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APPENDICE Á SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE AGOSTO DE 1890 1776-A

O sr. Dias Ferreira: - Começo por declarar a v. exa. e á camara que não assignei, nem o parecer sobre a proposta do governo, nem o parecer sobre as emendas, apesar de fazer parte da commissão de fazenda, porque não collaborei com as respectivas commissões n'este trabalho por ausencia de Lisboa, e não costumo assignar os pareceres das commissões quando não tenho tomado parte nas discussões.

Inscrevi-me sobre o primeiro parecer da commissão, e não me foi possivel usar da palavra porque circumstancias imperiosas me impediram de comparecer na sessão em que me cabia fallar.

N'esta altura do debate, pois, limito as minhas observações ao que não está prejudicado pela votação da camara; e prejudicado julgo eu tudo aquillo que não foi affectado pelas emendas enviadas para a mesa por differentes membros da assemblea, unica materia que ficou resalvada na votação do projecto.

Sou abertamente contrario a este projecto, não só debaixo do ponto de vista financeiro, mas tambem sob o ponto de vista economico.

O projecto representa um assalto em fórma á bolsa do contribuinte, e um desastre mortal para o commercio do Portugal com as suas possessões africanas, posto que o publico se preoccupe principalmente com o seu aspecto financeiro.

Qualquer que seja o enthusiasmo com que as côrtes acompanhem o governo n'esta questão, poucas providencias terão vindo ao parlamento mais mal vistas pela opinião publica, que não julga inspirada similhante proposta nos interesses do paiz! (Apoiados.)

Tem-se levantado n'esta casa, por vezes, e já na presente sessão legislativa, e ainda bem recentemente, reclamações para se fechar o parlamento, julgando-se que a reunião das cortes mais prejudica, do que beneficia o paiz.

Como representante da nação não posso associar-me a manifestações que redundam em desdouro das instituições parlamentares.

Mas reconheço que as nossas côrtes limitam as suas funcções a sanccionar desorganisações de serviços e a auctorisar saques sobre o contribuinte.
(Apoiados.)

Na providencia sujeita ao debate temos nos o exemplo vivo deste facto. A simples leitura do projecto deixa a duvida se o contrato de navegação e por via da navegação, ou se o contrato com a mala e por via da mala. (Riso.)

ffectivamente o pensamento fundamental do projecto não pode deixar do levantar as mais tristes apprehensões, por que tendo a dar a uma companhia particular o determinada, sem concurso, a quantia de 500 contos de réis por um serviço que ella ajustara na praça publica por 98 contos de réis!

A mala real fazia por 98 contos de reis o serviço da navegação entre a metropole e a Africa oriental e occidental.

Este preço não foi fixado pelo governo.

Deu-o a praça publica, e a praça foi sempre reputada o melhor correctivo de todas as estimativas e avaliações. A praça publica marcou 98 contos de réis por este serviço, e a mala real acceitou esse preço.

Mal tinha um anno de serviço a empreza, se e que já tinha um anno de serviço, quando se queixou da exiguidade do subsidio que a praça publica lhe fixara, e encontrou logo o governo disposto a dar-lhe de mão beijada 500 contos de reis, e sem concurso!

Nem o paiz mais prospero, nem o paiz mais rico praticaria similhante acto de administração (Muitos apoiados), nem os individuos mais acostumados a malbaratar dinheiro, seu ou alheio, poderiam a sangue frio e serenamente associar-se a este acto do governo! (Muitos apoiados.)

O presente de 500 contos de réis, já em si attentatorio de todos os principios do boa administração, especialmente n'um paiz que está luctando com difficuldades financeiras quasi insuperaveis, é fatal e irremediavelmente condemnado sem possibilidade de defeza, pelo relatorio do governo que o precede, e pelo parecer de uma commissão technica, escolhida pelo mesmo governo, á qual ninguem póde negar competencia no assumpto. (Apoiados.)

Sr. presidente, seria banalidade justificar a necessidade de carreiras regulares de navegação entre a metropole e as nossas colonias.

Motivos commerciaes, economicos e politicos, determinam essa necessidade.

Não ha portuguez que não esteja de accordo em que é absolutamente indispensavel estreitar quanto possivel as relações da mãe patria com as possessões
ultramarinas. Mas, sr. presidente, ao que eu me não associo e ás providencias tendentes a exhaurir o thesouro da metropole em proveito ou a pretexto de beneficio ás possessões ultramarinas, e a arruinar a pátria sem salvar as colonias.

Em nome do chamado problema colonial e do um patriotismo de convenção, ou de natureza exclusivamente politica, tem o governo entrado num caminho de despezas que não sei onde nos levará, mas que nos não leva de certo á prosperidade do paiz.

O ultimatum de 11 de janeiro foi um desastre grave para o paiz, e offendeu tão profundamente as susceptibilidades da nação portugueza que encontraram echo na opinião os artigos de alguns jornaes, que queriam uma politica fundada no odio ao inglez, sentimento que eu não acceitaria em caso algum para base, nem de relações individuaes, nem de relações sociaes.

Pelo contrario, n'um periodo de excitação, em que seria um perigo fallar em favor das relações com a Inglaterra, sustentei n'esta casa que ora preciso acima de tudo manter as relações de povo a povo.

N'essa occasião os enthusiasmos patrioticos ou as especulações politicas chegaram a proclamar a vantagem e a necessidade mesmo de cortarmos de vez as nossas relações com os inglezes, e de declarar-lhes guerra, como se estivesse na nossa mão cortar relações tradiccionaes e de seculos com uma nação, e entrar em lucta viva com a primeira potencia naval do mundo, tendo nos uma larga costa aberta e dominios coloniaes limitrophes dos d'aquella nação.

Mas aquelle ultimatum, que não foi uma deshonra para a nação, porque não importa deshonra para a victima o abuso da força, que não representa mesmo uma vergonha nem uma humilhiu-Ho, porque a violencia nunca teve nem terá foros de direito, foi um desastre em todo o caso, mas desastre só para a collectividade - nação -.

Para as gentes da governança foi uma verdadeira mina! Que rios de dinheiro se não têem gasto e se não gastarão ainda em proveito de muita gente, com o pretexto, a proposito, com o argumento, e por occasião do ultimatum?

Ha de ser bonita a conta do que se tem gasto n'estes ultimos cinco annos por ordem do ministerio do ultramar, em nome das colonias, a titulo de beneficio para as colonias, e a pretexto do celebre problema colonial!

Se vierem tempos em que não possa ser sonegada essa conta ao conhecimento do publico, o paiz saberá os saques do que tem sido victima a pretexto de colonias, som beneficio para as colonias.

Não desejo hostilisar ninguem, e custar-me-ia ser adversario de emprezas que tivessem prestado serviços ao paiz. Mas sem faltar aos meus deveres de representante do povo não posso associar-me a um projecto que entrega de mão beijada milhares de contos de réis, isto é, 500 contos de réis por anno durante doze ou durante vinte e dois annos, a uma empreza, a quem a praça publica fixou o subsidio annual de 98 contos de reis, e que ella acceitou por o julgar sufficiente aos seus interesses.

É tão destemperado e tão desproporcionado com as forças do thesouro, senão do contribuinte portuguez, o presente de 000 contos do réis annuaes que o governo vae dar á mala real, que as sommas, com que o paiz contribuiu nas

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suas expansões de enthusiasmo patriotico para a defeza nacional, não chegam para pagar um anno de subsidio á mala real!

Este facto e eloquentissimo, e os altos poderes do estado deviam n'elle ver o mais seguro indicio da confiança que n'elles deposita o paiz com respeito á chamada questão ingleza.

Sr. presidente, o paiz não contribuiu com tão pouco porque não prezasse acima de tudo a sua autonomia, as suas regalias o os seus foros de nação, e sim porque está pobre. O paiz atravessa uma fortissima crise economica, que só aggrava todos os dias com o augmento das desposas publicas (Muitos apoiados), e sobretudo porque descreu de todo dos processos administrativos dos seus governantes!

Custa-me dizer nas cortes que o paiz está pobre. Preferiria mil vezes poder dizer que, se o thesouro está pobre, o paiz está rico.

Mas como os responsaveis pela gerencia das cousas publicas se fazem desentendidos, e preciso dizer a verdade nua e crua, ao povo, para este, compenetrando-se da sua gravissima situação, prover á sua sorte e olhar para o seu destino, se muito bem quizer.

Se as emprezas, sempre que perdem nos seus contratos com o governo, têem, por esse simples facto, direito á benevolencia do estado, e se ha de logo levantar-se sobre ellas a bandeira da misericordia e da beneficencia publica, escusado e impor-lhes encargos e condições, porque, lucrando, locupletam-se com os seus lucros, o vão seguindo o seu caminho, e, perdendo, longe de verem rescindido o contrato, e de serem obrigadas a perdas e damnos, conseguem a reconducção do contrato por periodo muito mais longo, o contam com o estado, como estabelecimento de caridade, em seu soccorro, em locar de ser por ellas indemnisado dos prejuizos que soffreu por ellas não haverem cumprido o contrato.

Por esta extraordinaria jurisprudencia lucram sempre as emprezas, ou ganhem ou percam, e lucram mais em perder, porque se dirigem ao estado, que as soccorre com avultada esmola do sacco da beneficencia publica, ou da pelle do contribuinte.

Antes de apreciar as rasões produzidas no relatorio da proposta do governo e no parecer da commissão especial que o governo ouviu sobro o assumpto, vou referir-me a um documento muito curioso que recebi.

É uma carta. Mas não é anonyma. Pelo contrario, vem revestida de tres assignaturas, foi distribuida por todos os nossos collegas, e está publicada nos jornaes.

Os dizeres principaes d'esta carta devem ficar registados nos annaes parlamentares, porque são grande e valioso elemento de informação, não só para a historia d'este projecto, mas para a historia em geral da governação do paiz. A carta é a resposta da mala real ás considerações do illustre orador que abriu o debate na parte em que se julgou mais offendida por elles, quer nos seus interesses, quer na sua dignidade.

Esta carta tem grandissimas vantagens na actual discussão parlamentar.

Era primeiro logar desmente de uma maneira formal, solemne e categorica, a informação que no anno passado nos dera o governo, quando arrancou ás côrtes ou antes ao contribuinte mais um presente de 2:700 contos de réis para os bancos do Porto, de que era perigosissima a situação d'aquelles bancos, e de que, se o estado lhes não acudisse com muito dinheiro e com Leixões-Salamanca, podia rebentar uma crise temerosa de um momento para o outro na praça da segunda cidade do reino.

Pois eu posso dar a v. exa. e á camara a grata noticia de que pouco tempo antes da camara os consolar com um novo presente do 2:700 contos, alem do que lhes dava em genero, tinham alguns d'elles tornado firme uma emissão de 9:734 obrigações no valor nominal de 876:330$000 réis!

Era tão precaria a situação dos bancos n'aquella occasião que tinham recursos, não só para distribuir bons dividendos aos seus accionistas, como eu tive occasião de mostrar nesse debate, mas para tomarem firmes 9:734 obrigações de uma emissão no valor de 876:330$000 reis a emprezas de navegação!

Á asseveração de que a empreza tentara fazer uma emissão de titulos no Porto, e de que essa emissão falhára, a carta responde assim:

«Por contrato de 5 de dezembro de 1888 fez esta empreza uma emissão de 9:737 obrigações, no valor nominal de 876:330$000 réis, que foram tomadas firmes pelos bancos Alliança, Utilidade Publica, Mercantil Portuense, João E. da Silva Matos & Ca. e outros capitalistas, nos termos do programma de emissão de 19 de dezembro de 1888. A garantia a estas obrigações acha-se registada no tribunal do commercio de Lisboa.»

Este facto serve ainda para explicar o arrojo com que o governo e os partidos representados no parlamento vão dar á má cara 500 contos de réis annuaes a uma companhia por um serviço que ella ajustara por 98 contos de réis!

Alem das influencias e dos motivos, a que o publico attribue o presente de 500 contos de reis annuaes á mala real, e provavel que muito pesasse na balança o interesso dos bancos do Porto para tão audaciosa espoliação ao contribuinte!

É pois mais que provavel que os interesses dos bancos e capitalistas do Porto na empreza da mala real muito contribuissem para a apresentação e approvação d'este monstruoso projecto.

Mas o interesse da carta não rica limitado a este ponto, derrama muito mais luz sobre o assumpto.

Assim nas côrtes argumentou-se que a empreza era devedora de enormes quantias. A
empreza na carta que distribuiu pelos membros d'esta assembléa confessa effectivamente o desembolso de grandes quantias, mas, para desfazer a asseveração de que era devedora de enormes quantias, responde:

«Os debitos e creditos d'esta empreza são, como todos os de emprezas similares, naturalmente obrigadas a trazer em giro e credito avultados capitaes.»

Não se queixava, pois, de que fosse devedora de enormes quantias, como dizia o illustre deputado que abriu o debate, pura que precisasse do auxilio directo do estado. Os seus capitães andavam em giro como capitães fluctuantes.

A empreza, que longe de se confessar devedora de enormes quantias, diz que traz avultados capitães em giro e credito como todas as emprezas similares, vive porventura uma vida difficil?

Tambem não diz que precisa de augmento de subsidio na rasão de 500 por cento, pois á asseveração de que os deficits da exploração eram importantissimos, responde que as suas difficuldades provinham da exiguidade do subsidio. Ora a exiguidade do subsidio não significa que se deve passar, sem mais ceremonia, de 98 a 500 contos!

Finalmente, denunciada a empreza de ter ficado onerada nas compras de material em quantias importantes, que não representavam o valor dos objectos, respondeu:

«O material fluctuante da empreza foi comprado directamente por ella, não pagando por isso commissão alguma a intermediarios.

«Os typos dos navios foram approvados e escolhidos pelo governo, sob a immediata inspecção do illustre official da aunada o sr. capitão-tenente conde de Sena, addido militar naval do governo na embaixada de Londres.

«Á construcção e detalhes assistiu o mesmo distincto official, e o engenheiro machinista naval de 1.ª classe Antonio José Dias, como fiscaes do governo.

«Quanto ao preço do material só nos cumpre dizer, que segundo a opinião dos constructores srs. Scott e Ca. (de Greonoch), elle custaria hoje mais 30 a 40 por cento do que o preço por que foi adquirido.»

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Pois uma empreza de navegação, cujo material póde hoje vender-se por mais 30 ou 40 por cento do que custou, está porventura em más circumstancias?

Pelas declarações d'ella são prosperas as suas circumstancias.

Como é, pois, que o estado lhe vae dar de presente o bonus de 500 contos em cada anno, ou 6:000 contos em doze annos, ou 11:000 contos em vinte e dois annos, se nos termos do projecto o contrato lhe for prorogado? (Apoiados.)

Vejâmos agora o que diz o governo ácerca do presente de 500 contos annuaes, com que vae dotar a empreza.

Começo por declarar, sem com isto querer negar competencia do sr. ministro da fazenda no assumpto, que tenho muita pena de que n'esta occasião não esteja occupando o seu logar o sr. ministro da marinha, não só porque isso era signal de que s. exa. estava gosando perfeita saude, mas porque desejava perguntar-lhe se este projecto era seu filho legitimo, ou se o tomára debaixo da sua protecção como engeitado, porque as rasões do relatorio mais compromettem do que favorecem a approvação d'esta medida.

Realmente custa a justificar a elevação do subsidio de 98 contos, ajustado na praça publica, a 500 contos, dados fóra da praça.

Não se contentou o governo com um augmento de 100 ou de 200 contos. Saltou logo a 500 contos.

Vejâmos, porém, as rasÕes que elle dá no relatorio para elevar a 500 contos o subsidio de 98:000$000 réis que era obrigado a pagar á empreza.

Diz o relatorio: «A experiencia parece que tem demonstrado que é extremamente difficil, se não impossivel, executar este contrato, sem que, a despeito do subsidio, a empreza que realisar o serviço se veja onerada por um largo deficit.
Por parte da actual empreza tem-se allegado efectivamente essas dificuldades e declarado a impossibilidade de o cumprir, desde que só mantenham algumas das actuaes condições.»

Parece que a experiencia tom demonstrado! Um parece que nos custa 6:000 contos, e que nos póde custar 11:000, é um parece muito caro! (Apoiados.)

Mas como se trata de sacar sobre o contribuinte basta parecer que uma empreza precisa de dinheiro para ser presenteada com 500 contos por anno!

Por parte da empreza tem-se allegado efectivamente essas dificuldades, accentua o relatorio. Por esta fórma basta que uma empreza, como a da mala real, allegue effectivamente dificuldades de dinheiro para logo receber de mão beijada 500 contos por anno!

Se ao menos fossem elasticos os recursos do paiz, como elastica é a sua paciencia!

Não é só n'esta proposição que o relatorio do governo enterra de vez o projecto. Poderia o governo ter ao menos colorido este presente á empreza, pretextando melhor serviço da parte d'ella com o novo subsidio; mas pelo contrario o governo estava segurissimo de que lhe não faltava maioria para votar o projecto ainda que desse mais dinheiro por peior serviço.

Ora, continuemos, no exame do relatorio, que diz assim:

«É certo que o serviço não melhora em condições de rapidez e velocidade, mas a verdade é que, n'essa parte, aquelle contrato não tem podido obter inteira execução, parecendo incontestavel que, para se organisar uma empreza que o executasse em todo o seu rigor, seria preciso despender um muito largo subsidio.»

Depois de nos dizer que parece que é melhor para a mala real receber 500 contos do que 98 contos, era natural que ao menos explicasse esse excesso de subsidio, essa elevação de 98 contos a 500 contos, melhoria no serviço de navegação entro as nossas provincias ultramarinas e a metropole.

Pois ao contrario dá-nos a consolação de que o serviço não melhora em condições de rapidez e de velocidade!

Não é provavel que se encontre outro paiz de regimen parlamentar em similhante estado de decadencia!

Realmente sendo a primeira condição da navegação entre a metropole e as colonias a rapidez e velocidade, pagar 500 contos por um serviço ajustado em praça por 98 contos para ficar na mesma, se não em peiores condições, é providencia que só em Portugal seria votada, e votada por todos os partidos! (Apoiados.)

É difficil discutir este projecto, porque assumptos tão claros não precisam de commentario nem de discussão.

E o projecto é tão claro para toda a gente!

A todos se mette pelos olhos dentro que nenhum paiz, regularmente administrado, iria dar 500 contos por um serviço que lhe custava 98 para ficar peior.

Mas o mais grave não é ainda o saque de 500 contos sobre o contribuinte para pagar um serviço, justo em praça por 98 contos.

O mais grave é que, para haver occasião e pretexto para dar 500 contos por anno á mala real, entrega-se o nosso commercio africano á navegação estrangeira.

O parecer da commissão especial technica, extra-parlamentar, nomeada pelo governo, que aliás parecia não ter má vontade á mala real.

Foi dizendo o preciso para tambem enterrar de vez o projecto.

Diz a commissão:

«A mala real, achando-se em condições excepcionaes, franqueou os seus livros e todos os documentos que lhe foram pedidos, mas esse auxilio não podia satisfazer cabalmente o espirito e os desejos da commissão, pois tendo esta empreza apenas acabado de iniciar as suas carreiras, é de presumir que não tenha ainda os serviços montados com a severa economia e rigorosa fiscalisação que só a pratica de uma cuidadosa e bem dirigida exploração póde conseguir.

«Se acrescentarmos que estas desfavoraveis circumstancias foram ainda aggravadas pela instante urgência que forçou a commissão a precipitar os seus estudos, poderá v. exa. formar idéa approximada das difficuldades que pesaram sobre ella; difficuldades de certo muito superiores ás suas forças, e que por isso espera lhe servirão de desculpa a este mediocre trabalho.

«Incorrectos e deficientes como são, esses trabalhos, acham-se por assim dizer synthetisados no mappa que segue, conjunctamente com os orçamentos respectivos a cada uma das hypotheses estudadas.»

É preciso contar com uma benevolencia exagerada do parlamento para apresentar similhante projecto ás côrtes? Pois o governo querendo apurar qual o subsidio rasoavel para uma empreza fazer a navegação entre as duas costas africanas e a metropole, louva-se exclusivamente nos contos da empreza interessada?

Pois o meio de verificar sobre dados certos e seguros, o subsidio a estabelecer para a navegação, é procurar informações dos interessados, e só dos interessados, isto é, da parte mais suspeita, quando o governo tinha meios ao seu alcance de apurar a verdade! (Apoiados.)

Alem d'isso não deixou a commissão de ponderar em linguagem mais ou menos clara, que a mala real, no começo, como estava do seu contrato, talvez não tivesse ainda os serviços devidamente montados, nem a pratica necessária para fazer uma exploração economica.

Mas de nada d'isto quiz saber o governo. O que o preoccupava era dar 500 contos por anno á mala real.

O mais grave porém, que só póde passar sem correctivo nos tempos que vão correndo, de que nenhum governo até ha dez ou doze annos a esta parte teria a coragem de assumir a responsabilidade perante as côrtes, é o seguinte:

«A commissão julga dever frizar bem que nos estudos d'esta carreira se louvou exclusivamente nas contas de receita fornecidas pela mala real, adoptando a media de to-

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das as suas viagens, pois não teve outros elementos extra-officiaes e até lhe faltaram os dados officiaes que em tempo requisitou das estações competentes.!»

Sr. presidente, depois da declaração da commissão techinica de que nas estações officiaes lhe negaram os dados que ella requisitou para aconselhar o governo sobre uma medida, pela qual elle vae dar 500 contos annuaes a uma empreza particular, não se comprehende como ministerio o cortes vão dar sem mais exame o seu assentimento a este projecto!

Não conheço facto mais grave, nem d'elle resam os annaes parlamentares! Em desabono dos processos governativos do nosso paiz não ha de certo argumento mais eloquente!

Mas vae tudo assim! O que eu não sei é como a empreza da mala real não pediu 5:000 contos em vez de 500 contos, que tudo lhe dariam!

Repito, para este facto ficar bem consignado, que a commissão encarregada pelo governo do colher os dados necessarios para aconselhar o subsidio que se devia propor ás côrtes para a companhia de navegação de Africa, pediu esclarecimentos ás estações officiaes, que estas lhos negaram, e que o governo, em vez de tomar as providencias que o caso pediu, se contentou com as informações da mala real, que, como interessada, era a fonte mais suspeita!

Do que o paiz deve tomar nota é de que tal era a ancia de dar a mala real 500 contos annuaes por um serviço que ella ajustára por 98 contos em praça, que se apresentou projecto, instruido com documento comprovativo de que as estações officiaes negaram absolutamente os esclarecimentos que a commissão technica lhes pedira! Não precisava esta medida de outra mortalha para baixar á sepultura!

Mas, sr. presidente, sempre é bom que o publico saiba o que pensa a commissão technica a respeito dos prejuizos soffridos pela mala real, que o governo não especifica, como lhe cumpria, especialmente onerando o thesouro com o grande encargo da elevação do subsidio de 98 contos a 500 contos.

Consta do relatorio da commissão technica, que onde a mala real teve mais prejuizos foi na carreira de navegação para a Africa occidental, onde luctava com uma companhia rival.

Diz a commissão:

«A commissão julga ainda dever advertir que o deficit denunciado nas contas do mala real relativas á carreira de Lisboa a Mossamedes deve em parte ser attribuido á desvantajosa concorrencia feita pela empresa nacional, a qual, como é sabido, n'esta carreira gosa do privilegio da carga e cios passageiros do estado.»

A navegação para a Afrca occidental é feita, sem subsidio pecuniario, pela empreza nacional, que tem apenas o exclusivo da carga e dos passageiros do estado, e que só com esse exclusivo, e com uma boa administração, aufere rasoaveis lucros do seu contrato, sem se tornar pesada ao estado.

A navegação para a Africa occidental temos nós assegurada sem sacrificio para o thesouro. Basta-nos cu idar agora da navegação para a Africa oriental.

Careciamos de saber especificadamente o deficit da mala real na navegação para cada uma das costas africanas, e as suas causas e origens, bem como o movimento nos differentes portos de escala, não só para apurarmos qual o subsidio necessario, mas para vermos se os sacrificios são compensados por quaesquer vantagens commerciaes, economicas ou politicas.

A commissão technica sempre foi insinuando que não podia saber ao certo a causa dos prejuizos que a mala real diz ter soffrido.

É extraordinario o facto, de uma empreza, que contrata em concurso um serviço por doze annos ao preço de 98 contos por anno, que perde no primeiro anno, anno de aprendizado, em que não podia ter aproveitado ainda as lições da experiencia, nem os serviços bem organisados que deveria compensar a perda ou desfalque com os lucros de annos futuros, vir logo pedir, e pelo espaço de doze annos, o subsidio de 500 contos annuaes!

Já o pedido não representa pequeno desembaraço. Mas a concessão por parte dos altos poderes do estado representa uma verdadeira humilhação para o contribuinte exhausto!

Sr. presidente, este subsidio exagerado e violentamente extraordinário podia ainda ter correctivo num concurso amplo e leal. Mesmo os que votam esta violencia tinham para sua salvaguarda o argumento de que o subsidio havia de ser arbitrado em concurso, porque em concurso todos estes encargos podiam baixar ao que fosse estrictamente rasoavel.

Mas pelo novo parecer das commissões acaba-se abertamente com o concurso, o que é facto unico em projectos d'esta ordem, e em subsidios d'esta natureza. Não ha nos annaes parlamentares, nem nos annaes da nossa governação, precedente de se terem dado 500 contos de réis por anno no largo periodo de doze annos, ou no de vinte e dois annos no caso de prorogação, prescindindo do concurso. O facto é novo, e tão extraordinario, que é provavel que nunca mais se repita. (Apoiados.)

E para que se fazem estes sacrificios. Merece-os a navegação para Moçambique? Ouçâmos a commissão technica. Diz esta:

«Na verdade, sabe-o v. exa. muito bem, as estatisticas do movimento commercial de Moçambique, são nos seus conjunctos pouco lisonjeiras, mas sobretudo as que registam as relações commerciaes com a metropole são absolutamente desanimadoras.

«Ora, achando-se o principal commercio d'aquella provincia nas mãos dos estrangeiros, que o fazem derivar directamente para os seus respectivos mercados por meio de poderosas companhias de navegação largamente subsidiadas, acontece naturalmente que os navios portuguezes d'aquella carreira se vêem obrigados a andar por assim dizer de porão varrido.

«Não parece á commissão que estas precarias circumstancias se venham a modificar favoravelmente nos primeiros annos, a ponto de ser preciso estabelecer desde já n'aquella carreira grandes navios.»

Mas não fica por aqui a desnecessidade das despezas loucas com que o governo vae carregar o paiz. Os poderes do estado vão onerar largamente o contribuinte para ficarmos com um serviço longo e demorado, porque insistem em que a viagem seja pelo Cabo e não pelo canal de Suez.

Diz a commissão: «Seja qual for, porém a resolução adoptada quanto á tonelagem dos navios d'esta carreira, desejaria a commissão que lhe fosse permittido insistir calorosamente junto de v. exa. para que a ligação com a provincia de Moçambique seja feita pelo canal de Suez e não pelo cabo da Boa Esperança.

«A provincia de Angola, incontestavelmente menos fertil do que aquella, principalmente na vastíssima zona do seu litoral, que é de uma esterilidade desoladora, tem prosperado pelo crescente desenvolvimento da sua agricultura e do seu commercio, ao passo que a provincia, de Moçambique cujo solo uberrimo se reveste por toda a parte de uma pujante vegetação desde o espraiado das ondas até aos mais reconditos sertões, e que na opinião dos entendidos é apropriada às mais variadas e ricas culturas, permanece em um lamentavel abandono.

«Parece á commissão, se lhe é permittido emittir opinião em tão momentoso assumpto, que uma das principaes causas d'este desfavoravel confronto deve ser attribuida á falta de navegação directa e regular que encurte a distancia entre a metropole e a colonia da costa oriental.

«Continuar a navegação pelo Cabo equivale, na opinião da commissão, a manter esta desigualdade de condições em

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proveito da costa Occidental, mas com grave detrimento dos interesses da costa oriental; significa para os passageiros desta ultima a imposição de uma viagem morosissima e incommoda, com o grave inconveniente de ser feita em navios de pequena tonelagem, precisamente na parte em que a navegação e mais incommoda, trabalhosa e arriscada, e finalmente representa para o commercio o transtorno de baldeações, sempre onerosas e prejudiciaes.

«Por tudo isto parece á commissão, que na hypothese de se manter a carreira pelo Cabo, não será para admirar que o commercio d'aquella provincia com a metropole prefira a navegação estrangeira á nacional, principalmente agora que uma companhia allemã vae estabelecer carreiras directas pelo canal entre Lisboa e aquella costa.»

Tal era o appetite de gastar o dinheiro e de avolumar o subsidio, que até se estabeleceu a ligação da costa oriental com a costa occidental contra os interesses publicos e contra o parecer da commissão technica.

Diz a commissão: «O encargo da navegação entre a metropole e a provincia de Moçambique pelo canal de Suez, acha-se aggravado pela navegação entre Lourenço Marques e Mossamedes, se a ligação das duas costas for julgada indispensavel. A commissão, porem, entende, salvo opinião mais auctorisada em contrario, que essa ligação e absolutamente desnecessaria. Na verdade a commissão não alcança bem as vantagens que para o commercio possam advir d'esse penoso encargo, pois esta carreira seguramente não será utilisada para a permutação da borracha de Moçambique com a cera de Angola, ou o marfim d'esta com a ginjuba d'aquella e reciprocamente. Pelo contrario, comprehende-se bem que se devem fazer todos os sacrificios para se estabelecer uma drenagem tão ampla quanto possivel, do commercio do sertão para o litoral em ambas as costas, e para d'ali o conduzir pelo caminho mais curto e mais economico á metropole.

«Quanto ás vantagens administrativas provenientes da ligação d'essas duas colonias, se porventura as ha, pensa a commissão que essas vantagens não compensam de modo algum os encargos que d'ahi derivam, alem de que podem ser devidamente acauteladas no contrato que tenha de se fazer, prevenindo-se a hypothese do governo precisar de um navio de commercio para mandar de uma á outra costa, quando não tenha ou lhe não convenha empregar n'esse serviço os transportes do estado. Pois e fora de duvida que qualquer d'essas hypotheses será muito mais economica do que a manutenção de uma carreira entre portos que não têem, nem podem vir a ter relações commerciaes de natureza alguma.

«Por tudo isto julga a commissão que o encargo correspondente á navegação entre Lourenço Marques e Mossamedes seria muito bem applicado á ligação da India com a metropole o com a provincia de Moçambique por trasbordo em Aden, e porventura á ligação das nossas colonias do extremo Oriente, quando mais não seja, por uma carreira annual ou semestral feita por navios nacionaes ou então por uma carreira mais frequente feita por combinação com a grande companhia transatlantica do reino vizinho, a qual pelos seus itinerarios poderia fazer um serviço regular em condições vantajosas para nós.

«Ainda na hypothese da navegação para a costa oriental ser feita pelo canal de Suez, parece á commissão que o commercio da provincia de Angola muito terá a lucrar com a continuação da carreira de Lisboa a Mossamedes pelos vapores da mala real, que lhe veiu a prestar como e geralmente sabido, grandes serviços.»

No ultimo parecer das commissões, aggravaram-se por tal maneira as condições da proposta ministerial, que já não podem concorrer senão a empreza nacional e a mala real. (Apoiados.) Pelo ultimo projecto das commissões ficou tudo redigido, preparado e encaminhado para entregar os 500 contos de réis á mala real, que associará a si no seu interesse a empreza nacional. Feio primeiro parecer ainda era possivel abrir concurso para o serviço da navegação. Agora pelo novo parecer e impossivel. (Apoiados.) Agora a franqueza excedeu todos os limites. Nem ao menos se guardaram as apparencias. Todas as contemplações com o publico acabaram. A mala real pode estar descansada que vae receber 500 contos de réis por anno, sem competidor!

Ora vejâmos:

No primeiro projecto dizia-se no § 1.° do artigo 1.°:

«Os concorrentes só poderão ser individuos ou emprezas portuguezas, e a empreza ou companhia que se formar para execução do serviço de navegação nos termos das bases juntas será constituida com capitães subscriptos em Portugal, devendo a maioria dos seus directores ser sempre portuguezes, e a séde da dita empreza ou companhia em Lisboa ou Porto.»

Agora no parecer sobre as emendas, o § 1.° do artigo 1.° e redigido assim:

«Os concorrente» só poderão ser emprezas constituidas com capitães subscriptos em Portugal, devendo a sede da empreza ou companhia ser em Lisboa, e os seus directores ou administradores portuguezes.»

Pelo primeiro projecto podiam concorrer á praça publica não só empreza portugueza mas qualquer individuo portuguez.

Pelo novo parecer não podem concorrer individuos, nem emprezas, que não estejam já constituidas. Se um portuguez quizer ir á praça publica, e offerecer pelo serviço 100 ou 150 contos de réis, para depois transferir a concessão a empreza tambem portugueza, com auctorisação do governo, e impedido de o fazer pelo ultimo parecer sobre as emendas que diz positivamente que os concorrentes só poderão ser emprezas já constituidas com capitães subscriptos em Portugal.

Portanto, ao concurso nenhum individuo e admittido, nem mesmo empreza que não esteja já constituida com capitães subscriptos em Portugal. E claro, pois, que só a mala real pode vir ao concurso.

Era mais leal e mais sincero, e não contrariava as tendencias da epocha declarar positivamente que o unico fim do projecto era dar por anno 500 contos de réis á mala real! (Apoiados.)

O concurso só no papel fica reconhecido, desde que não podem concorrer senão emprezas portuguezas já constituidas.

Era melhor prohibir abertamente o concurso, e declarar que o thesouro, no estado prospero das suas finanças, resolvia dar 500 contos de réis por anno á mala real, nos quaes teria parte a empreza nacional, se com aquella quizesse entender-se.

E para não ficar duvida de que os 500 contos de réis são não para a navegação, mas para estas duas companhias, e para evitar o risco de se constituir alguma outra empreza para este fim ate a conversão do projecto em lei, modificou-se outro artigo importante do primeiro projecto para impossibilitar de concorrer a este serviço outra qualquer empreza que se constituisse a não ser a mala real.

No projecto do governo e no primeiro projecto da commissão dizia-se no artigo 16.º

«O presente contrato entrará era vigor dentro de seis mezes da data da sua assignatura, podendo este praso ser prorogado por outros seis mezes, o máximo, se a prorogação for justificada por demora inevitável na construcção dos novos vapores, comtanto que a construcção haja sido começada tres mezes antes, pelo menos, de ser pedida a prorogação.»

Portanto uma empreza que não tivesse ainda o seu serviço montado, nem o material necessario para a navegação, não ficava por isso impedida de vir ao concurso porque podia contar com a prorogação do praso para a construcção de novos vapores, adequados ao serviço.

Quer agora, a camara ver como foi eliminada esta faci-

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1776-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

lidade para o concurso, e como ficou no ultimo projecto o artigo 16.°?

«O presente contrato entrará em vigor dentro do praso de seis mezes da data da sua assignatura.»

Pelo novo parecer nenhuma prorogação e admittida. A empreza que não tiver o material comprado e os seus estabelecimentos montados, para fazer immediatamente o serviço, está excluida do concurso; e de mais a mais houve todo o cuidado, e logo na proposta do governo, em prescrever um typo de navios perfeitamente igual ao material da mala real, que e por todas estas rasões a unica que pode entrar no concurso! Faz-se um concurso para só uma entidade concorrer!

Ora para chegar a esta conclusão escusado era tanto trabalho. Melhor fôra ter-se reduzido o projecto a dois artigos:

«Artigo 1.° O serviço da navegação para a Africa e entregue á mala real, e só á mala real.

«Art. 2.° Em vez de 98 contos, que ella ajustou em concurso, dão-se-lhe 500 contos sem concurso, visto ser peio agora o serviço!»

E ficava assim tudo perfeitamente liquidado, e sem incommodo, e do mesmo modo contente muita gente! (Apoiados.)

Sr. presidente, é para lamentar que o nosso nivel politico tenha descido tanto, que haja administradores de dinheiros publicos com a coragem de entregar sommas tão importantes a uma empreza particular, preterindo todas as regras de boa administração, sem exceptuar o concurso, que ate hoje foi considerado necessidade impreterivel em negocios d'esta ordem.

Prescrever o concurso, fixando ao mesmo tempo todas as condições indispensaveis para excluir os concorrentes, não digo que seja acto de irrisão, porque tenho todo o respeito pelos meus collegas, mas não e de certo acto de administração.

Este projecto, sob a apparencia de concurso, representa na realidade uma concessão graciosa.

Alem d'isso inclue o governo no projecto do contrato a ligação da Africa oriental com a Africa occidental, pronunciando-se aliás abertamente contra esse serviço a commissão technica nomeada pelo governo para dar parecer sobro o assumpto.

Este serviço, que evidentemente prejudica a rapidez das communicações entre os portos das duas Africas e a metropole, foi acrescentado para dar uma apparencia de justificação ao enorme subsidio, que sem concurso, vae ser dado de presente á mala real.

Não param aqui os actos de favoritismo que foram dispensados á mala real no ultimo parecer sobre as emendas.

No primeiro parecer a base 2.ª do artigo 1.º dizia assim: «Haverá uma carreira mensal ligando com a precedente, entre Mossamedes e Tungue, com escala, tanto na ida como na volta, por Lourenço Marques, Inhambane, Quelimane, Moçambique e Ibo, devendo esse serviço prolongar-se até Zanzibar».

Pois esta base 2.ª do artigo 1.º no ultimo parecer sobre as emendas foi redigida assim: «Haverá uma carreira mensal ligando com a precedente, entre Mossamedes e Tungue, com escala, tanto na ída como na volta, por Lourenço Marques, Inhambane, Quelimane, Moçambique e Ibo, devendo esse serviço prolongar-se até Zanzibar, se assim for necessario para assegurar as communicações regulares entre Moçambique e a India portugueza».

É preciso que os meus collegas e os que os elegeram sejam millionarios, que lhes não faça differença pagar impostos para tamanhos encargos, para assim votarem de coração leve estes augmentos de despeza!

E para a approvação d'este projecto ser acompanhada de todas as circumstancias, devo ainda ponderar á camara, que me consta haver quem fizesse, sem subsidio pecuniario, em melhores condições de serviço e de velocidade, a navegação entre Lisboa e a Africa oriental.

Mas serviço gratuito não o queria o governo, como o não queriam os ministerios que o antecederam.

No proprio dia em que começava a discussão deste projecto de lei publicava um jornal dos mais bem escriptos da capital, um artigo sobre o assumpto que eu vou ler á camara, e que e da mais alta importância, porque o redactor principal desta folha, nosso collega nesta casa, e que }á foi ministro da pasta da marinha, tem competencia especial para depor sobre os factos narrados n'aquelle artigo.

Diz esse jornal no artigo a que me refiro, de certo escripto pela penna brilhante que o redige quasi diariamente:

«O sr. Henrique de Macedo, hoje conde de Macedo, encontrou ao subir ao ministerio um contrato provisorio pelo qual se estabelecia gratuitamente a ligação entre as duas costas africanas. A navegação directa para Moçambique era feita pela companhia Donald Currie em troca do subsidio de 72 contos de réis annuaes.

«O ministro progressista rasgou esse contrato e fez um contrato com a mala real portugueza, pelo qual esta companhia se comprometteu a estabelecer carreiras para Moçambique, tocando na Africa occidental, a troco do subsidio de 98 contos de reis. Estes paquetes que tinham de tocar nos principaes portos da Africa occidental, compromettiam-se tambem a ír ao ponto mais extremo da Africa oriental portugueza em quarenta dias.»

Ora, sendo, como não póde deixar de ser, exacto este facto, attenta a origem da noticia, se nós podermos ter de graça a navegação entre as duas costas africanas e salvar assim o thesouro de um grande encargo, ahi está mais uma rasão, e bem incontroversa, para pôr de parte este projecto.

Não é tão solida e prospera a nossa situação financeira, que o governo não deva pôr especial cuidado em economisar ao thesouro um encargo de centenares se não de milhares de contos de réis.

Isto é pelo lado da questão financeira.

Mas não posso deixar de considerar tambem debaixo do ponto de vista economico o contrato, pelo qual as cortes vão dar 500 contos de reis, sem concurso, por um serviço que ate aqui custavam 98 contos de reis, fixados em concurso.

Quem, a não ser passageiro do estado, porque lho não pagam a passagem senão na mala real, quererá sujeitar-se a gastar de Moçambique para Lisboa cincoenta e cinco dias nos vapores da mala real, quando uma empreza allemã, faz a travessia em vinte e quatro dias?

Precisâmos de navegação que ponha em communicação rapida a Africa oriental com Lisboa, e começâmos por sujeitar os passageiros do estado a fazer uma viagem longa, morosa e incommoda, a uma viagem de cincoenta e cinco dias, que pode fazer-se em vinte e quatro!

Tudo isto é pretexto para dar 500 contos de réis de subsidio á mala real!

O passageiro do estado que podia ir mais rapidamente e mais commodamente a Moçambique, embarcando em Lisboa ou mesmo em Marselha, ha de ser obrigado a seguir viagem costa a costa, indo primeiro a Mossamedes para seguir depois de Mossamedes para Moçambique!

Então a navegação portugueza n'aquellas paragens, com o subsidio á mala real, acabou de todo.

Não ha de certo commerciante portuguez nem estrangeiro que faça remessa das suas mercadorias por embarcação em viagem de cincoenta e tantos dias de Moçambique a Lisboa, podendo aproveitar paquetes que fazem a travessia em muito menos de metade do tempo.

O projecto, pois, longe de favorecer, prejudica a navegação nacional entre a metropole e o continente africano, pois o commercio prefere a tudo a rapidez e a velocidade, sem se importar com a nacionalidade de bandeira.

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APPENDICE Á SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE AGOSTO DE 1890 1776-G

A nossa marinha mercante não poderá mais apparecer n'aquellas paragens.

A bandeira portugueza não pode mais fluctuar nas nossas embarcações mercantes nas possessões ultramarinas, porque a mala real, cercada de tantos privilegios, com um subsidio pecuniário de 500 contos de réis por anno e o exclusivo da carga e passageiros do estado, põe fóra de combate toda a nossa marinha mercante, que não póde competir com uma empreza tão privilegiada.

Continúa a prosperar a marinha mercante estrangeira, que não carece d'estes favores, mas a portugueza desapparece de todo, se ainda existe.

Paga-se por alto preço uma providencia destinada a proteger a marinha mercante portugueza, condemnando ao exterminio a bandeira nacional!

Tanto se inspirou no bem do serviço este projecto, que por elle fica condemnado o commercio do Lisboa a receber a correspondencia de Moçambique com a demora de cincoenta e cinco dias, quando podia tel-a em vinte e quatro dias!

Não póde o governo ainda que queira contratar com uma dessas companhias transatlanticas, que fazem a carreira em grande velocidade, o transporte da correspondencia, a troco de qualquer pequena commissão.

Como não permittia já o contrato de 1867, que fizera esta funestissima innovação nos anteriores contratos, que se ajustasse com qualquer outra empreza o transporte das malas do correio, desde que houvesse de se lhe pagar algum subsidio por mais insignificante que fosse!

Mais este grave inconveniente foi-lhe notado pela commissão extra-parlamentar, que elle nomeou para o aconselhar.

A tal perfeição chegou o desejo immoderado de favorecer a empreza, que se lhe permitte a ella, e se nega ao governo denunciar o contrato!

Podem ámanhã as circumstancias reclamar, como absolutamente indispensavel a denuncia d'este contrato por muitas rasões politicas ou economicas, umas já previstas e outras que podem surgir de momento. Pois o governo não pode resilir o contrato antes do praso, podendo aliás resilir a empreza!

Na proposta primitiva ainda se guardava o direito de reciprocidade para ambas as partes, governo e empreza, porque se facultava ao governo, como á empreza, denunciar o contrato. O parecer das commissões, porem, nega esse direito ao governo e reserva-o só para a empreza!

A empreza póde fazer o que quizer com o enorme subsidio de 500 contos do réis por um serviço que se ajustou por 98 contos de reis, e com o exclusivo do transporte de passageiros e da carga do estado. O governo nem o transporte da correspondencia pode contratar com outra empreza, desde que tenha de abonar-lhe por isso algum subsidio! A empreza pode denunciar o contrato, o governo não.

Este contrato e franca e abertamente leonino. Não tenho outro nome para exprimir claramente o meu pensamento, salvo aliás o devido respeito pelas opiniões e pelas intenções dos que o approvam.

Passaram as commissões de coração leve por cima das rasões, com que o relatorio justificava o direito do estado a denunciar o contrato.

Dizia o relatorio:

«O governo não esqueceu, porem, que a transformação por que está passando a provincia de Moçambique pode felizmente accentuar-se no sentido de acrescimo do movimento commercial de uma maneira tão consideravel que o serviço deva, por interesse publico inadiavel, organisar-se em outras condições de rapidez e de frequencia de carreiras.

«É este pensamento que dictou o artigo das bases que estatue que, em qualquer epocha, e não se havendo dado causa de rescisão derivada da falta de execução do contrato que se celebrar, seja permittido ao governo rescindil-o mediante o pagamento de multa. Considerações que são obvias levaram a ampliar igual faculdade á empreza, tendo-se acautelado qualquer abuso com a fixação de uma multa avultada, no caso de rescisão pelo não cumprimento do contrato.»

A approvação de um projecto em similhantes condições, com a circumstancia aggravantissima de se dispensar o concurso para dar 500 contos de réis por um serviço que custa 98 contos de reis, representa a mais alta coragem nos poderes do estado!

Entrega-se a uma empreza o monopolio da navegação para as duas Africas, e paga-se-lhe ainda á larga o favor de exercer esse monopolio, e pratica-se este erro de administração, ou o que e, quando está assegurada ainda por dois annos a navegação para a Africa Occidental em magnificas condições de serviço, sem subsidio pecuniario, salva a modesta retribuição pelo serviço directo entre as ilhas de Cabo Verde.

Podiamos tratar provisoriamente com alguma das companhias hespanhola ou allemã, que fazem esta carreira, a navegação para a Africa oriental, que alcançariamos de certo sem subsidio pecuniario, e daqui a um ou dois annos tomariamos a respeito da navegação para as duas Africas as providencias que as circumstancias aconselhassem.

E fallo em empreza allemã ou hespanhola, visto que a não querem ingleza.

É extremamente pueril, se e que não serve de pretexto para varias despezas a exigencia da navegação portugueza para a carreira da Africa oriental. Se por via das nossas contendas com o governo inglez não querem navios inglezes aproveito se um paquete allemão que toca todas as semanas em Lisboa, e que faz em vinte e quatro dias a viagem entre Lisboa e Moçambique, segundo declara a commissão technica consultada pelo governo sobre o assumpto, a companhia hespanhola transatlântica, com carreiras estabelecidas para a Africa oriental, a que a mesma commissão technica se refere. Não ha necessidade, absolutamente nenhuma, de empenhar a nação em mais 500 contos annuaes, que o contribuinte não pode pagar sem alto sacrificio, porque com grande sacrificio elle paga mesmo a despeza já existente e urgente. Nem o sr. ministro da fazenda podo ir de boa vontade para similhante medida. Quem não teve duvida de escrever no relatorio de fazenda amargas verdades sobre a situação do thesouro, e de proclamar a necessidade de economias, não pode associar-se a um projecto que em definitiva se reduz a sacrificar o contribuinte em beneficio do em prezas particulares. (Apoiados.)

O governo devia contentar-se, em relação ao ultramar, com o celebre caminho de ferro de Mossamedes. Só essa providencia era bastante para illustrar esta administração, não fallando agora no caminho de ferro de Lourenço Marques.
Podia, portanto, prescindir o governo deste projecto, porque já com outras providencias tinha creado encargos onerosissimos para o thesouro! (Apoiados.)

Cria-se á custa do contribuinte em favor de uma empreza particular o monopolio da navegação, annullando-se a nossa marinha mercante em Africa, e entregando-se ao estrangeiro o nosso commercio n'aquellas paragens, papando-se ainda por cima um subsidio de 500 contos de réis por anno, quando muito duvidoso se as forças tributarias do paiz podem com as despezas já creadas, quanto mais com despezas novas e desnecessarias!!

Vozes: - Muito bem.

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APPENDICE Á SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE AGOSTO DE 1890 1776-H

O sr. Elias Garcia: - O meu illustre collega o ar. Eduardo José Coelho, disse nas poucas palavras que pronunciou, que tinha estranhado a frouxidão com que fallára o sr. ministro da fazenda e achava que essa frouxidão resultava de s. exa. estar pouco seguro do projecto, e creio que disse a verdade. Foi exactamente por não comprehender o que tinha dito o sr. Dias Ferreira, que o sr. ministro da fazenda entendeu que eu podia, não sustentar a minha emenda, porque era claro que eu estava prompto a sustental-a, mas responder ao sr. Dias Ferreira, por isso que se tinha referido á minha emenda. E o sr. Eduardo Coelho não entendeu melhor o que disse o sr. Dias Ferreira; de maneira que, tão pouco conhecimento tem da economia do projecto o sr. ministro da fazenda como o sr. Eduardo José Coelho. A liquidação que eu faço de tudo isto, e que nem o sr. Eduardo José Coelho nem o sr. ministro da fazenda comprehenderam o que disse o sr. Dias Ferreira.

(Interrupção ao sr. Eduardo José Coelho.)

Se o illustre deputado comprehendesse o que disse o sr. Dias Ferreira, devia ter notado que o sr. ministro da fazenda só por pouco conhecimento do assumpto me incumbia a mim a defeza do projecto. Por isso eu digo que nem o illustre deputado, nem o sr. ministro da fazenda comprehenderam o que disse o sr. Dias Ferreira; e quando o sr. Eduardo José Coelho esteve applaudindo osr. Dias Ferreira, não sabia que estava dando applausos á opinião que s. exa. manifestava contra as propostas de um correligionado sr. Eduardo Coelho, isto é, ás propostas do sr. Elvino de Brito. O que o sr. Dias Ferreira disse foi que o projecto, da maneira como estava redigido inutilisava completamente o concurso.

(Interrupção do sr. Eduardo José Coelho.}

O que eu vejo e que s. exa. nem agora mesmo o comprehendeu. (Riso.) Eu estou a explicar primeiro ao illustre deputado o engano em que está quando suppõe que o sr. Dias Ferreira se referia a mim, quando se referia ao sr. Elvino de Brito.

A rasão porque eu pedi a palavra quando fallava o sr. Dias Ferreira, foi porque s. exa. asseverava uma cousa absolutamente contraria às minhas opiniões. O sr. Dias Ferreira dizia que o projecto acabava completamente com o concurso. Tornava impossivel o concurso, e ia effectivamente buscar a rasão da sua asserção á disposição, que está consignada no projecto no artigo 1.° e na base 16.ª, em virtude da qual não e possivel havel-o.

Foi a proposito d'esta disposição que o sr. Dias Ferreira disse que era impossivel o concurso; e por isso, quando s. exa. fallava a respeito do concurso e se pronunciava muito abertamente a favor do concurso, como que admirando-se de que possamos ter um serviço mais caro do que tinhamos com o concurso, foi então que eu pedi a palavra para dizer a s. exa. que, quando os concursos são estabelecidos em más condições, e isso principalmente devido á ignorancia e insciencia da administração, em desconhecer o modo por que se deve recorrer aos concursos. Uma administração conhecedora dos negocios, sabe logo quando um lanço na praça e baixo ou não e, e uma administração que se presa não adjudica nunca uma obra, quando o que vae á praça lançar, a pretende fazer por um preço, pelo qual a administração sabe que e absolutamente impossivel fazer a obra. (Apoiados.)

Esta e a regra que deve seguir o poder executivo em assumpto de obras publicas, não é outra.

Não é em presença da praça que se mostra que e absolutamente impossivel construir uma obra. Não é em presença d'ella que os homens que sabem e estudam, hão de curvar-se, dizendo que a praça sabe mais do que elles. Não sabe.

Se o sr. Dias Ferreira aqui estivesse dizia: - Está ali o contrato e a praça ha de corrigil-o.

Ora, eu tenho ouvido dizer a muitos advogados - está ali o contrato e ha de cumprir-se. Cumprir-se o que? Não ha de cumprir-se, o que se não pode cumprir, embora esteja no contrato. Tenho-os visto querer tirar oiro donde não está senão terra. Mas tambem tenho visto de perto quanto se paga por estas doutrinas que se propagam e que são falsas, absolutamente falsas.

Uma administração que se presa não vae fazer um contrato sem saber o que faz; não vae ás cegas dizendo que não sabe, que não pode saber, que não pode fazer. Uma administração que se presa não diz que vae ao concurso, e o concurso dirá a verdade. Isso e uma burla, não e outra cousa; e a ausencia de boa administração. (Apoiados.) Foi n'essa occasião que eu pedi a palavra, porque queria dizer isto ao sr. Dias Ferreira, que sinto muito não esteja presente.

Vou agora dizer poucas palavras com respeito á emenda que eu apresentei, porque já a justifiquei, repetindo exactamente as rasões que eu dei então; e se o sr. Ferreira de Almeida aqui estivesse n'essa occasião não diria aquillo que disse hoje, porque sabia qual era o meu pensamento. S. exa. não estava presente por motivo de doença.

Votei contra o projecto e disse a rasão por que votára contra elle. Votei na generalidade contra elle, porque não percebia o que o governo queria.

Disse ser minha opinião que se deviam empregar todos os esforços para manter a nossa navegação e mantel-a em, mãos portuguezas.

É este o objectivo. Não sei se esta opinião e da republica ou do governo. Ao que diz o sr. Eduardo José Coelho é facil responder-lhe.

Fique sabendo o sr. Eduardo José Coelho, que se o governo, se os meus collegas não têem esse desejo, a republica tem o de que a nossa navegação deve ser mantida, acrescentada e melhorada, e que na conjunctura que vamos atravessando deve manter-se em mãos portuguezas, em contrario da opinião do sr. Dias Ferreira que deixa que qualquer companhia faça esse serviço, porque não se quer associar a quaesquer accidentes que possam sobrevir. Não quero dizer quaes são as consequencias desastrosas que podiam advir d'ahi. Por este motivo e só por elle e que eu disse que votava contra o projecto. Uma vez que estava no projecto um artigo em virtude do qual podiam reunir-se as duas companhias, mala real e empreza nacional, eu disse que n'essa hypothese era melhor, era preferivel que em vez do concurso o governo tratasse com ellas directamente, e apresentei as vantagens e utilidade da adopção d'esse alvitre.

Tem-se aqui sustentado que este projecto seria muitissimo mais economico se a navegação para a Africa oriental se fizesse por Suez e não pelo cabo. Ora e evidente que os que têem a sua opinião formada de que e absolutamente superior para a navegação a linha de Suez, esses podem dizer que ella sae mais barata, mas os que não tiverem essa opinião, ainda que a viagem pelo Cabo da Boa Esperança saia mais cara, apresentarão as vantagens compensadoras d'essa despeza. Apresentarão um projecto mais caro, mas que em verdade o não é, pois que uma cousa e carestia relativa, outra e carestia absoluta.

Desde que ha uns que entendem que se deve ir por Suez, e outros que entendem que se deve manter a navegação pelo Cabo da Boa Esperança, aquelles cuja opinião preponderar hão de sobrecarregar o seu projecto com a despeza relativa a essa navegação, sem que por isso se possa dizer que uma e mais cara do que a outra.

Eu lembrei ao governo que contratasse directamente porque assim pode contratar de modo a fazer tambem a navegação por Suez, por experiencia, sem deixar a navegação pelo Cabo e chegar assim a poder responder concludentemente e com dados exactos a uns e a outros.

Já vê o sr. Ferreira de Almeida que eu não sou contrario á navegação por Suez. S. exa. tem essa opinião formada e é das mais auctorisadas, mas eu tenho encontrado

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1776-I DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

outros officiaes de marinha não menos auctorisados, que são uns da opinião de s. exa., outros contrários a ella. Eu não tenho auctoridade alguma, respeito muito a de s. exa., mas até agora ainda não encontrei rasão sufficiente que me inclinasse a fazer adoptar exclusivamente a linha de Suez. O que eu entendo é que por qualquer maneira devemos ter sempre em ligação as duas costas.

Eu apresentei apenas uma solução para o governo poder chegar a satisfazer todos os desejos, se acautelar como póde o deve pela maneira mais conveniente a rescisão do contraio e a sua duração pelo periodo mais curto.

Collocava o governo nas condições de exercer uma fiscalisação mais directa; fora esta a minha opinião fazendo ou propondo ou indicando, que se contratasse directamente; e fazendo isto, eu não dava voto de confiança política ao governo, mas desde que a questão se tinha apresentado com uma feição tão pouco politica, era evidente que era uma questão de administração e ao governo competia exercer a faculdade que aqui lhe era dada.

Disse tambem que o concurso tal como estava era gracioso, porque nós temos obrigação de olhar para as cousas como ellas são, porque não havia capitães no paiz de modo a formar uma companhia nova e para não corrermos o risco de que essa companhia fosse para mãos estrangeiras era necessario empregar meios preventivos.

Esta foi a minha opinião, é tambem esta a explicação que neste momento faço e que não tem por fim senão fazer com que as companhias estejam sempre em mãos portuguezas e armar o governo para que se faça essa navegação com todas as vantagens, porque se o governo não desse um subsidio tão alto e o baixasse a condições mais rasoaveis ninguem o increpava por isso.

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