O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 713

713

SESSÃO DE 19 DE SETEMBRO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Ayres de Gouveia

Secretarios — os srs.

D. Miguel Pereira Coutinho

Ricardo de Mello Gouveia

Summario

Demonstrações de sentimento pela morte do digno par do reino, o sr. Luiz Augusto Rebello da Silva — Discussão, que ficou adiada, de um projecto de lei relativo á construcção do caminho de ferro de Evora a Extremoz. — Ordem do dia: discussão e approvação do projecto de lei n.º 25, ácerca do porte das correspondencias trocadas entre Portugal e as suas colonias — Discussão do projecto de lei n.º 26, auctorisando o governo a contratar a navegação para a Africa.

Chamada — 45 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Agostinho da Rocha, Osorio de Vasconcellos, Alfredo da Rocha Peixoto, Cerqueira Velloso, Pereira de Miranda, Ayres de Gouveia, Correia Caldeira, Barros e Sá, Boavida, Arrobas, Cau da Costa, Saraiva de Carvalho, Carlos Bento, Fortunato das Neves, Francisco de Albuquerque, Correia de Mendonça, Francisco Costa, Pinto Bessa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Gomes da Palma, Melicio, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Cardoso Klerk, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, J. M. dos Santos, Menezes Toste, Nogueira, Mexia Salema, Manuel da Rocha Peixoto, Paes Villas Boas, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Placido da Cunha e Abreu, Ricardo de Mello, Visconde de Montariol, Visconde dos Olivaes.

Entraram durante a sessão — os srs.: Albino Geraldes, Teixeira de Vasconcellos, A. J. Teixeira, Antonio Julio, Telles de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Barão do Rio Zezere, Carlos Ribeiro, Pinheiro Borges, Francisco Mendes, Camello Lampreia, Perdigão, Sant'Anna e Vasconcellos, Frazão, Santos e Silva, Assis Pereira de Mello, José Luciano, Costa e Silva, Sá Vargas, José Tiberio, Luiz de Campos, Pires de Lima, Pinheiro Chagas, Pedro Roberto, Thomás Bastos, Visconde de Valmór.

Não compareceram — os srs.: Braamcamp, Soares e Lencastre, Conde de Villa Real, Eduardo Tavares, Caldas Aulete, F. M. da Cunha, Silveira Vianna, Silveira da Mota, Mártens Ferrão, Candido de Moraes, J. J. Alcantara, Vasco Leão, Baptista d'Andrade, Dias Ferreira, Rodrigues de Freitas, Moraes Rego, Mello Gouveia, Teixeira de Queiroz, Lourenço de Carvalho, Camara Leme, Affonseca, Alves Passos, Thomás Lisboa, Thomás de Carvalho, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Da mesa da camara dos dignos pares, participando ter sido adoptada por aquella camara uma proposição de lei da camara dos senhores deputados.

2.° Do ministerio do reino, em satisfação ao requerimento do sr. deputado José Bandeira Coelho de Mello, remettendo a nota estatistica da população de differentes freguezias do concelho de Vouzella.

Para a secretaria.

Requerimento

Requeiro que seja enviado á commissão de marinha o requerimento do sr. Faria, engenheiro constructor naval, apresentado na sessão legislativa passada, ácerca da sua collocação e vencimentos.

Sala das sessões, 18 de setembro de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foi remettido ao governo.

Nota de interpellação

Desejo interpellar o sr. ministro da fazenda, ácerca do lastimavel estado de ruina em que se encontra o barracão junto á estação dos caminhos de ferro de Elvas, no qual barracão funccionam os empregados da alfandega.

Sala das sessões, 18 de setembro de 1871. = O deputado por Elvas, João José de Alcantara.

Mandou-se fazer a devida communicação.

SEGUNDA LEITURA

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei apresentado n'esta camara, na sessão de 19 de dezembro ultimo, pelo sr. ex-deputado pelo circulo de Valle Passos, Julio do Carvalhal de Sousa Telles, e peço ao governo que o estude e medite profundamente quanto o seu assumpto o demanda, porque protesto occupar-me d'elle incessantemente na seguinte sessão ordinaria.

Sala das sessões, 18 de setembro de 1871. = Visconde de Montariol.

Foi admittida e enviada á commissão respectiva.

O sr. Cardoso Klerk: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Marvão, em que pede que os fundos existentes nos cofres das estradas de 1.ª classe, sejam concedidos á camara municipal, por isso que estão depositados n'aquelles cofres sem servirem para a construcção das estradas.

Quer a camara que este subsidio seja transferido para as estradas de 2.ª classe, a fim de dar andamento a uma estrada já começada, pertencente a esta mesma classe.

Mando portanto esta representação para a mesa, e peço a v. ex.ª que lhe dê o competente destino.

Aproveito esta occasião para pedir a v. ex.ª o favor de me dizer qual foi o destino que teve uma representação da camara municipal de Portalegre, em que pedia que lhe fossem concedidos quatrocentos e tantos mil réis, das estradas de 1.ª classe para continuar tambem a estrada de Portalegre a Alpalhão. Creio que foi apresentada na sessão de 18 do mez passado.

O sr. Presidente: — Foi mandado á respectiva commissão, que dará o parecer competente.

O sr. Fortunato das Neves: — Participo a v. ex.ª que por incommodo de saude, não pude comparecer ás sessões da camara desde o dia 7 até 18.

O sr. Visconde dos Olivaes: — Mando para a mesa as contas da commissão administrativa relativas ao periodo decorrido desde 11 de março até 3 de junho do corrente anno.

Peço que sejam remettidas á commissão de fazenda, para sobre ellas dar o seu parecer.

O sr. Adriano Machado: — Quando hontem se decidiu que fosse prorogada a sessão, retirei-me com o sr. Rodrigues de Freitas, tencionando ambos voltar a tempo da votação, mas esta precipitou-se, e quando tornámos já se tinha consummado aquelle acto. Ora, eu que não desejo fugir a nenhuma responsabilidade, declaro que se estivesse presente, teria votado a lei de meios.

Tenho tambem de mandar para a mesa, a fim de serem distribuidos pelos srs. deputados, 108 exemplares de um opusculo escripto pelos professores do lyceu do Porto (não na qualidade de professores, mas na de pessoas amigas da instrucção publica, e muito competentes para tratar d'ella), refutando uma informação que a junta consultiva de instrucção publica dera sobre outra representação que o conselho do mesmo lyceu tinha enviado ás côrtes, e que foi

42

Página 714

714

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

remettida ao governo. É um trabalho importante que tem por fim vulgarisar entre nós o systema de ensino que o decreto de 31 de dezembro de 1868 pretendeu introduzir entre nós, systema que é adoptado hoje em quasi toda a Europa, menos em Portugal, Hespanha e algumas poucas nações mais onde a instrucção secundaria não está tão adiantada. Ahi mostram os professores a sua competencia sobre o assumpto, promovendo um systema de ensino que é o unico que está em harmonia com os preceitos pedagogicos. Os exemplares estão já na secretaria da camara, e peço a v. ex.ª que os mande distribuir.

Sou muito breve na exposição d'este negocio para não prejudicar outros srs. deputados que têem a palavra para antes da ordem do dia. Tenho muitas vezes sido victima, e aprendendo n'este infortunio, desejo poupa lo aos meus collegas. O amor da brevidade obriga-me a reservar para os professores que me encarregaram d'esta missão, as rasões por que, tendo ha muito tempo os opusculos que hoje apresento á camara, não fiz ainda a distribuição. Uma d'essas rasões foi, não me ter chegado a palavra em nenhuma das occasiões em que a pedi para este fim.

Tenho tambem de mandar para a mesa um requerimento. É assignado por dois funccionarios e por este facto parece que devia dar entrada na caixa das petições, segundo a regra estabelecida. Todavia eu não o considero como um simples requerimento particular, mas como uma memoria na qual se trata de um negocio que prende com o orçamento.

Os requerentes são dois officiaes da secretaria do reino e pedem, que no caso de poderem ser concedidos uns certos vencimentos que se abonam a um empregado da secretaria de fazenda, lhes sejam tambem concedidos a elles iguaes vencimentos.

Declaro, que não concordo em que se dêem as gratificações pedidas, mas dando-se ao empregado da secretaria da fazenda, então brada aos céus que os requerentes não a tenham, porque o seu direito é mais antigo e muito melhor.

Mando o requerimento para a mesa, não como um requerimento particular, mas como uma memoria juridica, na qual se trata de materia que interessa ao orçamento.

Esquecia-me fazer uma declaração que julgo conveniente. Havendo eu dito que se estivesse presente hontem, teria votado a lei de meios, não quero que se entenda que sou ministerial.

O sr. Presidente: — A commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto de lei n.º 27, que foi hontem approvado.

Vae ser enviado para a outra camara.

O sr. Guilherme de Abreu: — Sr. presidente, tenho a honra de mandar para a mesa uma representação que a camara municipal de Terras do Bouro me incumbiu de apresentar, e na qual esta digna corporação, expondo o perigo em que o estabelecimento das Caldas do Gerez se acha de ser demolido ou muito damnificado pelas inundações do rio Caldo e pelas torrentes que sobre elle se despenham das montanhas, que o circumdam a leste, e fazendo sentir a necessidade de proteger o estabelecimento contra as devastações de elementos tão destruidores e que de um momento para o outro o podem varrer, pede que no orçamento geral da despeza se consigne uma verba de 2:000$000 réis, para se levantar um paredão á beira do rio, e abrir um forro na vertente da serra que sobre o mesmo estabelecimento se apruma.

Não póde ser mais justo o pedido, e vergonha é que as thermas do Gerez, tão afamadas no paiz e fóra d'elle pela sua prodigiosa efficacia contra muitas molestias, tão descuradas tenham sido até agora pelos poderes publicos (apoiados).

O estabelecimento das caldas do Gerez pertence ao estado e não ao municipio em que se acham situadas, como o governo declarou em portaria dirigida ao governador civil de Braga, e ao estado incumbe por isso o dever de velar pela sua conservação e melhoramento.

A camara municipal de Terras de Bouro, a quem foi provisoriamente commettida a administração do estabelecimento, hão pretende eximir-se de o zelar e prover á sua despeza ordinaria; mas não póde nem deve de modo algum ser compellida a fazer despezas extraordinarias, que excedem muito os recursos do municipio. Olhe o estado pelo que é seu e não queira espoliar o municipio em proveito da communidade.

Bem sei que a representarão não vem a tempo de ser attendida pela camara na actual sessão legislativa, e só póde ser considerada quando na proxima sessão se discutir o orçamento; mas o governo póde desde já mandar estudar e orçar as obras a que se allude, para opportunamente o habilitarmos com os meios precisos, a fim de as levar a effeito, e a esses estudos espero eu que o nobre ministro das obras publicas mande proceder quanto antes.

Agora, sr. presidente, vou chamar a attenção de v. ex.ª e da camara para um assumpto urgentissimo e que reclama uma solução immediata.

Refiro-me ao parecer das illustres commissões de legislação e administração publica, relativo ao projecto de lei apresentado pelo meu nobre amigo o sr. Claudio José Nunes, a fim de ser prorogado por um anno o praso concedido aos julgados para a construcção de tribunaes e cadeias.

O praso de dois annos estabelecido no artigo 1.° do decreto com força de lei de 28 de dezembro de 1869, termina no dia 5 do mez de janeiro proximo futuro, e por isso, se o parecer não for discutido e approvado n'esta camara a tempo de poder ser ainda apreciado e votado na outra casa do parlamento durante a actual sessão legislativa, ficam irremediavelmente extinctos todos os julgados do continente do reino e ilhas adjacentes, porque se a maior parte d'elles têem tribunaes apropriados, e alguns até mais decentes que os de multas comarcas, nenhum, que eu saiba, possue ainda, nem póde construir até ao mez de janeiro edificios proprios para cadeias, como o citado decreto os exige e á sciencia recommenda.

Não sei se alguem quer condemnar á morte os julgados. Se quer, condemne-os mas condemne-os com a palavra e não com o silencio. Discuta se o parecer, vote cada um como entender, mas vote e assuma a responsabilidade do seu voto (apoiados).

As illustres commissões de legislação e administração publica foram unanimes em conceder a prorogação, e eu não creio nem imagino sequer que a camara a recuse.

Reorganisou-se a instituição dos juizes ordinarios, expurgando-a dos vicios e defeitos que lhe attribuiam, e disse se aos julgados: «Habilitae-vos dentro de dois mezes, para pagar aos juizes ordinarios um ordenado, que não seja inferior a 100$000 réis; construi, no praso de dois annos, edificios proprios para cadeias e para o serviço das audiencias, conforme um plano previamente approvado pelo governo; indicae dois bachareis formados, residentes no julgado, e nos quaes possa recaír a nomeação de juiz ordinario e subdelegado, quando a estes logares não concorram candidatos idoneos; e vivireis, se cumprirdes estas tres condições».

Os julgados aceitaram o pacto; mostraram-se habilitados para satisfazer aos juizes ordinarios o ordenado estipulado; o governo proveu os logares, com excepção apenas de um ou dois, que ainda não foram providos por desleixo, incuria ou não sei o que, de quem devia fazer as propostas e as não fez; e a nova magistratura está funccionando em toda a parte a contento dos povos, e sem queixa nem reclamação de ninguem.

Mas os julgados não cumpriram uma das condições que se lhes impoz — a que dizia respeito aos edificios para tribunaes e cadeias. Não cumpriram, é verdade; mas não basta saber se não cumpriram; é mister averiguar se lhes obstou impedimento justificado: por fim é principio incontroverso de direito que contra o legitimamente impedido não corre o tempo. E esse impedimento houve-o.

Página 715

715

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O mencionado decreto de 28 de dezembro de 1869 suppunha que o provimento dos logares de juiz ordinario e sub-delegado se faria logo depois de terminado o praso dos concursos e de colhidas as necessarias informações, salvo o caso excepcional de não haver candidatos idoneos. Mas não succedeu assim, porque, os logares só começaram a ser providos ha cerca de um anno, e alguns ainda ha poucas semanas foram preenchidos. Ora, em quanto estes não fossem providos, os julgados não tinham a certeza de serem conservados, e não póde rasoavelmente exigir-se que durante esta incerteza elles se sujeitassem ás avultadissimas despezas que a construcção d'aquelles edificios demandava (apoiados).

E esta incerteza era ainda maior, desde que na secretaria da justiça se entendeu, não sei com que fundamento, que quando os logares não erão providos por concurso, podia o governo recusar, a pretexto de não idoneos, todos os bachareis que para os mesmos logares fossem propostos e ainda com as melhores informações. Assim interpretado o decreto, nenhum julgado estava seguro de não ser supprimido por falta de pessoal habilitado, ainda que tivesse um cento de bachareis formados.

Nós que todos os dias prorogâmos prasos para o exercicio de direitos ou cumprimento de obrigações, e ainda ha pouco espaçámos pela decima quarta ou decima quinta vez o praso para a troca e giro das moedas mandadas retirar da circulação, hesitariamos hoje em prolongar a favor dos julgados pela primeira vez, e apenas por um anno, um praso de que elles não poderão usar? Por que motivo haviamos de ser tão severos com os pobres julgados, quando tão indulgentes temos sido com algumas comarcas que, depois de tantos annos, ainda não poderam habilitar-se com tribunaes decentes, nem substituir por cadeias os calabouços insalubres e immundos, aonde sepultam os desgraçados presos (apoiados).

Sr. presidente, diga-se o que se disser, o julgado é invidentemente popular. A experiencia está feita.

Perguntou-se aos julgados, se queriam viver, e todos elles responderam affirmativamente, sujeitando-se aos sacrificios que se lhes exigiram. Pois se elles querem viver á sua custa, se nada nos pedem, por que os havemos de extinguir?

Será o julgado um capricho popular? Não, sr. presidente. O julgado tem rasão de ser. Significa uma economia de muitos incommodos e despezas, significa justiça proxima, rapida e pouco despendiosa, e actualmente tambem esclarecida e imparcial, e a suppressão do julgado importaria a perda ou abandono de muitos direitos, que não valia a pena de ajuizar pôr serem maiores as despezas, que o valor dos objectos demandados (apoiados).

Peço portanto a v. ex.ª que se digne dar para ordem do dia de ámanhã o parecer n.º 37, que tem por fim prorogar o praso para a construcção dos tribunaes e cadeias dos julgados.

O sr. Paes Villas Boas: — Desejo dizer quatro palavras, que estimára fossem ouvidas pelo sr. ministro das obras publicas; quatro palavras, que tantas direi, com o fim de chamar a attenção de s. ex.ª para a necessidade de fazer activar os trabalhos de uma estrada, ao norte do paiz.

Se não estivessemos n'esta altura da sessão, que vae adiantada, e mui proxima do seu termo, eu teria usado da formula de interpellação; seria o meio de obter do sr. ministro, apenas entrado na gerencia da pasta, que lhe está a cargo, resposta que cabalmente me satisfizesse. Mal conhecerá o sr. ministro o objecto; mas contentar-me-hei com deixar na lembrança de s. ex.ª o pouco que direi. E fiando muito da aptidão reconhecida, e da competencia provada, de s. ex.ª para a gerencia da pasta, que lhe foi confiada, espero que no interregno parlamentar não descurará o objecto, para que chamo a sua attenção.

Sr. presidente, este testemunho de consideração que venho de prestar ás distinctas qualidades do illustre ministro, não podia impedir-me de faze lo a minha posição politica em face do gabinete, a qual esperava definir de modo explicito, na discussão que hontem extemporaneamente foi encerrada, na qual eu contava tomar parte. Nem tão pouco agora o faço, tanto por me reservar para mais opportuna occasião, como por não querer desviar me do objecto a que exclusivamente desejo referir me.

Fallando do estado de injustificavel atrazo em que estão os trabalhos da estrada de Barcellos a Ponte de Lima, peço a attenção do sr. ministro das obras publicas para uma estrada, cuja importancia os antecessores de s. ex.ª não pozeram em duvida.

Fazendo parte do plano de estradas de 1865, ía já em mais de meio o anno de 1869 quando deu entrada na repartição da junta consultiva o ante-projecto da estada, o qual tão desenvolvidamente fôra trabalhado, em tal estado de perfeição o julgou a junta, que não duvidando considera-lo como projecto definitivo, mandou proceder ao levantamento das plantas cadastraes Pois, não obstante o justo interesse, que tenho tomado pelo adiantamento dos trabalhos d'essa estrada; não obstante os bons e provados desejos de que, no tocante ao objecto, encontrei animados alguns dos cavalheiros que precederam o nobre ministro na gerencia da pasta, que tão dignamente lhe está a cargo, é certo que, havendo decorrido mais de um anno desde a epocha alludida, eu não sei que impulso, que adiantamento tenham tido os trabalhos da estrada de Barcellos a Ponte de Lima, cuja necessidade se reconhece, e cuja importancia se não póde contestar.

Atravessando terrenos fertillissimos, percorrendo uma parte do paiz onde é mais densa a população, será a mais direita, a mais facil e commoda via de communicação do Alto Minho com o centro commercial do Porto (apoiados). E é para notar-se, por barato, o preço da construcção, segundo está orçado; pois que, cortando a estrada terrenos de subido valor, como foi dito n'esta casa por um dos antecessores do sr. ministro, em resposta a uma interpellação que em tempo verifiquei ácerca d'este mesmo assumpto, não excederá a quantia de 94:000$000 réis.

Não trato agora de descobrir quaes as verdadeiras causas do estado de atrazo em que se a ham os trabalhos da estrada, de que fallei; declaro todavia que tenho apprehensões a similhante respeito; furto me porém a expressa la hoje, o que mais tarde farei se, como não espero não for dado como é justo, impulso aos trabalhos da estrada a que me tenho referido. E mesmo confesso que n'este momento me não considero inteiramente habilitado para o fazer, por não ter logrado ainda que me viessem ás mãos certos esclarecimentos, que por mais de uma vez requeri pelo ministerio das obras publicas.

Como o meu fim fosse só chamar a attenção do illustre ministro para o objecto de que tratei, esperando muito tanto da competencia, como do zêlo de s. ex.ª, e que quererá certificar-me de que não appello em vão para as suas qualidades.

Tenho dito.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Cardoso Avelino): — Começo por agradecer ao illustre deputado as expressões benevolas que usou para commigo.

Declaro não só a s. ex.ª mas a todos os srs. deputados que em negocios de administração, nunca hei de olhar para a parcialidade politica do sr. deputado nem de qualquer outro (apoiados).

O sr. Presidente: — Releve-me o sr. ministro que eu lhe peço que tenha a bondade de se voltar para este lado, aliás perdem-se muitas palavras do seu discurso.

O Orador: — Peço a v. ex.ª mil desculpas, mas esta é já a segunda reprehensão que v. ex.ª me dirige pela minha falta.

O sr. Presidente: — Peço perdão. É para que v. ex.ª não tenha o duplo trabalho de rectificar o seu discurso,

Página 716

716

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

porque fallando assim não se ouve na mesa dos srs. tachygraphos.

O Orador: — Feita esta declaração devo dizer ao illustre deputado que não conheço absolutamente nada da estrada a que s. ex.ª se referiu. Não vi ainda o processo, nem sei qual o estado d'elle; mas posso assegurar a s. ex.ª que tomo na devida consideração o que me recommenda e que no interregno parlamentar, ou ainda emquanto as côrtes estiverem abertas, hei de colher na secretaria todas as informações e tomar sobre este negocio a resolução que for mais conveniente para o paiz (apoiados).

O sr. Paes Villas Boas: — Agradeço ao sr. ministro das obras publicas a resposta que me acaba de dar.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Tinha pedido a palavra no dia em que se apresentou n'esta casa o novo gabinete. N'esse dia não me chegou a palavra, e no dia seguinte em que ella me competia não pude comparecer a tempo de usar d'ella.

Hoje é perfeitamente extemporanea qualquer declaração de posição politica que eu faça a este respeito depois das declarações que fizeram os srs. Saraiva e Mariano de Carvalho.

Permitta-me, porém, v. ex.ª que eu torne bem saliente o facto que hontem se deu sobre a discussão da lei de meios.

Ainda ha poucos dias nós vimos que um dos mais conspicuos membros do partido regenerador, que hoje tem assento nos conselhos da corôa, depois de uma discussão que durou perto de trinta dias, como foi a da resposta ao discurso da corôa, julgava um attentado contra a liberdade e fóros parlamentares o requerer-se que fosse julgada á materia discutida (apoiados).

Tal foi a celeuma que se levantou por este facto, não sei se calculada ou não, mas o que é certo é que a sessão se tornou tumultuosa, e tanto que foi interrompida e depois levantada ás tres horas da tarde.

Continuou depois a discussão em nome da liberdade da palavra, que já se tinha ouvido por espaço de cerca de trinta dias, sobre o mesmo assumpto, e não sem que tivessem partido da parte, d'aquelle grupo politico, e especialmente do cavalheiro a quem me refiro, insinuações que foram dignamente repellidas (apoiados).

Mas, facto estranho! Quando hontem se tratava da discussão da lei de meios, assumpto que em nada cede o passo á discussão de que então se occupava esta camara nem em importancia, nem em gravidade, nós vimos, contra a expectativa geral, que foi julgada discutida a materia por aquelles mesmos que tanto parecia quererem o respeito pela liberdade da palavra, durando apenas o debate duas ou tres sessões! (Apoiados.)

Vimos que aquelles que ainda outro dia pugnavam pelas liberdades e pelas immunidades parlamentares, se esqueceram d'estes principios e caíram conscientes no erro que tinham pretendido evitar, olvidando os precedentes, os factos de hontem, e esquecendo a gravidade do assumpto que se tratava (apoiados).

De mais a mais dava-se a curiosa circumstancia de haver uma certa paridade no argumento principal de que o illustre deputado, e hoje ministro, se serviu para se não abafar a já fastidiosa discussão da resposta ao discurso da corôa, qual era que o partido regenerador ainda se não tinha explicado depois que o partido historico tinha tomado posição hostil ao gabinete.

É bem sabido que a votação de hontem sobre a lei de meios não significa a maioria que o governo tem n'esta casa. Houve dez votos contra do partido reformista, mas havia o partido historico que votou com o governo por meio de uma combinação, em virtude da qual vieram a uma especie de accordo, o que eu não censuro, nem devo censurar; mas o que eu preciso dizer para mostrar a paridade que havia n'aquelle argumento para que se prolongasse a discussão.

Depois de se ter adoptado um additamento...

O sr. Presidente: — Peço perdão ao sr. deputado para lhe observar que a camara decidiu encerrar o debate.

O Orador: — Bem sei que o debate está encerrado, mas tambem sei que estou no meu direito expondo o que tenho dito; se porém v. ex.ª não quer eu não continuo a fallar.

(Pausa.)

Vozes: — Falle.

O Orador: — Tenho estado a pedir a palavra ha umas poucas de sessões e só hoje é que me cabe, se ainda assim entendem que não devo fallar, calo-me, e é mais commodo.

Ámanhã ou depois fecham-se as côrtes e eu fico inhibido de expor a minha opinião a este respeito.

Pouco me importaria se não fôra o desejo que tenho de que fique bem assignalado o procedimento de ha dias com o de hontem, porque é necessario que marquemos bem todos os precedentes d'esta casa, e este acho-o de tanta utilidade, que espero que de futuro ha de ser muitas vezes citado.

Quando se veiu ao accordo ácerca da votação da lei de meios; quando o partido historico vota esta lei; quando se aceita pela parte do governo um additameuto á proposta apresentada; é n'essa occasião, em que o partido reformista não póde explicar-se nem dar a sua opinião a esse respeito!

Era exactamente fundado n'este argumento que o sr. Barjona de Freitas dizia ha pouco que era necessario deixar fallar o partido regenerador. Portanto, hontem não houve considerações de especie alguma (apoiados), abafou-se a discussão depois de dois dias apenas de discussão e havendo ainda inscriptos quatorze srs. deputados, e tendo fallado muito poucos.

Desejei frisar este ponto, para fixar o precedente; mas o fim principal para que pedi a palavra, porque tratei do assumpto, de que venho de fallar, por incidente, é especialmente para chamar a attenção do illustre e sympathico ministro das obras publicas, para um assumpto de summa gravidade para o districto de Vizeu e Guarda, qual é a feitura da estrada, que de Gouveia conduz a Mangualde (apoiados).

Folguei summamente de ouvir a declaração de s. ex.ª, o sr. ministro das obras publicas, de que não lhe importava a posição politica dos differentes membros do parlamento, para s. ex.ª satisfazer ás suas justas pretensões. É exactamente a mesma posição que tenho com relação ao gabinete. Sou opposição, porém, folgarei muito que as medidas apresentadas pelo gabinete sejam de tal ordem, que lhe possa prestar conscienciosamente o meu apoio. Primeiro que tudo está o bem do paiz, e este quer que se vote o que é bom e se rejeite o que é mau. Declaro a s. ex.ªs que não poderá haver consideração alguma politica que me faça afastar d'este sentimento.

(Áparte.)

Eu sou opposição e oxalá que podesse ser governamental; mas primeiro que tudo, do que nós precisámos é de governo (apoiados), e permitta-me v. ex.ª que aproveite esta occasião, para mostrar o meu regosijo, por ver fóra d'estas cadeiras o governo demissionario.

Uma voz: — Parece defunctis.

O Orador: — Não me merecem o respeito dos mortos, nem me despertam o sentimento de generosidade devido aos vencidos. Felicito-me, porque vejo diante de mim um governo, que bom ou mau, tem respeitabilidade e systema, tem crenças e programma, e vejo que já se não repetem aquellas scenas lamentaveis que estavamos presenciando e lastimando aqui no parlamento (apoiados — áparte).

Basta lembrar os factos para depois se tirarem as conclusões.

(Áparte.)

É claro que o mal vinha do governo, toda a gente o sabe; hoje os deputados são os mesmos.

Dizia eu que depois d'aquella declaração, tinha plena

Página 717

717

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

confiança em que s. ex.ª ha de dar o devido peso ás poucas reflexões que vou fazer.

A estrada de Guimarães a Mangualde tem sido perseguida de um mau destino; já por duas ou tres vezes que esteve para se lhe dar começo, mas com tanta infelicidade que os ministerios cáem na occasião em que estão dispostos a mandar proceder á sua feitura!

Eu até lembrava a s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas que se tivesse muito amor a essas cadeiras, que de certo não tem, não mandasse proceder á construcção d'esta estrada, porque se o fizer, cae (riso).

O sr. Andrade Corvo, que tambem occupa um logar nos conselhos da corôa, poderá dar informações a v. ex.ª do estado d'aquella estrada; pois cuido que s. ex.ª melhor do que outro qualquer poderá dizer qual é o seu estado de viação, porque s. ex.ª teve a infelicidade, creio que de dar duas quedas, quando a percorreu, provenientes do seu mau estado de viação.

Tem certos logares em que nem a pé nem a cavallo se póde andar; é intransitavel.

S. ex.ª quando esteve no ministerio estava disposto a mandar proceder á feitura d'aquella estrada, e creio que por isso é que logo em seguida caiu; eu lamentei então muito por esse motivo a queda de s. ex.ª, porque estou convencido que aquella estrada teria sido concluida.

Na sessão passada apresentei aqui um projecto, juntamente com os meus collegas os srs. Julio Rainha e Coelho do Amaral, que sinto não ver presentes, para que aquella estrada fosse considerada estrada de 1.ª ordem e de 2.ª classe, porque é um negocio de inteira justiça pela sua muita e innegavel importancia, que é escusado estar agora a encarecer, e a sua feitura será mais facil do que sendo considerada estrada districtal.

O sr. ministro das obras publicas, o sr. visconde de Chancelleiros, estava na disposição de mandar proceder á feitura d'esta estrada. Abriu-se a camara, e já não era ministro das obras publicas o sr. visconde de Chancelleiros!

Agora vae fechar-se a sessão; é por isso que eu não posso dispensar me de chamar n'esta occasião especialmente a attenção do sr. ministro das obras publicas para a feitura d'esta estrada.

Parece-me que no intervallo da sessão ha muito tempo de dar começo á sua construcção.

Chamo tambem a attenção de s. ex.ª para as consultas das juntas geraes do districto de Vizeu a este respeito. Os estudos estão feitos por conta do ministerio das obras publicas.

Posto que eu esteja muito disposto a incommodar s. ex.ª no seu proprio gabinete, não posso dispensar-me de chamar n'este logar a sua attenção, em consequencia da importancia do assumpto, e para dar mais força ás minhas instancias particulares.

Limito por agora as minhas observações; nem preciso mesmo que o sr. ministro use da palavra, porque sei qual é a resposta que s. ex.ª me dá, e assiste-me fundada esperança de que os meus rogos hão de ser ouvidos.

Tenho dito.

O sr. Mariano de Carvalho: — Desejava chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para um negocio em que felizmente não ha 5 réis de despeza para o thesouro.

Apenas exijo que da parte do governo se faça cumprir um contrato entre o estado e uma companhia poderosa.

No concelho de Salvaterra de Magos ha uma valla que estabelece a communicação entre a commercial villa de Salvaterra e o Tejo.

N'esta valla desemboca outra que pertence á companhia das lezirias, e onde havia umas portas chamadas de sarilho. A companhia tirou estas portas de sarilho e substituiu-as por outras chamadas de abrir e fechar.

Resultou d'esta substituição entulhar-se a valla, e a camara de Salvaterra de Magos requereu á companhia das lezirias que mandasse mudar as portas. A companhia mandou examinar e estudar aquella valla.

O empregado dignissimo a quem a companhia mandou fazer este exame, é muito competente em administração e agricultura, mas não tem de certo a pretensão de ser engenheiro hydraulico.

A companhia, em vista da informação d'esse empregado, indeferiu a pretensão da camara.

O caso é que a valla vae se entulhando cada vez mais, a ponto que, ainda ha pouco, ali se navegava em todo o estado da maré, o que hoje não é possivel nem ao barco do correio, apesar de pequeno, e de ter fundo de prato.

A companhia das lezirias recebe um imposto de fabrica para as obras hydraulicas que os campos do Tejo precisam, e por isso o obrigada a manter todas as vallas em estado de limpeza, tanto para a navegação como para o enxugo dos terrenos.

Eu pedia ao sr. ministro das obras publicas que convencesse a companhia a cumprir o seu contrato, para que a valla possa estar em estado de ser navegavel.

Recebi ha pouco uma noticia que deve cobrir de luto o coração de todos os amigos das glorias d'este paiz.

Falleceu o digno par do reino, o sr. Luiz Augusto Rebello da Silva.

Todos admiravam o talento, os altos conhecimentos e os valiosos serviços prestados ao paiz na tribuna e na imprensa pelo illustre finado.

Eu, que tinha a honra de ser seu amigo, pude apreciar tambem os primorosos dotes do seu coração e do seu caracter.

Parece-me que a camara quererá lançar na acta um voto de profundo sentimento por este facto tristissimo, que cobre a patria de luto.

A commoção que me prende a voz, concorda com a manifestação da camara, para que eu não acrescente mais nenhuma consideração.

O sr. Presidente: — O sr. deputado Mariano de Carvalho acaba de propor que se consigne na acta um voto de profundo sentimento com que a camara recebeu a noticia da prematura morte do digno par do reino, o sr. Luiz Augusto Rebello da Silva, e por consequencia vou consultar a camara a esse respeito.

Consultada a camara, approvou unanimemente a proposta do sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Mariano de Carvalho: -— Peço a v. ex.ª consigne na acta que a camara approvou por unanimidade a minha proposta.

O sr. Presidente: — Sim, senhor.

O sr. Ministro da Marinha (Jayme Moniz): — Declaro, por parte do governo, que elle se associa á declaração do voto de sentimento que o sr. deputado Mariano de Carvalho pediu se lançasse na acta.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — O illustre deputado e meu amigo, o sr. Mariano de Carvalho, precedeu-me-na lembrança que estava de certo no animo de toda a camara, como se deprehende da votação unanime e compacta para que se consigne na acta o sentimento de profunda tristeza, de luto verdadeiro e entranhada saudade pela morte de um dos homens que mais honraram a tribuna portugueza! (Muitos apoiados.)

Extinguiu-se um grande luminar, um litterato distincto, um homem, que com a palavra e com a penna entreteceu para a nossa patria querida uma aureola de eterna fama... Morreu o obreiro extenuado e cansado de tanto lidar, mas na sua obra legou aos evos perduravel e immortal monumento (muitos apoiados).

Ao ver que uma tão notavel intelligencia se sumiu na voragem da morte, nós não podemos deixar de exarar na acta o nosso profundo sentimento, porque não é tão farto, ainda mal! o nosso paiz em robustas e altas intelligencias, que nos não entristeçamos nem deitemos luto, porque mais uma se despediu para sempre, ah! para sempre d'este mun-

Página 718

718

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

do. Morreu um grande pensador! Emmudeceu uma grande voz! A patria está de luto. O parlamento cobre-se de crepe. (Vozes. — Muito bem.)

Não venho aqui fazer o elogio do sr. Luiz Augusto Rebello da Silva! O seu nome é conhecido de todo o paiz, o seu nome transpoz as minguadas barreiras d'este rincão de terra; o seu nome é europeu (apoiados).

Como philosopho, como historiador, como romancista, como litterato, como orador e como professor, porque tudo isto elle foi ao mesmo tempo, ha muito que o sr. Luiz Augusto Rebello da Silva mereceu o respeito de todos nós, ha muito que inscreveu o seu nome no templo da memoria (muitos apoiados).

Esta camara por muitas vezes ouviu a voz eloquente d'aquelle eloquentissimo tribuno; esta camara por muitas vezes assistiu aos grandes triumphos da sua palavra e se curvou respeitosa perante aquelle verbo sempre inspirado pelo mais puro e acris lado amor da patria (muitos apoiados).

Para fazer o panegyrico d'este illustre varão que merecêra um Plutarco, a minha voz não é auctorisada. Oh! sim, sr. presidente. Bem o sei eu! A minha voz é demasiado humilde para que se possa levantar a taes alturas; mas se uma convicção sincera, se uma admiração que vem desde o berço póde servir para alguma cousa, eu apresento a, por que ha muito tempo, desde que comecei a ler, que me acostumei a admirar o talento do sr. Luiz Augusto Rebello da Silva (apoiados).

Resentimentos politicos, paixões miserandas e mesquinhas, tudo se deve esquecer perante a campa que se abre para tragar o que havia de terreno n'aquelle grande homem! (Apoiados.)

Apagou-se uma luz brilhante. Vergou e succumbiu o corpo que havia encerrado uma alma de nobres aspirações! Apoz longos tormentos e transes dolorosos exhalou o derradeiro suspiro aquelle que pelo seu trabalho conquistára immortal renome (apoiados).

Ah! esqueçamos tudo o que importa esquecer, que nem eu sei se alguma cousa ha que elevamos esquecer (apoiados).

N'este momento solemne pela tristeza que nos opprime, pela saudade que nos afflige, recalquemos bem no fundo do peito todas as paixões. (Muitos apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Já todos de certo as temos esquecido, essas paixões ephemeras da politica, para nos lembrarmos só do que havia de sublime e grande n'aquelle homem que tanto honrou este paiz (apoiados).

Como um grande poeta da antiguidade posso dizer: sunt lacrymae rerum! Sim, sr. presidente, tudo parece chorar este triste acontecimento, e eu sinto-me na verdade commovido. E a expressão d'aquelle grande poeta encontra em mim um echo, mais ainda do que eloquente, porque é plangente e sentido (muitos apoiados).

A proposta do illustre deputado e meu talentoso amigo, o sr. Mariano de Carvalho, foi approvada por unanimidade, e teve a sancção mais eloquente, sincera e singela, em uma palavra proferida, balbuciada quasi, pelo meu velho amigo e grande orador tambem, o sr. Jayme Moniz, de commovido que está! A essa proposta acrescento eu outra que é a seguinte:

Proponho que seja nomeada uma grande commissão que represente a camara dos senhores deputados nas ceremonias funebres do prezado e illustre portuguez Luiz Augusto Rebello da Silva (apoiados).

Parece-me que a camara tem obrigação de prestar este acto de respeito e veneração ao illustre portuguez que acaba de se esconder nas sombras da morte. Rendamos este derradeiro tributo a quem tanto honrou a sua patria, a patria de nós todos (muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja exarado na acta o sentimento profundo com que a camara dos deputados recebeu a infausta noticia do fallecimento de Luiz Augusto Rebello da Silva.

Proponho tambem que esta camara nomeie uma commissão, que a represente no enterramento do illustre finado.

Sala da commissão, 19 de setembro de 1871. = Alberto Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso, circulo n.º 55.

Foi admittida.

O sr. Luciano de Castro: — Surprehendeu-me ao entrar n'esta casa a triste noticia da morte do meu antigo collega no ministerio, o sr. Luiz Augusto Rebello da Silva.

Sabia que estava previsto pela medicina que elle não podia deixar de succumbir á dolorosa enfermidade que o tombou na sepultura; mas, apesar, d'isso, foi ainda para mim pungentissima surpreza aquella triste nova! (Apoiados.)

Fui membro do ministerio de que fez parte o sr. Rebello da Silva. Desde os primeiros dias da nossa camaradagem habituei-me a admirar nos conselhos do governo aquelle homem eminente, aquelle estadista consumado, aquelle coração magnanimo, aquella intelligencia sublime que, diante dos mais intrincados assumptos e dos mais graves problemas, sabia sempre medir as difficuldades, e illustrar os seus collegas com a mesma firmeza de convicções e elevação de idéas com que, como orador eloquentissimo, nós todos tivemos occasião de o applaudir na tribuna parlamentar (muitos apoiados).

Era verdadeiramente grande quando applicava a sua notavel intelligencia aos difficeis e transcendentes assumptos da governação do estado que demandavam esmerada prudencia, rasão madura e inteiro desprendimento de paixões (apoiados).

Todos sabem como aquelle honrado estadista soube sempre desempenhar os cargos eminentes a que foi levantado, e os grandes e incontestaveis serviços que prestou á causa publica (apoiados).

Diante de um tumulo aberto mal posso levantar a minha voz para a unir á de todos aquelles que, esquecendo antigas dissidencias, se associam n'este momento para derramar algumas lagrimas de saudade pela perda de tão distincto cidadão (apoiados).

Bem haja a nobilissima paixão que, n'um instante de suprema angustia, nos faz a todos unir n'um só sentimento, obliterando antigos resentimentos politicos para nos lembrarmos só com viva saudade d'aquelle homem illustre, d'aquelle coração generoso, d'aquelle martyr de tantas dores que desappareceu ha pouco da face da terra (apoiados).

Quando tive a fortuna de ser companheiro d'aquelle elevadissimo caracter nas improbas tarefas do governo, desde que comecei a apreciar a sua lealdade, a sua probidade, e grande e inconcussa abnegação com que sabia encarar e resolver os negocios mais graves do estado, desprendido de qualquer interesse, levantado acima de contemplações individuaes, aprendi logo a admirar em Rebello da Silva um dos mais insignes, dos mais illustrados varões que, pelo saber, prudencia, amor ao trabalho e dedicação á causa publica, a nossa epocha tem festejado e applaudido.

E realmente para admirar como n'um só homem se reunam tantas aptidões diversas, e tão vasto engenho, que podia applicar-se, simultaneamente, aos mais differentes ramos de administração, de sciencia, de letras, de philosophia, sempre com igual resultado, sempre com a mesma proficiencia! (Vozes: — Muito bem.)

Se o procurâmos na tribuna parlamentar, podemos afoutamente dizer que desde que a morte ceifou aquelle notavel engenho, a tribuna portugueza, viuva de uma das suas maiores glorias, ficará por muito tempo coberta de pesado luto pela eterna ausencia do eloquentissimo orador (apoiados).

Ainda ha pouco tempo, nos ultimos dias em que a sua palavra honrou a tribuna portugueza, quem não o admirou

Página 719

719

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

n'aquelles memoraveis e arrebatados improvisos em que o seu talento remoçou as glorias da tribuna, e mostrou ao paiz, que na terra onde floreceu José Estevão e Passos Manuel, não se apagára ainda a luz e os esplendores da eloquencia parlamentar.

Viu então o paiz todo, que leu esses admiraveis discursos, essas monumentaes orações em que o patriotismo, o amor nacional, o desejo de levantar a sua terra á sua verdadeira altura, fazia brotar d'aquelle nobilissimo coração, sentidas e eloquentes palavras, que jamais esquecerão.

Rebello da Silva foi, em verdade, um homem verdadeiramente notavel, que não podem esquecer nem a sciencia nem as letras, nem o paiz, ao qual dedicou uma grande parte da sua laboriosa vida (apoiados).

Diante de um homem d'estes, para celebrar uma memoria tão veneranda, todos as demonstrações são pequenas (apoiados). E por isso me associo às propostas dos illustres deputados que me precederam, e desejaria até que esta camara se constituisse toda em commissão para celebrar junto d'aquelle tumulo augusto a memoria indelevel de um homem que desceu á sepultura com a consciencia de ter dado ao seu paiz quanto cabia nas suas grandissimas faculdades (apoiados).

Não quero alongar este incidente, s. ex.ª e a camara vê, pelo desalinho das minhas palavras, que estou dando o melhor testemunho de que não me preparei para discutir este assumpto. Nem o podéra fazer, porque m'o impedia a surpreza de tão infausta nova.

Lembra me agora um amigo, e que está ao meu lado, que Rebello da Silva fôra tambem um professor distincto.

E quem não sabe que o meu finado amigo honrou tambem a cadeira de professor. Ali mais de uma vez nós tivemos occasião de admirar o verbo eloquentissimo do sabio mestre, que no parlamento, na cadeira, em toda a parte onde era chamado a expor a sua opinião, sabia arrastar os que o ouviam, captivar ainda os mais indifferentes, e levar comsigo o espirito e as convicções de quantos o escutavam? Quem o não admirou em toda a parte, onde se fez ouvir a sua palavra inspirada? (Apoiados.)

O paiz honra-se celebrando e exaltando a memoria d'aquelles que, illustrando o seu nome, souberam tambem honrar a patria.

O meu unico intuito é por parte dos que foram ministros com aquelle excellente amigo e consumado estadista, unir a minha voz á de todos os que n'esta occasião solemne quizeram desempenhar-se de uma divida de gratidão e de saudade para com a memoria de Luiz Augusto Rebello dá Silva.

É justo que todos paguem o seu tributo ao homem eminente que já não existe (apoiados).

As saudades da antiga camaradagem, as recordações de provada lealdade com que soube captivar a affeição e o respeito dos seus antigos companheiros, obrigaram-me a render á sua memoria, em phrases desalinhadas mas sinceras, esta derradeira homenagem.

Peço á camara que me desculpe esta espontanea manifestação do meu pesar, e que todos nos associemos para prestar o ultimo preito aquelle illustre e benemerito cidadão.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Barros e Cunha: — Eram tão intimas as relações que me uniam ao illustre finado, e de tal maneira o meu animo se acha surprehendido por tão desastroso acontecimento, que não tenho palavras eloquentes para exprimir o meu sentimento. Limito-me por isso a propor á camara a moção que vou ler, e a qual vae de accordo com o sentimento que a camara exprimiu quando fallava o orador que me precedeu.

A minha moção é para que a camara toda acompanhe os restos mortaes do illustre finado (muitos apoiados).

A proposta é a seguinte (leu).

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara dos deputados resolve acompanhar os restos mortaes do illustre finado, Luiz Augusto Rebello da Silva, á sua ultima morada.

Sala das sessões, em 19 de setembro de 1871. = João Gualberto de Barros e Cunha.

Foi admittida.

O sr. Carlos Bento: — Soube n'esta casa a infausta noticia que acaba de ser communicada pelos illustres deputados que tomaram parte n'esta manifestação. Eu tinha a desgraçada vantagem de ser amigo do sr. Rebello da Silva, e digo desgraçada vantagem, porque n'esta occasião tenho de lamentar tão prematura perda e de patentear a minha tão justa dor.

Poucos homens se tem elevado tanto, como se elevou este homem distincto, pelo seu grande merecimento e elevada intelligencia. Ao menos sirva de lenitivo a esta dor vehemente, que na camara dos representantes do paiz não ha a menor distincção na intensidade do soffrimento que todos sentimos por tão grande perda (muitos apoiados), e que toda a camara tributa verdadeira homenagem á perda de um talento da ordem do sr. Luiz Augusto Rebello da Silva.

O sr. Pereira de Miranda: — Tinha redigido uma moção, que fazia tenção de mandar para a mesa, sobre este triste acontecimento que nos occupa, mas que não mando, depois da approvação que, por unanimidade, a camara acaba de dar á proposta do meu amigo, o sr. Barros o Cunha.

A minha posição excepcional, porém, obriga-me a manifestar á camara, em singelas palavras, o meu profundo sentimento pela morte do sr. Luiz Augusto Rebello da Silva.

Eu já conhecia e apreciava este grande talento no romance, na historia e na imprensa, quando um monarcha, que é uma das glorias d'esta terra, e que será sempre lembrado com profunda saudade (muitos apoiados), amigo de todos que trabalhavam, e de todos ou grandes talentos, resolveu fundar um estabelecimento notavel n'esta terra — o curso superior de letras, chamando para reger uma das cadeiras o homem que já tinha demonstrado que estava á altura de tão espinhoso encargo. Foi ahi que mais particularmente comecei a conhecer o sr. Rebello da Silva. Tive a honra de o ter por mestre, e, na qualidade de seu discipulo, a camara comprehenderá que eu não podia deixar de significar a profunda dor que n'este momento me opprime, por tão grande perda, e tributar n'este logar o profundo testemunho de respeito e saudade pela memoria de um homem tão benemerito.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Luiz de Campos: — O sr. Rebello da Silva deixou de existir para os viventes; começa a existir para a historia. Não a farei eu. Não compete a uma palavra tão pouco auctorisada fazer aqui o panegyrico ao grande e ilustrado varão; mas compete ao amigo particular, como eu era d'elle, e como verdadeiramente pezaroso por este infausto acontecimento, compete, digo, juntar á de todos a sua sincera expressão de saudade.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Estão sobre a mesa duas propostas; uma do sr. Osorio de Vasconcellos, e outra do sr. Barros e Cunha; ellas prejudicam se uma á outra, mas como a do sr. Barros e Cunha é mais ampla, talvez seja melhor vota-la primeiro (apoiados),

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Eu conformo-me completamente com a proposta do sr. Barros e Cunha, e então peço licença para retirar a minha proposta.

Foi retirada a proposta do sr. Osorio de Vasconcellos, e approvada, por unanimidade a do sr. Barros e Cunha.

O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada, vae entrar-se na ordem do dia. Se algum sr. deputado tem al-

Página 720

720

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

guma representação ou requerimento que mandar para a mesa, póde faze-lo.

O sr. Rocha Peixoto (Manuel): — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Coura, districto de Vianna do Castello, na qual requer á camara dos senhores deputados a interpretação da lei de 22 de julho de 1846.

Acho justo o pedido da camara municipal, e peço que a representação seja enviada á commissão de legislação para a tomar na devida consideração.

O sr. Luiz de Campos: — Desejava fazer uma declaração de voto.

O sr. Presidente: — Formule-a o sr. deputado por escripto para ser lançada na acta.

O sr. Gomes da Palma: — Mando para a mesa um parecer da commissão de obras publicas sobre o projecto que foi apresentado na sessão de hontem pelo sr. deputado Perdigão, para que o governo fique auctorisado a applicar o saldo da receita do caminho de ferro do sul e sueste á continuação do prolongamento d'este caminho de Evora a Estremoz, e á margem esquerda do Guadiana.

Este objecto é importante e urgente, e por isso eu peço a v. ex.ª que tenha a bondade de consultar a camara sobre se, dispensando o regimento, permitte que este parecer, que conclue por um projecto de lei, entre desde já em discussão.

É uma auctorisação de administração, e convem muito que o governo fique armado com ella para o fim indicado no mesmo projecto.

O sr. Presidente: — Na conformidade do requerimento do sr. Palma vou consultar a camara sobre se, dispensando o regimento e a impressão d'este projecto, quer que elle entre desde já em discussão.

O sr. Barros e Cunha: — Eu não posso associar-me a similhante requerimento sem ouvir algum dos membros do governo, e sem que o projecto tenha sido impresso e distribuido, porque a discussão d'este projecto vae prejudicar o de outros já impressos e distribuidos, e que são urgentes, como por exemplo, os n.ºs 25 e 26, que já estão dados para ordem do dia.

O sr. Presidente: — Estes requerimentos não têem discussão (apoiados). O sr. Palma fez um requerimento; se a camara entende que o projecto ha pouco mandado para a mesa por parte da commissão de obras publicas não deve discutir-se de preferencia aos que já estão impressos e dados para ordem do dia, rejeite o requerimento.

Consultada a camara, decidiu que se entrasse immediatamente na discussão do projecto apresentado pela commissão de obras publicas.

Leu se na mesa, e entrou portanto em discussão o seguinte

Projecto de lei

Senhores. — A vossa commissão de obras publicas examinou com a devida attenção o projecto de lei apresentado na sessão de 18 do corrente pelos srs. deputados Perdigão, Sampaio, Lourenço de Carvalho, Falcão da Fonseca, José Maria dos Santos, José Dias de Oliveira e Pinheiro Borges, a fim de ser auctorisado o governo a despender no prolongamento dos ramaes do caminho de ferro de Beja á fronteira, entre a estação dos Quintos e a margem esquerda do Guadiana, comprehendendo a ponte sobre este rio, e de Evora a Extremoz entre a estação de Valle de Pereiro e esta villa, o saldo positivo que houver no corrente anno economico de toda a receita e despeza das linhas dos caminhos de ferro de sueste.

A vossa commissão considerando as importantes vantagens que devem resultar da execução das obras, que propõe o sr. deputado pelo Alemtejo, não só aos importantissimos concelhos de Serpa, Moura e Extremoz, mas á exploração da linha dos caminhos do ferro do sul e sueste;

Considerando que é de summa importancia ligar o caminho de ferro de sueste com o de leste, para o que nos encaminhâmos construindo o lanço entre Valle de Pereiro 6 Extremoz;

Considerando que o saldo da receita e despeza dos caminhos de ferro do sul e sueste não poderá ter emprego mais util e productivo do que o proposto pelos mesmos srs. deputados; e

Considerando o governo com a vossa commissão na conveniencia de ser adoptado o projecto citado, temos a honra de submetter á vossa consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a applicar á construcção do prolongamento dos ramaes do caminho de ferro de sul e sueste, de Beja á fronteira de Hespanha, entre a estação dos Quintos e a margem esquerda do Guadiana, comprehendendo a ponte sobre este rio, e de Evora a Extremoz entre a estação de Valle de Pereiro e esta villa, o saldo positivo que houver no corrente anno economico, de toda a receita e despeza dos caminhos de ferro de sul e sueste.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão de obras publicas, em 19 de setembro de 1871. = Joaquim Thomás Lobo d'Avila = João Antonio dos Santos e Silva = Pedro Roberto Dias da Silva = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Augusto Cesar Falcão da Fonseca = Hermenegildo Gomes da Palma relator.

Pertence

Senhores. — Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei apresentado pelos srs. deputados da provincia do Alemtejo, que tem por fim auctorisar o governo a applicar á construcção do prolongamento dos ramaes do caminho de ferro de sul e sueste, o saldo positivo que houver no corrente anno economico de toda a receita e despeza do mencionado caminho de ferro.

A commissão reconhecendo as immensas vantagens que hão de provir da construcção do caminho de ferro do sul e sueste, e estando de occordo com os considerandos do parecer da illustre commissão de obras publicas e annuencia do governo, é de opinião que o supradito projecto de lei deve ser approvado.

Sala da commissão, 19 de setembro de 1871. = Claudio José Nunes = Antonio Correia Caldeira = José Luciano de Castro = Joaquim Thomás Lobo d'Avila = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Augusto Cesar Cau da Costa.

O sr. Barros e Sã (para um requerimento): — Eu proponho o adiamento d'este projecto.

O sr. Presidente: — Não póde ser. A camara acaba de votar, que, dispensando-se o regimento, se entrasse desde já na discussão d'este projecto (apoiados).

Tem a palavra sobre a ordem o sr. Pereira de Miranda.

O sr. Pereira de Miranda: — Eu declaro a v. ex.ª e á camara, que não sei discutir e votar negocios de tanta gravidade e importancia d'esta maneira (apoiados) Não é possivel, penso eu, discutir e tomar qualquer resolução sobre um projecto d'esta natureza sem haver tempo de o estudar.

Não julgue a camara que eu quero contrariar e é mesmo natural que o não faça, quando tenha tempo de o estudar e conhecer, se elle não traz inconveniente algum á administração publica; mas pela leitura rapida que ouvi, parece-me ser um grave inconveniente, entrar-se já n'esta discussão, e é isso que me obriga a mandar para a mesa uma proposta pedindo o adiamento, só até que esteja presente o sr. ministro da fazenda.

Este projecto não diz unicamente respeito á repartição das obras publicas; v. ex.ª sabe que muitas vezes tem sido o caminho de ferro do sul e sueste, motivo de transacções financeiras, e mesmo ainda não ha muito tempo que se fallava em que era elle um elemento para reorganisar as nossas finanças. Pelo projecto que está em discussão, vejo que o governo póde ficar preso desde já para poder verificar

Página 721

721

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

qualquer transacção, e por consequencia desejava ouvir previamente o parecer do governo sobre este assumpto que me parece summamente grave e importante.

Já vê v. ex.ª que não contesto que elle entre em discussão, porque acato a resolução da camara; mas entendo muito conveniente que seja adiado até estar presente o sr. presidente do conselho e ministro da fazenda.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho o addiamento do projecto de lei até estar presente o sr. ministro da fazenda.

Sala das sessões, 19 de setembro de 1871. = Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — Vou dar a palavra ao sr. ministro das obras publicas, mas antes d'isso devo dizer ao illustre deputado, que o parecer da commissão de fazenda está juntamente com o parecer da commissão de obras publicas.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Quando hontem o sr. Falcão da Fonseca se dirigiu a mim para chamar a attenção do governo, e pedir ao ministro das obras publicas que empregasse todos os meios para concluir a construcção do caminho de ferro desde Valle de Pereiro até Estremoz, respondendo eu a s. ex.ª, declarei á camara que tinha muito desejo de que aquelle caminho continuasse até Extremoz, não só pela grande vantagem que tirava toda a linha, mas porque até aproveitava o ramal que já estava construido até Valle de Pereiro, que sem essa continuação dá unicamente despeza para o estado, e não dá receita alguma, mas disse tambem ao illustre deputado e á camara, que o governo não podia concluir similhante obra, porque não tinha verba no orçamento, nem estava auctorisado a applicar para aquella obra, meios que tinham applicação diversa.

Creio que esta minha declaração suggeriu ao illustre deputado, e a mais alguns, a idéa de mandarem para a mesa um projecto de lei, auctorisando o governo a applicar á construcção d'este ramal, a receita liquida do caminho de ferro de sueste.

Ora, eu declarando que concordo com este projecto, tenho a informar a camara, de que elle não é da iniciativa do governo; é da iniciativa de alguns srs. deputados que tem interesse na conclusão d'esta linha.

Eu e os meus collegas todos temos tambem interesse n'ella, não só porque é um melhoramento publico, mas por que vae augmentar a receita de toda a linha. Construido o ramal até Extremoz, assegura-me o dignissimo director d'aquelle caminho, que a receita, com certeza, póde augmentar em 40:000$000 réis, e isto dentro de um anno, tempo que é necessario para fazer essa construcção.

Se a camara quer discutir o projecto discuta-o, o governo tem muita satisfação em receber da camara os meios necessarios para aquella construcção; mas se a camara quer adiar o projecto até estar presente o sr. ministro da fazenda, se quizer adia-lo para ámanhã ou para a seguinte sessão legislativa, póde faze-lo. O que quero é dizer que o projecto não é da iniciativa do governo, que elle estimaria muito que a camara lhe votasse estes meios, mas que acima d'esse desejo está a vontade da camara, e o que ella resolver na sua alta sabedoria.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Barros e Cunha: — As explicações do sr. ministro das obras publicas são de todo o ponto rasoaveis e satisfactorias. Concordo perfeitamente que devemos completar todos os ramos do caminho de ferro do sul e sueste, indispensaveis para que se possa tirar da linha que já se acha em exploração todo o rendimento que ella é susceptivel de dar para o estado.

Concordo porém igualmente com todas as opiniões d'esta casa que julgam que, n'este momento, depois de termos votado a lei de meios, desviar um rendimento que constitue receita geral para um especial, bem que a esse respeito tenham as informações necessarias para saber como se ha de supprir no deficit o aggravamento que resulta d'esta applicação, é um acto pouco prudente e que de certo irá augmentar a responsabilidade das pessoas que, sem estarem completamente de accordo com a politica do gabinete, apenas votaram a lei de meios para bem gerir os negocios publicos, não implicando esse voto auctorisação mais larga, e menos para que, se desvie um dos fundos que constituem receita geral do estado para fim especial.

Eu sei que interessa muito ao meu collega, o sr. Falcão da Fonseca, que se complete o caminho de ferro do Alemtejo.

(Ápartes.)

Peço perdão; estou-me referindo ás palavras que ha pouco ouvi proferir aqui na camara.

(Ápartes.)

De accordo, são oito deputados do Alemtejo; é o sr. Falcão da Fonseca, é o sr. Lampreia, são todos os deputados d'ali.

O sr. Lampreia: — Peço a palavra.

O Orador: — E sou eu tambem que me associo a essa aspiração. Mas os srs. deputados estão com uma impaciencia completamente inutil, e que não faz senão obrigar-me a pormenores que de certo eram dispensaveis, se não fosse essa impaciencia, porque eu onde queria chegar era a que, igualmente, como representante da provincia do Algarve, desejava que se completasse a linha ferrea d'aquella provincia, que de um lado chega a Casevel, e do outro a Boliqueime.

Já tenho annunciado na camara em tres sessões successivas interpellações a este respeito; tenho instado com todos os ministros para que me digam qual é a resolução que se ha de tomar, se aquelle caminho de ferro se abandona, ou se se completa, e unicamente me tenho detido diante da grandissima responsabilidade de me atrever a propor ao parlamento que augmentasse a despeza sem que antecipadamente se tivesse votado tambem o augmento da receita, porque entendo que em todas as providencias que se possam tomar, seja para desenvolver a viação publica, seja para que fim forem, não se deve proceder tão irreflectidamente como se tem procedido até aqui.

Entendo que tudo quanto é consignar para despezas novas as receitas do estado antigas e insufficientes para as despezas já votadas, sem que primeiramente se tenham augmentado essas receitas, não equivale senão a elevar o deficit, e entendo que tudo quanto é concorrer para que o deficit se aggrave ainda que se diga (o que sempre se disse) que é para produzir receita, é um acto de insensatez que não podemos votar, e eu pela minha parte procedo n'essa conformidade, sem que me caiba por isso grandissima responsabilidade.

Por consequencia opponho-me, e muito principalmente sem ouvir as explicações do sr. ministro da fazenda, ao qual conjunctamente com o sr. ministro dos obras publicas pertencem todas as considerações que se possam fazer sobre este projecto; opponho-me, digo, a que elle seja discutido, e a que elle seja votado, isto é, a que se tome uma deliberação que me parece demasiadamente perigosa.

Se a sessão durar ainda dois dias, esta deliberação fica estabelecida como precedente, por que aqui os precedentes são tudo, para no dia seguinte se votar outro e outro projecto, desviando as receitas geraes para fins especiaes, e a final no anno seguinte havemos de encontrar mais aggravadas ainda as circumstancias já deploraveis em que nos achâmos.

O sr. Gomes Palma: — Eu estou maravilhado de ver a opposição que de uma parte da camara se tem levantado contra este projecto, que me parece que não é senão uma boa regra de administração (apoiados).

O sr. ministro das obras publicas acaba de explicar a origem d'este projecto e qual é o seu fim. Com quanto o projecto se refira ao prolongamento do caminho de ferro de Beja á margem esquerda do Guadina, o seu fim principal

Página 722

722

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

é completar o ramal de Evora a Extremoz entre a estação de Valle de Pereiro e Extremoz.

Disse o sr. ministro das obras publicas que o habil director d'aquelle caminho de ferro o meu particular amigo, o sr. Taborda, afiança que a conclusão d'este ramal produzirá um augmento de receita de 40:000$000 réis. Por consequencia, não se trata de um objecto de interesse particular, como o appellidou o meu amigo o sr. Barros e Cunha; trata-se do complemento de um ramal de caminho de ferro que tem ainda de se ligar com o caminho de ferro de leste, e que portanto ha de dar um grande desenvolvimento á receita do caminho de ferro do sul e leste. É pois um assumpto de interesse geral; mas o ministerio não está auctorisado para fazer esta despeza e por isso se propõe que o seja. Parecia-me que não devia merecer tanta opposição um projecto d'esta natureza, que não é da iniciativa do governo, nem da minha, mas que é da iniciativa de oito distinctos deputados representantes do sul do reino, e assignados por outros distinctissimos deputados, como os srs. Lobo d'Avila e Luciano de Castro, que deram parecer sobre o mesmo projecto; parece-me que tem já bastantes auctoridades a seu favor.

Não quero demorar esta discussão e por isso limito aqui as minhas reflexões.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se a materia do adiamento está discutida.

Julgou se discutida e foi approvada a proposta de adiamento do sr. Pereira de Miranda.

O sr. Bandeira Coelho: — No caso do sr. presidente do conselho não se apresentar n'esta sessão, peço que se mande imprimir o projecto de hoje para ámanhã, a fim de ser distribuido.

O sr. Presidente: — Sim, senhor; é expediente da mesa.

O sr. Placido de Abreu: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre a pretensão do sr. Guilherme Centazzi.

ORDEM DO DIA

Projecto de lei n.º 25

Artigo 1.° As correspondencias originarias do continente do reino e das ilhas adjacentes, com destino para as provincias ultramarinas, e d'estas para o reino e ilhas adjacentes, conduzidas por navios portuguezes ou por navios estrangeiros, pertencentes a companhias subsidiadas pelo governo portuguez, ficam sujeitas aos portes marcados na tabella junta, que faz parte da presente lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 14 de setembro de 1871. = Francisco Maria da Cunha = Joaquim Pinto de Magalhães = Luiz Vicente de Affonseca = João Gualberto de Barros e Cunha, relator. — Tem voto do sr. João Baptista de Andrade.

Tabella dos portes das correspondencias a que se refere o artigo 4.º da proposta de lei de 22 de agosto de 1871

Cartas

Até 10 grammas inclusivamente............. 100 réis.

Até 20 grammas inclusivamente............. 200 »

Até 30 grammas inclusivamente............. 300 »

E assim por diante, subindo 100 réis por cada 10 grammas ou fracção de 10 grammas que acrescerem.

Jornaes e outras publicações periodicas, cintados

Até 40 grammas inclusivamente............. 10 réis.

Até 80 grammas inclusivamente............. 20 »

Até 120 grammas inclusivamente............ 30 »

E assim por diante, subindo 10 réis por cada 40 grammas ou fracção de 40 grammas que acrescerem.

Impressos, lithographias, ou gravuras, cintados 1

Até 40 grammas inclusivamente............. 20 réis.

Até 80 grammas inclusivamente............. 40 »

Até 120 grammas inclusivamente............ 60 »

E assim por diante, subindo 20 réis por cada 40 grammas ou fracção de 40 grammas que acrescerem.

Manuscriptos que não tenham natureza de cartas, e amostras de fazendas, cintados 2

Até 40 grammas inclusivamente............. 40 réis.

Até 80 grammas inclusivamente............. 80 »

Até 120 grammas inclusivamente............ 120 »

E assim por diante, subindo 40 réis por cada 40 grammas ou fracção de 40 grammas que acrescerem.

Correspondencias registadas

Por cada carta ou maço

Preço fixo do registo... 100 réis

Porte, o correspondente ao peso.

1 Comprehendem-se debaixo d'esta designação os impressos que não sejam publicações periodicas ou jornaes, os livros brochados ou encadernados, catalogos, provas de imprensa com correcções feitas á mão, circulares, preços correntes, annuncios e avisos diversos, estampas, mappas, papeis de musica, e outras quaesquer lithographias, gravuras ou photographias, e bem assim as participações de nascimento, casamento ou fallecimento e os bilhetes de visita incluidos em sobrescritos abertos.

2 Comprehendem se debaixo d'esta denominação quaesquer papeis impressos ou lithographados, contendo espaços em branco que tenham de ser preenchidos com letras ou algarismos escriptos á mão, uma vez que sejam para completar o texto dos mesmos papeis.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 22 de agosto de 1871. = José de Mello Gouveia.

O sr. Barros e Cunha (como relator): — Mando para a mesa um additamento que faltou n'este projecto e que é para determinar o tempo em que esta lei deve começar a ter execução. É um § ao artigo 1.°

Leu-se na mesa o seguinte:

Additamento ao projecto n.º 25

§ 1.° do artigo 1.°:

Esta lei principiará a ter execução em 1 de novembro d'este anno em diante, no continente do reino e ilhas adjacentes, e tres mezes depois da sua publicação, nas provincias ultramarinas. = João Gualberto de Barros e Cunha.

Foi admittido.

O sr. Pereira de Miranda: — Folgo com que o illustre relator da commissão mandasse para a mesa o additamento que acaba de ser lido, porque está de accordo com uma proposta que eu tencionava apresentar, se não houvesse inconveniente da parte da commissão.

Não desejo embaraçar a discussão d'este assumpto.

V. ex.ª e a camara sabem, por que já tive occasião de dizer, que eu fui um dos primeiros que suggeriram ao sr. ministro da marinha da administração passada a idéa de augmentar os portes das correspondencias, para occorrer em parte aos encargos da navegação a vapor para ás nossas colonias.

Parecia-me conveniente que se estabelecesse que o porte das correspondencias trocadas entre as diversas provincias ultramarinas custasse metade do custo do porte estabelecido para as correspondencias trocadas entre a metropole e aquellas provincias; comtudo não mando para a mesa proposta alguma n'este sentido, por que na altura em que está esta sessão legislativa tudo quanto podesse embaraçar a discussão d'este projecto era altamente inconveniente, e não sei se o sr. relator da commissão a aceitaria.

Não faço d'isto questão, porque é de suppor que na proxima sessão ha de ser tratado este assumpto com o desenvolvimento que a sua importancia reclama.

O sr. Barros e Cunha: — Concordo com as idéas apresentadas pelo illustre deputado.

Limitei-me unicamente a converter em lei o artigo que fazia parte de uma proposta apresentada pelo sr. Mello Gouveia, que legislando nos outros artigos para as alfandegas, no artigo 3.° legislava para os correios.

Pareceu-me que esta disposição se devia separar, e que, não se podendo dar parecer nem discutir o assumpto relativo ás alfandegas, a respeito do qual havia tambem um projecto de lei do sr. Pereira de Miranda, de que eu era relator, se devia, no sentido de tornar mais iguaes os portes das correspondencias para o ultramar, augmentar a receita que não é demasiada.

Entretanto parece-me que as considerações do illustre

Página 723

723

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

deputado são muito aceitaveis, e devem ser tomadas em consideração, quando mais tarde o assumpto geral for de novo considerado.

Foi logo approvado o projecto.

Passou-se á discussão do seguinte:

Projecto de lei n.º 26

Senhores. — Á vossa commissão do ultramar foi presente a proposta de lei n.º 20-E da iniciativa do governo, pedindo auctorisação para contratar, mediante subsidio até 135:000$000 réis annuaes, a communicação a vapor entre Lisboa e as provincias do ultramar até á costa oriental da Africa.

Tão importante assumpto, que implica larga copia de informações ácerca do commercio, desenvolvimento agricola, interesses economicos, toda a vida emfim das provincias ultramarinas e as suas relações com o reino e nações estrangeiras, não podia ser apreciado sem os documentos que a commissão pediu, e sem as explicações de que a commissão ficou privada pela saída do ministro, que tinha tido a iniciativa d'esta proposta de lei.

Alem d'isso o exame da influencia que teve no desenvolvimento das provincias da costa occidental de Africa o subsidio que se tem pago á navegação accelerada despende de dados estatisticos, que não ha, formulados como devem ser, para que essa influencia possa ser avaliada.

O progresso da navegação nacional não é menos importante, para deixar de considerar-se.

A ligação das communicações da costa oriental com a occidental, n'este momento, carece tambem de seria e discreta meditação.

Não é justo exigir que o governo que acaba de tomar a direcção dos negocios publicos tome igualmente a responsabilidade de propostas dos seus antecessores, que tanta influencia devem ter nos interesses do ultramar.

Não é tambem justo arriscar as provincias ultramarinas a ficarem privadas d'este meio de communicação.

Finda no dia 15 de outubro o contrato de navegação existente entre o estado e a empreza lusitana.

N'estas circumstancias a vossa commissão julga:

1.° Que este assumpto carece de ser largamente instruido com informações e estatisticas, que habilitem o parlamento a dar sobre elle o seu voto.

2.° Que o governo carece de auctorisação para que as communicações com o ultramar, actualmente existentes, não venham a ser interrompidas.

Para este duplo fim tem a commissão, de accordo com o governo, a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 4.º É o governo auctorisado a contratar, até ao fim do presente anno economico, e pelo modo que julgar mais conveniente, a continuação das communicações com as provincias ultramarinas, a que se refere o contrato com a empreza lusitana, que finalisa no dia 15 de outubro d'este anno.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes, na proxima sessão legislativa, do uso que fizer da faculdade que por esta lei lhe é concedida.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 14 de setembro de 1871. = Luiz Vicente de Affonseca = Francisco Maria da Cunha = Joaquim Pinto de Magalhães = Francisco Joaquim da Costa e Silva = João Gualberto de Barros e Cunha, relator = Tem voto do sr. José Baptista de Andrade.

A commissão de marinha conforma-se com o parecer emittido pela illustre commissão do ultramar, relativamente á navegação de Africa.

Sala da commissão, 14 de setembro de 1871. = Luiz Vicente de Affonseca = João Gualberto de Barros e Cunha = Joaquim Pinto de Magalhães = Alfredo Felgueiras da Rocha Peixoto = João José de Alcantara = José Antonio Maia = Tem voto do sr. José Baptista de Andrade.

O sr. Pereira de Miranda: — É este o primeiro assumpto de gravidade e importancia relativamente ao ministerio da marinha que se discute depois que está encarregado da gerencia d'essa pasta o meu particular amigo e mestre, o sr. Jayme Moniz.

E permitta-se-me que aproveite esta occasião para me congratular com s. ex.ª por o ver elevado aos conselhos da corôa, logar a que tinha todo o direito, pelos seus incontestaveis talentos e immensos recursos intellectuaes.

Só o que lhe peço é que na gerencia dos negocios publicos que lhe estão confiados, corresponda ás necessidades do paiz, ás gloriosas tradições que andam ligadas aos vastissimos territorios, cuja administração está a seu cargo, e ao que têem direito a esperar todos os seus amigos dos seus relevantes meritos.

Agora seja-me permittido lamentar que um projecto d'esta ordem apparecesse n'esta casa nos ultimos dias de sessão, quando não ha nem tempo para o discutir, nem esclarecimentos para consultar.

Muitos srs. deputados desejavam poder com largueza apresentar as suas idéas a este respeito, mas isso iria prejudicar a approvação d'este projecto que é indispensavel.

Sinto que este facto se desse; mas quero afastar de sobre mim toda a responsabilidade. Eu instei constantemente com os srs. ministros durante a administração transacta, tanto no parlamento como nas secretarias para que s. ex.ªs resolvessem este negocio pelo modo que entendessem mais conveniente e util para o paiz, mas a incerteza trazia forçosamente o compromettimento de valiosissimos interesses já da metropole, já das colonias.

Não mando para a mesa emenda, additamento ou proposta alguma a respeito d'este projecto, porque como já disse, nem ha tempo para ser convenientemente discutido este assumpto, e não quero embaraçar a discussão d'este projecto. Faço votos para que o nobre ministro possa contratar este serviço até ao fim do anno economico em termos rasoaveis, porque só tenho em vista as conveniencias publicas.

Desejava que as viagens para a Africa continuassem a ser, pelo menos, uma em cada mez, o que os vapores tocassem em todos os portos das nossas colonias, onde tocam hoje; e que a navegação se faça com bandeira nacional. Faço apenas esta recommendação a s. ex.ª, e s. ex.ª a tomará na conta que entender.

Para outro ponto chamo tambem a attenção do nobre ministro da marinha, e é para que s. ex.ª trate quanto antes de celebrar um contrato provisorio para o trazer nos primeiros dias da proxima sessão; porque sendo esta auctorisação unicamente até ao fim do anno economico, desde o principio da sessão até essa epocha, não é tempo de mais para uma empreza vir contratar este serviço em condições convenientes.

Faço outro pedido a s. ex.ª, e é que n'esse contrato provisorio tenha em vista ligar á metropole, pelas relações regulares a vapor, não só as nossas possessões da Africa occidental, mas as da oriental. Todos conhecem as rasões de conveniencia que isto aconselham, e nem eu me posso agora demorar n'este ponto, a respeito do qual tive occasião de fallar ainda ha pouco n'esta casa. Recommendo tambem o serviço com bandeira portugueza.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Pinto de Magalhães: — Pedi a palavra para sentir igualmente, como o illustre deputado que me precedeu, que não possa haver uma discussão mais larga sobre este assumpto. Mas lembrando-me da estreiteza do tempo e da urgencia que ha para attender a este serviço, visto que o contrato da companhia Lusitania acaba no dia 15 de outubro, declaro que subscrevi a este projecto, dando auctorisação ao governo para contratar; não me privei comtudo de fazer algumas considerações sobre a mesma auctorisação.

A primeira questão que se apresenta é a divergencia que

Página 724

724

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ha no projecto da auctorisação que discutimos e o projecto do ministerio demissionario. Parece que, sendo eu da opinião para que fosse convertido em lei o projecto do primeiro ministerio, porque sympathisava com elle, venha agora apoiar uma auctorisação quando ella não é exactamente a mesma cousa que estava no projecto inicial. Nós agora viemos dizer que podemos contratar a navegação para Africa como uma necessidade urgentissima, porque a navegação para a Africa não póde deixar de continuar, porque a sua cessação trazia não só grandes males ao commercio de Lisboa, mas ás provincias ultramarinas, e porque o contrato acaba a 15 de outubro proximo.

O projecto do governo demissionario era para que essa navegação se tornasse extensiva á costa oriental e occidental de Africa, e nós agora, pelo projecto em discussão, limitâmos a navegação só para a costa occidental de Africa. Isto é, garantir o statu quo. Havia de haver uma rasão muito importante que se apresentasse ao meu espirito para vir a este accordo de eliminar a auctorisação que levava no primeiro projecto a navegação á costa oriental de Africa. Essa rasão tenho de a explicar, porque assignei o parecer que está no debate e mesmo sendo deputado da costa oriental de Africa, e tendo as minhas opiniões compromettidas com relação á necessidade d'essa navegação.

Limitando-me só a esta limitada proposta, parece haver uma contradicção da minha parte, e que não defendo como devo defender os interesses da provincia que represento. É esta circumstancia e as reflexões que acaba de fazer o meu illustre collega, que me obrigaram a tomar parte na discussão.

Poucas providencias têem dado para a Africa tantas vantagens como a navegação a vapor. Os rendimentos publicos têem augmentado, a população tem crescido, e o commercio tem-se desenvolvido de um modo admiravel.

Lembro-me de ter ouvido, ha cousa de quatro annos, a um illustre deputado, digno representante de uma das provincias ultramarinas, o sr. Antonio José de Seixas, que o subsidio para Angola teria de continuar em consequencia do estado de abatimento em que se encontrava aquella provincia.

Hoje tenho o prazer de annunciar á camara que ella tem todas as suas despezas pagas em dia, tem nos cofres a mais uma somma cerca de 95:000$000 réis; e ainda ha pouco ali se foram buscar 20:000$000 para subsidiar outra provincia que estava em más circumstancias (apoiados).

A prosperidade d'esta parte da monarchia tem excedido as nossas previsões (apoiados).

Quando digo que acontece isto na costa occidental da Africa, o que é devido sem duvida em grande parte á regularidade das carreiras de navegação a vapor, desejava que tambem estas carreiras se estendessem á costa oriental.

Se nós n'esta auctorisação que damos ao governo declararmos que trate tambem de ver se póde contratar a navegação a vapor para a Africa oriental, creio que teriamos feito um grande serviço a esta provincia, e de certo as duas navegações feitas cumulativamente pela mesma empreza ficariam mais baratas para o estado do que em separado.

O governo pede uma auctorisação até ao fim do anno economico, isto é, mais cinco ou seis carreiras. Se o governo abrindo a praça receber propostas para as duas navegações, entendo que póde fazer um bello contrato.

Eu digo a v. ex.ª e á camara que, quando governei a provincia de Moçambique, desde 1851 a 1854, n'estes tres annos o rendimento total nunca excedeu a 67:000$000 réis. Hoje tenho o maior prazer em communicar que só o rendimento da alfandega da capital da provincia excede a 125:000$000 réis, isto é, o dobro; não fallando do rendimento das outras alfandegas e de outras contribuições, que é tambem muito importante.

Por consequencia, digo eu, se nós podérmos conseguir a navegação regular a vapor para a costa oriental, faremos uma grande cousa, e principalmente hoje que temos aberta a navegação pelo isthmo do Suez, por onde as viagens para aquellas terras se poderão fazer dentro de trinta dias. Aquella provincia de Moçambique ha de prosperar muito (apoiados).

O commercio ali está monopolisado actualmente pelas casas Fabre e Rogers de Marselha. Todas as materias oleoginosas d'aquella provincia vão para Marselha, que é aonde ellas têem grande consumo, em consequencia das muitas fabricas de saboaria ali existentes, não só fabricas de sabão commum, mas de toilette, com que fornecem os mercados de todo o mundo. Este commercio é feito por nada menos do que dezeseis navios.

Todos os homens praticos que conhecem aquellas provincias são de opinião que a de Moçambique é a mais rica. É um provincia muito mais fertil do que Angola.

Eu assignei o projecto que se discute, e digo que o sr. ministro póde no contrato que fizer, incluir a navegação para a Africa oriental.

Como membro da junta consultiva do ultramar, sei, porque estes negocios têem-me corrido pelas mãos, e em que tive de dar a minha opinião sobre alguns contratos relativamente a este objecto, o que ha a este respeito.

A minha opinião, auctorisada por muita gente importante, é que a navegação devia ir ao oriente, por muitas rasões. Uma empreza de navegação a vapor que fosse á costa oriental de Africa, em pouco tempo iria a Bombaim e Goa, havia de fazer com que o commercio do oriente se dilatasse e desenvolvesse em larga escala com Moçambique, por isso que a navegação a vapor faz-se em todas as epochas, e deixaria de se fazer a de navios pequenos, como se faz hoje em certas monções contra o progresso do commercio. O vapor iria romper todas as difficuldades e tornar a si grande parte do commercio das ilhas de Zanzibar e Madagascar.

Em pouco tempo, fazendo-se isto, a sorte da nossa provincia de Africa oriental havia de ser muito differente do que é hoje.

Um illustre cavalheiro e meu amigo, que foi bastante tempo nosso collega n'esta casa, o sr. Seixas, deputado por Angola, enganou-se quando disse que o subsidio para esta provincia era necessario por muitos annos; e quando eu vejo que hoje já esta provincia não só dá para si, mas subsidia as outras, posso assegurar que os resultados devem ser mais vantajosos para a costa oriental da Africa, logo que ali chegue o vapor.

O banco ultramarino em Angola começou por descontar 400:000$000 réis, e hoje excede 3.000:000$000 réis. Só a navegação a vapor e a offerta do dinheiro do banco eram capazes de produzir este resultado.

Sou deputado do ultramar ha muitos annos, e apaixono-me por estas cousas, porque vejo que das nossas provincias de alem-mar é que nos ha de vir a nossa prosperidade e um bom futuro, uma vez que tratemos de as fazer desenvolver. Todos querem que se dê o maior desenvolvimento ás nossas provincias do ultramar, mas só os homens que se interessam por ellas é que sabem dar-lhe verdadeiro valor.

Tenho aqui uma estatistica que foi publicada pelo sr. visconde de Paiva Manso, obra muito importante, a qual convence os mais incredulos.

Desde 1834 até hoje têem sido apresentados á camara muito poucos orçamentos do ultramar. Em 1834 foi a primeira camara que se abriu n'esta casa e durante dez annos não houve orçamento das provincias ultramarinas. O primeiro orçamento apresentado foi em 1844 e n'esse orçamento a receita era de 592:272$521 réis, cifra redonda 600:000$000 réis. Desde 1844 até 1851 não houve mais orçamento nenhum e desde 1834 até 1852 apenas dois orçamentos. No periodo que decorreu desde 1844 a 1851 já o orçamento que se apresentou com uma receita muito mais elevada, 714:000$000 réis.

Mas tomando periodos mais largos direi que, sendo em 1844 a receita de 592:272$521 réis, em 1854 elevou-se a

Página 725

725

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

802:833$160 réis, em 1864 1.062:768$169 réis, e em 1871 1.464:291$620 réis.

De dez em dez annos a receita subiu espantosamente; augmentou de 25 a 70 por cento!

Ora segundo os dados mandados ha pouco das provincias de Africa, os rendimentos vão subindo e póde calcular-se que os rendimentos para o orçamento de 1871-1872 devem ser proximamente de 1.800:000$000 réis. Quer dizer que no espaço de sete annos dobrou o rendimento, tudo effeito da navegação. E se calcularmos até ao orçamento de 1874-1875, que é quando completa o decennio, cujo calculo estou apresentando á camara, deve o rendimento ser de réis 2.000:000$000.

Portanto veja v. ex.ª como a navegação para a Africa tem augmentado os rendimentos, e se essa navegação for á costa oriental, deve então haver uma revolução completa no commercio.

Estes são os dados estatisticos emquanto ao rendimento do estado; mas se attendermos ao movimento do commercio, cujos documentos não tenho presentes, então o phenomeno é muito maior.

Todavia tenho um dado por onde posso avaliar isto; é o relatorio apresentado em 1849 pelo sr. conde de Bomfim, então ministro da marinha, sobre o ultramar, em que s. ex.ª dizia que o nosso ultramar era tão desconhecido que n'aquelle anno o commercio de Lisboa para as provincias ultramarinas importára em 49:000$000 réis. Hoje são mais de réis 3.000:000$000. O movimento commercial é um thermometro seguro por onde se póde avaliar a riqueza e prosperidade de qualquer paiz.

Podia dar maior desenvolvimento a estas considerações, mas a camara está empenhada em concluir esta discussão, e eu termino para não lhe roubar mais tempo.

O sr. Mariano de Carvalho: — A minha moção de ordem diz assim (leu).

Ouvi com toda a attenção o illustre deputado o sr. Pinto de Magalhães, cujo amor pelas cousas do ultramar todos nós reconhecemos.

S. ex.ª entendeu ver no projecto o que elle não contém. O projecto não auctorisa de modo nenhum o governo a contratar provisoriamente a navegação para a costa oriental, e mesmo para a costa occidental, não auctorisa senão pelos ultimos nove mezes d'este anno economico.

Ainda assim parece-me esta auctorisação lata de mais, não só emquanto ao tempo, mas emquanto ao sacrificio que o thesouro da metropole póde ter de fazer com esta navegação.

Como as camaras se hão de abrir em janeiro, é evidente que, se o governo contratasse por cinco ou seis mezes, tinha tempo para apresentar em janeiro uma proposta de lei que nós definitivamente approvassemos. Podia, pois, a auctorisação ser mais restricta emquanto ao tempo.

Em relação aos encargos do thesouro, estou convencido de que é facilimo obter hoje a navegação gratuita para a Africa occidental.

A empreza lusitana, não podendo facilmente desfazer-se dos seus vapores, e tendo já estabelecidas relações na Africa occidental, tendo carga certa a ponto de lhe ser alguma vez necessario mandar lá vapores extraordinariamente para a trazerem e de virem todos abarrotados de carga, não póde deixar de continuar a carreira.

E alem d'isso sabemos que uma companhia ingleza está prompta para se encarregar do transporte de passageiros e das malas do correio, e a destinar na viagem de regresso para Lisboa um espaço consideravel nos seus vapores para carga portugueza.

Sabem todos que eu, o sr. Pereira de Miranda, outros srs. deputados e alguns negociantes fomos convidados pelo governo transacto para uma reunião no ministerio da marinha, em que se tratou d'este assumpto. Sustentei ali a mesma opinião.

Para o transporte de passageiros e para a conducção das malas do correio não é preciso dar subsidio nenhum, porque é um facto incontestavel, sabido pelos srs. Carlos Bento e Mello Gouveia, que a companhia ingleza se presta gratuitamente a fazer esse serviço em relação á África occidental. Para a Africa oriental não é necessario ter uma companhia subsidiada.

Para segurar o transporte de passageiros e malas basta um pequeno vapor que navegue entre Mayotta e Moçambique. De Mayotta para a Europa existem communicações regulares.

Se se quer subsidiar carga, a hypothese é diversa. E parece-me que é isso o que principalmente se tem em vista, embora não se diga.

É contra todos os principios economicos subsidiar carga, sobretudo quando a fazenda publica está no estado que todos nós sabemos.

Allega-se que, com a prosperidade crescente das nossas provincias ultramarinas, é necessario conservar a todo o custo a navegação a vapor entre elles e a metropole para não difficultar essa prosperidade. Mas essa prosperidade não provem exclusivamente da navegação por vapor; ha provincias, para as quaes não tem existido a navegação por vapor, que estão n'um estado relativamente mais prospero que outras, para as quaes se tem feito uma navegação. Pergunto se Moçambique não é uma das colonias que mais têem progredido, apesar de não haver para lá communicação a vapor subsidiada.

Allega-se tambem a conveniencia de conservar as relações commerciaes entre as provincias ultramarinas e a metropole. A este respeito para estabelecer-se um dilemma de que se não sae facilmente em harmonia com os principios economicos ou ha vantagem para as provincias ultramarinas no commercio directo com a metropole, ou não ha. Se ha vantagem, não é necessario estabelecer emprezas subsidiadas de navegação a vapor; o commercio ha de fazer-se tanto em barcos de véla como em barcos de vapor, tanto com subsidio á navegação com sem subsidio. Se não ha vantagem, o sr. ministro da marinha e os srs. deputados que defendem as doutrinas oppostas ás que eu sustento hão de confessar-se incursos no peccado de proteccionistas; querem conceder um subsidio para alimentar um commercio artificial, que sem auxilio do thesouro não se faziam entre as provincias ultramarinas e a metropole.

Não é mantendo forçadamente um commercio sem rasão de ser que havemos de manter e felicitar as colonias; devemos lembrar-nos de que talvez uma das causas principaes por que os Estados Unidos se separaram da Inglaterra foi a falsa direcção que o governo britannico pretendeu dar á situação economica da sua America.

Se o Brazil se separou da metropole, foi em parte por causa das peias que se punham ao commercio entre o Brazil e as nações estrangeiras; e finalmente quem não sabe que a ilha de Cuba faz todo o seu commercio de exportação com a America do norte?

Este é um facto que ninguem póde contestar, e que está em todos os livros de economia politica e de commercio (apoiados).

Portanto, como é possivel segurar para a Africa occidental o transporte de passageiros e malas sem nenhum subsidio? E como os bons principios economicos e os interesses das colonias reprovam o subsidio á carga, é claro que fica justificadissima a minha emenda, que permitte ao governo o contratar o transporte de malas e passageiros para a Africa occidental, sem encargo do thesouro.

Tenho a maxima confiança na illustração, talento e honrado caracter do sr. ministro da marinha, a quem presto a devida homenagem; estou certo de que s. ex.ª ha de fazer d'esta auctorisação o melhor uso que for possivel, e não ha de dar subsidio a uma empreza para alcançar o mesmo resultado que se o não desse (apoiados).

Mas desconfio das circumstancias que hão de pesar sobre s. ex.ª

Página 726

726

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Se s. ex.ª pretende unicamente cingir-se a segurar o transporte de malas e passageiros, não tenho duvida em votar a auctorisação; mas se s. ex.ª quer subsidiar a carga, então rejeito-a, não porque desconfie do talento e probidade do illustre ministro da marinha, mas porque tenho desconfiança ácerca das suas economias, e de que levado pela força das circumstancias, não possa deixar de fazer mau uso d'esta auctorisação (apoiados).

Mando para a mesa a minha emenda.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que no artigo 1.°, onde se diz «e pelo modo que julgar conveniente», se diga «de modo que não haja encargo para o thesouro».

Sala das sessões, 19 de setembro de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foi admittida.

O sr. Barros e Cunha: — Dei a maior attenção ás considerações geraes e especiaes que foram apresentadas pelos illustres deputados que me precederam.

Tinha-me sido distribuido este projecto no tempo em que outros cavalheiros estavam n'estes logares. A minha opinião era adversa a elle, e adversa tambem era a do gabinete, porque este projecto, tendo apparecido na camara sem assignatura do sr. ministro da fazenda, que ao mesmo tempo era depositario da pasta das obras publicas, perfeitissimamente revelava que havia desaccordo ou, pelo menos, abstenção no gabinete por parte de um ministro que não podia deixar de ligar n'este projecto a sua responsabilidade.

Nas perguntas que n'essa occasião dirigi ao ministerio, o sr. presidente do conselho demissionario immediatamente pediu a palavra, para evitar que fosse feita na camara a revelação da dissidencia que havia entre o sr. ministro da marinha e o sr. ministro da fazenda; dissidencia que eu não quiz n'essa occasião revelar, como talvez fosse conveniente aos meus interesses partidarios.

Desde que entrou o actual gabinete, entendi que as condições em que este negocio tinha sido apresentado á camara, variavam completamente, e que nem se podia exigir do sr. ministro que tomasse a responsabilidade do projecto de lei, no qual nem os proprios ministros do gabinete demissionario que o tinham apresentado, estavam em desaccordo, nem se lhe devia deixar por parte do parlamento a necessidade de se soccorrerem um pouco elasticamente á disposição do acto addicional que permitte ao governo legislar para as colonias.

O unico fim, por consequencia, que tive em vista foi desculpar-me perante a camara, de lhe não relatar o negocio que me tinha sido submettido, e que por todas as considerações que se fizeram n'esta casa revela a summa importancia, que elle em si contém, e ao mesmo tempo habilitar o governo para que satisfaça provisoriamente as necessidades creadas pela actual ordem de cousas, contratando com a companhia actual, ou com outra qualquer que o governo julgue mais conveniente, porque eu n'este assumpto tenho no sr. ministro da marinha tanta confiança, como em mim mesmo (apoiados); procedendo de modo, que nem os interesses da praça de Lisboa, nem do commercio, nem das colonias deixassem de ter a satisfação a que tem direito, nem que o governo se visse na necessidade de se sujeitar a qualquer pressão que a actual empreza lhe quizesse impor, e que elle por falta de legal auctorisação fosse obrigado a aceitar, para que os interesses do commercio não soffressem muito mais.

Separo, portanto, a questão da navegação da Africa oriental por ser um assumpto novo, e porque n'essa não ha a necessidade de attender de prompto a nenhuma das circumstancias extraordinarias que impõem ao parlamento o dever de dar faculdade ao governo para bem gerir os negocios publicos e os interesses creados á sombra do artificio e da protecção.

Dizem que é lata a auctorisação que se dá ao governo por um lado, e diz a proposta que foi mandada para a mesa, pelo sr. Mariano de Carvalho, que ella foi ao mesmo tempo generosa em demasia.

Permitta-me v. ex.ª que eu não partilhe a opinião do illustre deputado. Verdade seja que o governo, tanto o sr. presidente do conselho como o sr. ministro do marinha se contentavam com uma auctorisação até março. Pareceu-me demasiadamente curto o praso que se lhe dava, posto que naturalmente, como o parlamento ha de estar reunido em janeiro, poderia amplia-la no caso de ser necessario. Mas eu entendo que quando se dá uma auctorisação d'esta ordem, ou se tem plena confiança na probidade do ministro que ha de usar d'ella, ou se lhe nega.

O praso pela qual a auctorisação é concedida não me parece demasiado. Está uma empreza já estabelecida. Outras emprezas ha que fizeram propostas ao governo, dizem que algumas querem fazer o serviço de graça, e eu não sei como possa combinar a necessidade de restringir esta auctorisação que o illustre deputado tem tanta confiança em que venha fazer-se ao governo uma offerta gratuita.

De certo isso nos levaria a suppor que o illustre ministro da marinha, tendo propostas para fazer a navegação gratuita ou para transportar gratuitamente malas e passageiros, seria de tal maneira adverso aos interesses do seu paiz na repartição que lhe está confiada que aceitasse uma proposta em virtude da qual tivesse de dar subsidio, de preferencia á proposta que fosse gratuita. N'um só caso o faria elle de certo, e esse caso seria se a proposta gratuita contivesse em si como ás vezes acontece a sua condemnação, por que em certos casos as cousas feitas de graça, na phrase muito conhecida de Tayllerand, são mais caras do que custando dinheiro.

Ha muitos annos que me occupo, com tanto cuidado quanto posso, tanto na imprensa como no parlamento, de todos os negocios que interessam ao paiz. Faço isto unicamente para cumprir um dever, e não para merecer ao meu illustre amigo uma apreciação muito mais generosa do que realmente os meus trabalhos merecem, porque isto em mim é um habito e uma distracção.

Das colonias tratei eu muitas vezes n'um jornal em que tive a honra de escrever e de que ainda hoje é proprietario e redactor o nosso primeiro jornalista e meu antigo amigo o sr. ministro do reino.

Escrevi ali muitos artigos ácerca das colonias, artigos que de tal maneira foram tomados em consideração nas colonias, que ali foram transcriptos em muitos dos jornaes das provincias ultramarinas; muito principalmente na India, n'um jornal de que era proprietario um collega nosso que ultimamente teve assento n'esta casa.

Por consequencia, quando esse projecto me chegou ás mãos achava-me eu já habilitado para considerar muitas das circumstancias especiaes que deviam determinar o meu voto ácerca de subsidiar ou não subsidiar a navegação para a Africa.

Não eram porém insufficientes os meus cabedaes para o relator se defender, conforme tinha elaborado. Para isso me basta mencionar á camara o discurso que foi feito na associação commercial pelo gerente da companhia lusitana, o qual diz em primeiro logar, que esta empreza não podia ser considerado nem comparada com qualquer empreza estrangeira. Em segundo, que em Portugal não houve nunca empreza que quizesse explorar a navegação para a Africa. Em terceiro logar, que foi necessario recorrer a emprezas estrangeiras. E em quarto logar, que os navios da empreza não acharam carga no porto de Lisboa para transportar para as provincias ultramarinas, e eram obrigados a levar carvão que vendiam nas estações d'aquellas provincias; e que unicamente cinco vapores, e peço sobre isto a attenção da camara e do illustre ministro da marinha, só cinco vapores tinham conseguido trazer carga completa, e que a maior

Página 727

727

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

parte das vezes os vapores não achavam n'aquellas provincias carga, e eram obrigados a trazer lastro de areia.

Ora, já se vê que todas estas cousas condemnam o subsidio, se as allegações. são verdadeiras, e não animam nem o commercio, nem a cultura, nem a navegação nacional.

Eu não tenho interesse nenhum, absolutamente nenhum, em exagerar ou restringir, o valor intrínseco d'estas revelações. Digo porém que o parlamento deve considera-las.

Não sou negociante da praça. Não tenho feitorias na Africa. Não tenho parte nas companhias de navegação. Não tenho nada, absolutamente nada. Tenho só o desejo de que o commercio de Portugal se estreite de tal maneira com as nossas colonias, que a sua união promova os interesses reaes (apoiados) e que sejam de tal modo solidos, que mesmo no caso de termos de as perder alguma vez, essas relações commerciaes fiquem sempre subsistindo (apoiados). É a unica cousa que eu quero, não quero mais nada (apoiados).

De tudo quanto vejo apresentar pelas pessoas interessadas n'este negocio, o que se conclue é que a camara dos deputados precisa estudar minuciosamente este grave assumpto; precisa munir-se dos documentos que já pedi e v. ex.ª solicitou do ministerio respectivo, precisa das estatisticas que mostrem a relação em que estão os generos coloniaes das nossas possessões na sua importação e exportação com iguaes generos do imperio do Brazil.

É necessario estudar o progresso da nossa navegação antes e depois do estabelecimento das carreiras de Africa subsidiadas, para que senão diga que esta empreza tem por fim augmentar a navegação nacional, quando isso não é verdade, ou para que se diga que ella mata a navegação nacional quando isso tambem não seja exacto.

O que eu entendo é que é este um negocio que se deve estudar, e que por consequencia não devemos estar aqui antecipando discussões, que sómente devem ter logar quando o governo trouxer a esta casa propostas para serem discutidas com a sua responsabilidade sobre as quaes possa assentar a opinião, firmada em todos os dados estatisticos que modernamente são os unicos que os homens de estado estudam para estas questões. Não me consta que haja outros.

Tambem se mencionou aqui, ou como que se quiz indicar que o governo ficava auctorisado a contratar provisoriamente a navegação para Moçambique. Não fica auctorisado para isso. Não póde faze-lo, porque claramente o diz o relatorio, e claramente o ha de declarar o illustre ministro da marinha quando tomar a palavra.

Nós precisâmos ainda n'este ponto estudar conscienciosamente a influencia que tem tido a navegação sobre o desenvolvimento do commercio da Africa occidental. E eu desde já asseguro á camara que não é devido unicamente ao subsidio concedido á navegação, mas que é devido á abolição da escravatura, é devido á paz que ha n'aquellas colonias, mas que é devido á abundancia de capitaes que já se não dedicam a esse trafico vergonhoso, e que actualmente se dedicam á agricultura, mas que é devido em grande parte tambem á acção muito util que o banco ultramarino tem exercido no ultramar, levando ali capitaes para o commercio d'aquellas regiões.

A regularidade nas communicações, não nego, antes me inclino a crer que tenha concorrido para o desenvolvimento agricola, e não lhe nego uma parte no desenvolvimento do commercio; estes factos, porém, fornecem desde já elementos pelos quaes se vê que se póde diminuir e muito, ainda que não seja compensar absolutamente, o subsidio que se tem concedido á carreira de vapores entre a metropole e as colonias.

Eu declaro á camara, que não será uma grande prudencia da sua parte, julgar que póde, por meio de direitos differenciaes, restringir e sujeitar o commercio de tão vastas e largas regiões a um ponto tão limitado como é a praça de Lisboa; e se, por acaso, d'ahi se póde tirar uma vantagem temporaria, apparente, illusoria e limitada a reacção mais tarde e muito breve virá punir severamente quem tiver o intuito de assim renegar os principios mais elementares da escola economica e os factos reaes da vida de todos os dias.

E nós veremos, estudando um pouco, que o commercio directo para Inglaterra, que se faz dos portos das nossas colonias, aproveita as feitorias estrangeiras, para se esquivar á extorsão das nossas alfandegas por um lado, emquanto pelo outro os artigos que são trazidos directamente a Liverpool, tem a differença media no frete de 23 por cento, comparada a tabella da empreza lusitana com a companhia Africain Steam Ship, que se emprega actualmente no commercio do ultramar.

Aqui estão pois annullados os 30 por cento, que temos dado desde o estabelecimento da companhia união mercantil, para favorecer a praça de Lisboa, desde 1858 até 15 de outubro de 1870.

Junte-se mais 2.000:000$000 réis de subsidio.

E diga-me v. ex.ª, e diga-me a camara, se este assumpto se póde tratar sem um estudo serio, profundo e meditado. Pergunto eu, estas sommas immensas têem ido empregar se todas indirectamente no desenvolvimento dos interesses do commercio e do trabalho nacional, ou se entraram nos cofres de uma empreza estrangeira, que por este preço nos faz a honra de içar a bandeira azul e branca nos topes dos seus vapores, e que por sua conveniencia, segundo se vê das suas proprias confissões, o que faz principalmente é transportar carvão de pedra de Hull para as nossas possessões africanas, e trazer de lá os vapores meios vasios, ou em lastro de areia?!

O que eu desejo é que esta auctorisação ao governo se não restrinja ao mesmo tempo que contrario as opiniões que julgam que ella se póde ampliar. Tal não foi a minha intenção, quando redigi o projecto; tal não foi a intenção do governo quando o aceitou, e tal não é a intenção do sr. ministro da marinha, porque s. ex.ª é sufficientemente intelligente para conhecer que em negocios d'esta ordem a responsabilidade fica mais bem estabelecida quando é compartilhada pelos representantes do paiz.

Por consequencia, limito-me unicamente a sustentar o parecer da commissão, por todas as rasões que aqui alleguei. Se a sessão não estivesse a terminar, eu perguntaria ao governo se não julgava conveniente nomear-se uma commissão de inquerito parlamentar, para colligir todos os elementos, todos os dados estatisticos que fosse possivel alcançar para serem presentes á camara na proxima sessão.

Direi comtudo que o complemento das minhas idéas era chegar a este ponto. Parece-me que cinco membros d'esta casa, d'aquelles que estão mais habituados a trabalhos d'esta natureza, fariam com que este negocio fosse devidamente esclarecido e collegionados todos os documentos e todos os dados estatisticos que é necessario consultar.

Concluo, pedindo ao meu illustre amigo, o sr. Mariano de Carvalho, que de certo não tem na pessoa do sr. ministro da marinha menos confiança do que eu, e eu quasi que posso dizer que tenho mais confiança em s. ex.ª, do que em mim mesmo, porque eu sou sujeito a apaixonar-me, e o meu amigo, o sr. ministro da marinha, tem o animo um pouco mais frio, tem um temperamento um pouco mais reflexivo e portanto mais apto para os negocios e para a situação em que se acha; que retire o seu additamento.

Apesar de eu ter declarado hontem, e declarar hoje novamente que formo parte da opposição ao actual gabinete, posso assegurar que o meu procedimento em relação a todas as questões de interesse publico, será aquelle de que acabo de dar agora prova, e que se funda no meu respeito pela justiça e na mais restricta imparcialidade.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Começo por declarar a v. ex.ª e á camara, que não me julgo perfeitamente habilitado para entrar n'esta discussão e para votar conscienciosamente; e tambem confesso a v. ex.ª que o discorrer dos illustres deputados que têem fallado n'este debate,

Página 728

728

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

me não conseguiram estabelecer no meu animo aquelle grau de evidencia e certeza que gosa a opinião individual expressa pelo voto.

Isto digo eu, sr. presidente, com aquella clareza de phrase a que me acostumei desde largos annos, e que faço tenção de jamais abandonar.

Gosto de ser explicito e de expor muito explicitamente as minhas opiniões e os meus pensamentos (apoiados).

Sr. presidente, pedi a palavra, porque quero dizer a v. ex.ª e á camara quaes as minhas circumstancias peculiares com relação á proposta de lei, de iniciativa do governo, que se está discutindo.

E para não estar com ambages e circumloquios oratorios, digo já a v. ex.ª, ou antes, repito mais uma vez, que me faltam todos os elementos que podem induzir-me a formar opinião segura e cabal.

É grave, gravissimo o negocio que se discute. Requer elle toda a nossa attenção e todo o nosso estudo.

Requerem as circumstancias que não levemos este negocio de afogadilho. Pois eu, sr. presidente, é que não estou resolvido a isso.

Vejo-me na tristissima e lamentavel necessidade de commetter um quasi crime constitucional, que jamais commetti e que hei de sempre commetter, quando se repetirem estas circumstancias; tenho que abster-me de votar.

Comquanto eu tenha para mim que o aphorismo do sabio — na duvida abstem-te — vejo na grandissima maioria, senão na quasi totalidade dos casos, mais uma praxe relaxista do que outra cousa, comquanto muito commoda, ainda assim sou compellido a applica-la agora.

Sr. presidente, se a confiança politica se podesse impor pelas qualidades pessoaes dos ministros ou pelas relações de velha e antiga amisade, que ha muito tempo tenho a fortuna de manter, cada vez mais estreitas com o sr. Jayme Moniz, eu de certo depositaria no meu illustre amigo a mais incondicional e absoluta confiança politica, e não teria duvida em lhe votar esta como que moção de confiança, assim como qualquer outra, provinda da mesma fonte, que fosse apresentado á minha humilde sancção.

Mas a confiança politica tem outras origens, outras causas e outros fundamentos. Deriva-se de principios completamente distinctos, que nada têem que ver com os laços pessoaes de amisade, que possam ligar o deputado ao ministro da corôa (apoiados).

Por isso eu começo por declarar francamente com aquella lisura e singeleza a que ha pouco me referi, lisura e singeleza que não são mais do que a traducção da lisura e singeleza do meu animo; começo por declarar que eu deposito em s. ex.ª a maior confiança pessoal, a qual se bastasse para influir em mim como homem publico; poderia levar-me a dar o meu voto approvativo a este ponto. Mas em questões de confiança politica eu sou um homem restrictissimo.

Quaesquer que sejam os cavalheiros que se sentem n'aquellas cadeiras, e nenhuns ha a quem mais respeite, eu, sem inquirir de suas origens, terei sempre grande difficuldade em lhe prestar um voto de confiança politica. Isto em these. Isto refere-se a todos os cavalheiros que se possam sentar n'aquellas cadeiras, quer sejam regeneradores, quer sejam historicos, quer sejam reformistas.

Desnecessaria era esta confissão, porque os actos da minha vida parlamentar, se bem que curta tem sido, parecem-me assás frisantes, para que não possa surgir a minima duvida, a menor suspeição sobre a franqueza do meu caracter (apoiados). Ainda hontem, ácerca da lei de meios, eu mostrei absolutamente que não depositava confiança politica no governo.

Vem agora a proposito, sem eu querer levantar do tumulo, onde felizmente jaz o governo que ha pouco tempo desappareceu da scena politica, sem que eu pretenda fazer surgir outra vez perante a camara esse espectro, contra o qual, quando em vida, vida cambaleante, mesquinha e ephemera, eu tantas vezes levantei o meu verbo humilde mas convicto; vem agora a proposito ponderar mais uma vez o inconveniente de trazer tão tarde ao parlamento um negocio d'esta importancia.

Já na sessão passada o sr. ministro da marinha, Mello Gouveia, fallava na commissão de fazenda, ácerca da necessidade impreterivel de tratar deste assumpto.

Mas já então lavrava a discordia entre os membros do gabinete; já então o sr. ministro da fazenda se pronunciava contra o subsidio para a navegação colonial, e taes foram os tropeços e embaraços que o mesmo sr. ministro da fazenda, o sr. Carlos Bento, poz ao andamento d'este negocio, que ficou parado, e agora, á ultima hora, pretende-se, em nome da necessidade e urgencia das circumstancias, compellir-nos a dar o nosso voto (apoiados).

Este negocio da navegação colonial é de uma grande importancia, de uma importancia enorme (apoiados.) Não nos illudamos; não é negocio que se possa levar de assalto n'uma sessão (apoiados), quando nós sabemos que, dentro de dois ou tres dias, o parlamento estará fechado, porque o governo alcançou o que queria para governar constitucionalmente, e logo que foi concedida a lei de meios, o parlamento fecha-se dentro de dois ou tres dias, quando muito.

Uma voz: — Ámanhã.

O Orador: — Ámanhã, ouço dizer; não posso entrar nos arcanos da governação; mas, emfim, é certo que o prolongamento d'esta sessão extraordinaria não póde ser assás longo; ha de ser em breve decretado o encerramento. E não quero culpar o meu illustre amigo, o sr. ministro da marinha, que ha meia duzia de dias occupa aquellas cadeiras (apontando para as dos ministros). O nobre ministro não póde ter responsabilidade dos actos do seu antecessor; mas eu sinto, e sinto amargamente, que o parlamento seja obrigado a dar um voto, na minha opinião, pouco esclarecido, por falta de discussão, quer a favor, quer contra.

Se isto não viesse sob a fórma de confiança politica, mesmo aquelles que, como eu, a não depositam no governo, poderiam votar affirmativamente, e se após uma discussão regular, se convencessem da necessidade de subsidiar a navegação colonial.

Outra vez declaro a v. ex.ª e á camara que tenho gravissimas duvidas. Por diversas vezes se tem dado a mostrar as grandes vantagens que a gloria de Angola tem auferido do estabelecimento da navegação; e ainda agora mesmo o meu illustre amigo, o sr. Pinto de Magalhães, que vejo presente, citou muitos factos em apoio d'esta asserção, de que fiquei surprehendido. Temos pois que a causa unica da prosperidade de Angola é a navegação por vapor.

Não sei se é verdade.

Não sei se estes dois factos por serem conjunctos ou apenas separados com pequenos intervallos estão ligados pela relação da causa ao effeito. Não posso comprehender que um seja causa de outro, ou o segundo effeito do primeiro.

Póde dar-se mui facilmente a coincidencia de que o desenvolvimento colonial appareceu conjunctamente com o estabelecimento da navegação a vapor, e não se segue que o desenvolvimento das colonias seja o resultado ou effeito especial do estabelecimento d'esta navegação; porque n'esse caso citarei alguns factos com a mesma logica, e aproveitarei mesmo a occasião de levantar um estygma lançado no sr. Latino Coelho.

É sabido que a colonia de Angola começou exactamente a florecer, a bracejar, e a augmentar de importancia quando se lhe tirou o subsidio. Em todo o caso eu vejo no rosto de alguns collegas meus, errar um sorriso que implica a mais completa negação de que eu acabo de affirmar. Pois é ainda o post hoc ergo propter hoc (apoiados).

Appliquemos a mesma logica. Temos dois factos conjunctos; logo em si a causa do outro, isto é, as colonias não podiam florecer, nem augmentarem riqueza, producção e

Página 729

729

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

exportação, se o sr. Latino Coelho lhe não tivesse tirado o subsidio (apoiados).

Ha ainda outro facto que tem levantado verdadeiras tormentas e queixumes que se repetem quotidianamente. Fallo do subsidio ao banco ultramarino.

Como v. ex.ª e a camara sabem, este banco tinha o privilegio de fazer transacções bancarias nas nossas colonias e não contente com este privilegio, a lei que o fundou, que era de um caracter assás generoso, concedia-lhe alem d'isso mais 30:000$000 réis de subsidio.

O sr. Latino Coelho entendeu, e na minha opinião perfeitamente, que este privilegio era insustentavel á face dos principios e que não tinha rasão de ser (apoiados). Levou-lhe a fouce á raiz, prostrou-o por terra e parece me que nem as colonias tem soffrido por isso, nem mesmo aquelle banco tem diminuido os seus interesses.

(Interrupção.)

Antes tem augmentado segundo ouço dizer agora. É preciso completar a obra. É necessario que o banco ultramarino pague para o estado, como todas as instituições bancarias, porque é d'este modo que ha de prosperar (apoiados).

Nós approvámos que lhe fossem tirados os 30:000$000 réis de subsidio; mas devemos exigir em nome da igualdade perante o imposto que o banco concorra para as despezas do estado, como deve concorrer todo o capital, qualquer que seja a fórma do seu emprego (apoiados).

Eu declaro francamente a v. ex.ª que não tenho dados estatisticos sufficientes para formar opinião sobre este assumpto; o que eu sei ou, pelo menos, tenho ouvido dizer, é que a navegação por vapor para as colonias de Africa, se por um lado tem produzido beneficos effeitos, por outro lado matou completamente a navegação particular entre o porto de Lisboa e os portos de Africa. Este facto parece-me innegavel.

Antigamente muitos eram os navios que faziam navegação entre o porto de Lisboa e os portos de Africa, e agora desde que se estabeleceu a carreira de vapores subsidiada pelo estado, acabou essa navegação, e os armadores acabaram.

O estado é um emprezario que só tira dinheiro da algibeira para subvencionar uma carreira da qual resultam interesses para o commercio, e, porventura, detrimentos para as colonias.

Já se vê que tudo que é tocar, ainda que de leve, em interesses de uma ordem elevada e importantissima como esta, ha de levantar resistencia e discussão. É exactamente o que succede, e é o que eu queria. Ha muitas opiniões encontradas, e convem sejam expendidas.

Eu comecei por declarar a v. ex.ª que não sabia como havia de votar, e estou ainda n'essa ignorancia.

Não tenho dados sufficientes para estabelecer no meu espirito um certo grau de evidencia que torne o meu voto verdadeiramente claro.

E emquanto não derem largas á discussão para que, á luz da estatistica e da experiencia possam ser avaliadas, eu não voto nem pró nem contra, alem de que eu não concebo que o parlamento dê auctorisações tão amplas ao governo, qualquer que elle seja (apoiados). Por isso abstenho-me pela primeira vez, e retiro-me da sala.

Tinha que fazer esta declaração, e se o regimento m'a prohibe, a minha consciencia n'este caso é superior ao regimento. Seria mais facil entregar o diploma a mãos que podessem arcar com esta difficuldade, do que votar inconscientemente (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Mariano de Carvalho: — O illustre relator da commissão levantou a questão de confiança ao illustre ministro da marinha. Se o sr. ministro da marinha carecesse do meu voto emquanto á sua probidade, dava lh'o com muito gosto; se carecesse do meu voto quanto á sua illustração e intelligencia, tambem lh'o dava com muita boa vontade; mas não se trata d'isto, a questão é outra. Trata-se debaixo d'esta questão, de luta prolongada ha muitos annos, entre as doutrinas do livre cambio e as da protecção.

O que se pretende é radicar em Portugal, em relação a esta questão, as doutrinas proteccionistas que tão maus resultados produziram em todo o mundo.

Podia eu ter duvidas quanto á emenda que mandei antes de ouvir o illustre relator da commissão, mas depois de o ouvir, essas duvidas acabaram completamente.

A verdade é, que os fretes que leva a companhia subsidiada são mais 23 por cento, do que em vapores não subsidiados, de modo que os productos angolenses que vem a Lisboa e que têem que saír para outros mercados, sáem com mais 25 ou 23 por cento de fretes...

O sr. Pereira de Miranda: — Então íam directamente para esse mercados.

O Orador: — Não por causa dos direitos differenciaes e ainda assim vão todos os factos concorrer para demonstrar esta idéa. Todos sabemos que em Angola carregam vapores para todos os portos da Europa, e acham carga abundante; succede, porém, que a empreza lusitana confessa que tem tido só cinco vapores com carga completa, e que nas outras viagens não tem podido completa-la. A causa é por que a companhia privilegiada, apesar do subsidio, exige fretes excessivamente caros para Lisboa, e hão de ser sempre caros emquanto existir privilegio, e emquanto o commercio de Lisboa não der a saída sufficiente aos generos produzidos na provincia de Angola.

Ha n'isto prejuizo para o thesouro que soffre com os direitos differenciaes, ha prejuizo para a provincia de Angola, ha prejuizo para o estado que carrega com o subsidio á navegação, ha prejuizo para a navegação nacional em navios de véla, que tem sido prejudicada á sombra do privilegio e do subsidio.

Mas diz-se que não ha inconveniente em se votar a auctorisação como se apresenta, porque seguramente se o nobre ministro encontrar quem faça a navegação gratuitamente, não lhe ha de dar subsidio. Mas vou provar que s. ex.ª se ha de ver obrigado a conceder o subsidio, logo que tenha auctorisação.

A empreza lusitana pelo seu interese, porque precisa empregar os seus vapores, porque têem carga certa, ha de continuar a navegação para a Africa sem subsido Mas desde que ella souber que o governo está auctorisado a conceder subsidio, desde que ao governo for imposta a condição de contratar a navegação com bandeira portugueza, ha de pedir subsidio e ha de collocar o sr. ministro da marinha nas condições de lh'o dar. É por isso que não posso votar o projecto como está, porque prevejo que s. ex.ª ha de ver-se rodeado de mil difficuldades para poder continuar com esta navegação, sem encargo para o thesouro. Se s. ex.ª não tiver auctorisação para dar o subsidio, não lh'o pedem, emquanto que se a tiver, hão de necessariamente pedir-lh'o, e s. ex.ª que não encontra outra empreza nas condições de concorrer com aquella, vê-se obrigado a dar-lh'o. Este é o facto.

Concordo com o dizer do nobre deputado o sr. Barros e Cunha, que devemos apertar as nossas relações com a Africa para o momento da sua emancipação, promovendo todos os seus interesses commerciaes; mas nós havemos de obrigar a provincia de Angola, a mandar os seus productos para Lisboa, pagando mais caro o transporte, do que para qualquer outra parte da Europa? Para que lhe dá um subsidio com o fim determinado de obrigar as provincias africanas a dirigir todos os seus productos directamente para Lisboa?

(Interrupção do sr. Pereira de Miranda.)

Pois se s. ex.ª não tem receio nenhum que os productos ooloniaes se afastem da praça de Lisboa, para que é que quer subsidio para a carga que vier para Lisboa? Ou o commercio de Angola naturalmente se deve fazer pelo porto de Lisboa, e n'esse caso não precisa de subsidio, ou não se deve fazer naturalmente e n'esse caso é erro pretender dirigi-lo artificialmente á custa do thesouro.

Página 730

730

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Não devemos querer de modo algum prejudicar os interesses reaes e legitimos das provincias ultramarinas, em proveito da praça de Lisboa. Esta é que é a verdade.

Querem subsidiar passageiros e malas, ou querem subsidiar carga?

Ninguem me responde a esta pergunta, porque não ha resposta possivel, porque se veriam obrigados a responder que querem subsidiar carga. Apparentemente o pensamento e o fim do governo é o dos illustres deputados que assignaram o parecer, é subsidiar passageiros e malas, e não carga. Mas na realidade o que se pretende é dar subsidio á carga em detrimento das colonias e do thesouro, e com vantagem só de tres ou quatro negociantes de Lisboa.

Se eu votar ao sr. ministro a condição de se fazer a navegação sob a bandeira portugueza, o com subsidio, s. ex.ª ha de ceder a certas pressões, e ha de ver se obrigado a subsidiar contra sua vontade, contra os interesses das colonias, e contra os do thesouro.

Se a lei permittir a concessão de um subsidio, s. ex.ª necessariamente ha de dá-lo, porque a unica empreza que póde concorrer é a empreza lusitana. Essa empreza, que não pede hoje subsidio, ha pedi-lo, e s. ex.ª ha de dar lh'o. O futuro me dará rasão.

Pois v. ex.ª pensam que alguma companhia séria vae montar um pessoal para fazer a navegação para a Africa por nove mezes? Ha só uma empreza a quem isso convem, e essa empreza é a lusitana. A African Steam não lhe convem navegar sob a bandeira portugueza; a lusitana, senhora unica do mercado, exigirá subsidio, mas vejo que o governo ha de conceder-lh'o.

Apertemos as nossas relações com a Africa; chamemos aquelles povos a nós, estabelecendo relações com elles, para que depois de emancipados prefiram o commercio com Portugal ao das outras nações da Europa; mas não se póde fazer isto senão dando-lhe liberdade, desenvolvendo ali a instrucção publica e os melhoramentos materiaes, e conciliando os animos pela communidade de interesses, e não pela contrariedade dos interesses coloniaes em beneficio exclusivo da metropole. Foi por não se fazer isto que perdemos o Brazil, e não por outra cousa; escusâmos de estar a apresentar factos politicos para lhe attribuirem a perda do Brazil, ella foi derivada principalmente dos factos economicos. A separação dos Estados Unidos de Inglaterra pelos factos economicos se explica. Não promovemos a amisade, mas provocamos a separação das provincias africanas, contrariando á custa do thesouro as suas tendencias economicas em proveito exclusivo das praças do reino.

Não insisto mais n'estas considerações, e o meu desejo unico é, em primeiro logar, velar pela prosperidade das colonias, que depende da mais ampla liberdade para o seu desenvolvimento, e em segundo logar, olhar pelos interesses do nosso thesouro, que não estão no caso de dar subsidios contra os principios e contra a rasão.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Ministro da Marinha: —... (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Telles de Vasconcellos: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga sufficientemente discutida a generalidade d'este projecto.

Julgou se discutida.

O sr. Mariano de Carvalho: — Requeiro votação nominal sobre a generalidade do projecto.

Não foi, approvado este requerimento.

Posta á votação a generalidade do projecto, foi approvada.

Entrou em discussão o

Artigo 1.°

O sr. Mariano de Carvalho: — Permitta-me v. ex.ª que eu sobre o artigo 1.°, que comprehende quasi a generalidade do projecto, responda a algumas observações do sr. ministro da marinha.

S. ex.ª teve a bondade de agradecer as expressões, não benevolas, mas justas, que eu lhe dirigi.

Agradeço o seu agradecimento, mas não me reconheço merecedor d'elle. Quem faz justiça cumpre um dever, e eu não fiz a s. ex.ª mais do que a justiça que lhe é devida (apoiados).

Sinto não estar de accordo com o modo de argumentar do sr. ministro da marinha, o qual, permitta-me s. ex.ª que lhe diga, se collocou constantemente ao lado da questão em vez de entrar n'ella.

Seguramente estou de accordo em que, para desenvolver o commercio, se devem abrir estradas, e as estradas n'esta hypothese são os navios de véla, como os vapores se podem assimilhar aos caminhos; mas n'este projecto o que é que se pretende? Não é abrir mais uma estrada ao commercio das colonias, é fechar lhe muitas estradas para lhe conservar aberta principalmente uma. Se eu chegar a demonstrar esta these, tenho provado que o nobre ministro, apesar da sua intelligencia, se collocou constantemente ao lado da questão em vez de entrar n'ella. Defeito da sua doutrina, que é má.

É fóra de duvida que uma companhia estrangeira se obriga a fazer o transporte de passageiros e malas para a Africa sem subsidio. Isto é um facto averiguado, official e confirmado pelo ministerio transacto n'uma reunião de negociantes e deputados celebrada no ministerio da marinha.

Os navios d'aquella companhia hão de navegar sob a bandeira ingleza e não sob a bandeira portugueza. Quer-se que os vapores que fizerem a carreira para Africa naveguem sob bandeira portugueza, porque assim o exige a necessidade do commercio.

Collocando-me agora não ao lado da metropole, mas ao lado das colonias, pergunto qual é o interesse commercial das colonias? Não será ter a maxima liberdade de commercio com todos os mercados do mundo conforme os seus interesses exigirem? Creio que é isto. Pois haverá alguma vantagem, se isto é verdade, em subsidiar uma companhia que tenda a desviar a corrente do commercio das suas direcções naturaes e traze-la principalmente para o porto de Lisboa? Para as colonias o interesse principal é ter a mais ampla exportação de seus productos directamente para os diversos mercados do mundo. Mas o illustre ministro, querendo animar o commercio das colonias, protege em detrimento d'aquelle o commercio de Lisboa. Fecha e destroe muitas estradas para deixar uma aberta.

O facto é que grande parte do commercio da provincia de Angola se faz obrigadamente e á custa do thesouro pelo porto de Lisboa. Os productos de Angola vindo por Lisboa, são d'aqui levados para Hamburgo, Londres e outros portos, sobrecarregados com mais 23 por cento no frete e com as despezas de embarque e desembarque em Lisboa.

Ha ou não ha aqui um prejuizo para as colonias exportadoras? Ha. São ou não são os seus productos vendidos por um preço mais caro em virtude das despezas com que são sobrecarregadas? São. Se isto é assim, como ninguem póde negar, como é que se diz, que se protege o commercio e pretende desenvolver as colonias? Protege se o commercio de Lisboa com prejuizo das colonias e do thesouro. Dar subsidio a uma companhia e dizer-lhe que navegue directamente entre Lisboa e Angola com bandeira portugueza, não é senão proteger o commercio da praça de Lisboa, e de modo nenhum favorecer o commercio de Angola, antes é desfavorece-lo.

(Interrupção.)

O problema a resolver, é desenvolver o commercio das colonias em harmonia com a necessidade de apertar os laços da metropole, e o que se pretende fazer não concorre para isso.

(Interrupção.)

É verdade. Mas nós temos todos as estradas abertas, e o que se pretende é prejudicar muitas em proveito de uma só, e á custa do thesouro, e com prejuizo das colonias.

Página 731

731

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

(Interrupção.)

Eu quero que o commercio de Angola se faça com a maxima liberdade. (Interrupção.)

A independencia das colonias não ha de vir de lhe concedermos liberdade de commercio, mas de deixa-la ao abandono, de não promover n'ella a cultura intellectual, moral e religiosa, de não terem estradas, de não lhes darmos auctoridade na altura da missão de que são envestidas, de não terem segurança, de ser tal a miseria que em certo hospital africano os doentes deitavam-se debaixo das camas para evitar a chuva, de não possuirmos marinha de guerra que os proteja, de tolher a sua liberdade, de tudo emfim quanto concorreu para a separação do Brazil, para a emancipação dos Estados Unidos e para a revolta de Cuba.

Tudo quanto for tolher a liberdade das colonias, encaminha-se a preparar-lhe a independencia. A independencia das colonias tem sido sempre proclamada mais pelas rasões economicas do que pelas rasões politicas. Porque é que se separaram os Estados Unidos da Inglaterra? Porque a Inglaterra prejudicava os interesses commerciaes d'aquella colonia, porque o parlamento inglez lançava tributos sobre os productos das colonias e sobre o seu commercio.

Se indagarem detidamente as rasões por que o Brazil se separou de Portugal, acharão que acima da rasão politica estava a sujeição commercial do Brazil a Portugal.

Parece-me que o sr. ministro da marinha tinha uma grande confiança nas riquezas metallicas de Moçambique, esperando que a exploração d'essas riquezas iria augmentar consideravelmente a prosperidade d'aquella provincia.

Confesso, sem de modo nenhum querer negar os conhecimentos de s. ex.ª, que não acredito nada nas riquezas metallicas de Moçambique. Acredito na riqueza do seu solo, mas não creio na producção coberta de metaes preciosos, porque a descoberta de metaes preciosos não tem sido, excepto na California e na Australia, senão uma grande illusão.

Metaes preciosos exploram-se quando o preço da exploração é menor do que o seu valor, mas na Africa as despezas de exploração hão de ser sempre muito maiores que o valor dos metaes tanto pela enormidade das distancias, como pela insalubridade do clima e pela difficuldade dos transportes.

Estimarei que Moçambique se desentranhe em oiro e pedrarias, que seja o Ophir dos nossos dias, mas não o creio. Penso que Moçambique ha de prosperar pelas producções do reino animal e vegetal, e mais tarde pela agricultura. Não espero outra cousa.

O illustre ministro distinguiu o voto de confiança administrativa do voto de confiança politica. Distinguirei tambem se v. ex.ª quizer, embora eu não veja grande differença entre um e outro. Acho muito difficil dar um voto de confiança administrativa a quem não se dá a confiança politica. Não vejo facilidade de conceder um quando o outro se não der.

Diz porém, o sr. ministro da marinha que, dando-se-lhe este voto de confiança administrativa, ha de fazer todos os esforços para que o governo contrate nas melhores condições. Mas n'isto estou completamente de accordo. Eu já disse e repito que tenho a maior confiança na probidade, illustração e talento do sr. ministro da marinha, e estou convencido de que ha de fazer da auctorisação o melhor uso que poder, mas depois do governo ter a auctorisação não póde, pela força das circumstancias, deixar de fazer mau uso d'ella, mesmo contra sua vontade. E para isso não tenho mais do que repetir o argumento que ainda agora apresentei, e a que s. ex.ª não respondeu, porque não podia responder.

Quaes são as condições em que se apresentam as diversas companhias? Temos por um lado uma companhia estrangeira com o material já montado, mas á qual não convem navegar com bandeira portugueza. Temos por outro lado uma unica companhia que possue o material necessario para navegar para a Africa, e á qual convem navegar com bandeira portugueza. Essa companhia não póde desfazer-se do material e tem as suas relações estabelecidas com a Africa; se o governo não lhe poder dar subsidio, ha de continuar a fazer carreiras para Africa. Mas se o governo estiver auctorisado a subsidiar a companhia, unica senhora do mercado, ha de fazer por seu proprio interesse jogo com o sr. ministro da marinha até obter subsidio.

Desde o momento em que aquella companhia souber que o governo póde dar-lhe subsidio, como é a unica senhora do mercado, como é a unica que póde contratar com as condições que ao governo se impõem, pelo que respeita á circumstancia da navegação ser feita debaixo da bandeira portugueza, ha de exigir subsidio, e o governo terá por força que submetter-se ás exigencias que ella lhe fizer.

De que meio, a não ser este, ha de o governo lançar mão? Ha outra companhia que possa fazer navegação com bandeira portugueza? Não ha.

E por isso eu digo, que apesar da boa vontade, do zêlo, da intelligencia e dos excellentes desejos do sr. ministro da marinha, s. ex.ª armado com esta auctorisação, não póde deixar de fazer d'ella mau uso, não por culpa sua, mas por força das circumstancias que hão de ser superiores á sua vontade.

Vejamos agora a situação pelo lado opposto.

Quer o governo subsidiar apenas o transporte de passageiros e de malas para a Africa? Então temos a companhia lusitana obrigada a fazer navegação pelas suas proprias conveniencias, pelos seus proprios interesses, e reconhecendo a inutilidade de fazer exigencias ao governo, porque o governo não a póde subsidiar. E se ella não fizer, uma vez que não se exija a condição da bandeira, temos a African Steam e outras companhias.

Ha uma pergunta que já fiz, e a que eu desejava que se respondesse. Quer o governo subsidiar apenas o transporte de passageiros e de malas, ou quer subsidiar tambem o transporte de carga?

Se quer subsidiar apenas o transporte de passageiros e de malas, se declarar isso expressamente na camara, todas as minhas objecções desapparecem, e não nego a auctorisação, porque sei que a companhia African Steam e muitas outras estarão promptas para isso. Mas emquanto o governo não fizer essa declaração, e não a fez ainda de certo, emquanto eu tiver receios de que á sombra de subsidiar o transporte de passageiros e malas, se subsidie tambem o transporte de carga, não posso dar o meu voto á auctorisação.

E torno a dizer, que não é porque eu desconfie do sr. ministro da marinha, do seu talento, da sua illustração e dos seus bons desejos; é porque desconfio e desconfio muito das circumstancias que hão de ser superiores á sua vontade.

Deu a hora, estou muito fatigado, e como desejo continuar a apresentar ainda algumas considerações a respeito d'esta questão, peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para ámanhã.

O sr. Placido de Abreu (por parte da commissão de fazenda): — Mando para a mesa dois pareceres.

Um é sobre as contas da casa, e eu pedia que, dispensando-se o regimento, entrasse quanto antes em discussão.

O outro é sobre um objecto já antigo, e eu pedia igualmente que se dispensasse o regimento para entrar em discussão o mais depressa possivel.

O sr. Presidente: — Mandam-se imprimir e ficam para ámanhã.

A camara resolveu acompanhar o saímento funebre do illustre ministro d'estado honorario, o sr. Rebello da Silva. Tenho a communicar á camara que esse saímento funebre terá logar ao meio dia, partindo da rua da Escola Polytechnica n.º 61.

Portanto a camara não póde reunir-se ao meio dia, que é a hora do costume, mas reunir-se-ha mais tarde.

Página 732

732

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A ordem do dia é, depois do objecto de que estamos tratando: primeiro, varios projectos que já foram distribuidos e que já estavam dados para a discussão; depois todos os que foram hoje mandados para a mesa; em seguida o parecer sobre a eleição de Mirandella, e por ultimo a eleição da commissão de inquerito que a camara resolveu que se elegesse.

Está encerrada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Rectificações

No discurso do sr. deputado Santos e Silva, pronunciado na sessão de 1 de setembro de 1871, publicado n'este Diario, a pag. 609, col. 2.ª, onde se lê = sol da terra = leia-se = sal da terra =.

No discurso do mesmo sr. deputado, pronunciado na sessão de 15 de setembro, publicado n'este Diario, a pag. 670, col. 2.ª, onde se lê = as rasões que se pretende deduzir d'ellas são impertinentes ou completamento deploradas = leia-se = as rasões que se pretende deduzir d'elles são impertinentes ou completamente deslocadas =.

No discurso proferido pelo mesmo sr. deputado na sessão de 16 de setembro, e publicado n'este Diario a pag. 680, col. 2.ª, onde se lê = a pedra de censura = deve ler-se = a pecha de censura =.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×