logar para dizer que me parece que no relatorio da commissão ha rasões de mais; e as rasões demais, segundo as regras da boa logica, provam ás vezes contra; e em segundo logar para lavrar o singelo protesto, pela parte que me diz respeito, visto que aquelle relatorio cita o decreto de 19 de agosto de 1859 que foi da minha lavra de que não houve presupposição alguma de um logar que não existia. Tratou-se unicamente de sujeitar a contabilidade da junta do credito ás regras estabelecidas para a contabilidade dos diversos ministerios; não te suppoz um emprego que não existia.

Este projecto não é outra cousa senão a confirmação do regulamento de contabilidade publica; e neste caso applaudo o governo por aceitar este bom principio, visto que este regulamento não estava de accordo com as leis, como já em outra occasião eu ponderei á camara.

O que por este projecto se faz é procurar a sancção legislativa do regulamento na parte relativa á junta do credito publico; e não hei de ser eu que lhe negue o meu voto. O mesmo se deveria ter feito em muitos outros artigos do regulamento, igualmente discordantes das leis.

Que estes logares se hão de prover por nomeação do governo é claro, porque o principio consignado na carta constitucional é — que os empregos publicos são da nomeação do governo. Ninguem contesta nem confraria isto; mas ha regras estabelecidas nas leis que limitam o arbitrio do governo na nomeação dos empregados, e que longe de contrariarem aquelle principio o robustecem e cercam de garantias.

Quando as leis estabelecem concurso, e por consequencia limitam o provimento a certos e determinados individuos, que têem dado certas e determinadas provas de capacidade, e entre os quaes o governo tem de escolher, o principio constitucional é garantido. Da mesma maneira, quando as leia estabelecem que certos empregos sejam providos sob propostas de certas e determinadas repartições, tambem o principio constitucional não é ferido, e são garantidos os principios da boa administração.

Parece-me exagerado o argumento do illustre relator da commissão, quando suppoz que, admittindo-se o principio de que o governo deve escolher de entre os propostos pela junta do credito publico, fica ferida a prerogativa governamental; porque então do mesmo modo ficava ferida em toda a escala administrativa, visto que em toda ella ha propostas para a nomeação.

O regedor é nomeado pelo governador civil, mas sob proposta do administrador do concelho, e o administrador do concelho é nomeado pelo ministro do reino, sob proposta do governador civil. Ainda ninguem disse, nem se pôde sustentar que haja aqui preterição das attribuições que pertencem ao poder executivo.

A junta na sua posição actual responde directamente para com o tribunal de contas e para com o parlamento pela gerencia dos fundos a seu cargo. Não me parecia haver grande inconveniente em se lhe continuar a manter a faculdade, que até agora tem gosado, de propor os seus empregados.

O principio do concurso folgo de o ver admittido, entretanto desejara que o concurso de que se trata não fosse documental, porque concursos documentaes sabemos muito bem o que são, não significam cousa alguma (apoiados). Qualquer cidadão portuguez tem a faculdade de requerer um emprego, e quem requer um emprego junta os documentos que julga habilitarem-no para o exercer, não ha regra para que o governo prefira os que apresentam certa ordem de documentos, é elle escolhe quem quer, de sorte que os concursos documentaes são perfeitamente illusorios; só o concurso por provas publicas pôde servir, os documentaes não servem de nada (apoiados).

O sr. ministro da fazenda já em outra occasião e agora de novo manifestou as suas opiniões contrarias á existencia da junta do credito publico. Eu já disse uma vez, não me desdigo, e repito ainda que estou longe de me enthusiasmar pela organisação daquella repartição (apoiados), que em regra, em these estou longe de a considerar uma mola essencial de um bom systema financeiro (apoiados). Na occasião em que eu disse isto, e em que disse tambem que me parecia inopportuno trazer ao parlamento a questão da reforma radical da junta, fui asperamente arguido pela imprensa ministerial, por sustentar uma organisação anormal, que não se coadunava com as boas regras financeiras e com os principios do credito. Importou me pouco a arguição. Quem mostra que ella era injusta é este projecto que estamos discutindo e iremos votar (apoiados). Elle prova que o sr. ministro não julga ainda a occasião opportuna para vir propor a reforma radical da junta. Se assim o não entendesse não vinha agora engordar, alargar o quadro da junta. S. ex.ª nem julga que a occassião da extincção da junta seja agora, nem me parece que na sua ordem de idéas a veja muito proxima, aliás seria absurdo alargar o quadro, aperfeiçoar o edificio para o qual elle já preparava os instrumentos de destruição (apoiados).

Mantenho-me no mesmo terreno, entendo que aquella organisação não é indispensavel em these, mas que foi aconselhada por circumstancias excepcionaes. E sem agora entrar em desenvolvimentos, porque seria embrenhar me na questão financeira, digo que a nossa situação não é ainda tal no que respeita ao credito, principalmente pela fatal necessidade que temos de talvez durante muitos annos continuarmos a recorrer largamente a elle, que seja chegada a occasião de lançarmos o machado demolidor aquella instituição (apoiados), porque seria isso uma inconveniencia, seria ir affectar o credito publico, e affectando o credito publico, affectaria gravemente os interesses uo thesouro e do estado (apoiados).

Vejo pois n'este projecto que o sr. ministro não está tão distante das minhas opiniões como parecia. Entendo com elle que não é boa aquella organisação, e tambem entendo que este projecto está demonstrando não ser ainda chegada a occasião de a destruir, e que a s. ex.ª nem mesmo parece que a opportunidade venha proxima.

É n'este sentido que voto, pelo projecto, desejando que a medida se promulgue com &.idéa do concurso por provas publicas, que me parece de accordo com as boas regras de administração (apoiados).

O sr. Ministro da Fazenda: —... (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. B. F. de Abranches (sobre a ordem): — A moção que vou mandar para a mesa é a seguinte: é um, § unico ao, artigo 1.°:

«Aos individuos que servem os logares, de fiel recebe dor, fiel pagador, e de ajudantes dos fieis e que,depois de collocados no quadro estabelecido na tabella mencionada n'este artigo, passarem a ter vencimentos inferiores aos que hoje recebem, serão garantidos os -seus actuaes vencimentos».

Uma voz: —.Na mesa já existe uma proposta identica.

O Orador: — Dizem-me que na mesa existe uma proposta identica á minha. Peço a V. ex.ª que tenha a bondade de me dizer se isto é exacto.

(Leu-se na mesa a proposta da commissão de fazenda.)

O Orador: — Vejo que a proposta que acaba de ser lida, e foi apresentada quando eu não estava na sala, é identica á minha, e por consequencia prescindo de a mandar para a mesa e desisto da palavra.

O sr. Pinto de Araujo: — Direi poucas palavras, mesmo porque o assumpto não se presta a uma grande discussão.

Eu quero fixar bem o ponto de doutrina da proposta que se mandou para a mesa relativa aos concursos.

Não deve julgar se de pouca importancia a proposta que está sobre a mesa em que se estabelece o concurso por provas publicas. E necessario quando vaga um logar qualquer e se apresentam pretendentes a elle, que esses individuos mostrem que estão habilitados para poderem exercer esse logar, o que para elle se não considerem unicamente como habilitações quaesquer documento) officiosos (apoiados). Nem julgo cousa muito regular que nq concurso o governo se deva unicamente determinar por esses documentos com que os pretendentes possam instruir o seu requerimento. A unica prova de habilitação para os logares, estabelecido o principio do concurso, está emquanto a mim nas habilitações scientificas que possa apresentar o individuo que pretenda o logar. E para se conhecer se esse individuo possue estas habilitações scientificas não pôde ser de nenhuma outra maneira senão pelo concurso por provas publicas, sujeitando o individuo a um exame doutrinal e pratico, pelo qual elle se mostre habilitado para/exercer o logar que solicita; fazendo este exame perante o jury habilitado e constituido para conhecer da capacidade do requerente.

O concurso documental está em opposição com a doutrina apresentada pelo sr. ministro da fazenda, quando disse que o governo não quer para ti o arbitrio de nomear o empregado que quizer, que queria unicamente que se lhe concedesse o livre exercicio da prerogativa que lhe confere a carta constitucional para a nomeação de quaesquer individuos que tenham de exercer os cargos publicos. Perfeitamente de accordo com s. ex.ª na consequencia, mas não no principio que s. ex.ª estabeleceu. O concurso documental não córta ao governo o arbitrio de nomear qualquer individuo para um emprego publico, pelo contrario vae estabelecer o arbitrio contra o principio estabelecido na carta. Quando acarta confere ao executivo a prerogativa da nomeação para os empregos publicos, de maneira nenhuma quiz que o governo nomeasse para qualquer emprego a seu bel prazer um individuo qualquer que elle quizesse, quiz sim que o governo exercesse essa prerogativa, escolhendo de entre os concorrentes o que julgasse ou estivesse mais habilitado para exercer o logar vago, isto é, aquelle que mais provas desse de habilitações, e essas provas de habilitações de maneira alguma o governo as pôde ter só pelo concurso documental, mas sim pelo concurso por provas publicas; se quizer pois exercer a sua prerogativa segundo o espirito e letra da carta deve seguir o systema do concurso de provas publicas, unico modo de cortar o arbitrio. Portanto não vejo motivo, segundo os principios que s. ex.ª estabeleceu, para rejeitar a proposta que foi mandada para a mesa pelo meu illustre collega o sr. Sieuve de Menezes.

De mais a mais disse o meu amigo o sr. Antonio de Serpa que o governo, segundo o modo como se apresentou redigida a proposta que estava sobre a mesa, queria para si a livre nomeação dos empregados da junta do credito publico. O unico meio que o governo tem para mostrar que não quer exercer arbitrio n'essas nomeações é approvar a proposta que está sobre a mesa que estabelece o concurso por provas publicas. Ora parece-me que esta proposta sendo aceita pela camara não pôde deixar de se ter immediatamente em attenção as expressões do additamento offerecido pela commissão ao projecto. A commissão diz n'esse additamento, segundo agora ouvi ler que = o governo poderá fazer as nomeações independente de proposta da junta votado porém estabelecido que seja o concurso por provas publicas, estas palavras do additamento da commissão parece-me que não podem ficar subsistindo no projecto, porque o concurso decididamente tem de ser aberto perante a junta e ahi constitue o jury para julgar e classificar os concorrentes que se lhe apresentarem; por consequencia é d'esse jury que ha de subir a proposta ao governo para este fazer a nomeação em virtude da classificação que os concorrentes obtiverem. Parece-me portanto que deve ter se isto em consideração por serem eliminadas as palavras que se acham no additamento apresentado pelo relator da commissão na parte em que diz que =a nomeação será feita sem prévia proposta da junta, porque o concurso oppõe se a isso =.

Não quero entrar nas considerações que foram apresentadas pelo sr. ministro da fazenda, por serem estranhas á discussão de que se trata; entre essas considerações porém fez s. ex.ª uma á qual não posso deixar de responder alguma cousa.

Disse s. ex.ª que a camara estava constantemente votando despezas, e que era necessario votar as correspondentes receitas. Quando s. ex.ª disse isto foi coberto de apoiados. Dou-lhe tambem o meu apoiado, não lh'o quero negar, mas o que desejava ver, em logar dos apoiados, era que o sr. ministro da fazenda, quando a camara discute esses projectos de augmento de despeza, viesse a camara tomar o seu logar, para que, quando a camara entendesse conveniente votar um projecto que importasse augmento de

Página 1666

1666

despeza, tentasse de crear immediatamente a receita para fazer frente á despeza que votára (apoiados). Porque não vem o sr. ministro da fazenda assistir, como lhe cumpre, ás sessões da camara quando esta trata de discutir projectos que envolvem augmento de despeza? E é depois de votadas essas propostas pela camara, na completa ausencia do governo, que o sr. ministro da fazenda vem querer irrogar uma especie de censura á camara por esta ter votado unicamente despezas e não votar receitas? Á camara não compete avaliar do estado das nossas finanças para saber até que ponto pôde augmentar as verbas de despeza, sem ser esclarecida pelo sr. ministro da fazenda, e a s. ex.ª cumpre vir á camara prestar taes esclarecimentos pelos meios regulares e ao seu alcance para fazer ver a inconveniencia de se votarem certos augmentos de despeza sem se votarem as fontes de receita para lhe fazer frente. E permitta-me o sr. ministro que lhe diga, sem animo nem espirito offensivo, que isto irroga do certo modo uma censura a s. ex.ª, mesmo porque mostra que todos essas propostas foram discutidas e votadas na ausencia de s. ex.ª, que devia ser mais solicito do que tem sido em comparecer na camara quando se trata de discutir projectos d'esta ordem.

Fico por aqui, não direi mais nada, não quero prolongar o debate.

O sr. Pereira Dias: — Peço a v. ex.ª consulto a camara sobre se a materia está discutida. Julgou-se discutida.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Como a proposta do sr. Sieuve tem duas partes, pedia que se votassem separadamente.

O sr. Zeferino Rodrigues: — Se a proposta do sr. Sieuve for votada em globo peço sobra ella votação nominal, e se for votada separadamente, então que a votação nominal recaia na segunda parte da mesma proposta.

O sr. Pinto de Araujo: — Eu creio que a proposta do sr. Sieuve é uma emenda, por isso deve ser votada primeiro que o additamento da commissão.

O sr. Presidente: — A primeira cousa que ha a votar é o artigo 1.°, em seguida o additamento da commissão, e depois, conforme a votação que este tiver, a proposta do sr. Sieuve, que não é uma emenda (apoiados), a qual será considerada ou não prejudicada.

Posto pois á votação o

Artigo 1.° — foi approvado.

Additamento da commissão — approvado.

O sr. Presidente: —Vota-se agora a proposta do sr. deputado.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de pôr esse additamento á votação em duas partes, porque contém duas idéas, a de concurso e a de concurso por provas publicas; pôde haver quem approve uma e rejeite a outra.

Assim se decidiu.

Foi approvada a primeira parte.

Sobre a segunda parte

O sr. Ministro da Fazenda: — Desejo fazer uma declaração. Quando fallei disse que nao tinha duvida em admittir o principio do concurso, e declaro mais que não tenho duvida em admittir o concurso por provas publicas, porque isso fica dependente depois de um regulamento.

Feita a chamada sobre a segunda parte do additamento do sr. Sieuve de Menezes

Disseram approvo os srs.: Affonso Botelho, Annibal, Vidal, Ayres de Gouveia, Sá Nogueira, Quaresma, Gouveia Osorio, Ferreira Pontes, Mazziotti, Pereira da Cunha, Magalhães Aguiar, Lopes Branco, Antonio de Serpa, Zeferino Rodrigues, Freitas Soares, Abranches, Beirão, Pinto Coelho, Almeida Pessanha, Cesario, Conde da Torre, Cypriano da Costa, Domingos de Barros, Fernando de Magalhães, Fortunato de Mello, Bivar, Barroso, Izidoro Vianna, F. M. da Costa, Gaspar Pereira, Gaspar Teixeira, Pereira de Carvalho e Abreu, Medeiros, Silveira da Mota, Sant'Anna e Vasconcellos, Nepomuceno de Macedo, Aragão Mascarenhas, Albuquerque Caldeira, Joaquim Cabral, Simas, Matos Correia, Mello e Mendonça, J. Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, José da Gama, Galvão, Sette, Fernando Vaz, Figueiredo Faria, Luciano de Castro, Casal Ribeiro, Costa e Silva, Alvares da Guerra, Rojão, Sieuve de Menezes, José de Moraes, Julio do Carvalhal, Camara Falcão, Camara Leme, Affonseca, Martins de Moura, Manuel Firmino, Murta, Pinto de Araujo, Modesto Borges, Ricardo Guimarães, R. Lobo d'Avila e Visconde de Pindella.

Disseram rejeito os srs.: Adriano Pequito, Braamcamp, Antonio Pequito, Garcez, Diogo de Sá, J. J. de Azevedo, Frasão, Pereira Dias, Miguel Osorio e Placido de Abreu.

Ficou portanto approvada a segunda parte do aditamento por 69 votos contra 10.

O sr. Ministro do Reino (Duque de Loulé): — Está dado para ordem do dia um projecto; posto que seja de interesse particular, ha certa conveniencia publica em que seja decidido quanto antes. Alludo ao projecto n.° 2, relativo á pensão do conde de Penafiel. Se v. ex.ª não achasse inconveniente pedia-lhe que o submettesse á discussão.

Leu-se na mesa o projecto n.° 2.

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 2

Senhores. — Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei, vindo da camara dos dignos pares do reino, auctorisando o governo a accordar com os condes de Penafiel uma indemnisação não excedente a 100:000$000 réis em inscripções pela verba consignada aquelles nos ultimos orçamentos da receita e despeza do estado; e considerando que as conveniencias publicas aconselham a transacção a que o mesmo projecto se refere, é de parecer que elle seja approvado e submettido á sancção real.

Sala da commissão, 26 de junho de 1863. =. Thiago Augusto Velloso de Horta = Placido Antonio da Cunha e Abreu = João Antonio Gomes de Castro = Joaquim José da Costa e Simas = Claudio José Nunes = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc.

Senhores. — A commissão do legislação tem a honra de devolver á illustre commissão de fazenda o projecto de lei, vindo da camara dos dignos pares, auctorisando o governo a accordar com os condes de Penafiel n'uma indemnisação não excedente a 100:000$000 réis em inscripções pela verba consignada aquelles nos ultimos orçamentos.

Parece á commissão que não importando este projecto o reconhecimento do direito que os referidos condes de Penafiel têem a receber aquella verba, visto que por urgentes e ponderosas considerações de interesse publico se auctorisa o governo a transigir com os mesmos condes, pondo de lado a questão de direito, attendendo unicamente á necessidade da approvação do orçamento, pôde aquelle projecto ser approvado pela camara dos senhores deputados.

Sala da commissão, 26 de junho de 1863. = José Luciano de Castro = Joaquim Antonio de Calça e Pina (com declaração) = José Maria da Costa e Silva = Annibal Alvares da Silva = João Rodrigues da Cunha Aragão Mascarenhas (vencido) = Antonio Pequito Seixas de Andrade = Antonio Carlos da Maia.

PROJECTO DE LEI N.° 177 - A Artigo 1.° E o governo auctorisado a accordar com os condes de Penafiel a remissão do vencimento incluido nas ultimas leis do orçamento das despezas legaes do estado a favor dos mesmos condes, mediante uma indemnisação não excedente a 100:000$000 réis nominaes, pagos por uma só vez era inscripções de divida fundada.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario. Palacio das côrtes, em 23 de junho de 1863. = Conde de Laborim, vice-presidente = Conde de Mello, par do reino secretario = D. Pedro Pimentel de Menezes de Brito do Rio, par do reino vice secretario.

O sr. Presidente: — Está em discussão. O sr. Ferreri: — Mando para a mesa a seguinte proposta de adiamento, para que se não discuta este projecto sem que o governo traga á camara uma medida geral sobre objectos de igual natureza, ou que tenham relação com elles, abrangendo todos que soffreram com a guerra da independencia ou com a guerra da restauração.

Se for rejeitado este adiamento, pedirei então a palavra j sobre a materia para fallar contra o projecto. Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho o adiamento do projecto n.° 2, até que o governo traga ao parlamento uma medida geral sobre objecto de igual natureza, ou que tenha relação com elles, referindo-me a todos os prejuizos causados pela guerra da independencia e pela da restauração. =. Ferreri.

Foi apoiado.

O sr. Paula Medeiros: — Depois que a carta constitucional passou a ser lei fundamental do estado, nenhum emprego ou officio publico se pôde considerar propriedade hereditaria de qualquer individuo ou familia, embora esse emprego fosse obtido por graça especial do rei, ou retribuição por acrisolados serviços, ou por titulo de compra, direitos d'esta origem só os reconhece um governo absoluto; os empregos pertencem á nação, creados exclusivamente para utilidade publica, já mais podem ser objecto de contrato em proveito individual, ou d'elles fazer-se acquisição por titulo do compra, ou por direito de herança.

Estes principios são de direito publico constitucional, estão sanccionados em todos os codigos dos governos representativos.

Sendo isto certo, com a instauração do governo liberal em 1833, deveria ter cessado a pensão que a ex.ma casa Penafiel percebia do real erario, a titulo de um seu ascendente ter adquirido a propriedade do officio de correio mór; a maneira porém de explicar a continuação de tal pagamento d'aquella epocha por diante, provem de ter sido o pae da sr.ª condessa affecto á causa constitucional, grande valido na côrte da Rainha a Senhora D. Maria II, o ter tido a arte de saber captar, em seu proveito, a benevolencia dos ministros da corôa n'aquelle reinado.

Coube á actual camara dos senhores deputados a honrosa missão de acabar com este abuso, eliminando do orçamento da despeza do estado aquelle encargo, resolução esta, que se acha comprovada e reforçada por duas votações nominaes, e ambas por grandes maiorias, como tudo consta das respectivas actas, o que a nação muito applaudiu. Tres annos estavam já decorridos que a ex.ma casa Penafiel tinha deixado de receber a pensão, e é n'estas favoraveis circumstancias que o proprio governo toma a iniciativa de apresentar uma proposta de lei, disfarçada em fórma de transigencia, para que a nação lhe pague, por uma só vez, 100:000$000 réis em inscripções, por ser isto menos do que ella percebia, e d'est'arte poder passar. Porém eu, sr. presidente, nem assim me conformo, porque isto importa eu admittir um direito, que não reconheço, e tenho receio que servirá de aresto para outras reclamações muito analogas.

Todos sabem, sr. presidente, que a fazenda publica se acha insolvente, pelas muitas dividas a que está obrigada; considero-a como uma casa fallida, por isso entendo indispensavel que deve haver concurso de preferencias, segundo a graduação e privilegios dos credores do estado, por que vejo dividas sagradas, de brio nacional, que os governos vergonhosamente têem discurado de pagar, entre outras, citarei os donos de titulos procedentes de objectos, que foram tomados para fornecimento da expedição do exercito libertador; os titulos da suppressão das moedas de bronze, denominadas malucas, que a regencia da ilha Terceira mandou emittir com curso forçado; os dinheiros dos depositos particulares que, contra a vontade de seus donos, foram levantados para acudir ás urgencias do estado; a indemnisação pelas demolições das casas, que se destruiram para edificação das linhas de Lisboa; e muitas outras obrigações contrahidas pelo governo constitucional, que deveriam ter sido religiosamente pagas, para estas porém não chega, não dá o rendimento do estado; mas ha de, e deve have-lo, devem os contribuintes tê-lo para pagar immediatamente á opulenta casa Penafiel, porque o governo assim o entende!!!

Foi já na gerencia d'este ministerio que se conferiu a um estrangeiro o titulo de conde pelo mero accidente de ser marido da ex.ma sr.ª condessa de Penafiel, não seria isso uma valiosa compensação? Se não basta, façam n'o marquez, elevem n'o a duque, despejem, se tanto lhes apraz, o cofre das graças, fiquem certos que aos contribuintes não se lhes dá do uso, nem do abuso que se faz d'aquellas, entre nós, tão depreciadas distincções, porém desviar dinheiro do cofre publico para solver uma divida, que só podia ser reconhecida por um governo absoluto, e isto com estranhavel preterição dos verdadeiros credores do estado, é cousa com que não me conformo, e contra o que protesto pelo modo mais solemne.

Sr. presidente, votando contra a proposta, sigo só o impulso das minhas convicções; resolva a camara embora o contrario, a minha consciencia fica tranquilla (apoiados).

O sr. Casal Ribeiro: — Pedi a palavra para dar singelas explicações dos motivos por que dou o meu voto favoravel a este projecto. Devo principiar por declarar, e n'este ponto ao menos creio que estamos todos de accordo, que não considero esta questão da natureza d'aquellas para que pôde ter influencia a situação politica em que cada um se encontra. Esta é felizmente (digo o intencionalmente) uma d'aquellas questões em que nada tem que ver a situação politica de cada um.

Muito intencionalmente disse felizmente, porque desejo que muitas vezes no parlamento se tratem questões de maneira que se não entenda que ellas tenham de ser decididas mais pela condescendencia systematica de uns ou pela animosidade systematica de outros, do que por outras considerações de mais alto e geral interesse.

Ha de certo, e é preciso que haja no parlamento questões graves em que os campos politicos se definam. Porém dar a todas as questões esse caracter seria um gravissimo erro para os partidos; seria reconhecer com os adversarios do parlamentarismo isso que se diz ser o maior inconveniente d'elle, a tendencia para a guerra dos partidos, para a guerra das pessoas em logar da luta das idéas, tendo em vista mais o triumpho das ambições que o triumpho dos interesses geraes (apoiados). E necessario que os partidos tenham principios; que pugnem por elles claramente, que os defendam definidamente e que os levem á pratica quando são poder. Mas é preciso tambem que cada questiúncula secundaria se não converta em artigo de fé nos programmas partidarios, mais pela imaginaria conveniencia do momento, que pelo respeito constante que deve prestar-se aos grandes pontos de doutrina.

Sentindo pois discordar n'este ponto do voto de alguns meus amigos politicos, não creio por isso que possa haver reparo da parte d'elles, nem que me levarão a mal o meu voto, como eu não me atrevo a levar a mal o seu voto contrario, porque o respeito por consciencioso, como estou certo que elles respeitam o meu (apoiados). Não creio que elles possam de modo algum considerar que ha n'isto a mais ligeira quebra ou affrouxamento dos nossos vinculos partidarios (apoiados).

Desejando tratar a questão n'este terreno, quero afastar d'ella todo o incidente que possa tender a aggrava-la e a dar-lhe um caracter politico que não lhe convem. Repetidas experiencias provam a inconveniencia de dar direcção politica ás pequenas questões; e por citar apenas a mais recente, lembrarei o que se passou ha pouco com o pequeno projecto que se acaba de votar; o qual se tinha tratado inteiramente fóra das considerações que podem aggravar a paixão politica, e para a qual com sentimento meu vi que o sr. ministro da fazenda cedendo ao seu natural e obedecendo á fatalidade que o domina, arrastou improprias recriminações que justamente se podiam retaliar se o calmante requerimento para a materia se julgar discutida não viesse apagar á nascença o ligeiro incendio que a imprudencia ministerial ía ateando.

Vou á questão, e tratarei de expo la como na realidade é. Tratarei de resumir a historia já longa do que se tem passado a respeito da questão Penafiel.

A chamada pensão, compensação ou como quizerem designa-la, concedida á casa Penafiel não foi estabelecida depois do regimen constitucional, datava do antigo regimen; foi encontrada pelo regimen constitucional e continuada por elle advertida ou inadvertidamente até 1853. E esta uma circumstancia excepcional e importante, que convem advertir; e não deixo confundir a questão Penafiel com a situação d'aquelles que pela nova organisação politica perderam empregos comprados a dinheiro durante o antigo regimen.

Em 1853 levantou se pela primeira vez a questão Penafiel. A commissão de fazenda, da qual eu tinha a honra de ser membro, pareceu n'aquella epocha, e a mim parece-me ainda hoje que não eram muito solidos, juridicos e incontestaveis, em vista dos principios geraes da nossa legislação, não só da moderna, mas da antiga, os fundamentos sobre os quaes vinha baseado o diploma da Senhora D. Maria I, em virtude do qual tinha sido concedido aquelle beneficio á casa de Penafiel.

Pareceu-nos porém, por outro lado, que em questão d'esta ordem estabelecido o direito por uma antiga lei, continuado por largo tempo no regimen constitucional, não seria facil

Página 1667

1667

nem equitativo revoga-lo pura e simplesmente, e que o caminho mais expeditivo e regular seria procurar uma transacção rasoavel, na qual se eliminassem os vestigios d'essa concessão excepcional e mal accorde aos principios actuaes de administração, resalvando quanto possivel os interesses do thesouro, e não desconhecendo completamente o direito particular derivado de antigos diplomas.

Dominado por esta idéa de transacção, porque as transacções não exautoram ninguem (apoiados), porque as transacções sempre que se podem fazer, sem quebra de principios oppostos e inconciliaveis (apoiados), são a vida normal do regimen constitucional, que é em si mesmo o regimen das transacções dos grandes elementos sociaes; dominada por esta idéa, a commissão de fazenda d'aquella epocha nem propoz a continuação das cousas como se achavam estabelecidas, isto é, a compensação, nem a sua immediata suppressão; procurou as bases de uma transacção que consistia em converter a compensação hereditaria em uma especie de usufructo vitalicio.

O projecto foi apresentado n'esta camara e approvado. Em virtude d'elle não se supprimiu, transferiu-se do capitulo respectivo do orçamento do ministerio das obras publicas para os encargos geraes do ministerio da fazenda, o encargo de 6:800$000 réis, do qual deveria passar-se titulo de renda vitalicia.

O projecto foi para a outra camara e não teve a approvação d'aquelle corpo co-legislador. A verba foi reposta no antigo logar e o orçamento veiu a esta casa com essa emenda. Aceitámos a emenda porque estavamos collocados na collisão, se insistíssemos pelo nosso primitivo projecto, de não ter orçamento do estado, ou de recorrer a meios extremos. E o governo e a camara d'aquelle tempo comprehendiam que não era questão esta que auctorisasse a recorrer a soluções extremas, sempre perigosas, nas questões gravissimas, insensatas nas pequenas questões. Aceita a emenda que vinha da camara alta, a dos deputados poz de parte a questão.

Continuaram as cousas assim até 1861. Em 1861, a camara actual entendeu conveniente supprimir, não por um projecto especial, mas por um voto no orçamento, aquella verba. Não quero de modo algum fazer censura ao que a camara votou. N'esta occasião não votei; estava ausente do paiz. Se estivesse n'este recinto não me teria associado áquelle voto; nunca votei, nem votaria que sem lei especial se supprimisse do orçamento esta verba.

Poderia votar contra ella por uma lei, no orçamento não, e o motivo por que praticava assim, é que a respeito do modo como convem examinar e tratar a lei orçamental, se não vou tão longe, quer dizer tanto para traz, como um illustre deputado, ornamento da maioria e presidente da commissão de fazenda o sr. Garcez, não desconheço tambem que embora ao parlamento assista por occasião de se votar o orçamento, o direito de emendar, supprimir, augmentar ou diminuir as verbas, mesmo as fixadas por lei especial, é preciso ser muito cauteloso e circumspecto no uso d'este direito, porque nem de todos os direitos se deve usar até ao extremo. Usar dos direitos até ao extremo, é approximar O perigo de caír. na iniquidade (apoiados).

Quando uma verba qualquer está estabelecida em lei permanente, pôde a camara supprimi-la do orçamento; mas não convem que o faça senão em casos gravissimos, excepcionaes o justificados por evidente necessidade publica.

A camara deixou-se dominar por outras idéas; a suppressão foi votada, e o orçamento foi n'este catado para a camara dos pares. A consequencia, facil de prever, não tardou a realisar-se. A camara alta não approvou a suppressão, restabeleceu a verba, e o orçamento voltou aqui emendado. Caiu-se n'aquelle grave inconveniente, que quizemos evitar em 1853, e effectivamente ficámos sem orçamento. Foi necessario recorrer á lei da auctorisação para a cobrança dos impostos e applicação d'elles segundo o orçamento anterior.

E prorogando se o orçamento anterior, e votando se esta lei, quem é que triumphava? Era a camara dos deputados? Não; triumphava a camara dos pares, porque a lei anterior incluia a pensão que se queria supprimir.

Portanto não havia n'este modo de proceder, nenhuma vantagem politica, e antes havia, com relação á camara dos pares, por assim dizer, uma certa supremacia, quando a supremacia financeira é com rasão á camara dos deputados que pertence exerce-la, nos termos que a constituição lhe confere, salvaguardando os interesses do thesouro, e não tratando de exagerar o uso das suas legitimas attribuições, que é esse sempre para um dos poderes publicos o melhor e mais digno meio de as fazer respeitar pelos outros poderes ou pelos outros ramos do mesmo poder.

Em 1862 repetiu-se a mesma questão e trouxe-se ao mesmo terreno...

(Interrupção do sr. José de Moraes, que se não percebeu.)

O meu amigo faz-me signal de que foi sua a proposta. Não lhe nego a iniciativa, nem lhe contesto a consciencia com que usou d'ella. Ninguem mais do que eu respeita a lealdade das suas convicções e dá testemunho da posição imparcial e digna (apoiados) que costuma occupar n'esta camara. Creio que o illustre deputado tambem não suppõe que me possam determinar outras considerações (apoiados).

No anno de 1862 o orçamento foi apresentado n'esta casa, e a camara supprimiu a pensão: foi o orçamento á camara alta, e aquella camara tornou a repor a verba. O que aconteceu foi ainda a prorogação do orçamento anterior; foi ficar em logar do orçamento proprio do anno a lei anterior, na qual ia incluida a pensão á casa Penafiel, como tinha acontecido em 1861.

Onde nos levava este conflicto assim continuado nas duas casas do parlamento? A não termos mais orçamento do estado, a ficar rebaixada a auctoridade d'esta casa, porque

não era á auctoridade d'esta casa que prevalecia, ou então a uma decisão suprema que era imprudente adoptar por tão pequena causa, decisão suprema que repetidas vezes foi aconselhada por alguns amigos e defensores do governo na imprensa, das quaes felicito o governo por desprezar os conselhos e não adoptar os expedientes, porque taes soluções são perigosas sempre no systema constitucional (apoiados), e quando se adoptam por pequenos motivos, por caprichos ou por pretextos, revelam falta de fé nos grandes principios, incompleta comprehensão da indole do systema representativo (apoiados).

Havia porém, em 1862, uma circumstancia que aggravava a questão. Tinham entrado no gabinete dois cavalheiros que faziam anteriormente parte da commissão de fazenda, o actual sr. ministro da fazenda e o sr. Braamcamp. Estes cavalheiros tinham assignado o parecer da minoria da commissão de fazenda, na qual vinha proposto que se não adoptasse a emenda da camara dos pares. Estes cavalheiros rejeitaram a emenda n'aquelle tempo, e não lhes pergunto se são estas ainda as suas opiniões.

A entrada d'estes cavalheiros para o ministerio complicava a questão em 1862; e devéras a complicou, porque a camara, aceitando o seu parecer, rejeitou a emenda dos pares, e debaixo d'essas impressões de exclusivismo e repugnancia a transigir, foi nomeada a commissão mixta, que por isso mesmo não podia chegar, nem chegou a accordo algum.

Eu então votei, não na companhia de todos os meus amigos politicos, mas separado de muitos d'elles, com a maioria da commissão de fazenda, e creio que votei muito mais governamentalmente que o proprio ministerio.

A questão tem chegado a estes termos. Finalmente no anno passado, novamente supprimida a pensão á casa Penafiel, e novamente levado o orçamento á outra camara, ali se approvou a suppressão, porem adoptando-se uma base de transacção muito analoga á proposta em 1853. Então propunha-se o usufructo da pensão; em 1863 propoz se a propriedade de metade, proximamente, o que pôde reputar-se equivalente, segundo as regras de direito, ao usufructo. O que se propõe agora, so não é a mesma cousa, é muito analogo ao que tinhamos proposto em 1853. Propõe-se, quanto ao principio fundamental, uma transação; era o que nós desejavamos: propõe se como base de transacção outra muito similhante—metade da propriedade, quando nós propúnhamos o usufructo da totalidade.

Qual é o modo melhor que esta pura saír por uma vez da questão? Tenho ouvido lembrar o alvitro de recorrer aos tribunaes, ou o governo vá accionai ou se deixe accionar na qualidade de réu. O governo mal faria em tentar uma demanda, que necessariamente teria de perder.

Não ha duvida que a pensão da casa Penafiel está estabelecida em um diploma legislativo. Suscitou-se que tão se aquelle diploma importava ou não um contrato bilateral.

N'esta parte, persuadido eu de que o objecto não era d'aquelles sobre que se podesse contratar, nunca foi nem é minha opinião que o diploma importa contrato bilateral. Entretanto pessoas muito respeitaveis, e jurisconsultos de toda a consideração entendem que sim, fundados em que não se tratava de um officio, mas de uma empreza.

Não discuto agora esse ponto. Apresento a questão como é, e peço á camara que attenda a que, se ella for aos tribunaes, o governo ha de necessariamente perde-la, porque o parlamento julga de direito a constituir, e pôde, achando uma lei má, defeituosa, revoga-la; mas o tribunal não, o tribunal julga por direito constituido, e não lhe importa se existe contrato ou não, basta lhe que exista a lei para a applicar; e essa existe clara, terminante expressa e especial a favor da casa Penafiel.

Onde está a lei que revoga aquelle diploma? Não existe. Então a questão nos tribunaes é necessariamente perdida para o governo.

E alem do conflicto entre os dois corpos legislativos nasceria um novo conflicto entre um ramo do poder legislativo e o judicial, conflicto em que esta camara não teria a rasão por si, porque o tribunal julgando assim, julgou bem. (Apoiados.)

Eis-aqui por que entendo que é mau empurrar o governo para o poder judicial, para o fôro civil ou para o contencioso administrativo n'uma questão que teria de perder.

O parlamento tinha, emquanto a mim, o direito de revogar a lei da Senhora D. Maria I, e tanto que nós propozemos a sua revogação, substituindo a por uma nova disposição, e estamos fazendo agora o mesmo. O parlamento pôde faze-lo. Mas o tribunal tem de aceitar a legislação como a encontra.

E porventura poder-se-ía allegar em contrario a lei do orçamento? Não, só se tratasse de execução judicial, o que não acontece, porque sabemos que não ha execução forçada de sentença contra o estado, que não se lhe vão penhorar os bens e os tributos.

A lei do orçamento não revoga as leis permanentes, o que faz apenas quando omitte uma verba de despeza estabelecida em lei é não auctorisar o governo a paga-la durante o anno a que diz respeito. Fica comtudo subsistindo permanente e inalteravel o direito reconhecido pela lei, e suspenso apenas o pagamento.

Não era em vista da lei do orçamento que os tribunaes haviam de decidir, mas em vista da legislação permanente. N'estas circumstancias diziam =o governo deve =, o governo respondia, e bem =não posso pagar porque não estou auctorisado para isso =, e a consequencia era um conflicto.

Eis-aqui os termos fataes de que não se pôde saír senão ou por uma transacção rasoavel ou por uma solução extrema, que a boa politica não aconselha, muito menos em questões d'esta ordem. Eis-aqui como o que se está passando mostra que em 1853 houve previdencia em encaminhar a questão por um caminho medio, em procurar resolve-la por uma transacção e não por uma solução extrema. E eis-aqui os motivos pelos quaes eu voto o projecto que se apresenta agora.

Tenho a esperança de que o governo, armado com elle, poderá. chegar a um accordo, e de que assim se evitará, não o pagamento integral de uma quantia, cuja legitimidade... não digo bem porque a legitimidade existe, cuja rasoavel origem se contesta, mas o que é mais importante, que evitará a continuação de um conflicto já levantado e a creação de um novo conflicto mais grave entre os diversos poderes do estado. E tudo isto por um assumpto que não importa uma questão de principios, e que em si, na quantia que significa, é pequeno, e tambem é excepcional, porque, comquanto possa ter mais ou menos similhança com outros, não ha nenhum outro que se encontre nas mesmas circumstancias.

O governo vê-se d'este modo livre das difficuldades que se levantam e que são, ou continuar a não ter orçamento do estado, ou ir nomear... não quero empregar a phrase consagrada pelo uso... uma grande quantidade de membros para uma das casas do parlamento, que vença a sua maioria; o que é sempre uma medidi grave, e que não se deve tomar, não digo já sem pensar duas vezes, mas dez e vinte vezes.

(Á parte que não se ouviu.)

Eu não ouvi o áparte, nem desejava ouvi-lo, porque estou seguro de que a doutrina que sustento é a verdadeira doutrina constitucional (apoiados), e que para a verdadeira doutrina constitucional em todos os extremos ha graves prejuizos.

O systema representativo não é outra cousa senão um systema, no qual te procuram representar os diversos elementos sociaes, e faze-los íran&igir o combinar para a utilidade publica. Quando existir o predominio exclusivo de um dos elementos desapparece o systema.

Assim entendido, é a verdadeira, a melhor combinação politica para as necessidades do nosso tempo; de outro modo nem pôde garantir a liberdade, nem livrar-nos dos perigos da reacção e da revolução. Assim tenho exposto os motivos pelos quaes presto o meu voto a este projecto. Não é por uma falsa ostentação de coherencia que me referi ao passado; mas parece-me que não me é difficil demonstrar que o terreno em que me acho collocado não differe muito d'aquelle em que outras vezes me encontrei.

Nesta questão uma transacção é o unico meio proveitoso e airoso para todos (apoiados) para sairmos de uma questão que de si é pequena, mas que se torna grande desde o momento que se converteu em conflicto entre as duas casas do parlamento (apoiados).

Não devemos querer saber se os cavalheiros que se acham assentados n'aquellas cadeiras (as dos srs. ministros), são nossos amigos ou adversarios politicos para lhes levantar ou crear difficuldades; não é esse o meu desejo, e devem acreditar que se alguma vez a minha voz te oppõe ás suas medidas, é porque a minha convicção me leva a outros principios, e que esses principios que sustento são feridos pelas medidas que se propõem.

Não entendo que o nosso officio de opposição seja levantar difficuldades ao governo. Este ou outro qualquer que viesse achar-se-ia nas mesmas difficuldades encontrando a questão no mesmo estado, e ver-se ía nos mesmos embaraços para a resolver. A retirada dos srs. ministros não resolveria a questão.

Não voto hoje o impossivel aos ministros, meus adversarios politicos, como tambem não quereria legar o impossivel aos que fossem da minha communhão politica, se porventura os substituissem. Por isso voto o projecto (apoiados).

O sr. Augusto Gama: — Para um requerimento. Requeiro que v. ex.ª tenha a bondade de consultar a camara sobre se quer prorogar a sessão até se votar o projecto em discussão.

Posto á votação este requerimento foi logo aprovado.

O sr. Bivar: — Difficil é a minha situação n'esta questão, e sobretudo n'este momento. Difficil a minha situação, porque tomaram a palavra a favor do projecto cavalheiros muito distinctos, e diante de cujas opiniões eu me costumo curvar. Difficil n'este momento, porque tenho de responder não só a um dos mais brilhantes ornamentos da tribuna portugueza, mas sobretudo a um amigo meu.

Sinto que chegasse o momento da nos encontrarmos. S. ex.ª diz, que o seu voto é filho da sua convicção, e eu tambem digo, que o meu voto é filho da convicção profunda que ha muito tenho sobre este assumpto.

Não venho levantar difficuldades ao gabinete, unica e simplesmente por mera vontade; venho dar a rasão do meu voto.

Concordo com sr. Casal Ribeiro. Nós não devemos levantar aos nossos adversarios difficuldades, porque saíndo elles do poder e entrando nós não gostaríamos de as encontrar (apoiados).

Impugnando este projecto não sou levado por modo algum por considerações politicas; mas repito, unica e simplesmente motivos de consciencia são que me influem para votar contra o projecto. Vou explicar esses motivos e serei o mais breve possivel.

Desde que tenho a honra de ter uma cadeira n'esta casa, tenho votado constantemente contra a pensão dos srs. condes de Penafiel. Votei contra n'esta camara, como na commissão mixta que já teve logar quando se deu um conflicto com a camara dos dignos pares.

Estão presentes muitos dos nobres deputados que formaram parte d'essa commissão mixta, e poderão dizer se isto é ou não verdade. (Apoiados.)

Página 1668

1668

O accordo que hoje se propõe, nao influe de fórma alguma no meu animo para que tenha de modificar o meu voto, e para mim a questão subsiste tal qual estava. (Apoiados.)

Votei contra a pensão que no orçamento estava designada para os srs. condes de Penafiel, e votei, porque entendia que não tinham direito a ella.

Desde o momento em que votei por este motivo, desde o momento era que não lhes reconhecia esse direito, entendo que votando hoje pela transacção proposta, teria em parte contrariado o meu modo de pensar, e ía reconhecer lhes um direito que na minha opinião não têem.

A pensão á casa dos srs. condes de Penafiel foi-lhes concedida por um diplomada Senhora D. Maria I, porque o estado chamou a si o officio que pertencia a esta casa. Parece-me que basta este simples enunciado para eu poder assegurar que, á face da nossa legislação, estamos completamente no nosso direito em revogar esse diploma sobre que tinha assentado a graça. (Apoiados.)

N'aquella epocha, isto é, no tempo da monarchia absoluta, os officios publicos constituam direitos reaes; hoje porém era vista da carta constitucional esses direitos não se podem sustentar, e nem podem existir. (Apoiados.)

Ora se nós reconhecemos que depois de se implantar o governo constitucional, esses officios não são propriedade de familia alguma, como podemos sem a mais flagrante injustiça fazer esse favor a uma casa? É muito respeitavel, considero e respeito muito essa casa, porém essa consideração, esse respeito não podem ir alem da igualdade.

Ha muitas familias, que sacrificaram o seu patrimonio para a acquisição de officios, cuja renda lhe podesse servir para sua decente sustentação; depois veiu o governo constitucional, e em nome dos principios que proclamávamos, dissemos: «Tudo isto acabou; conhecemos que ha de haver grande transtorno para muitas familias, mas á face dos principios constitucionaes, á face da legislação que proclamámos, ninguem tem direito de ficar com estes officios».

Ficaram pois muitas d'essas familias reduzidas á miseria e á desgraça, o porque, no meio d'esse grande cataclysmo, uma familia poderosa e respeitavel póde deixar de seguir a sorte dura que outras tiveram, é isso motivo para que nós devamos fazer uma excepção em favor d'esta? Entendo que não (apoiados).

O meu illustre amigo, o sr. Casal Ribeiro, applaudiu o accordo feito pelo governo, e disse-nos que = era o unico modo de sairmos da difficuldade era que por tanto tempo nos temos achado =; mas pergunto — em que difficuldade estamos nós? Até ha pouco tempo podia ser, porque nos disseram que não tinhamos orçamento emquanto se não approvasse a pensão Penafiel. E declaro que esta ameaça fazia-mo reagir, porque ella era, para assim dizer, uma pressão que a camara dos dignos pares exercia sobre a dos deputados; e aquillo que até certa epocha se fazia sobre dadas e determinadas condições, ámanhã póde-se fazer sobre outras, e então onde vae a independencia d'esta camara? (Apoiados.)

Mas as difficuldades que até agora existiam não existem hoje. Dir-me-hão: «Nós não podemos ter orçamento sem vir a uma transacção com a casa Penafiel». Quer dizer, os poderes publicos do estado não podem funccionar legal e liberrimamente sem virem a um accordo com essa familia. Este pensamento tambem me repugna.

Se a gratidão do estado era uma cousa tão essencial que fazia com que tivessemos de saltar por cima de tudo; se então se dava a salus populi e não havia remedio senão subscrever a ella, hoje não se dá isso. No orçamento, que hoje é lei, já não vem a pensão á casa Penafiel, e a camara dos parca já o approvou sem essa verba ir n'elle incluida.

Então para que havemos de ir hoje entrar em uma transacção a cate respeito, quando esta difficuldade já não existe?

Da camara dos deputados em 1853 nasceu a idéa de chegar a esta transacção. A camara dos dignos pares não approvou o orçamento que d'aqui lhe foi remettido; não aceitou a eliminação da pensão, e o orçamento teve que voltar á camara dos deputados para approvar a verba da pensão ao sr. conde de Penafiel, que aquella camara tinha reposto. Viu-se então que era necessario estabelecer um accordo entre as duas camaras a este respeito.

Hoje nada d'isto existe. A camara dos dignos pares conhecendo de certo que o interesse publico a levava a não insistir e a não rebellar-se contra uma proposta da camara dos srs. deputados, adoptou por fim o orçamento como por esta camara lhe fôra enviado. Por consequencia, hoje que este escolho passou, hoje que se não dá esta circumstancia que podia influir no nosso animo, porque se contrariavam as votações constantes d'esta casa, não sei porque rasão havemos de ir agora estabelecer este accordo!

A necessidade imperiosa que nos levava a elle, a necessidade politica que nos impellia para aceitarmos o accordo com a casa Penafiel, não existem. E se não existem, se nós reconhecemos que esta pretensão não assenta sobre principios de inalteravel justiça, para que havemos de ir agora passar auctorisação ao governo para fazer esta concessão reconhecendo direitos que não podemos então desconhecer em muitas outras familias?

E até certo ponto a proposta de adiamento do sr. Ferreri acho a muito rasoavel. Se a carta nos diz que todos devem ser iguaes perante a lei, para que havemos de fazer esta excepção, e não havemos de tomar em mão os direitos de muitas outras familias, tão importantes como os direitos da casa do sr. conde de Penafiel? Porque não lhes havemos de fazer justiça, como se diz que devemos fazer a esta? Por que motivos fazer uma excepção a respeito d'esta?

Tenho apresentado as rasões do meu voto. E antes de terminar esquecia-me dizer ao meu illustre amigo, que esta questão para mim é questão de principios, e que sinto divergir da sua opinião. A questão é de principios porque não reconheço direito na casa do sr. conde de Penafiel a esta pensão. O contrario seria irmos reconhecer como não existentes principios que a respeito de officios se tinha estabelecido já na legislação que governava nos tempos absolutos e...

(Interrupção que se não percebeu.)

O Orador: — O meu illustre amigo adverte-me de que é já tarde. Sei que estou cansando a camara. Não sou orador e por fórma alguma posso conciliar as attenções dos meus collegas; mas a rasão por que fallei, como disse, foi para expor os motivos por que votava contra n'esta questão, e estes motivos não eram rasões politicas, mas rasões de consciencia (apoiados).

Estes mesmos principios sustentei-os na commissão mixta diante de alguns dos meus collegas que me parece que ali estavam e me ouviram. Continuo ainda a tê-los, sem embargo do brilhante discurso do meu nobre amigo, e as rasões que elle apresentou não mudaram a convicção que tenho ha uns poucos de annos.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se a materia está sufficiente mente discutida.

Julgou-se discutida.

Foi rejeitado o adiamento.

O sr. Gouveia Osorio: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que seja nominal a votação a respeito do projecto.

Resolveu se que a votação fosse nominal.

Feita a chamada

Disseram approvo os srs.: — Adriano Pequito, Affonso Botelho, Garcia de Lima, Annibal, Braamcamp, Vidal, Soares de Moraes, Carlos da Maia, Ferreira Pontes, Mazziotti, Mello Breyner, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, Magalhães Aguiar, Zeferino Rodrigues, Barão da Torre, Albuquerque e Amaral, Beirão, Pinto Coelho, Almeida Pessanha, Cesario, Claudio Nunes, Conde da Torre, Cypriano da Costa, Domingos de Barros, Fernando de Magalhães, Fortunato de Mello, Diogo de Sá, Izidoro Vianna, F. M. da Costa, F. M. da Cunha, Gaspar Pereira, Gaspar Teixeira, Blanc, Silveira da Mota, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, J. A. de Sousa, Fonseca Coutinho, Albuquerque Caldeira, Macedo, Torres e Almeida, Rodrigues Camara, Simas, Mello Mendonça, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, José da Gama, Galvão, Sette, Fernandes Vaz, Luciano de Castro; Casal Ribeiro, Costa e Silva, Alvares da Guerra, Silveira e Menezes, Oliveira Baptista, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Affonseca, Martins de Moura, Alves do Rio, Rocha Peixoto, Manuel Firmino, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães e Visconde de Pindella.

Disseram rejeito os srs.: — Gouveia Osorio, Garcez, Ferreri, Bivar, Barroso, Coelho do Amaral, Pereira de Carvalho e Abreu, Paula Medeiros, Joaquim Cabral, Joaquim Pinto de Magalhães, Alves Chaves, Figueiredo de Faria, Frazão, Sieuve de Meneses, José de Moraes e Pereira Dias.

Foi portanto approvado o artigo 1.º do projecto por 66 votos contra 16:

Artigo 2.° — Approvado.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a mesma que já estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×