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APPENDICE A SESSÃO DE l DE JUNHO DE 1888 1820-A
O sr. Pereira dos Santos: - Sr. presidente, consta-me que de ha um certo tempo para cá, os lavradores dos campos adjacentes ao rio Liz se queixam das multas constantemente impostas pela policia rural; e deu-se o facto de que eu algumas povoações que cercam aquelles campos, e mesmo na cidade de Leiria, se manifestou não ha muito tempo uma epidemia que foi attribuida ás condições de insalubridade dos mesmos campos, proveniente do pessimo regimen que offereço aquelle rio, que vae deteriorando em larga escala as outras feracissimas propriedades d'aquella localidade, e transformando-as em pantanos altamente nocivos á saude publica.
O parlamento votou em 1884 uma lei que estabeleceu as circumscripções hydraulicas, e em 1886 o sr. ministro das obras publicas regulamentou essa lei.
Noto, porém, que o regulamento está sendo quasi exclusivamente applicado em punir infracções.
Foram sabias o justas as disposições da lei de 1884, do mesmo modo que foram rasoaveis as disposições comprehendidas no regulamento de 1886.
Eu não me opponho absolutamente ás multas, mas entendo tambem que é preciso que o governo faça as obras dos campos e do rio, nos termos e nos limites impostos na lei e respectivo regulamento, porque essas obras são a base indispensavel de todo o melhoramento do campo.
Tanto a lei de 1884, como o regulamento de 1886, impunham que se devia tratar de fazer a demarcação dos terrenos comprehendidos nas bacias hydrographicas, de modo a definirem-se depois as obras que deviam ser pagas pelo governo, e aquellas cujos encargos deveriam recair directamente sobro os proprietarios.
O sr. ministro das obras publicas determinou tambem no seu regulamento, que creou as circumscripções florestaes, que se demarcassem todos os terrenos que deviam ser sujeitos ao regimen florestal; e que os engenheiros florestaes, conjunctamente cora as commissões districtaes, determinassem os terrenos que haviam de ser arborisados nas bacias hydrographicas.
Tudo isto, que sem duvida era muito conveniente, e direi mesmo indispensavel, pelo que me consta, só serviu para illudir por algum tempo a boa fé dos que imaginavam que o augmento dos quadros do pessoal decretado por s. exa. em dictadura, tinham por fim satisfazer a imperiosas necessidades do paiz.
Crearam-se as circumscripções florestaes em 1886, e determinava-se que no espaço de um anuo estariam demarcados no paiz todos os terrenos que haviam de ser arborisados; pois já passa mais do um anno, e segundo me consta, não está feito absolutamente nada no paiz. (Apoiados.)
Pois os chefes das circumscripções florestaes dependem exclusivamente do governo!
Pelo que respeita ás circumscripções hydraulicas, não me consta que até ao presente se tenham feito tambem as demarcações que são exigidas pela lei, e que estão fixadas pelo proprio regulamento de 6 de outubro de 1886, para serem feitas em seis mezes, a contar d'essa data.
As commissões districtaes têem maioria da nomeação do governo; toda a responsabilidade é pois do governo, que se contenta em fazer alguns regulamentos bons, mas que se não cumprem.
As obras não se fazem e as multas estão constantemente a applicar-se.
Eu acceitaria as multas; mas julgo-as principalmente necessarias quando as obras tenham sido executadas; porque, quando nos campos houvesse o regimen das aguas bem assegurado, as matas bem regularisadas, etc., eu quereria até todo o rigor para que tudo podesse ser convenientemente conservado; mas, no estado actual dos nossos campos, em que realmente ha muito pouco para conservar, as multas são inquestionavelmente muito gravosas.
Bem sei que nos campos ha praticas antigas, inteiramente recriminaveis, com que é preciso acabar; que muitas vezes o lucro de um só, faz desviar um curso de aguas que beneficiava muitos; que muitas vezes os proprietarios querem fazer diques, açudes, desvios de aguas, etc., que são inconvenientes, mas é necessario muita prudencia e sobretudo ter tambem presente que não basta lançar multas.
Se os lavradores, embora algumas vezes fossem multados, vissem tambem que o governo procurava satisfazer aos seus males, fazendo as obras que lhe aproveitassem, então as multas ser-lhes-iam mais suaves.
E é necessario ter bem presente, que, sem as obras do dominio geral e que incumbem ao governo, não podem melhorar-se os campos. (Apoiados.)
Emquanto se não rectificar o rio Liz como hão de melhorar-se os campos?
O leito do rio está, em geral, muito mais elevado do que os campos adjacentes; como se hão de abrir, pois, as valias de esgoto, como se ha de enxugar o campo, etc., sem se rectificar o rio?
As matas estão no mais lamentavel estado; emquanto não forem consolidadas, como se hão de evitar as frequentes quebradas, que successivamente estão transformando em areaes estereis os terrenos feracissimos do campo?
As encostas estão em alguns pontos quasi completamente desnudadas; emquanto se não mandarem arborisar, como se hão de evitar essas enormes enxurradas que constantemente estão a esterilisar os campos?
E é tal o estado do rio, que até os vãos das pontes na cidade de Leiria, estão quasi completamente obstruidos pelas areias do rio!
Se não houver prompto remedio, ainda havemos de ver o curso do rio interrompido em Leiria!
O rio Liz e os campos adjacentes são os que estão em peior estado; mas póde dizer-se que em todas as bacias hydrographicas, com excepção da do Mondego, as circumstancias dos campos são deploraveis. O regimen dos rios é o mais detestavel.
Nós vemos que as aguas correm impetuosamente das vertentes e precipitam-se sobre os campos, assoriando aqui, alvercando acolá, esfriando os campos mais adiante, e sempre estragando tudo.
Como consequencia vão-se apresentando successivamente maiores depreciações nos terrenos, diminuindo constantemente o valor da propriedade, e com ella o valor collectavel dos terrenos. (Apoiados.)
Pois entre nós ha um exemplo que é bom não esquecer!
Em 1867, pela sabia e prudentissima administração do sr. Andrade Corvo, decretou-se um regulamento e mandaram-se executar obras nos campos do Mondego.
Pois são especialmente para notar-se os beneficios extraordinarios que provieram da iniciativa do sr. Andrade Corvo e do zêlo e boa administração do sr. Adolpho Loureiro, actual director da segunda circumscripção hydraulica.
Viu-se que uma arca enorme de terrenos, que até ali eram incultos e improprios para a agricultura, passou a tornar-se feracissima; vimos que a vida que tendia a desapparecer em muitas das povoações que rodeavam os campos do Mondego, onde se manifestavam epidemias, se restabeleceu, e que desappareceram as epidemias, voltando a actividade e a animação nos pontos onde até áquella occasião só reinava a desolação e a tristeza.
Os exemplos dos campos do Mondego são muito para attender.
Eu desejava chamar a attenção e a iniciativa do sr. ministro das obras publicas para este assumpto, que é importantissimo.
Já não fallo particularmente dos campos adjacentes ao rio Liz, que são os que estão em peior estado, mas dos campos de todo o paiz!
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1820-B DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Nós temos principalmente caminhado no desenvolvimento da construcção das estradas e das vias ferreas, temos desenvolvido as vias telegraphicas, temos construido alguns pharoes, avançámos no melhoramento dos nossos portos de mar; mas no regimen dos nossos rios, n'este assumpto importantissimo que se relaciona directamente com os progressos da agricultura nacional, não está feito nada verdadeiramente proveitoso, senão no Mondego.
Pois n'este assumpto tinha o actual governo um meie mais efficaz talvez do que nenhum outro para mostrar a sua acção benefica em favor da agricultura nacional.
Se o povo já mostrou alguma incredulidade na protecção do governo á agricultura, recebendo mal o inquerito agricola, é certo que bom seria para o governo olhar agora para os nossos rios e campos, porque n'este assumpto podia mais directamente, do que em qualquer outro, protegei a agricultura nacional.
Os governos não têem sido tão cuidadosos e tão zelosos com a hydraulica agricola, como o têem sido com respeito a outros ramos do progresso nacional.
Justifica-se em todo o caso, e de certo modo, isso pela circumstancia de que a sciencia a esse respeito estava atrazada relativamente aos progressos nos diversos outros ramos da sciencia de engenheria.
Mas hoje, que a sciencia da hydraulica agricola já está, sufficientemente desenvolvida, quando são já tão conhecidos os seus resultados, quando temos entre nós o exemplo do Mondego para nos indicar quanto podem ser beneficos os esforços do governo, é justo e rasoavel que o sr. ministro das obras publicas comece por desenvolver a sua iniciativa, e a sua actividade no sentido de promover o melhor regimen de todos os rios, e de prover ao mais conveniente aproveitamento e saneamento dos nossos campos.
Uma das questões importantissimas para a qual o governo terá em breve de dirigir tambem a sua attenção, e que se liga de certo modo com o melhoramento do regimen doa nossos rios, é a questão das irrigações do paiz.
Nós temos rios como o Tejo, com sedimentos magnificos e apropriados para o desenvolvimento de uma cultura muito productiva; mas, apesar d'isso, este rio conserva-se ainda nas mais deploraveis circumstancias.
Por vezes se tem pensado em derivar d'este rio differentes canaes de irrigação, e varios projectos têem sido lembrados, mas, comtudo, nada se tem leito até este momento.
N'um relatorio da commissão anti-phylloxerica do norte li eu já uma vez que os terrenos mesmo do Douro, que não se prestam tão bem, como seria para desejar, á conveniente e proveitosa cultura do tabaco, poderiam, entretanto, melhorados, com irrigações derivadas do Douro, tornar-se fertilissimos, e concorrer notavelmente para o progresso e riqueza das provincias do norte, que têem sido tão flagelladas ultimamente pela phylloxera, e onde a propriedade tem soffrido uma enorme depreciação de valor.
A questão das irrigações do paiz. que naturalmente se relaciona com a questão das aguas, é momentosa e torna se necessario que o governo comece tambem a dirigir para ella a sua attenção.
Portanto, os melhoramentos dos nossos rios, e o dos campos adjacentes, é uma questão indispensavel e urgentes para a qual o governo precisa de dirigir immediatamente a sua attenção.
Não basta que ponha em execução o regulamento das circumscripções hydraulicas, unicamente na parte relativa ás multas; é tambem necessario fazer as obras.
A confiança dos proprietarios e dos lavradores ha de apparecer, quando elles virem que o governo é o proprio que se apressa a mitigar os males que elles hoje soarem, e procura dar remedio a todas as calamidades que hoje impendem sobre a agricultura nacional.
A reluctancia á parte penal do regulamento só poderá diminuir quando os proprietarios e lavradores vejam que o governo manda fazer as obras.
Eu peço, pois, ao sr. ministro das obras publicas, que, tomando em especial attenção estas minhas considerações, procure quanto antes prover ás necessidade do melhoramento no regimen dos rios do paiz, e especialmente que dê um grande desenvolvimento ás obras do rio Liz, que é o que se encontra em peiores circumstancias, esterilisando magnificos terrenos e chegando mesmo a prejudicar a saude publica, que é a primeira de todas as necessidades a que todo o governo culto tem obrigação de attender.
Eu rogo ao sr. ministro das obras publicas, que, dirigindo para ahi as suas attenções, trate de prover quanto antes de remedio aos males que influem sobre a prosperidade d'aquellas regiões, e tenha em consideração os legitimos interesses dos proprietarios d'aquelles campos.
Isto é tanto mais importante, quanto é certo que do auxilio prompto e immediato do governo ha de resultar tambem beneficio para o estado, porque quaesquer obras que s. exa. faça ali irão immediatamente influir na riqueza, publica pelo augmento do rendimento collectavel que d'ahi provirá. (Apoiados.)
As obras mais necessarias do rio Liz foram computadas em 42:000$000 réis pelo illustre engenheiro sr. Adolpho Loureiro, n'um estudo que fez ha annos, sobre aquelle rio; e esta despeza, sendo feita, ha de necessariamente
melhorar os campos e augmentar o rendimento collectavel d'aquella região em beneficio do thesouro.
Sobre esta questão nada mais direi por agora, esperando que o sr. ministro das obras publicas tomará estas minhas considerações na devida attenção.
E aproveito a occasião de estar com a palavra, para fazer um pedido a s. exa.
Está em ordem do dia para discussão o parecer sobre a proposta de lei referente ao porto de Leixões; pedia que, á similhança do que se tem praticado n'esta camara em outras occasiões a respeito de projectos de lei relativos a melhoramentos publicos, tambem importantes, quo s. exa., antes de começar a discussão d'esse parecer, mandasse para esta camara todos os projectos executados, o que digam respeito ás novas obras a que a proposta de lei se refere.
Consta-me que alguns estudos se fizeram para a transformação do porto de abrigo de Leixões em porto commercial, bem corno com relação a um caminho de ferro que ligue o porto com a alfandega; e eu pedia que viessem todos os estudos, trabalhos preparatorios de gabinete, ou quaesquer documentos que lhe digam respeito antes de começar a discussão, para que possamos estar habilitados a discutir com o necessario conhecimento e a apreciar devidamente a medida a que se refere a proposta de lei.
Tenho dito.