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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1888
Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Secretarios os exmos. srs.
Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral
SUMMARIO
Não houve correspondencia. - Tiveram segunda leitura os seguintes projectos do sr. Villaça: 1.º, determinando que os officiaes da bibliotheca da academia real das sciencias de Lisboa que, na data d'esta, tiverem vinte e cinco annos de serviço feito na mesma bibliotheca, sejam considerados como conservadores d'ella; 2.º, regulando a promoção dos engenheiros militares e dos officiaes do exercito que entraram na classificação do corpo de
engenheiros do ministerio das obras publicas. Uma
nota do mesmo sr. deputado, renovando a iniciativa do projecto de lei apresentado na sessão de 14 de março de 1885, tornando extensivas nos pharmaceuticos militares as disposições da lei de 28 de maio de 1883, relativas ás honras, privilegios e recompensas honorificas concedidas nos pharmaceuticos navaes. - O sr. Francisco Machado apresenta um projecto de lei isentando do pagamento de contribuição de registo, por titulo gratuito, o legado instituido por D. Maria da Piedade Franco de Carvalho, para se fundar no concelho de Peniche um asylo com a denominação de Santa Victoria e destinado á infancia desvalida penichense. - Apresentam representações: o sr. Alpoim, da mesa da assembléa geral da liga dos lavradores do Douro; o sr. Pedro Victor, da junta geral do districto de Beja; o sr. Oliveira Matos, da camara municipal de Goes; o sr. Alves Moura, de setenta e tantos cidadãos proprietarios e commerciantes de Villa Nova de Famalicão; o sr. Couto Monteiro, dos empregados de trafego da alfandega do Porto. - O sr. Alfredo Brandão apresenta uma proposta, para que se consigne na acta um voto de profundo sentimento pela perda do valente e brioso official major Ferreira Simões, e pede que se dispense o regimento para entrar logo em discussão. O sr. ministro da marinha associa-se ao pensamento da proposta o declara que breve viria á camara um projecto de iniciativa particular que estava na commissão de fazenda para premiar os serviços d'aquelle official.
A proposta do sr. Alfredo Brandão foi approvada. - O sr. Serpa Pinto refere-se á noticia dada por differentes jornaes estrangeiros ácerca da organisação de uma companhia com capitães inglezes, e sob a protecção do governo inglez, destinada a cooperar na Africa, e faz differentes considerações a este respeito, Responde-lhe o sr. ministro da marinha. - O sr. Pereira dos Santos refere se ao estado lamentavel dos campos de Leiria pelo mau regimen do rio Liz, pedindo ao governo as providencias necessarias para que elles fossem melhorados. Pede tambem ao governo que mandasse á camara, antes da discussão da proposta de Leixões, os projectos que se tinham feito sobre a transformação do porto de abrigo de Leixões em porto commercial e sobre o caminho de ferro d'este porto para a alfandega da cidade do Porto. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Arroyo pede á commissão de fazenda que dê o seu parecer sobre uma representação do guarda mór e guardas
subalternos da escola polytechnica do Porto, apresentada em 2 de março pelo sr. Villaça, porque a achava justa. O sr. Carrilho declara que já tinha sido distribuiria e que em breve se apresentaria o parecer. - O sr. ministro da fazenda apresenta as seguintes propostas de lei: creando o imposto de 20 réis sobre cada bilhete, cautela, recibo, cedula ou qualquer documento similhante para distribuição, por meio de sorteio, de brindes offerecidos pelos commerciantes ou industriaes ao publico, qualquer que seja a natureza ou valor d'estes brindes; concedendo ajunta de parochia da Vinha da Rainha, concelho de Soure, duas moradas de casas e pertenças, que faziam parte da herança do fallecido parocho Antonio Maria Ribeiro Gouveia, para residencia parochial e installação da escola de instrucção primaria; estabelecendo o imposto de 185 réis por kilogramma de manteiga, artificial, produzida no continente do reino e ilhas adjacentes, alem dos direitos de consumo que por lei deva pagar. - O sr. ministro das obras publicas apresenta uma proposta de lei auctorisando o governo a construir a rede ferro-viaria no norte do Mondego.
Na ordem do dia continúa a discussão do orçamento rectificado, concluindo o seu discurso começado na sessão antecedente, o sr. Ferreira de Almeida, que apresenta uma moção de ordem. Responde-lhe o sr. Carrilho, relator, ficando ainda com a palavra reservada para a sessão seguinte. - Antes de se encerrar a sessão o sr. Sousa e Silva chama a attenção do sr. ministro da fazenda para um facto que dizia respeito ao monte pio official e ás quotas que elle devia receber dos socios empregados, e de que estava no desembolso desde que estava funccionando o banco emissor. Respondeu-lhe sr. ministro da fazenda.
Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.
Presentes á chamada 47 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Moraes Sarmento, Jalles, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Bernardo Machado, Eduardo Abreu,
Feliciano Teixeira, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Lucena e Faro, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Correia Leal, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.); Amorim Novaes, Alves de Moura, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, Ferreira de Almeida,
Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, Alpoim, Oliveira Matos, José de Saldanha (D.), Julio Graça, Julio Pires, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Martinho Tenreiro, Matheus de Azevedo
e Pedro Victor.
Entraram durante a sessão os srs.: - Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Mazziotti, Pereira Carrilho, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Lobo d'Avila, Conde de
Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Firmino Lopes, Francisco de
Medeiros, Francisco Ravasco, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Candido da Silva, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Avellar Machado, José Castello Branco, Eça de Azevedo, Dias,Ferreira, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, José Maria
dos Santos, Pinto Mascarenhas, Santos Moreira, Abreu e Sousa, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Estrella Braga, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.
Não compareceram á sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Albano de Mello, Moraes Carvalho, Alfredo Brandão, Alves da Fonseca, Antonio Castello Branco, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Ennes, Pereira Borges, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Barros e Sá, Barão de Combarjua, Conde de Fonte Bella, Eduardo
José Coelho, Elvino de Brito, Mattoso Santos, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco Mattoso, Soares de Moura, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Cardoso Valente, Dias Gallas, Alfredo Ribeiro, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Pereira de Matos, Ruivo Godinho, Laranjo, Guilherme Pacheco, José da Napoles, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, Simões Dias, Santos Reis, Julio de Vilhena, Manuel Espregueira Manuel d'Assumpção, Miguel da Silveira, Vicente, Monteiro, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
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1806 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
EXPEDIENTE
Segundas leituras
Projecto de lei
Senhores. - A ultima lei que reorganisou as bibliothecas o archivos publicos não abrangeu a bibliotheca da academia real das sciencias de Lisboa. E assim é que os empregados da bibliotheca D'este superior estabelecimento scientifico e litterario, não obstante prestarem serviços
analogos aos dos seus collegas da bibliotheca nacional de Lisboa e do real archivo da Torre do Tombo, lhes estão comtudo inferiores nas garantias que aos ultimos se acham asseguradas nas disposições legaes vigentes.
Acresce ainda a circumstancia de que o pessoal da bibliotheca da academia real das sciencias se compõe apenas de dois efficiaes e um continuo, o que torna mais penoso o serviço, sendo certo que alguns d'aquelles empregados contam já mais de trinta annos de exercicio; e por isso tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os officiaes da bibliotheca da academia real das sciencias de Lisboa, que, no acto da publicação da presente lei, tiverem mais de vinte e cinco annos de serviço feito na mesma bibliotheca, serão considerados como conservadores d'esta bibliotheca, e gosarão de todas as vantagens, garantias e immunidades que pelas leis actuaes são concedidas aos conservadores da bibliotheca
nacional de Lisboa e do real archivo da Torre do Tombo.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 20 de maio de 1888. - O deputado pelo circulo n.° 40, Antonio Eduardo Villaça.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de
instrucção superior, ouvida a de fazenda.
Projecto de lei
Senhores. - A carta de lei de 2 de julho do 1885 de terminou que aos lentes proprietarios da escola do exercito e do collegio militar, e bem assim aos lentes da escola polytechnica de Lisboa, providos durante o tempo em que esta escola esteve sob a direcção immediata do ministerio da guerra fossem applicaveis as disposições para accesso e collocação nos quadros, que estavam em vigor antes do decreto que reorganisou o exercito, de 30 de outubro de 1884.
Emquanto, porém, assim succede para os funccionarios
acima mencionados, os coroneis das diversas armas do
exercito e do corpo do estado maior são obrigados a dar as provas theoricas e praticas para ascender ao posto de general de brigada, embora tenham optada pelo serviço do ministerio das obras publicas; e, para que nada haja que justifique esta desigualdade, ou motivo de conveniencia publica que aconselhe tal procedimento, tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º Os engenheiros militares e os officiaes de outra armas ou do outro do estado maior que entram na classificação do corpo de engenheiros de obras publicas, approvada por decreto de 28 de outubro de 1880, quando tenham ascendido ao posto de coronel, são dispensados de dar as provas theoricas e praticas de que trata o artigo 177.° da organisação do exercito de 30 de outubro de 1884, uma vez que na occasião de serem chamados a prestar
as ditas provas declarem que optam pelo serviço do ministerio das obras publicas; devendo n'este caso ser promovidos na sua altura á effectividade do § 1.º do artigo 101.º da organização dos serviços technicas de obras publicas, approvada do decreto de 24 de 1884.
Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em Contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 26 de maio de 1888. - O deputado pelo circulo n.° 46, Antonio Eduardo Villaça.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de guerra, ouvida a de obras publicas.
Renovação de iniciativa
Renovo a iniciativa do projecto de lei, apresentado na sessão de 14 de março de 1885 pelo sr. deputado Antonio Manuel da Cunha Belem, o qual tem por fim tornar extensivas aos pharmaceuticos militares as disposições do artigo 31.º da carta de lei de 28 de maio de 1833, no que dizem respeito ás honras, privilegios e recompensas honorificas concedidos aos pharmaceuticos navaes.
ala das sessões da camara dos senhores deputados, em 26 de maio de 1888. = O deputado pelo circulo n.° 46, Antonio Eduardo Villaça.
Lida na mesa, foi admittida e enviada á commissão de guerra.
A renovação refere-se ao seguinte
Projecto de lei
Senhores. - A classe dos pharmaceuticos militares, corporação scientifica, parte constituinte do serviço sanitario e parte integrante do exercito, sobre não ter ainda a organisação desenvolvida que lhe seria mister, encontra-se n'uma situação dubia, no seio de familia militar, por escassa e incompleta definição dos seus direitos em honras e recompensas, que estão plena e duramente definidas para os seus irmãos pharmaceuticos da armada, pela carta de lei de 28 de maio de 1883, que reformou o serviço de saude naval.
É de incontestavel justiça, senhores, que os beneficias concedidos por essa reforma a estes funccionarios sejam extensivos aos que professam igual ramo de sciencia e têem identica jerarchia no serviço de saude de terra.
Competem as duas corporações em illustração e em bons serviços; é iniquo para que onde tudo é igual - titulos de nobreza, scientificos, attribuições, graduações militares, encargos e responsabilidades - só fosse desigual a recompensa.
O artigo 31.° da citada lei, conferindo aos pharmaceuticos navaes todas as honras, privilegios e recompensas honorificas concedidas por lei aos officiaes combatentes da armada do igual graduação, veiu reparar uma injustiça para aquella briosa e esclarecida classe, mas veiu tornar mais flagrante a injustiça havida para com a distincta classe dos pharmaceuticos do exercito de terra, que não podem deixar de ser, em vantagens, postos ao mesmo nivel dos seus irmãos do exercito de mar.
É por este motivo, senhores, que tenho a honra de apresentar ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Aos pharmaceuticos militares são extensivas as disposições do artigo 31.º da carta de lei de 28 de maio de 1883, no que dizem respeito ás honras, privilegios e recompensar honorificas concedidas aos pharmaceuticos navaes.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario
Sala das sessões da camara dos senhores deputados,
13 de março de 1885. - Antonio Manuel da cunha Bellem.
REPRESENTAÇÕES
Da commissão executiva delegada da junta geral do Districto de Beja, pedido que não seja approvada o projecto que estabelece a estação do entrocamento da linha ferra do Algarve, no sitio denominado dos
«Coitos» e que se mande fazer novo estudo.
Apresentada pelo sr. deputado Pedro Victor, enviada
á commissão de obras publicas e mandada publicar no
Diario do governo.
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Da camara municipal do concelho de Goes, pedindo auctorisação para desviar do cofre da viação a quantia de 3:325$534, a fim de ser applicada na edificação dos paços do concelho.
Apresentada pelo sr. deputado Oliveira Matos, enviada á commissão de administração publica e mandada publicar no Diario do governo.
Dos proprietarios, empregados publicos, negociantes e industriaes de Villa Nova de Famalicão, pedindo que esta villa seja classificada como terra de 6.ª ordem para os effeitos das contribuições industrial e sumptuaria.
Apresentada pelo sr. deputado Alves de Moura, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.
Da mesa da assembléa geral da liga dos lavradores do Douro, pedindo que seja modificada a proposta de lei do sr. ministro da fazenda, apresentada em sessão de 2 de maio ultimo no seguinte sentida:
1.° Que não haja differença de imposto de consumo em Lisboa entre o vinho licoroso do Porto e o vinho commum, quando este não tenha mais de 15º centesimaes de força alcoolica;
2.° Que para evitar as fraudes nos vinhos communs, se augmente o imposto grau a grau n'aquelles d'esta natureza, que excedam aquella graduação;
3.° Que só seja tributado como alcool, qualquer que seja a sua procedencia, o vinho, cuja força alcoolica seja superior a 22°.
Apresentada pelo sr. deputado Alpoim, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.
Dos empregados do quadro do trafego da alfandega do Porto, pedindo melhoria de situação.
Apresentada pelo sr. deputado Castro Monteiro, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.
O sr. Alpoim: - Sr. presidente, de todos os deputados da nação portugueza julgo ser eu o unico que faço parte da associação denominada, Liga dos lavradores do Douro. É talvez por isso, e não por outros motivos, que esta associação me fez a honra de escolher para apresentar em côrtes a representação que, em nome da assembléa d'aquella Liga, reunida em sessão extraordinaria na villa da Regua, foi elaborada pela mesa da mesma assembléa.
Pede esta representação que seja alterada a proposta apresentada a 2 do proximo mez findo pelo sr. ministro da fazenda, e por todo o ministerio, na parte concernente aos direitos de importação em Lisboa dos chamados vinhos do Porto.
Cumpre-me antes de tudo, sr. presidente, felicitar me pela honra que me dispensaram os membros d'aquella Liga. É sempre uma honra, que enche de orgulho, o ser escolhido para o desempenho de uma missão importante por um grupo de individuos que intentam praticar uma obra tão patriotica e alevantada, como a de defender os interesses da região vinicola do Douro, d'essa porção do nosso paiz açoutada pelos terriveis flagellos da fome e da desgraça e quasi sempre abandonada da protecção dos poderes publicos. (Apoiados.)
A liga dos lavradores do Douro, tendo á sua frente homens de improbo caracter, indefessa actividade e provados talentos dos srs. conde de Samodães, Pestana da Silva, visconde de Villar d'Allen e outros, cujos nomes não me occorrem, tem prestado aos lavradores do Douro os maiores serviços, fornecendo-lhes por medicos preços adubos,
instrumentos de trabalhos encarregando-se da venda dos seus vinhos, praticando emfim actos que todos concorrem a melhorar a situação dos desgraçados viticultores e a destecer-lhes as negras apprehensões de um sombrio e miseravel futuro.
(Apoiados.)
Sr. presidente, pede a Liga dos lavradores ao Douro
que se modifique a proposta governamental no seguinte sentido:
«1.° Que não haja differença de imposto de consumo em Lisboa entre o vinho licoroso do Porto e o vinho commum quando este não tenha mais de 16 graus centesimaes de força alcoolica;
«2.° Que, para evitar as fraudes nos vinhos communs, se augmente o imposto grau a grau n'aquelles d'esta natureza que excedam aquella graduação;
«3.° Que só seja tributado como alcool, qualquer que seja a sua procedencia, o vinho cuja força alcoolica seja superior a 22 graus, limite regular do vinho licoroso do Porto.»
Em duas ordens de considerações baseiam os apresentantes da proposta este pedido: considerações geraes e considerações especiaes.
As considerações de ordem geral são as mesmas que tive a honra de apresentar a esta camara, quando pedi que só á provincia do Douro fosse concecido o privilegio exclusivo da cultura do tabaco.
São ellas as condições do solo, que tornam altamente custosos e dificeis o plantio e os grangeioa; a lucta contra a phylloxera, lucta muito mais difficil e cara n'aquella região do que nas outras; os encargos provenientes de demorada armazenagem indispensavel para o desenvolvimento das preciosissimas qualidades do vinho do Porto. Estas rasões e muitas outras, a que mio refiro por não cansar a camara, fazem que os lavradores do Douro,
para lucrarem escassos dinheiros, não possam vender
os seus vinhos senão por elevados preços. Ora sobrecarregando-se este precom os direito enormissimos de importação em Lisboa, consignados na proposta, não vêem os lavradores fechar-se um mercado nacional, e, a este mal não accresce ainda o da industria da falsificação dos vinhos do Porto? Claro é que sim. E tão obvia é esta fatal consequencia do projecto que toda região duriense se convulsionou n'um transe de pavor quando teve noticia da proposta governamental.
Desejaria ainda deter-me nas considerações de ordem especial, mas não o faço, não só porque receio enfadar esta assembléa, mas tambem porque ellas se acham lucidissimamente expostos na representação, cuja publicação peço no Diario do governo, rogando a v. exa. que consulte a camara sobre se accede a este pedido.
Sr. presidente, tenho por varias vezes e longamente conversado com o sr. ministro da fazenda sobre os males que affligem o paiz vinhateiro do Douro. S. exa. conhece-os; julgo que com os seus proprios olhos viu já o sombrio espectaculo que offerecem os montes e os valles d'essa região outr'ora abundantes e prosperrimos, enredados de verdejantes vinhedos, e hoje escuros e calvos como se por elles houvesse lavrado um fogo devorador. Sei, das nossas
conversas, que o sr. Marianno de Carvalho tem todo o interesse por aquella região, e já como ministro o tem demonstrado com factos. (Apoiados.) Espero, pois, que s. exa. não procurará augmentar as precarias e desgraçadas circumstancias d'aquella infeliz provincia. Espero do seu excepcional talento e honesto caracter que attenderá os brados clamorosos de angustia que ante elle erguem os lavradores do Douro, apavorados pelas disposições contidas na parte da proposta de lei a que já me referi. Se cerrasse os ouvidos a tão justas reclamações, commetteria o illustre ministro uma acção por muitas maneiras má.
Foi approvada a publicação.
O sr. Francisco Machado: - Mando para a mesa um projecto de lei, isentando do pagamento de contribuição de registo, por titulo gratuito, o legado instituido por D. Maria da Piedade Franco de Carvalho, para se fundar, no concelho de Peniche um asylo com a denominação de Santa Victoria e destinado á infancia desvalida penichense.
Sr. presidente, abstenho-me de justificar com largas con-
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sideraç5es este projecto, por me parecer que elle se recommenda por si mesmo.
Basta attender-se ao fim que a instituidora teve em vista, dando ao legado uma applicação tão accentuadamente caridosa, como é a creação de um asylo de infancia desvalida, para que o projecto não deixe de merecer as sympathias de todos que comprehendem a altissima importancia de similhantes institutos e por consequencia quanto é justo facilitar por todos os modos o seu estabelecimento.
Confio por isto que os illustres membros da commissão de fazenda prestarão a esta projecto a consideração que elle merece, apresentando com a possivel brevidade o seu parecer.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Pedro Victor: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da junta geral do districto de Beja, contra a nova collocação que se pretende dar á estação do caminho de ferro.
Eu chamo a attenção do sr. ministro da marinha para o assumpto a fim de s. exa. communicar ao seu collega das obras publicas, que á de uma grande inconveniencia para os habitantes de Beja a collocação da nova estação do caminho de ferro.
Sr. presidente, a cidade de Beja tem urna estação collocada a pequena distancia, e pretende-se agora, com a construcção do ramal do Algarve, collocar essa estação para mais de 5 kilometros da cidade, quando o caminho do Algarve passa muito mais perto da cidade.
Por consequencia, esta nova estação sem um apeadeiro n'um ponto mais perto da cidade, é uma grande inconveniencia e vae aggravar a despeza dos lavradores, porque não podem visitar as suas propriedades.
Estas indicações são de todo o ponto justas e eu peço ao sr. ministro da marinha que communique estas reflexõe-s ao sr. ministro das obras publicas, para que este estudo seja feito de maneira a attender dos legitimos interesses da cidade de Beja.
O sr. Oliveira Matos:- Sr. presidente, mando para a mesa uma representação da camara municipal de Goes, para a qual desejava chamar a attenção do governo e muito especialmente do sr. ministro das obras publicas, que sinto não ver presente; mas como se acha representado o governo, e muito bem, pelo sr. ministro da marinha, passo a referir-me ao assumpto de que ella trata, esperando que s. exa. o tome na devida conta e protecção e o lembre aos seus collegas, como lhe peço o muito agradeço.
O anno passado tive a honra de apresentar á camara um projecto de lei que satisfazia ás justas e attendiveis reclamações da camara municipal, de Goes, do circulo que tenho a honra d'aqui representar, a qual teve parecer favoravel da respectiva commissão em 5 de julho de 1887. Pedi na sessão do anno passado por varias vezes, e já na d'este anno fiz o mesmo, para que este projecto fosse dado para ordem do dia, e até hoje, sr. presidenta, não logrei a honra de o ver apresentado para entrar em discussão!
Não sei bem de quem é a culpa, nem de quem me devo queixar, se do governo, só das presidencias, que eu muito respeito, mas que entendo não podem não devem deixar de attender os pedidos justos e justificados dos membros d'esta casa, que a isso têem direito.
Parece me que os projectos de iniciativa dos srs. deputados devem merecer tanta attenção como os de iniciativa governamental, è este projecto não tem sequer a desculpa de estar na commissão, porque, caso extraordinario, d'ahi o consegui eu arrancar cora brevidade, e a commissão entendeu, e muito bom, dever dar sobre elle parecer de prompto e favoravel, como elle merecia, satisfazendo assim a justiça que assiste á camara municipal de Goes, e provando a rasão que ella tem em se dirigir nos poderes publicos para a auxiliarem e aos seus membros, como lhes cumpro.
Não posso, pois, saber, sr. presidente, qual seja a rasão da demora em este projecto vir á discussão ou ser dado para ordem do dia, e lamento profundamente que por esta falta, os meus honrados constituintes continuem prejudicados nas suas reclamações e desattendidos no seu pedido, podendo pensar até, que a culpa será minha em não cumprir, como devo, a minha obrigação n'esta casa, zelando perante o governo, e promovendo os seus interesses e melhoramentos.
Cansados, como eu, de tanto esperar uma solução favoravel á sua primeira representação e aos meus continuos pedidos, vem novamente pedir a esta camara, pela minha humilde voz e em nova representação, que envio para a mesa, quo o projecto da lei por mim apresentado o anno passado e a que me refiro, seja quanto antes discutido para ser approvado, como não póde deixar de ser e a camara tanto necessita, vistas as rasões que em seu favor militam e que desenvolvidamente expuz no relatorio que o precedeu.
Não cansarei a camara a ler a nova representação, a qual resumidamente tem por fim pedir auctorisação para desviar do cofre do viação municipal d'aquelle concelho de Goes a quantia de 3:325$534 réis para começar a construcção dos novos paços do concelho, comprehendendo casa para todas as repartições publicas, tribunal, administração, repartição de fazenda, cadeia, afferição de pesos e medidas, archivo municipal, etc., visto que o antigo edificio, que tudo isto comprehendia, foi ha tempos completamente destruido e reduzido a cinzas por um violento incendio, não restando mais do que um montão de ruinas.
São excepcionaes as tristes circumstancias em que se encontra o concelho de Goes, estando os seus habitantes tão sobrecarregados com pesadissimos tributos, como a representação explica, o atravessando uma crise agricola tão aguda, que é impossivel recorrer ao imposto, augmentando os encargos, sem receio de que o povo se revolte, oppondo se violentamente a pagar mais contribuições. A principal fonte de riqueza publica n'aquella localidade está arruinada e incollectavel, tendendo a pobreza a augmentar todos os dias com o novo mal que tem aniquilado inteiramente as oliveiras e os castanheiros, depois de já perdidos os vinhedos, diminuindo a producção nos ultimos annos de uma maneira sensivelmente desgraçada!
Peço, pois, a v. exa., sr. presidente, para que dê para ordem do dia este projecto de lei, a fim de que a camara municipal de Goes possa ter um edificio onde installe as suas repartições, e veja por uma vez attendidas as suas supplicas, bem merecedoras da protecção do governo, que tem rigoroso dever de olhar pelos grandes centros e pelas pequenas localidades. Não seja tudo para uns, e tão pouco ou nada para outros!
Tenho dito, por agora, e peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas, a quem desejo e muito preciso interrogar e ouvir, no interesse do concelho de Arganil, que represento, e no do paiz em geral, porque o assumpto de quo pretendo occupar-me, se prende directamente com outras localidades, que no mesmo sentido aqui farão ouvir a sua voz; quero referir-me ao prolongamento do caminho de ferro de Arganil á Covilhã, e a occasião não póde ser mais opportuna.
O sr. Alfredo Brandão: - Mando para a mesa a seguinte:
Proposta
Considerando que, tanto por parte dos poderes publicos, como por devoção particular, se tem já em demazia prestado homenagem, rendido preitos, realisado commemorações e promovido festas aos individuos que mais dizem haver-se assignalado na ultima campanha contra o Bonga;
Considerando que ainda até hoje, nem por parte dos ditos poderes publicos, nem por devoção particular se praticou acto algum tendente a glorificar a memoria do bravo e infeliz official major Ferreira Simões, a quem o paiz de-
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vo a iniciativa e o plano da mesma campanha, e que pela sua patria morreu abandonado e esquecido nos sertões da Africa;
E considerando emfim, que não é decoroso que este silencio e este retrahimento continuem, e que conseguintemente se imagine que todos têem o mesmo modo de pensar e a mesma norma de proceder:
Proponho que se consigne na acta um voto de profundo sentimento pela perda do valente e brioso official major Ferreira Simões. = O deputado, Alfredo Cesar Brandão.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se dispensa o regimento para que esta proposta entre já em discussão.
Consultada a camara, considerou urgente a proposta e ficou em discussão.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Sr. presidente, comprehende v. exa. que, tomando a palavra sobre a proposta que foi mandada para a mesa, e que é da alçada da camara, não é para a discutir, tanto mais que eu nem se quer tenho a honra de ser membro d'esta camara. Não obstante associo-me a ella em pensamento.
Vou simplesmente dizer a v. exa. que a commissão do ultramar deu parecer sobre uma proposta de iniciativa particular, concedendo uma pensão ao filho do illustre official a que se referiu o sr. deputado; esse parecer foi para a commissão de fazenda, que certamente lhe dará parecer favoravel.
O governo desejou em tempo remunerar os serviços d'esse official, na pessoa de seu filho, como seu herdeiro; consultou para isso a procuradoria geral da corôa, para saber se na sua alçada podia conceder essa pensão; ella respondeu que não estava na alçada do governo, e que era da exclusiva attribuição do poder legislativo.
N'este momento, appareceu uma proposta de iniciativa parlamentar, que foi á commissão, o governo adheriu a ella, e estou certo que a commissão a approvará.
De resto, v. exa. comprehende que, se eu tivesse direito de dizer alguma cousa, não podia senão adherir ao elogio feito aos altos serviços d'este illustre official.
Foi approvada a proposta.
O sr. Alves de Moura: - Mando para a mesa uma representação assignada por setenta e tantos cidadãos, proprietarios e industriaes, de Villa Nova de Famalicão, que pedem á camara uma medida qualquer, que altere a categoria d'aquella terra tão florescente outr'ora, e hoje tão decadente, com relação ás contribuições sumptuaria e predial.
Os signatarios desenvolvem rapidamente o seu pedido, e requerem que seja mudada de 5.ª para 6.ª classe a categoria d'esta terra.
Em outros tempos em que esta villa era o ponto obrigatorio e convergente da viação para todo o Minho, e em parte para a provincia de Traz os Montes, era o seu commercio e industria florescente e animado.
Hoje, porém, que as novas vias de communicação vieram tirar-lhe essa primazia, acha-se n'um estado decadente.
Se estivesse presente o sr. ministro respectivo, teria a honra de me dirigir a elle e pedir-lhe que, se porventura s. exa. tenciona apresentar algumas medidas que alterem mais ou menos as tabellas fazendarias, tivesse em consideração este pedido.
Por isso que as rasões expendidas na representação são ponderosas, pedia a v. exa. se dignasse consultar a camara sobre se permitte que a representação seja publicada no Diario ao governo.
Foi auctorisada a publicação no Diario do governo.
O sr. Castro Monteiro: - Mando para a mesa uma representação dos empregados do trafego da alfandega do Porto, na qual estes funccionarios se queixam das precarias circumstancias em que se encontram, provenientes de não ter tido inteira execução o regulamento de 20 de novembro de 1886.
De facto, conferindo-lhes a lei uma gratificação na fórma e emolumentos, a qual devia constituir a terça parte dos eus vencimentos, essa gratificação apenas lhes tem sido aga relativamente a dois trimestres de 1887.
Em taes circumstancias pedem os referidos funccionarios que lhes sejam elevados os ordenados, na proporção dos que recebem os seus collegas da antiga companhia braçal.
Sr. presidente, é de toda a justiça a pretenção dos suplicantes, sobre os quaes pesa um violento trabalho e responsabilidade igual á dos empregados da extincta companhia.
Chamo, pois, a attenção do illustre ministro da fazenda para este assumpto e espero que a. exa. lh'a dispensará como merece.
Por ultimo manifesto a v. exa. o desejo de que a representação seja publicada no Diario das côrtes.
Foi auctorisada a publicação no Diario das côrtes.
O sr. J. Pinto dos Santos: - Sr. presidente, peço a palavra para perguntar novamente a v. exa. se já foram remettidos os documentos que pedi, pelo ministerio da fazenda.
Desejava que me fossem enviados os esclarecimentos a respeito dos empregados das matrizes, com relação á sua categoria e aos seus vencimentos.
Tambem desejava que me fossem remettidas as notas que pedi, com respeito aos escrivães de fazenda.
Já foram mandados ao sr. Arroyo, mas de tal maneira vinham esses esclarecimentos que é impossivel por elles fazer-se uma interpellação ao governo; porque me parece, por informações particulares que tenho, que são em muito maior numero, do que ali se diz.
Peço, portanto, a v. exa. que inste pelo meu pedido, para ver se de alguma maneira me são remettidos esses documentos de que preciso.
Tambem desejava fallar a respeito dos professores do sexo feminino da escola normal, mas era preciso que estivesse presente o sr. ministro do reino. Se s. exa. entrar a tempo de eu poder usar da palavra, peço a v. exa. que m'a conceda.
O sr. Franco Castello Branco: - Tinha pedido a palavra na esperança de que os srs. ministros da fazenda ou do reino assistissem a esta sessão ou estivessem presentes a ella quando a palavra me coubesse; mas vejo que s. exas. não estão presentes, e os assumptos de que tinha que me occupar não correm pela pasta da marinha, unica que vejo representada.
Peço a v. exa. me reserve a palavra para quando estiver presente, ou o sr. ministro da fazenda ou o do reino.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Pedi a palavra para dar uma explicação ao illustre deputado.
Como hontem foi dia santificado, ficou a assignatura real para hoje, e por isso é que s. exas. não estão presentes.
Eu compareci porque estando a discutir-se a parte do orçamento rectificado que diz respeito á minha pasta, me escusei de ir ao paço.
S. exas. no entanto, se as exigencias do serviço publico os não impedirem, é possivel que compareçam ainda n'esta camara.
O sr. Franco Castello Branco: - É simplesmente para agradecer ao sr. ministro da marinha as explicações que acaba de me dar.
O sr. Serpa Pinto: - Sr. presidente, volto de novo á carga com a questão colonial. E provavel que eu aborreça a v. exa. e ao parlamento; mas a questão é de tal modo importante, que eu não posso levantar mão d'ella emquanto não vir trazer aqui á camara um pedido, por parte do sr. ministro da marinha, para medidas que se tornem necessarias, ou não veja destruidas as apprehensões que tenho a este respeito.
Eu disse já, e repito a v. exa., que este lado da camara na questão colonial não faz questão politica, e a prova mais evidente d'isso é que v. exa. deve ter ouvido os dis-
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cursos pronunciados pelos srs. Julio de Vilhena, Ferreira de Almeida e por mim, mostrando que não encetámos uma campanha contra o governo, mas que discutimos a questão como a entendemos, sem intentos politicos.
Appareceu ultimamente nos jornaes mais importantes da Allemanha, da Inglaterra e da França a noticia de se ter fundado uma enorme companhia, constituida sobre as bases da antiga companhia das Indias, mas com destino á Africa. É uma companhia formidavel, constituida com capitaes e nomes inglezes e com o apoio effectivo do governo inglez.
Ora, sr. presidente, houve tempo em que um homem cá em Portugal se lembrou de fazer a mesma cousa, e conseguiu do governo regenerador que então estava no poder as condições necessarias para poder estabelecer uma companhia nas mesmas bases em que a Inglaterra a vae estabelecer.
N'essa occasião o partido progressista que estava na opposição levantou uma guerra intransigente contra a concessão que fôra feita ao sr. Paiva de Andrada, e esta guerra foi o motivo principal do desmoronamento d'aquella empreza, que, se se tivesse effectuado ha dez annos, poderia hoje dar resultados, com os quaes poderiamos combater a influencia dos que nos querem agora combater, e que combatem agora com vantagem. (Apoiados.)
Eu sou o primeiro que comprehendo e declaro que n'esta questão é preciso haver muita reserva; mas não posso deixar de dizer que no estado em que está a questão me parece que a diplomacia tem pouco que fazer, ou por outra o sr. Barros Gomes não poderá fazer nada, e o sr. Henrique de Macedo poderá fazer muito. Agora é que é occasião do sr. ministro da marinha tomar a iniciativa que s. exa. e outros ministros de governos anteriores deveram já ter tomado, combatendo lá e não cá nos gabinetes. Eu não posso aqui explanar a minha idéa, porque traria uma desvantagem para nós, se se soubesse o caminho que nós devemos traçar n'esta questão, por isso limito-me só a chamar a attenção de s. exa., e a dizer-lhe que pela minha parte lhe dou o meu completo apoio n'esta questão, apesar da discordancia das nossas opiniões politicas, para fazer tudo que é preciso fazer lá, embora custe sacrificios ao paiz; são precisos mas podem ser aproveitaveis no futuro.
O que é preciso é trabalhar e muito activamente agora, e por isso peço ao sr. ministro que nem por um momento descanse n'esta questão, que é vital para nós em Moçambique. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Marinha (Henrique do Macedo): - Já tive occasião de dizer aqui que o governo não deixava de ter um plano na questão colonial, mas que a declaração d'esse plano teria inconvenientes, entre os quaes podia citar o ficar este plano sacrificado em grande parte; mas o que posso asseverar ao illustre deputado é que a minha attenção está constantemente fixa sobre o assumpto.
Espero corresponder á prova de confiança que o illustre deputado me dá, e conto que tanto o illustre deputado como a camara me hão de auxiliar para poder fazer alguma cousa.
Terminando, direi que conto ainda n'esta sessão legislativa apresentar alguma medida que prove que o governo pretende habilitar-se a proceder convenientemente, mostrando assim que o governo tem a sua attenção fixada sobre o assumpto.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Mando para a mesa as seguintes propostas de lei.
Leram-se na mesa.
l.ª Creando o imposto de 20 réis sobre cada bilhete, cautela, recibo, cedula ou qualquer documento similhante para distribuição, por meio de sorteio, de brindes offerecidos pelos commerciantes ou industriaes ao publico, qualquer que seja a natureza ou valor d'estes brindes.
2.ª Concedendo á junta de parochia da Vinha da Rainha, concelho de Soure, duas moradas de casas e pertenças, que faziam parte da herança do fallecido parocho Antonio Maria Ribeiro Gouveia, para residencia parochial e installação da escola de instrucção primaria.
3.ª Estabelecendo o imposto de 185 réis por kilogramma de manteiga artificial, produzida no continente do reino e ilhas adjacentes, alem dos direitos de consumo que por lei deva pagar.
Vão publicadas adiante a pag. 1812.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Pereira dos Santos, que a pediu para quando estivesse presente o sr. ministro das obras publicas.
O sr. Pereira dos Santos: - Disse que os lavradores do campo do Liz se queixam das multas impostas pela policia rural, e que ha pouco houve em Leiria uma epidemia que era attribuida á insalubridade d'aquelles campos.
Tinha-se feito a lei das circumscripções hydraulicas e o respectivo regulamento, mas quasi que era só applicado em punir infracções.
Não se oppunha absolutamente ás multas; mas entendia que era preciso tambem que o governo fizesse as obras dos campos e rios.
Os campos do rio Liz estavam em lamentavel estado e tornava-se preciso um remedio prompto, construindo-se depressa as obras.
O regimen dos nossos rios era deploravel, com excepção do Mondego.
Tendo-se melhorado este rio pelas providencias do sr. Andrade Corvo, os campos de Coimbra tinham logo melhorado muito e desapparecido as epidemias que ali reinavam.
Tendo se descurado geralmente as obras dos rios e campos, era indispensavel activar agora essas obras e as da arborisação dos montes.
O estado da nossa agricultura exige, não só que se faça já o melhoramento do regimen dos rios, mas que se façam tambem canaes para irrigações.
É preciso tratar de canaes de derivação para o Alemtejo e o Douro.
Em Leiria a urgencia era grande, porque contendia já com a saude publica, e lá, como em outros campos, augmentaria muito o rendimento collectavel com as obras.
Pediu ao governo que mandasse á camara, antes da discussão da proposta de Leixões, os projectos que se tinham feito sobre a transformação do porto de abrigo de Leixões em porto commercial, e sobre o caminho de ferro d'este porto para a alfandega da cidade do Porto.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Respondendo á ultima parte do discurso do illustre deputado, direi que não teria duvida alguma em mandar para, a camara os documentos a que se referiu o illustre deputado, antes do começo da discussão do projecto dos melhoramentos de Leixões, documentos que são uns estudos feitos pelo sr. Nogueira Soares, mas que se acham n'este momento na junta consultiva de obras publicas, e não posso obtel-os, sem que aquella estacão se tenha pronunciado sobre o assumpto.
Com relação á outra parte do discurso de s. exa., concordo plenamente com as considerações apresentadas, por. que, infelizmente, é um facto tudo quanto s. exa. disse. O regimen dos nossos rios tem sido completamente descurado. Em tempo, o sr. Aguiar tomou a iniciativa de procurar remediar esse mal, e chegou a fazer alguns esforços para salvar os campos marginaes de diversos pontos, em que, se não se lhes accudisse, talvez a esta hora estivessem completamente perdidos. O que affirmo ao illustre deputado é que o governo não descura este assumpto; o que, porém, não é possivel, é fazer tudo ao mesmo tempo, n'um assumpto tão vasto, que, não só prenderá a attenção d'este.
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gabinete, mas de muitos que se lhe succedam, porque muito ha ,que fazer a este respeito.
É, no entanto, provavel que em pouco tempo teremos resolvido uma parte d'esse assumpto, o que alliviará effectivamente um dos grandes males da nossa agricultura.
Como, sem informações, não estou habilitado a dar explicações, sejam ellas quaes forem, eu não posso dizer cousa alguma com relação á parte do discurso de s. exa. que se refere ás multas, nem sei se tem ou não havido excessos e abusos. Todavia, posso dizer que, precisamente nas margens do Liz, é onde se tem opposto maior difficuldade á execução do regulamento; e isto, infelizmente, dá-se tambem em outros sitios. Em Aveiro, por exemplo, téem-se encontrado as maiores difficuldades ás exigencias do regulamento.
É o que eu posso dizer sobre este assumpto.
Resta-me agora, sr. presidente, conforme prometti, dizer alguma cousa em resposta ao illustre deputado o sr. Fuschini, que hontem tratou aqui da questão da companhia das aguas.
O sr. Presidente: - Se v. exa. deseja discutir agora a questão de que tratou o sr. deputado Fuschini, eu tenho a prevenir de que a hora de se passar á ordem do dia está quasi a dar.
O Orador: - Concordo plenamente com isso, e portanto peço o consentimento do illustre deputado para que eu seja dispensado de fallar agora, promettendo vir ámanhã mais cedo, para me desempenhar d'este dever.
Aproveito a occasião de mandar para a mesa a seguinte proposta de lei.
(Leu.)
Leu-se na mesa uma proposta de lei auctorisando o governo a construir a rede dos caminhos de ferro ao norte do Mondego.
Vae adiante a paginas 1813.
O sr. Arroyo: - Sr. presidente, a 2 de março de 1888 foi apresentada a esta casa uma representação do guarda mór o guardas subalternos da academia polytechnica do Porto, pedindo que os seus ordenados fossem equiparados aos de iguaes empregados da escota polytechnica de Lisboa.
Julgando o pedido completamente justo, eu peço á commissão de fazenda o obsequio de o tomar em consideração, apresentando n'esta casa, logo que for possivel, o projecto de lei a que se refere a mesma representação.
Não vejo presente o sr. ministro do reino, com quem tenho de liquidar um assumpto, chamando a attenção de s. exa. para elle, sobre o qual tenho de dirigir algumas perguntas, relativamente a um diploma emanado do seu ministerio.
S. exa. não está presente, mas estando-o algum dos seus collegas, eu peço o obsequio de communicar ao sr. ministro do reino, que eu muito desejaria vel-o n'esta casa na sessão de ámanhã, a fim de com s. exa. terminar o incidente que tenho de liquidar, dirigindo-lhe as perguntas que o caso pedir.
O sr. Carrilho: - Pedi a palavra unicamente para declarar ao sr. deputado Arroyo, que o projecto a que s. exa. se referiu já está distribuido, e provavelmente será discutido em uma das proximas sessões da commissão de fazenda, que depois apresentará o seu parecer.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do orçamento rectificado
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Ferreira de Almeida, para continuar o seu discurso.
O sr. Ferreira de Almeida: - Continuando o seu discurso, diz que nas considerações que já apresentara com relação ás condições financeiras das colonias, se esquecera de mencionar uma fonte de receita, que é o imposto de viação.
Faria apenas enunciado d'este imposto, indicando a maneira d'elle ser cobrado.
Vira em Ceylão estradas equivalentes ás estradas districtaes de Portugal, estradas onde em pontos convenientes estavam guardas que obrigavam as pessoas que passavam a pagarem o imposto.
D'esta fonte de receita deviam tirar as colonias portuguezas um resultado importante.
Antes de entrar na apreciação das despezas coloniaes, lembra que o regimen colonial portuguez soffre por causa da preoccupação de se apressar o valor social e politico das colonias, applicando-lhes a legislação, da metropole, o que não acontece em nenhuma outra nação.
Nota que nas diversas colonias inglezas varia o regimen, e que até os proprios Estados Unidos, quando compraram á Russia o Alaska, estabeleceram differenças em relação aos outros estados.
Mostrou quaes os encargos que resultam do pessoal das nossas colonias, e a differença que vem dos augmentos dos ordenados dos governadores de 1870 para cá.
As rasões que determinaram estes augmentos não as sana, e só sabia o que a metropole era que pagava estes encargos.
E o que dizia a respeito dos governadores, dizia-o a respeito do poder judicial.
Os ordenados dos juizes eram maiores do que os dos juizes da relação de Lisboa.
E no regimen militar dava-se a circumstancia extraordinaria de, nos corpos das provincias ultramarinas, onde havia menos soldados, havia mais officiaes.
Diria ainda que as despezas com a passagem de funccionarios para o ultramar, n'um orçamento antigo, estavam orçadas em 80:000$000 réis.
Portanto, já se via que, em relação ás despezas, julgava que alguns allivios se podiam fazer nos orçamentos coloniaes.
No ramo das obras publicas das colonias avultavam muito as despezas do pessoal, e havia provincias em que esta despeza era igual á despeza das obras. N'este ponto era preciso tambem que se tomassem medidas.
Tratou da questão da capitania dos portos, que carece de medidas promptas, ou sejam tomadas pelo parlamento, ou pelo governo, em virtude do acto addicional.
Passou a analysar um elemento de actividade colonial, que disse nós não sabemos aproveitar; referia-se aos degredados. Parecia-lhe que se não tem tirado nenhum resultado material da ida dos degradados para as nossas possessões, servindo isso só para a desmoralisação dos indigenas.
Não desejava amesquinhar o trabalho de ninguem, mas parece-lhe que o salario dos operarios do arsenal, em relação aos operarios dos arsenaes francezes, era superior ao d'estes, dando isto um resultado grande de despeza, podendo dizer-se em alguns casos que os encargos que d'ahi provinham eram quasi em dobro do dos arsenaes francezes.
Fez muitas outras considerações, e mandou a sua moção de ordem.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.}
Leu-se na mesa a seguinte:
Moção de ordem
A camara convida o governo a zelar a administração das finanças do estado com absoluta observancia da lei e continua na ordem do dia. = Ferreira de Almeida.
Foi admittida e ficou juntamente em discussão.
O sr. Carrilho: - (O discurso será publicado em appendice, quando s. exa. o restituir.}
O sr. Sousa e Silva: - Sr. presidente, serei breve porque a hora deu, e não quero abusar da paciencia da camara.
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1812 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro da fazenda, para um facto que se dá com o monte pio official, e que carece da prompto remedio.
Como todos saberá, aos funccionarios publicos, socios d'aquelle monte pio, era costume descontar nas folhas dos seus vencimentos as quotas mensaes; depois essas quotas eram enviadas pelos cofres centraes dos districtos ou pelas pagadorias dos ministerios, á direcção do monte pio official; mas desde que existe o banco emissor, continuam os funccionarios publicos a descontar pela mesma fórma as quotas mensaes para o monte pio, mas até hoje ainda este não foi entregue d'ellas.
Ora, ha um artigo dos estatutos d'aquella instituição que diz que os socios que durante seis mezes deixem de satisfazer as suas quotas serão riscados.
Estamos já no quinto mez, e por consequencia estão muito perto todos aquelles que são socios do monte pio e que recebem vencimentos por folhas, de soffrerem as consequencias da demora que tem havido era se satisfazerem áquella instituição as quotas a que ella tem direito.
Não sei e nem quero saber de quem é a culpa; o que peço ao sr. ministro da fazenda é que de as ordens necessarias para que cesse esto estado de cousas, não só para que não percam os socios do monte pio, mas tambem para que não perca o proprio monte pio, porque uma das verbas com que faz face aos seus encargos é a dos juros das quantias que póde empregar em fundos publicos, e de certo lhe falhará esta verba se não lhe forem restituidas nos prasos devidos as quotas dos seus associados.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Não tenho, nem podia ter, informações precisas sobre o caso para que o illustre deputado chamou a minha attenção.
O que posso dizer é que as deducções se têem feito, sendo possivel que n'este periodo de translação em relação ao banco emissor tenha havido alguma demora na remessa dar quantias para o monte pio.
Em todo o caso eu vou informar-me e tornar as providencias convenientes.
O sr. Sousa e Silva: - O monto pio, assim como deixou de cumprir um decreto de dictadura, publicado pelo sr. ministro das obras publicas, determinando que para os effeitos do aposentação o monte pio seria contada como vencimento a gratificação maxima da classe aos engenheiros civis, póde tambem deixar de cumprir qualquer outra determinação do sr. ministro da fazenda, logo que seja contraria aos seus estatutos.
O Orador: - Como os socios têem recurso para o governo, este havia de reparar qualquer agravo que se lhes pretendesse fazer, pois elles não podem ser castigados porque não têem culpa alguma.
Mas não vale a pena travar discussão a este respeito. Os desejos do illustre deputado são os meus. Vou informar-me, e tornar providencias para que cessem as difficuldades propria? d'este periodo de transição com relação ao banco emissor.
O sr. Presidente: - Hoje ha sessão nocturna, começando ás nove horas.
A ordem da noite é a mesma que está dada.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e cinco minutos da tarde.
Propostas apresentadas pelos srs. ministro da fazenda e ministro das obras publicas
Proposta de lei n.° 59-A
Senhores.- A pauta geral das alfandegas, estabelecendo o direito de 185 réis por kilogramma de manteiga importada, teve em vista, não só os interesses fiscaes, mas ainda a conveniencia de proteger a producção nacional de lacticinios. Mas a intenção do legislador não foi de certo promover a producção portugueza de manteigas artificiaes, que ao mesmo tempo desfalca os rendimentos publicos e causa sensivel prejuizo á agricultura. Embora esta materia não fosse tratada pelo ultimo congresso agricola, convem a respeito d'ella providenciar, posto que desde bastantes mezes existe em Lisboa o fabrico de manteigas artificiaes, que pelas leis em vigor não podem ser sujeitas a impostos correspondentes aos direitos pautaes.
Sendo urgente atalhar os males, que d'ahi resultam, tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° A manteiga artificial produzida no continente do reino e ilhas adjacentes fica sujeita, alem dos direitos de consumo que por lei deva pagar, ao imposto de producção de 185 réis por kilogramma.
§ 1.° O imposto de que trata este artigo será liquidado e pago aos trimestres, deduzindo-se d'elle:
a) A importancia que as fabricas tenham pago por materias primas gordurosas indispensaveis á sua industria;
b) A quantia do 185 réis por kilogramma de manteiga natural produzida no paiz que provem ter empregado.
§ 2.° A restituição de que trata o paragrapho anterior nunca poderá ser superior a dois terços do producto liquidado do imposto de producção.
§ 3.° O governo estabelecerá a fiscalisação indispensavel, tanto para a boa cobrança do imposto creado por esta lei, como para evitar que se lancem no consumo manteigas prejudiciaes á saude publica, ou que as manteigas artificiaes sejam offerecidas á venda de modo a confundirem-se com as naturaes.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio dos negocios da fazenda, l de junho de 1888.= Marianno Cyrillo de Carvalho.
Enviada á commissão de fazenda.
Proposta de lei n.° 59-B
Senhores.- Muitas emprezas de diversas naturezas promovem a venda dos seus generos ou productos offerecendo aos compradores e por meio de sorteio, brindes mais ou menos valiosos. Os bilhetes ou cautelas por meio dos quaes o direito a esses brindes se demonstra poderiam ser sujeitos ao imposto do sêllo applicavel aos bilhetes de loteria ou rifa, mas a proporcionalidade entre o imposto e o preço do bilhete torna este processo inacceitavel. Parece, pois, mais pratico o expediente suggerido na seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° Na classe 7.ª da tabella n.° 2 do regulamento do imposto do sêllo de 26 de novembro de 1885 acrescentar-se-ha mais um numero com a seguinte descripção: «Bilhetes, cautelas, recibos, cedulas ou quaesquer documentos similhantes para a distribuição por meio de sorteio de brindes offerecidos pelos commerciantes ou industriaes ao publico, quaesquer que sejam o valor e a natureza d'esses brindes, cada um 20 réis.»
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio da fazenda, 1 de junho de 1888.= Marianno Cyrillo de Carvalho.
Enviada á commissão de fazenda.
Proposta de lei n.° 59-C
Senhores.- Passaram para a fazenda nacional os bens deixados pelo ultimo parodio da freguezia da Vinha da Rainha, concelho de Soure, districto de Coimbra, Antonio Maria Ribeiro Gouveia, por se considerar jacente sua herança, em virtude de sentença judicial, proferida em processo controvertido entre a fazenda e os pretendidos herdeiros do fallecido parocho.
Transitada em julgado a sentença alludida, procedeu a fazenda á arrecadação da herança, que se compunha de bens mobiliarios e immobiliarios, e determinou-se a sua
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venda era praça, da qual, por pedido da junta de parochia da freguezia indicada, foram retiradas por ordem superior duas moradas de casas, uma das quas, destinada a habitação, confronta pelo norte com serventia, sul com serventia da fonte, nascente com rua publica e poente com a quinta da fonte, e a outra, situada na mesma localidade, e que serve de adega e celleiro, confronta pelo norte com serventia da fonte, sul e poente com José Rodrigues Bicho, da mesma freguezia da Vinha da Rainha e nascente com rua publica.
As duas referidas moradas de casas estão avaliadas em 600$000 réis.
A junta de parochia tem a seu cargo fornecer residencia a seus parochos e aos professores de ensino primario, e casas para a respectiva escola; dispõe de limitadissimos recursos e vem, com iguaes fundamentos, pedir que se lhe concedam, para os fins indicados, as duas propriedades urbanas, que ficam designadas e confrontadas; allegando, ainda mais, que de tal concessão não resulta prejuizo para o estado, visto ser o valor da herança muito inferior ao do pedido.
Em presença das rasões expendidas julgâmos que deve merecer a vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° São concedidas á junta de parochia da Vinha da Rainha, e para serem destinadas á residencia de seus parochos, professores de ensino primario e respectiva escola, duas moradas de casas e suas pertenças, que faziam parte da herança do fallecido parocho, Antonio Maria Ribeiro Gouveia, e da qual se acha hoje de posse a fazenda nacional por haver sido julgada jacente; e empregava-as o seu anterior possuidor em casa de residencia uma e em adega e celleiro a outra.
Art. 2.° A mesma junta de parochia não poderá dar ás duas moradas de casas applicação diversa da designada no artigo antecedente, sob pena de reverterem desde logo para a posse da fazenda nacional.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 26 de maio de 1888. = Marianno Cyrillo de Carvalho.
Enviada á commissão de fazenda.
Proposta de lei n.° 59-D
Senhores. - A proposta de lei, que hoje submettemos ao vosso illustrado exame, tem por fim a construcção da parte, que reputâmos mais urgente, da rede complementar de caminhos de ferro ao norte do Mondego.
Se houve tempo, em que a construcção de caminhos de ferro foi considerada pelos espiritos timoratos como uma despeza de luxo, só justificada nos paizes de grande população e riqueza, a evidencia dos factos tem hoje demonstrado a todas as vistas, que nenhum paiz póde prescindir d'esse meio de progresso, sob pena de se collocar, a respeito dos outros paizes, n'um tal pé de inferioridade de trabalho e de commercio, que o mesmo seria que decretar n'esse abandono a sua total ruina.
Sob o predominio d'estas considerações, todos os estados procuram alargar constantemente a sua rede ferroviaria, e de tal modo que bem póde assegurar-se que a tendencia geral é para substituir por viação accelerada, pelo menos, todo o movimento e trafego que d'antes se effectuava pelas estradas ordinarias de primeira ordem. N'este systema, os caminhos de ferro não constituem só as grandes arterias, mas tambem os principaes ramos venosos da circulação commercial, vindo a ser as estradas meros auxiliares d'elles.
O mappa comparativo, que em seguida temos a honra de vos apresentar, e que abrange um periodo de quinze annos, até 1885, porque não nos foi possivel ir mais alem com dados officiaes, mostra a importancia d'esse movimento.
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[Ver tabela na imagem ]
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São os paizes justamente apontados como exemplos de uma illustrada actividade commercial os que mostram uma sujeição mais persistente ás normas, que acabâmos de apontar. Assim e que a Belgica, a França, a Inglaterra e a Italia, que possuem redes muito extensas, nem por isso as dão por completas, continuando ininterrompidamente a alargal-as, acrescentando-lhes novas linhas em cada anno.
Alguns d'elles não hesitaram em fazer n'um momento dado um esforço prodigioso para ganharem o terreno perdido em relação a outras nações. Merece citar-se o exemplo da Suecia que, tendo em 1871 só 1:723 kilometros de caminho de ferro em exploração, apparece em 1878 com 4:898 kilometros, tendo construido n'esse breve periodo 3:175 kilometros, e que ainda no anno seguinte abre á exploração mais 707 kilometros, continuando depois d'isso a alargar a sua rede, embora mais moderadamente por ter feito de uma vez aquelle esforço de construcção. Não é a Suecia paiz que, pela sua população e riqueza, e por outras condições economicas, deva distanciar-se de Portugal em rasoavel confronto; antes n'alguns pontos preponderam com maior força para nós as rasões, que aconselham o desenvolvimento da nossa rede de caminhos de ferro.
A Italia offerece outro exemplo do alargamento da rede ferroviaria por um trabalho continuado e persistente, que muito convem registar, porque elle constitue uma lição proveitosa para todos os que estudam os factores dos elementos da riqueza publica. Por isso vos apresentâmos o seguinte mappa com esclarecimentos officiaes directamente obtidos d'aquelle paiz e que representa o desenvolvimento da sua rede ferroviaria, desde 1839, anno em que se abriram no Piemonte os primeiros kilometros de caminho de ferro, até 30 de junho de 1887.
Italia
Caminhos de ferro
Quadro da situação da rede explorada e acrescimo annual de 1839 a 1887
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Vê-se d'este mappa que a Italia só n'um anno, o de 1841, deixou de augmentar a zona de exploração dos seus caminhos de ferro. Uma vez iniciado o movimento, não parou nem o retardou. Aquelle paiz, que atravessou tantas e tão complicadas crises, nunca, nem mesmo nos periodos mais angustiosos, deixou de trabalhar no desenvolvimento da sua rede. Em consequencia d'essas crises tão complexas, das guerras que as provocaram e que d'ellas resultaram, e das enormes despezas militares que exigiu a sua unificação, a Italia foi obrigada a apertos financeiros e a encargos tributarios como nenhum paiz os supportou mais angustiosos e mais pesados nos modernos tempos. E, todavia, no meio d'essas angustias, e opprimida por esses gravames, nunca deixou de luctar afincadamente pelo alargamento da sua rede de caminhos de ferro, comprehendendo que estava n'elle um dos principaes senão o principal agente da sua restauração economica e commercial. Assenta em frageis bases a independencia politica de um povo, se não tem para apoio a sua independencia economica. Os que hoje invocam a Italia como um dos modelos que convem imitar no renascimento de forças productoras, não podem, para ser justos, desconhecer a influencia dos meios, com que esse paiz chegou aos resultados, que hoje a todos maravilham.
Se decompozermos em períodos decennaes o mappa do desenvolvimento ferroviario da Italia, achâmos o seguinte:
Italia
Caminhos de ferro
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A leitura d'este mappa mostra, que é depois de consolidada a unificação politica da Italia, que a media annual do desenvolvimento das suas linhas ferreas se apresenta mais forte. Por tão eloquente temos este exemplo, que julgâmos desnecessario alargarmo-nos em commentarios.
O nosso paiz não tem ficado estacionario na construcção de caminhos de ferro; mas se é certo que em relação á rede principal pouco ha a construir, não é menos certo que, a respeito da rede complementar, temos quasi tudo ainda por fazer.
O mappa, que damos em seguida, serve para se apreciar a importancia da rede ferroviaria de cada um dos paizes em relação á população e superficie de cada um d'elles.
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A leitura d'este mappa deve valer para nós como a melhor das demonstrações. Vê-se que, em relação á superficie, temos abaixo de nós só a Russia e a Suecia. As condições geographicas d'estes dois paizes corrigem por tal fórma esta indicação, que ella não póde em nada servir-nos; e bastará notar que, em relação á população, é precisamente a Suecia a que apresenta uma percentagem mais rica entre todas as nações.
Em relação á população só temos abaixo de nós a Russia e a Italia, que só nos approxima sensivelmente; mas a Russia, pela diversidade das suas condições, não póde servir do confronto, e a Italia leva-nos tão grandes superioridade na percentagem por população, que tambem não podemos commentar em nosso proveito estas indicações.
D'onde concluimos que estamos abaixo de todas as nações, que citámos, no tocante a movimento ferroviario. A nossa vizinha Hespanha é-nos superior em percentagem tanto a respeito da população como da area territorial. E esta superioridade accentua-se pelas linhas projectadas e auctorisadas.
Estes algarismos demonstram, sem possibilidade de impugnação fundada, que não podemos parar. É necessario proseguir no desenvolvimento da nossa rede ferroviaria para não accentuarmos ainda mais desfavoravelmente a nossa inferioridade. E quem n'este ponto diz inferioridade, diz enfraquecimento do commercio e das industrias, decadencia da agricultura e definhamento da riqueza nacional. Um caminho de ferro não é um artigo de luxo ou simplesmente de commodidade; é essencialmente um instrumento de trabalho.
Das linhas ferreas, cuja construcção propomos, três representam o acabamento ou complemento de linhas já construidas. São ellas a linha ferrea de Mirandella a Bragança, prolongamento da linha de Foz Tua a Mirandella; as linhas de Chaves ao Douro e a Braga, complementos da linha do Bougado a Guimarães; e a linha de Mangualde a Rocarei, complemento do ramal de Santa Comba Dão a Vizeu. As palavras rede e circulação, com que de linguagem universal se caracterisa o movimento dos caminhos de ferro, mostram que estes carecem de ser ligados entro si, sem soluções de continuidade, as quaes só são permittidas nas extremidades, e accidentalmente, porque ahi mesmo a ligação deve vir a effectuar-se pelas chamadas linhas fronteiriças.
Um lance de olhos pela carta geral dos caminhos de ferro da Europa comprova, pela simples inspecção occular, o que n'este ponto por si diz a boa rasão. Não ha, não deve haver, linhas ferreas que sejam malhas soltas, malhas perdidas de uma rede, a qual, para ser perfeita, carece de estar ligada em todas as suas differentes partes. E isto basta para mostrar que a linha ferrea de Foz
Tua a Mirandella não póde terminar em Mirandella; que a linha ferrea de Santa Comba a Vizeu não póde terminar em Vizeu; que a linha ferrea do Bougado a Guimarães não póde terminar em Guimarães. É necessario fechar e completar a rede. A esse fim visam os artigos l.°, 3.° e 4.° da proposta de lei, que temos a honra de sujeitar ao vosso exame.
O artigo 2.° trata da construcção de uma linha ferrea, que, seguindo o valle do Corgo e atravessando para a Beira, virá a exercer n'esta provincia as funcções de linha fronteiriça, ligando pela Beira Alta a provincia de Traz os Montes com a Beira Baixa. Esta linha serve povoações importantes, e que estão destinadas a um prospero futuro, desde que possam gosar do beneficio da viação accelerada. Por isso a incluimos n'esta proposta a par das outras, que são complemento de linhas já decretadas.
A primeira parte d'esta linha ferrea interessa mais directamente ao districto de Villa Real, que atravessa de um a outro extremo. Villa Real e Bragança são, no continente, as duas unicas capitaes de districto, que ainda não têem caminhos de ferro, construidos ou cm construcção. Pertencem ellas a essa formosa provincia de Traz os Montes, que é tão rica em productos do solo, como notavel pela fidelidade e lealdade dos seus habitantes á causa publica. Soffrendo os rigores de flagellos repetidos, e sujeitando-se, não obstante, sem reluctancias nem protestos, aos sacrificios, que a patria por igual exige de todos os seus filhos, a provincia de Traz os Montes não tem sido contemplada com igualdade correspondente na repartição dos beneficios materiaes. Não se póde protrahir por mais tempo esta concessão, porque a demora se converteria n'uma odiosa iniquidade. Assim o pede a justiça. Assim o pede tambem a boa administração; porque aquelles districtos vêem agonisante a agricultura, que é a sua principal riqueza, pela falta de vias de communicação, que os ponham em contacto rapido com os grandes centros commerciaes. É preciso, por meio dos caminhos de ferro, alargar, por um lado, a area da producção agricola d'aquelles districtos, e valorisar-lhes os fructos, e por outro lado baratear-lhes o custo dos generos necessarios á sustentação da vida, que ali entram por importação das outras provincias do reino ou do estrangeiro. É simultaneamente um problema de producção o consumo o que os caminhos de ferro geralmente resolvem, e que nos dois districtos trasmonta-nos assumiu um caracter agudo, que reclama prompta satisfação e remedio.
O regimen, que o governo propõe para a construcção e exploração d'estas linhas ferreas, é o da garantia do juro, já adoptado para as ultimas linhas mandadas construir no nosso paiz. Não desconhece o governo os inconvenientes d'este systema, sendo o principal d'elles o não interessar
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vivamente as respectivas emprezas na melhoria e alargamento da exploração. Mas as rasões de ordem financeira, que entre nós, e nos paizes estrangeiros, têem feito prevalecer esse systema, obrigam ainda o governo a não se afastar d'elle. As regras, que successivamente se vão apurando e estabelecendo para uma fiscalisação rigorosa permittem attenuar, n'uma grande parte, o alcance d'aquelles inconvenientes.
Para a construcção das linhas ferreas, a que se referem os artigos 1.°, 3.° e 4.°, e que são prolongamento ou complemento de linhas já construidas ou em construcção, propõe o governo dois systemas differentes. Estabelecendo para todas ellas o concurso, que é o regulador dos encargos para o estado, admitte para as linhas de Braga o Guimarães a Chaves e ao Douro, e para a linha de Mirandella a Bragança, respectivamente em favor da empreza do Bougado a Guimarães e da companhia do Foz Tua a Mirandella, o direito de preferir cm concurso pelo menor preço offerecido, direito analogo ao tanteo, que a Hespanha tem como disposição geral na sua legislação. As rasões são obvias.
É hoje principio corrente entre todos os que escrevem sobre explorações de caminhos de ferro a conveniencia de não fraccionar por differentes companhias a linha ou a rede, que serve urna só e mesma zona. O fraccionamento e a divisão podem levar a taes embaraços e complicações, que cheguem a quasi annullar, sob o ponto de vista da rapidez e economia dos transportes, os beneficios da viação accelerada. Não vale a pena insistir n'este ponto, por ser principio corrente entre todos os escriptores, que tratam do assumpto, e já confessado e reconhecido por vultos eminentes de todos os partidos da nossa terra. Se a concentração das differentes zonas n'uma só companhia póde ter inconvenientes graves, não os toem menores, posto que de outra ordem, o fraccionamento da mesma linha ou rede.
As rasões, que levam o governo a propor o prolongamento e complemento das linhas do Foz Tua a Mirandella, e do Bougado a Chaves e ao Douro, são as mesmas, que o levam a propor o direito de preferencia, em concurso, para as empregas, que já têem a exploração dos troncos d'essas linhas. E ainda para a actual empreza do Bougado, que pelo decreto da concessão ficou obrigada á liquidação dos encargos da empreza anterior, milita uma rasão especial de preferencia, como meio de liquidar esses encargos pelo modo mais satisfactorio para as necessidades do credito publico. A preferencia não destroe as condições de igualdade do concurso, e apenas assegura a probabilidade de haver um determinado concorrente; mas essa probabilidade, embora não se consignasse na lei, proviria com igual força dos factos, o que, nem mesmo sob esse restricto ponto de vista, modifica sensivelmente as cousas.
O direito de preferencia a pouco mais corresponde, em ultima analyse, do que á supressão da licitação verbal, estabelecida nos nossos regulamentos de empreitadas, entre concorrentes, que offereçam a mesma proposta. O concurso fica sempre livre, como regulador dos encargos para o estado. A altissima conveniencia de concentrar nas mesmas mãos os differentes troços de uma só e mesma linha ou rede, por demais justificam esta modificação, que o governo vos propõe.
Não a propõe o governo para a linha ferrea, a que se refere o artigo 4.°, embora á companhia nacional, que tambem tem a exploração da linha de Foz Tua a Mirandella, pertença a construcção e exploração do ramal de Santa Comba Dão a Vizeu, porque aquella linha ferrea póde ter um movimento completamente independente, pelos seus dois extremos. Se aquella linha ferrea partisse de Vizeu, o governo proporia tambem o direito de preferencia para aquella companhia; mas, partindo de Mangualde, ella prende-se, por um e outro lado a duas linhas ferreas de primeira ordem, no sentido da melhor orientação do seu trafego, o que basta para lhe assegurar uma circulação autonomica.
E desde que assim é, a preferencia não tinha por si rasão bastante, que a justificasse.
As linhas, de que trata esta proposta de lei, deverão ser construidas em via reduzida. Esse padrão é sufficiente e devora ser adoptado para toda a rede complementar, com excepção da linha do Focinho a Miranda do Douro, para ligar com Zamora, quando venha a construir-se por accordo com o governo hespanhol, e de uma ou outra ligação, que haja de fazer-se na nossa rede principal. Não ha necessidade de se adoptar para a rede complementar o padrão de via larga, que entre nós é ato superior em largura ao padrão adoptado em França e na maior parte dos paizes da Europa, porque esse typo de linhas ferreas custa excessivamente caro, especialmente em terrenos acidentados, pelas condições technicas, a que tem de satisfazer. N'algumas partes, como por exemplo na secção da linha do Corgo, entre Villa Real e Regua, seria até absolutamente inapplicavel pela natureza do terreno.
Notaremos, de passagem, que as linhas projectadas estão traçadas de modo a fazerem convergir sobre a cidade do Porto, como centro commercial, e sobre as linhas do Minho c Douro, como principal arteria de circulação, o seu movimento de trafego. Por este proposito expresso foram inspirados esses traçados. Fortalecer aquella rede do estado, assegurar-lhe a sua independencia, e fortalecer tambem o movimento commercial da segunda cidade do reino foi o pensamento superior, que o governo teve em mente, ao determinar a coordenação da rede complementar ao norte do Mondego, tal como d'ella vos apresenta a parte mais urgente.
Não propõe aqui o governo, especificadamente, os meios financeiros para occorrer aos encargos da construcção d'estas linhas ferreas, para não complicar questões que, embora presas a um fim commum, têem uma arca de apreciação differente. O governo limita-se a consignar o seu proposito de fazer crear receitas especiaes para este fim. As propostas de lei a respeito do novo regimen tributario para os cereaes e para o alcool devem produzir mais do que o sufficiente para satisfazer áquelles encargos, porque não é licito suppor que a garantia de juro tenha de ficar inteiramente a descoberto, é em todas essas linhas. E como esses encargos só d'aqui a alguns annos começarão a pesar sobre o thesouro, não ha inconveniente, em que esta proposta de lei seja discutida antes, e em separado d'aquellas propostas financeiras, ou de quaesquer outras, com que a vossa sabedoria julgue dever occorrer ao fim, que se tem em vista, mas que, em qualquer caso, deve ser o de crear receitas especiaes, que cubram estes encargos.
Senhores: - O governo tem confiança no futuro do paiz e no desenvolvimento da sua riqueza. Não podemos parar, para não aggravar as nossas condições de inferioridade; e as circumstancias, tanto internas como externas, são propicias para nos abalançarmos a este commettimento, que em nada exaggera os rasoaveis impulsos do fomento material, como pelo estado da nossa situação commercial, industrial e agricola, e pelos exemplos das outras nações se evidencia. Cooperando todos, fóra de preoccupações partidarias, na realisação d'estes melhoramentos, trabalharemos pelo engrandecimento e emancipação economica da nossa querida patria, que a todos nos tem por filhos.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 1 de junho de 1888. = Marianno Cyrillo de Carvalho = Emygdio Julio Navarro.
Proposta de lei
Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de sessenta dias, a construcção e exploração do prolongamento, até Bragança, do caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella, nas mesmas condições e clausulas do contrato de 30 de junho de 1884, que não forem modificadas ou ampliadas por esta lei, e
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com as demais, que a experiencia, venha e, aconselhar no interesse do estado.
§ 1.° O concessionario será obrigado a executar os projector, que para esse fim lhe forem apresentados pelo governo, com todos os seus apeadeiros e estações nos mesmos projectos estabelecidas, e quaesquer outras que ulteriormente lhe forem pelo governo mandadas estabelecer.
§ 2.º O concessionario poderá no entretanto propor as variantes que julgar convenientes; mas se d'essas variantes, quando devidamente auctorisadas, resultar augmento de percurso, a extensão entre Bragança e Mirandella nunca será computada em mais de 74 kilometros para os effeitos da garantia de juro.
§ 3.° O concessionario será obrigado a começar os trabalhos de construcção dentro do praso de quatro mezes, contados da data da assignatura do contrato, e a terminal-os no praso de tres annos a contar da mesma data.
§ 4.° O concessionario caucionará com ura deposito de 100:000$000 réis, em dinheiro ou papeis do estado de valor correspondente a execução do seu contrato.
Este deposito, sendo era dinheiro, vencerá o juro medio da divida fluctuante.
§ 5.º A actual companhia nacional de caminhos de ferro terá na adjudicação, e dentro de quarenta e oito horas depois do concurso, o direito de preferencia pelo menor preço offerecido, ainda que tenha sido concorrente por preço maior.
§ 6.° Se a companhia nacional de caminhos de ferro usar d'este direito de preferencia, o prolongamento até Bragança será considerado, para todos os effeitos, como parte integrante da linha de Foz Tua a Mirandella, constituindo com ella uma só linha, e continua. E o mesmo succederá no caso d'ella adquirir posteriormente aquelle prolongamento, por transferencia dos direitos do primitivo concessionario.
§ 7.° Noa casos do paragrapho antecedente, ou ainda quando a companhia nacional de caminhos de forro obtenha directamente, em concurso, a concessão d'aquelle prolongamento, a garantia do juro será uniforme pura toda a linha, estabelecendo-se a nova base kilometrica proporcionalmente á extensão de toda ella, conforme o preço do concurso e o do contrato de 30 de junho de 1884.
§ 8.° A garantia do juro será de 5,5 por cento, e computada sobre a base de 19:692$300 réis por kilometro, como preço de construcção.
Art. 2.° É o governo auctorisado a adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de sessenta dias, a construcção e exploração de um caminho de ferro de via reduzida (l metro entre as faces interiores dos carris), que, partindo de Vidago e passando pelas Pedras Salgadas, siga por Villa Pouca de Aguiar, Villa Real, Regua, Lamego, Villa da Ponte, Moimenta da Beira e Trancoso a entroncar em Villa Franca das Naves na linha ferrea da Beira Alta.
§ 1.° O concessionario será obrigado a executar os projectos, que para esse fim lhe forem apresentados pelo governo, e que servirão de base ao concurso, com todos os seus apeadeiros e estações no mesmo projecto estabelecidas e quaesquer outras que ulteriormente lhe forem pelo governo mandadas executar.
§ 2.° O concessionario poderá no entretanto propor as variantes que julgar convenientes; mas se d'estas variantes, quando devidamente auctorisadas, resultar augmento de percurso, a extensão total da linha entre Vidago e Villa Franca das Naves nunca será computada em mais de 193 kilometros para o effeito da garantia de juro.
§ 3.° O governo garante ao concessionario o complemento do rendimento liquido animal de 5,5 por cento em relação ao custo de cada kilometro que se construir, comprehendendo o juro e amortisação do capital.
§ 4.° Para os effeitos d'esta garantia de juro o preço kilometrico da linha a construir será a quantia de réis 21:000$000.
§ 5.° As demais condições do concurso serão reguladas conforme as condições e clausulas estipuladas no contrato de 30 de junho de 1884 para a linha de Foz Tua a Mirandella e outras que a experiencia venha a aconselhar no interesse do estado.
§ 6.° O concessionario será obrigado a começar os trabalhos do construcção dentro do praso de quatro mezes a contar da data da assignatura do contrato e a terminal-os no praso de quatro annos a contar da mesma data.
§ 7.º O concessionario caucionará a execução do seu contrato com um deposito de 200:000$000 réis, em dinheiro ou papeis do estado de valor correspondente á execução do seu contrato. Este deposito, sendo em dinheiro, vencerá o juro medio da divida fluctuante.
§ 8.° O concessionario poderá prolongar a linha até Chaves: ou por um traçado independente da linha do valle do Tamega; ou por assentamento de dupla via na parte d'esta linha que lhe aproveitar, pagando o augmento do trabalhos e obras que d'essa segunda via resultar e a sua conservação; ou, finalmente, entroncando na linha do valle do Tamega e fazendo serviço por essa linha por contracto que possa celebrar com o concessionario d'ella.
§ 9.° O prolongamento eventual de Vidago a Chaves será considerado para todos os effeitos como parte integrante da linha de Villa Franca das Naves a Vidago, a qual se denominará linha do Corgo e Beira, menos fará o effeito da garantia de juro, ao que será applicavel o disposto na ultima parte do § 2.° d'este artigo.
Art. 3.° É o governo auctorisado a adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de sessenta dias, a uma só e mesma empresa, a construcção e exploração das linhas ferreas de via reduzida (l metro entre as faces interiores dos carris), de Chaves a entroncar na linha ferrea do Douro, seguindo o valle do Tamega; e de Braga a entroncar na linha do valle do Tamega, em Cavez, seguindo por Guimarães e Fafe.
§ 1.° O concessionario apresentará á approvação do governo os projectos definitivos para aquellas linhas ferreas, devendo a respeito da primeira seguir tanto quanto possivel o traçado dos estudos de via larga, que lhe forem apresentados polo governo, não podendo em todo o caso para os effeitos da garantia de juro exceder a extensão de 105 kilometros, e devendo seguir para a segunda d'estas linhas o ante-projecto ou reconhecimento, que lhe for fornecido pelo governo, uno podendo em qualquer caso exceder a extensão de 90 kilometros para o effeito da garantia de juro.
§ 2.° O concessionario deverá estabelecer em Braga a séde da empreza, e ter ahi as principaes officinas de grande e pequena reparação e os seus principaes depositos de material circulante.
§ 3.° Para o effeito de se realisar a mais curta ligação possivel entre Braga e Guimarães haverá uma estação ao norte d'esta ultima cidade, independentemente da actual estação da linha de Bougado, ao sul, no sitio do Cavallinho, que será ligada directamente com aquella linha ferrea. Esta ligação fica comprehendida na extensão de 90 kilometros, fixada como maximo no § 1.°
§ 4.º Haverá, pelo menos, um comboio diario e directo ascendente e outro descendente entre Braga e Cavez, e um comboio diario e directo ascendente e outro descendente entro Chaves e a linha do Douro.
§ 5.º A estação em Braga será estabelecida na actual estação da linha ferrea do Minho, que funccionará como estação de serviço commum, sob a direcção da administração das linhas ferreas do Minho e Douro, tendo porém o concessionario da linha de Braga a Cavez as suas installações e officinas particulares para o que for do serviço proprio da sua linha.
§ 6.° A ligação das duas linhas em Braga far-se-ha de modo que a linha de Cavez a Braga possa eventualmente ser prolongada por Villa Verde, em direcção ao norte.
§ 7.° Os projectos definitivos d'estas linhas serão apre-
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sentados, completos, pelo concessionario, dentro do praso de um anno, a contar da data da adjudicação; e as respectivas construcções ficarão terminadas: entre Braga e Guimarães no praso de dois annos; entre Chaves e Vidago no praso de tres annos, e no restante das linhas no praso de quatro annos, tudo a contar da data da approvação dos respectivos projectos.
§ 8.° O concessionario caucionará com um deposito de 250:000$000 réis em dinheiro, ou papeis do estado de valor correspondente a execução do seu contrato. Este deposito, sendo em dinheiro, vencerá o juro medio da divida fluctuante.
§ 9.° O concessionario será obrigado a consentir no assentamento de segunda via, entre Vidago e Chaves, para serviço exclusivo da linha de Corgo e Beira, se o concessionario d'esta linha a quizer assentar nos termos do § 8.° do artigo antecedente.
§ 10.° O governo garante ao concessionario o complemento do rendimento liquido annual de 5,5 por cento, em relação ao custo de cada kilometro, que só construir, comprehendendo o juro e amortisação do capital.
§ 11.° Para os effeitos d'esta garantia de juro, o preço kilometrico da linha a construir será a quantia de réis 30:000$000
§ 12.° A actual companhia da linha do Bougado a Guimarães terá na adjudicação, e dentro de quarenta e oito horas depois do concurso, o direito de preferencia pelo minimo de preço offerecido, ainda que tenha sido concorrente por preço maior.
§ 13.° As de mais condições do concurso e adjudicação serão reguladas conforme as condições e clausulas estipuladas no contrato de 30 de junho de 1884, para a linha de Foz Tua a Mirandella e outras, que a experiencia venha a aconselhar no interesse do estado.
Art. 4.º É o governo auctorisado a adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de sessenta dias, a construcção e exploração de uma linha ferrea, que, partindo de Mangualde na linha ferrea da Beira Alta, vá entroncar na estação de Recarei da linha ferrea do Douro passando por Vizeu e S. Pedro do Sul.
§ 1.° São applicaveis ao concurso e adjudicação d'esta linha as disposições dos §§ 1.°, 2.°, 3.°, 5.°, 6.° e 7.° do artigo 2.° com as modificações do paragrapho seguinte.
§ 2.° O maximo de extensão kilometrica para o effeito da contagem da garantia de juro será 157 kilometros; o complemento da garantia de juro será computado sobre a base de 30:000$000 réis por kilometro e o deposito de garantia será de 270:000$000 réis.
§ 3.° Quando venha a construir-se o caminho de ferro do valle do Vouga, o concessionario da linha de Mangualde a Recarei será obrigado a dar passagem na sua linha no troço, que a ambas for commum até Vizeu, para o serviço directo de comboios para ou d'esta cidade, mediante o pagamento de 50 por cento das despezas de conservação e reparação d'este troço, e da portagem nos termos do artigo 36.° do contrato de 30 de junho de 1884. Ás estações d'esse troço serão tambem, applicaveis ao serviço commum sob a direcção da administração da linha de Mangualde a Recarei mediante accordo entre os respectivos concessionarios, ou resolução do governo não chegando a accordo.
Art. 5.° Para todos os effeitos d'esta lei, os direitos e obrigações dos concessionarios poderão ser transferidos mediante auctorisação do governo para as companhias ou emprezas, que elles organisarem. Essas companhias ou emprezas, ou outras para as quaes de futuro sejam transferidos os mesmos direitos e obrigações deverão ser organisadas conforme as leis portuguesas e ter nos seus estatutos a clausula expressa de que a maioria dos membros das suas direcções ou dos seus conselhos de administração será composta de cidadãos portugueses domiciliados em Portugal.
Art. 6.° O governo proporá ás côrtes, em diplomas separados, as providencias financeiras necessarias para occorrer aos encargos d'esta lei.
Art. 7.° A base do concurso, a que se referem os artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° d'esta lei, será unicamente o preço kilometrico, sobre que tem de ser computada a garantia do juro.
Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 1 de junho de 1888.= Marianno Cyrillo de Carvalho = Emygdio Julio Navarro.
Enviada ás commissões de obras publicas e de fazenda.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.