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SESSÃO DE 8 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os srs.

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita
Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno

SUMMARIO

Um officio da camara municipal do concelho do Crato. - Segunda leitura e admissão de um projecto de lei do sr. Fuschini, apresentado nesta sessão e julgado urgente. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. Tito de Carvalho, presidente da camara, Guilherme de Abreu e Adolpho Pimentel. - Requerimento de interesse publico apresentado pelo sr. Alfredo Filgueiras. - Requerimentos de interesse particular mandados para a mesa pelos srs. Augusto Poppe, Souto Rodrigues e Avellar Machado. - Justificações de faltas do sr. A. Joaquim da Fonseca. - Apresentam pareceres de commissões os srs. Adolpho Pimentel, Carrilho e Pedro de Carvalho; e projectos de lei os srs. conde de Villa Real, A. J. d'Avila e Lobo Lamare. - Continua a discussão sobre o projecto de lei n.° 51, usando em primeiro logar da palavra o sr. Ferreira de Almeida, que dirige uma pergunta ao governo ou ao sr. relator do projecto - Responde-lhe o sr. relator, Luiz de Lencastre, replicando-lhe ainda o sr. Ferreira de Almeida. - Fica esta discussão pendente.
Na ordem do dia é approvado sem discussão o projecto de lei n.º 88, relativo ao tratado de commercio e navegação com a Suécia e Noruega. - Continua a discussão do projecto de lei n.° 87 (tratado do Zaire), proseguindo no seu discurso, começado na sessão anterior, o sr. João Arrovo. - O sr. ministro do reino manda para a mesa uma proposta do lei. - A pedido do sr. Pereira Carrilho, dispensa-te o regimento para que as commissões de fazenda e saúde publica se reunam immediatamente a fim de darem parecer sobre a mesma proposta de lei. - O sr. António Ennes, entrando no debate ácerca do projecto relativo ao tratado do Zaire, apresenta uma moção de ordem e faz algumas considerações, ficando com a palavra reservada para a sessão seguinte. - O sr. Pereira Carrilho por parte das commissões de fazenda o saúde publica manda para a mesa o parecer sobre a proposta de lei apresentada n'esta sessão pelo sr. ministro do reino. - Dá se conta da ultima redacção do projecto de lei n.° 88.

Abertura - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 36 srs. deputados.

São os seguintes: - A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Sousa e Silva, A. J. d'Ávila, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Seguier, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Pereira Leite, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, Elvino de Brito, Fernando Gerades, Francisco de Campos, Guilhermino de Barros, João Arroyo, Sousa Machado. J. A. Neves, Joaquim de Sequeira, Simões Ferreira, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, José Borges, Figueiredo Mascarenhas, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Bivar, Luiz Dias, Pinheiro Chagas, Guimarães Camões e Sebastião Centeno.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, António Cândido, António Centeno, Garcia Lobo, António Ennes, Lopes Navarro, Pereira Borges, Cunha Bellem, Carrilho, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Neves Carneiro, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Lobo d'Ávila, Carlos Roma du Bocage, E. Coelho, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Góes Pinto; Estevão de Oliveira, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Correia Barata, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Baima de Bastos, Searnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Oliveira Peixoto, Reis Torgal, Luiz Osório, Manuel d'Assumpção, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Marçal Pacheco, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram á sessão os srs.: - Agostinho Lucio, Agostinho Fevereiro, Albino Montenegro, Pereira Corte Real, A. J. da Fonseca, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, Sousa Pavão, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Conde da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, E. Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Mouta e Vasconcellos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Costa Pinto, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Melicio, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, Ponces de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Dias Ferreira, José Frederico, José Luciano, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Júlio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luciano Cordeiro, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Pedro Roberto, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Offlcio

Da camara municipal do concelho do Crato, acompanhando uma representação da mesma camara, em que se pede que seja lançado um imposto sobre os phosphoros, revertendo o seu producto para a instrucção primaria.
Á secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - O cholera que, infelizmente, tende a aggravar-se em Hespanha, exige de uma parte um augmento de cuidados e vigilâncias para evitar, se possível for, a sua entrada no paiz, e a creação de meios completos e de antemão preparados para evitar a sua intensidade, se o flagello tiver de o invadir.
N'estas condições, sendo da maior conveniência crear hospitaes apropriados, os quaes, por outro lado, poderão servir para outras doenças epidemicas e endémicas, se o cholera se extinguir na Europa, sem invadir Portugal, tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E o governo auctorisado a mandar proceder desde já á construcção de hospitaes-barracas fora do recinto da actual cidade, sendo dois grupos pelo menos, um na parte oriental, outro na parte occidental.
§ unico. Para a despeza correspondente é o governo auctorisado a lançar sobre os concelhos de Lisboa, Belém, Olivaes, Cintra e Oeiras até 1 por cento addicional sobre as contribuições directas até extincção da divida contrahida.

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Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 8 de junho de 1885. = Fuschini.
Apresentado n'esta sessão e declarado urgente, foi admittido e enviado ás commissões de fazenda e de saúde publica

REPRESENTAÇÕES

1.ª De amanuenses da secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, pedindo que as vacaturas na classe dos segundos officiaes d'aquella secretaria sejam por elles providas uma vez por antiguidade e outra por concurso.
Apresentada pelo sr. deputado Tito de Carvalho e enviada á commissão de marinha,

2.ª Da camara municipal do concelho do Crato, pedindo que se lance um imposto sobre os phosphoros, revertendo o seu producto para a instrucção primaria.
Apresentada pelo sr. presidente e. enviada a commissão de fazenda:

3.° Da camara municipal do concelho de Cabeceiras de Basto, pedindo uma lei que lhe faculte poder desviar do cofre de viação a quantia de 1:000$000 réis para subsidiar as suas freguezias na construcção de cemitérios parochiaes.
Apresentada pelo sr. deputado Guilherme de Abreu, devendo ter destino igual ao que tiver um projecto de lei sobre o mesmo assumpto e que ficou para segunda leitura.

4.ª Da mesa da confraria de Nossa Senhora da Apresentação e Almas, na cidade de Braga, pedindo que seja convertido em lei o projecto do sr. deputado José Borges e que tem por fim equiparar para todos os effeitos as confrarias e outras corporações de piedade e beneficência aos particulares, no que respeita ao pagamento de decima de juros.
Apresentada pelo sr. deputado Adolpho Pimentel e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam remettidos a esta camara, na seguinte sessão legislativa, relatorios ácerca dos exames de instrucção secundaria, tanto dos inspectores da mesma instrucção secundaria, como dos presidentes dos jurys na proxima epocha de exame. = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto,
Mandou-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° De Bento Guilherme Klingelhoefer, administrador da massa fallida de João Pereira de Sousa Caldas, emprezario que foi do theatro de S. Carlos, pedindo o pagamento de dois créditos liquidados, um em metal, outro em papel moeda.
Apresentado pelo sr. deputado Augusto Poppe e enviado á commissão de fazenda.

2.º De Manuel Maria da Cunha, thesoureiro do cofre da universidade de Coimbra, pedindo melhoramento de situação.
Apresentada pelo sr. deputado Souto Rodrigues e enviada á commissão de fazenda.

3.° De Antonio José Pires, major reformado, pedindo para ser restituído á effectividade do serviço.
Apresentado pelo sr. deputado Avellar Machado e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTA

Participo a v. exa. e á camara, que o sr. deputado por S. Thomé, Antonio, Joaquim da Fonseca, tem faltado a algumas sessões, e continuará a faltar, por se achar doente. = João Eduardo Scarnichia.
Para a acta.

O sr. Fuschini: - Mando para a mesa um projecto de lei auctorisando o governo a mandar construir desde já, fora dó recinto da actual cidade, grupos de hospitaes barracas, sendo um para a parte oriental e outro para a occidental.
Devo fazer notar a v, exa. que o cholera se está desenvolvendo com intensidade em Valência, e que talvez a esta hora Madrid esteja invadida.
Vou ter a honra de ler á camara uma carta do meu particular amigo, o dr. Philomeno da Camara, lente, da universidade, e um dos médicos que foram estudar a Hespanha a natureza da epidemia que está grassando em algumas províncias, e os novos meios prophyllaticos contra o cholera, que se dizem descobertos pelo dr. Ferran.
Aqui tem v. exa. o que me escreve o illustrado medico e professor da universidade:
«Estamos em Valencia ha dois dias, e por noticias fidedignas sabemos que em algumas localidades d'esta província reina o cholera com intensidade. Aqui mesmo dentro da cidade tem havido desde abril mais de 30 casos, actualmente ha cholericos no hospital e em três ou quatro casas particulares. Não vimos nenhum, porque as casas estão isoladas e só lá pôde entrar o medico que trata dos, enfermos; veremos as podemos entrar hoje no hospital. É provável que amanhã partamos com a commissão de Madrid para Aleira para proseguir nos estudos microscópicos, que já hoje vou encetar, e para observar os effeitos das innoculações.»
«Pelos estudos, já feitos pela commissão de Madrid tem-se encontrado nas dejecções o bacillo e tambem na vaccina de Ferran; ver-se-ha se pelas culturas se observa a morphologia que elle descreve.»
Esta carta, como a camara vê, tem muita importancia.
(Interrupção.)
Limito-me por minha parte unicamente a apresentar as minhas, idéas, salvando a minha responsabilidade, e deixando aos outros a que lhes possa caber.
Devo fazer notar a v. exa., que apesar de todo o respeito pela auctoridade dos médicos, que me affirmam que o cholera não se propaga a distancias superiores a 200 metros, não concordo com esta doutrina, nem admitto esta proximidade de um foco epidemico senão por circumstancias de força maior.
Não concordo, pois, com os hospitaes barracas construídos no centro da cidade, como o foi aquelle que se construiu o anno passado na Avenida da Liberdade.
Parece-me, que o local para este effeito devia ser escolhido, quanto possível, afastado dos centros populosos e em boas condições de exposição; organisando-se também um systema rápido e conveniente de transporte dos enfermos.
Em todo o caso, sr. presidente, o que me parece negocio serio e grave, é a construcção dos hospitaes barracas com a maxima rapidez. É fácil construir alguns em poucas semanas no paiz, talvez seja ainda mais fácil mandal-os
vir da America.
Para este effeito julgo indispensavel que a camara auctorise o governo a despender até uma certa somma para construir bons hospitaes na parte Occidental e na parte oriental da cidade. Se o cholera não invadir Lisboa a despeza não será perdida, porque nós não temos actualmente hospitaes em numero sufficiente, e menos ainda em condições convenientes, para as necessidades da população, que envia doentes para os. que existem, principalmente, quando grassam as epidemias de doenças infecciosas, que quasi annualmente nos visitara.
Sr. presidente, n'este intuito, proponho que o governo levante até l por cento addicional sobre as contribuições

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directas nos concelhos de Lisboa, Olivaes, Belem, Oeiras e Cintra.

São estes concelhos que immediatamente lucram com o estabelecimento dos hospitaes, justo é tambem que directamente concorrem dos hospitaes, justo é tambem que directamente concorrem para elles.
Não posso calcular a somma necessaria para o estabelecimento destes hospitaes: este projecto de lei foi feito tão rapidamente, que não tive tempo para fixar com certo rigor a quantia que póde custar cada um d'elles. Parece-me, porém, que a compra de terrenos adequados, as despezas de estabelecimento e compra de barracas ou a construcção de edifícios apropriados não poderão exceder réis 100:000$000 ou 120:000$000 réis.
Por esta fórma a cidade será dotada com um melhoramento importantissimo, ainda mesmo em tempos normaes, e se o cholera nos atacar, estes hospitaes constituirão um recurso valiosissimo.
A unidade addicional lançada sobre os impostos directos dos concelhos mencionados, não renderá menos de réis 10:000$000, somma mais do que sufficiente para constituir annuidade de um empréstimo de 150:000$000 réis.
Torno a dizer a v. exa. por esta forma, quer seja attendido ou não, salvo a minha responsabilidade pessoal.
Como v. exa. sabe, tenho insistentemente tratado n'esta camara da invasão do cholera, e pedido que se tomem antecipadamente todas as providencias, porque estou convencido de que, se elle chega a entrar na capital, hade produzir-se um panico sério, não só na população, mas ainda entre aquelles a quem corre obrigação de não se atemorisarem; panico que, valha a verdade, parece ser em toda a parte o companheiro inseparável das epidemias do cholera e da febre amarella.
Não ha de ser n'essa occasião que se hade tratar de questões d'esta ordem, que exigem um certo tempo e bastante serenidade de espirito.
Por outro lado é sabido que a reunião de todos os meios para combater as epidemias, não só as adoçam nos seus resultados mortíferos, como preparam a confiança e a serenidade das populações, elemento importantíssimo da resistencia contra a molestia e contra as suas deploráveis consequências financeiras e economicas.
Sr. presidente, em volta de mim vejo muitos medicos illustres, nossos collegas, para elles appello, a fim de que tomem sobre este assumpto urna iniciativa, valiosa e juntem á minha pequena auctoridade scientifica a sua muito grande auctoridade profissional.
Eu sr. presidente, podia agora descrever o quadro do que será Lisboa atacada pelo cholera, mas não quero de modo algum provocar a sensibilidade nem levantar terrores.
(Interrupção.)
Isto de ver ao longe uma epidemia é o mesmo que ver de longe uma batalha, todos são valentes antes de entrar em fogo.
Dito isto, espero que s. exa., usando da sua auctoridade, faça seguir este projecto de lei com a brevidade e a rapidez de que elle carece, que ao menos a este não succeda, como a muitos outros, dormir o eterno somno. dos justos nos archivos das commissões. O desprezo d'esta medida póde trazer consequências mais graves.
Mando para a mesa a minha proposta.
O sr. Presidente: - O sr. Fuschini pediu para ser declarada a urgencia do projecto de lei que acaba de mandar para a mesa.
Consulto a camara sobre este pedido.
Approvada a urgência teve logo segunda leitura o projecto, e foi enviada ás commissões de fazenda e saúde publica.
Vae publicado na secção competente.
O sr. AdolphO Pimentel: - Mando para a mesa uma representação da confraria de Nossa Senhora da Apresentação e Almas da freguezia de Si João do Souto, da cidade de Braga, pedindo para que seja convertido em lei o projecto apresentado n'esta camara, na sessão de 30 de marco ultimo, pelo nosso collega e meu amigo José Borges de Faria.
Esse projecto, sr. presidente, tem por fim equiparar aos particulares, quanto ao lançamento da decima de juros as irmandades, confrarias e corporações de mão morta e de beneficencia, que não tenham isenção especial, abatendo-se previamente para o effeito do lançamento os rendimentos correspondentes aos encargos pios e de beneficência,
É tão importante, tão justo e tão conveniente aos interesses não tanto das corporações interessadas, como da classe agricola em geral este projecto, que peco instantemente aos meus illustres collegas da respectiva commissão que dêem quanto antes o seu parecer no sentido de ser convertido em lei.
Realmente é de uma revoltante injustiça que as usurarios, que emprestam dinheiro á lavoura a rasão do 15, 20 e 00 por cento, paguem apenas um decimo de decima do juros, e as irmandades e mais corporações, que lh'o emprestam a 5 por cento paguem um quinto de decima.
Nas provincias e principalmente no norte do apiz as irmandades são verdadeiros e beneficos bancos ruraes, que coadjuvavam com os seus capitaes os lavradores, prestando-lhes assim um valiosissimo serviço.
É fácil accusar os nossos lavradores, porque seguem os velhos e ronceiros systemas de cultura que herdaram dos seus antepassados. Para se agricultar bem e com proveito se usar das machinas e processos modernos de agricultura é necessario que os nossos lavradores tenham os indispensáveis meios pecuniarios. Não os têem, e quando se vêem forçados a pedil-os, vão bater á porta das irmandades que lh'o mutúam por um premio relativamente modico. Desgraçados d'elles se procuram os capitalistas. Estes exigem-lhes um enormissimo juro, e como as terras não deixam pagar as despezas de grangeio e de sustentação, o bastante para o pagamento d'esse juro, vão á praça e os seus antigos proprietarios vêem-se reduzidos á miséria.
É pois, de toda a justiça, que pelo menos as irmandades e as outras corporações, a que se refere o projecto do meu amigo e collega Borges de Faria, paguem tanto como os particulares.
Espero que a respectiva commissão dará brevemente o seu parecer favoravel, visto este negocio interessar a todo o paiz.
Aproveito a occasião de mandar tambem para a mesa um parecer da commissão de administração publica, concordando com o de obras publicas ácerca do projecto de lei do sr. Luiz Ferreira, auctorisando a camara municipal de Fragoas a dispender do cofre de viação, a quantia que for necessária, até 4:270$000 réis, para construcção de paços do concelho e melhoramento de pontes, ruas, caminhos e fontes.
A representação teve o destino indicado a pag. 2138.
O parecer foi a imprimir.
O sr. Avellar Machado: - Envio para a mesa um requerimento do major reformado António José Pires, pedindo para ser restituído á effectividade do serviço militar contando-se-lhe para todos os effeitos o tempo decorrido desde o decreto que o reformou.
A apresentação deste requerimento não significa que eu esteja concorde em um tal pedido. V. exa. dignar-se-ha, comtudo, enviar o requerimento ás commissões que sobre elle têem de dar parecer:
Teve o destino indicado a pag. 2138.
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, concordando com o projecto de lei da commissão de obras publicas, applicando aos chefes de repartição addidos, em virtude da lei de 7 de julho de 1880, á disposição 4.ª do § 5.° do artigo 1.° da lei de 23 de maio de 1884
A imprimir com urgencia.

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O sr. Guilherme de Abreu: - Sr. presidente, tenho a honra de mandar para a mesa uma representação, em que a camara municipal de Cabeceiras de Basto pede ser auctorisada a desviar dos fundos que entrarem no cofre de viação municipal, do anno corrente em diante, a quantia de 1:000$000 réis para subsidiar as juntas de parochia das freguezias mais pobres do seu concelho na construcção dos respectivos cemitérios: e mando tambem para a mesa um projecto de lei em harmonia com aquelle pedido.
Rogo a v. exa. que se digne enviar um e outro documento ás commissões competentes.
O projecto ficou para segunda leitura.
O sr. Pedro de Carvalho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre o projecto de lei do sr. José Borges, extinguindo o imposto do quinto a que, pela legislação vigente, estão sujeitos os juros que se deverem pagar a irmandades, confrarias ou corporações denominadas de mão morta relativas a capitães mutuados pelas mesmas corporações.
A imprimir.
O sr. Poppe: - Mando para a mesa um requerimento de Bento Guilherme Klingelhoefer pedindo o pagamento de vinte e tantos contos de réis que o estado lhe deve.
Esta divida, que é muito antiga, já foi liquidada pelo tribunal de contas, mas até hoje não tom sido paga, porque o governo ainda não só julgou habilitado com as quantias necessarias para fazer esse pagamento.
Julgo de toda a justiça o pedido e peco a v. exa. se digne dar-lhe o devido andamento.
Teve o destino indicado a pag. 2138.
O sr. Conde de Villa Real: - Mando para a mesa um projecto de lei, que tem por fim auctorisar o governo a adjudicar em hasta publica a construcção de um caminho de ferro que atravesse o districto de Villa Real.
Em 1883 foi apresentada nesta camara uma proposta relativa á administração de diversas linhas férreas; e vi, que nessa proposta não estava incluída esta linha, que por todas as rasões se recommendava.
Contra esta omissão não pude eu protestar nessa occasião porque não tinha logar na camara; hoje, porém, entendo que não posso deixar de apresentar este projecto, e se a camara me permitte vou ler o relatorio que o precede, e no qual compendio os argumentos que me pareceram mais convincentes.
(Leu.)
Este projecto vae tambem assignado pelos meus amigos os srs. Eduardo José Coelho e Guilhermino de Barros.
Como a camara acabou de ouvir, no relatorio estão compendiados todos os argumentos, que me parecem recommendar a construcção immediata do caminho de ferro a que me refiro, e por isso abstenho-me de fazer quaesquer outras considerações.
O projecto ficou para segunda leitura.
O sr. A. J. d'Avila: - Sr. presidente, um dos mais importantes melhoramentos que se têem emprehendido em Portugal foi seguramente a construcção do caminho de ferro do Douro; tuas, para que esta linha produza os seus naturaes resultados, é indispensável que se complete com algumas linhas férreas subsidiarias, que a alimentem e sirvam ao mesmo tempo as regiões de Traz os Montes e da Beira.
Obedecendo a este pensamento tive a honra de apresentar um projecto de lei, auctorisando o governo a construir e explorar por conta do estado uma linha férrea subsidiaria da linha do Douro, que partindo da Régua, seguisse por Villa Real e Villa Pouca de Aguiar até Chaves.
Dos outros signatários do projecto só tem hoje assento nesta camara o meu amigo o sr. Manuel d'Assumpção.
As rasões justificativas do projecto mantem-se as mesmas, com exclusão das que dizem respeito aos concelhos essencialmente vinhateiros, que estavam então muito florescentes, e que estão hoje arruinados ou quasi completamente destruidos pelo phylloxera.
Esta circumstancia é mais um argumento em favor da renovação de iniciativa que tenho a honra de fazer do projecto de 1 de março de 1875, com as alterações constantes do projecto de lei, que mando para a mesa, e que vae tambem assignado pelos srs. Lopo Vaz, Manuel d'Assumpção, Azevedo Castello Branco, Lopes Navarro e Adolpho Pimentel.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Lobo Lamare: - Mando para a mesa um projecto de lei, determinando que os generaes do exercito e os da armada, que desempenhem as funcções de vogaes no tribunal superior de guerra e marinha, vençam nesta qualidade as gratificações correspondentes às suas respectivas patentes, no desempenho de commissões de serviço activo.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Presidente: - Continua em discussão o projecto de lei n.° 51, que ficou pendente na sessão anterior.
O sr. Ferreira de Almeida: - Quando na ultima sessão, pedi a palavra, para tomar parte na apreciação deste projecto, que trata da arrecadação dos bens do fallecidos e ausentes, em relação às províncias ultramarinas, tinha em vista pedir uma explicação ao governo sobre um dos artigos 5 mas sabendo, depois, que o meu illustre collega e amigo o sr. Beirão, tencionava tomar parte n'este debate, e de certo com a proficiência que o caracterisa, pensei logo em desistir da palavra.
Por este motivo, não me alargarei agora em considerações e apenas, em resumo, farei uma pergunta ao governo ou ao illustre relator, conforme porém a resposta de s. exa. eu terei ou não de explicar e por isso peço desde já a v. exa. que me mantenha a palavra, para o caso affirmativo.
O projecto que se discute tem em vista transferir para o poder judicial, o serviço da arrecadação dos bens de defunctos e ausentes.
O artigo 27.° diz o seguinte:
«Artigo 27.° Liquidada a herança, o juiz, a requerimento do ministerio publico, fará remetter, á custa da mesma herança, pelo meio mais seguro e económico, para a caixa geral de depósitos de Lisboa, por intermedio do ministerio da marinha e ultramar, o producto liquido do espolio».
A minha pergunta resume-se no seguinte:
Que funcções representa o ministerio da marinha, como intermedio na transferencia de fundos, feita pelo juiz que os liquida, para a caixa geral de depositos?
Aguardo a resposta do sr. ministro ou do illustre relator.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Luiz de Lencastre: - Duas phrases apenas, em explicação ás que acaba de dizer o meu amigo o sr. Ferreira de Almeida.
S. exa. perguntou, quaes as funcções que ficava exercendo o ministerio da marinha na transferencia dos fundos que vêem das províncias ultramarinas para o continente.
A hora está para dar e este projecto tem de ser votado, por isso não posso fazer as considerações, que tinha a fazer sobre elle, porque fui um dos vogaes da commissão, que apresentou, ao illustre ministro da marinha, um parecer ácerca do assumpto de que se trata.
Como o sr. Ferreira de Almeida sabe, as arrecadações de fundos, nas províncias ultramarinas, eram desde 1603, feitas pelo regulamento, que existia naquella epocha, e que tinha uma legislação especial.
Por esta legislação especial a arrecadação regulava-se de uma certa forma.
Em 1844 entendeu-se que se devia commetter esta arrecadação às juntas de fazenda.
Desde essa epocha até hoje compete á junta de fazenda fazer a arrecadação das heranças dos ausentes, mas como tem havido clamores contra esta forma de administração,

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desde esse momento entendeu o governo que com a facilidade das communicações que ha hoje entre as differentes províncias ultramarinas, com o maior numero de comarcas, providas de juizes feirados a arrecadação devia passar da junta de fazenda para-o judicial.
Eu podia fazer mais considerações mostrando as rasões que para isto, actuaram sobre o governo e sobre a commissão, mas como a hora está adiantada eu responderei simplesmente á pergunta que fez o illustre deputado.
Quaes são as funcções do ministerio da marinha, nestes casos?
Os bens estão debaixo da direcção dos juizes de direito, debaixo da sua direcção por intermedio do ministerio da marinha são transmittidos para a junta de credito publico; o ministro da marinha não tem nada com isto.
Esta foi a pergunta que s. exa. fez e nada mais.
Repito, o ministro da marinha não póde distrahir os fundos que vêem á ordem do juiz para a junta de credito publico, é apenas para lhes dar uma certa-garantia na remessa e nada mais.
O sr. Ferreira de Almeida: - Disse o meu illustre collega o sr. Lencastre que a remessa por intermedio do ministerio da marinha e para conservar a ligação, entre os funccionarios do ultramar, que continuam fazendo a arrecadação dos bens e a secretaria, como garantia para a remessa dos fundos!
Este era o antigo systema, com todos os inconvenientes conhecidos, sobretudo o da morosidade; mas o regimento que se discute diz, que o juiz é que faz liquidar as heranças para as remetter para a caixa geral de depositos pelo meio mais seguro e economico.
Para que é, pois, necessária a obrigação de ser feita por intermedio do ministerio do ultramar?!
Diz-se que este projecto é a primeira base para a organisação financeira do ultramar.
Não sei a rasão.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Eu disse que era o primeiro passo.
O Orador: - Um primeiro passo constitue uma base, no caso sujeito, é um fundamento, etc.; são synonimos com mais ou menos forca.
Com este projecto só póde isto lesar o banco ultramarino e liada mais, e vou dizer porque continuam os mesmos inconvenientes que se davam até aqui.
Os fundos arrecadam-se e vão para ajunta de fazenda para terem garantia de segurança, porque os empregados d'aquellas corporações têem caução; mas o* governadores precisam de meios e continuam a levantar esses fundos como até aqui, a despeito de só dever fazer-se por mandado do juiz: mas como os empregados a cuja guarda está confiada a arrecadação, são dependentes do governador e não do juiz, hão de obedecer às intimações d'aquelle e deliberações das juntas de fazenda.
Antigamente os fundos deviam ser remettidos por intermedio do ministerio da marinha para o deposito publico, e desde que se extinguiu essa repartição deveriam ser remettidos para a caixa geral de depositos que a substituiu.
As juntas de fazenda ou governadores, torno a dizer, precisando de dinheiro aproveitarão o que existir no cofre dos defuntos e ausentes; estes valores desempenham nas colónias uma verdadeira funcção de divida fluctuante.
Depois vem os herdeiros reclamar o que lhes pertence, não pela caixa geral de depósitos onde o dinheiro não dá entrada, mas pela secretaria; e o sr. ministro da marinha não lho póde dar, porque com quanto conste ter sido arrecadada e liquidada a herança, o seu valor foi absorvido nas despezas correntes, de modo que nem o governo tem o dinheiro, porque lhe não foi remettido, nem o póde mandar abonar dos cofres do estado por principio algum; tal era o antigo estado de cousas que se mantem.
Ora desde que pelo projecto em discussão a arrecadação doo bens dos ausentes passe para o puder judicial; que considerado independente a todos os respeitos, que necessidade ha do ministerio da marinha intervir na transferencia d'esses fundos, quando a transferencia se póde fazer directamente?
N'este projecto ha duas cousas que brigam fatalmente: ou o juiz merece confiança e tem competência para remetter os fundos provenientes da liquidação da herança pelos meios mais seguros e economicos, ou não merece essa confiança, e nesse caso tirem-se ao artigo as palavras «meios mais seguros e económicos» e fique tão sómente «por intermedio do ministerio da marinha.
Se isto quer significar a faculdade que tenha o juiz de saccar, por exemplo, uma letra pelo cofre da estação naval sobre o thesoureiro pagador do ministerio da marinha e a favor da direcção da caixa gerai de depósitos, não é necessario a phrase «por intermedio do ministerio da marinha», porque é hoje isso facultativo a qualquer pessoa que o queira fazer na estação naval de Angola quando esta precisa de fundos.
Eu entendo que este paragrapho, por intermedio do ministerio da marinha, é de mais, é excessivo, e não tem vantagem nem conveniência alguma.
Propunha, portanto, a sua eliminação, porque d'esta fórma fica o artigo 27.° claro, positivo, terminante e intelligivel, e sem dualidades antinomicas.
Como o meu illustre collega o sr. Beirão tenciona a occupar-se deste assumpto com a auctoridade que lhe dá a sua qualidade de jurisperito, e com a proficiência que a camara já de ha muito conhece, não me alongarei nas minhas considerações sobre o projecto, nem mesmo tratarei de explicar agora, para hão tomar tempo, a referencia que fiz ha pouco quando disse que as vantagens d'este projecto interessavam tão sómente o banco ultramarino e não ao cofre dos defuntos e ausentes, se se observarem as disposições de não poderem ser levantados os fundos senão em proveito dos herdeiros e por mandado judicial.
Já pertenceu ao poder judicial a arrecadação dos bens dos ausente? Depois passou para o executivo, e agora passa novamente para o judicial, mas ficando subordinado ao executivo pelo tal intermedio do ministerio da marinha e ultramar.
Não comprehendo, nem foi justificada pelo orador que mo precedeu, a necessidade de similhante disposição; e para complemento das minhas observações, mando para a mesa a minha proposta de eliminação, sem mais commentarios, porquanto o orador que está inscripto para impugnar o projecto, o podia fazer, no interesse da sua melhor remodelação, com outra auctoridade e competencia que eu não tenho.
O sr. Presidente: - Fica pendente a discussão d este projecto, por ser já a hora de se passar á ordem do dia.

ORDEM no DIA

Continua a discussão do projecto n.° 87 (tratado do Zaire)

O sr. Presidente: - A ordem do dia é a discussão do tratado do Zaire, mas o sr. ministro dos negocios estrangeiros julga urgente a approvação do tratado do commercio e navegação com a Suécia e Noruega, que já está tambem dado para ordem do dia.
Vae ler-se por isso o projecto de lei relativo a esta convenção. Se não tiver discussão, votar-se-ha immediatamente; se tiver discussão, ficará para outra occasião, porque não posso prejudicar a discussão pendente sobre o tratado do Zaire.
Leu-se na mesa o seguinte:

PROJECTO DE LEI 88

Senhores. - A vossa commissão de negocios externos examinou com toda a attenção o tratado de commercio e

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navegação concluido entro Portugal e a Suecia e Noruega, em 10 de abril de 1885.
Desde que o regimen dos tratados de commercio se impõe como uma necessidade, por ser o meio de não ficar uma nação, nas suas relações internacionaes, excluída das vantagens que outras hajam obtido para os seus productos, inutil nos parece discutir se a politica commercial, que, similhante; regimen traduz, e ou não perfeitamente conforme com os principias e com as theorias que mais possam seduzir os que desejam ver predominar na legislação, quer nacional, quer internacional, regras invariaveis e prescripções que não se alterem por motivo do circumstancias alheias aos factos económicos. Para collocarmos o nosso commercio com os paizes estrangeiros em condições tanto quanto possivel de igualdade com o commercio de outras nações, só nos está aberto hoje o caminho dos tratados de commercio.
Datam de remotas epochas as nossas relações commerciaes com a Suecia e Noruega, e bastaria para o provar citar a data de 23 de junho de 1641, em que firmámos com o primeiro d'estes paizes um tratado de commercio e amisade.
Poderia discutir-se se esse tratado caducara ou não, e se a clausula da nação mais favorecida abrangia ambos os paizes. Mas a verdade é que, inaugurado, como politica commercial, o regimen dos tratados, importava assegurar ao commercio portuguez, na Suecia e Noruega, vantagens claramente definidas e iguaes às que o commercio de outras nações fosse obtendo á sombra de tal regimen.
N'este intuito, em 1870, iniciaram-se as negociações para um tratado de commercio com aquelles dois paizes. Não causaremos a vossa attenção fazendo a historia dessas negociações, por varias vezes interrompidas, e que só ha pouco poderam chegar ao seu termo, firmando-se o convenio que está submettido á vossa approvação. Convem, porém, em breves traços, historiar quaes as causas principaes que retardaram a conclusão das negociações.
Limita-se a um pequeno numero de artigos o commercio entre Portugal e a Suecia e Noruega. Portugal exporta para estes paizes vinho, qual todo do Douro, cortiça e sal, e importa delles bacalhau, madeira, ferro e aço. Nas pautas da Suecia e Noruega são livres a cortiça e o sal; é onerado o vinho com direitos diversos, segundo a sua força alcoolica. Na nossa pauta são sujeitos a direitos o bacalhau, madeira, ferro e aço, sendo muito elevado o direito do bacalhau, que e o artigo mais importante da exportação da Suecia e Noruega para Portugal. D'esta exposição se vê desde logo que as negociações não podiam deixar de visar, por parte de Portugal, a favorecer a importação dos seus vinhos, e por parte d'aquelles paizes a facilitar a importação do bacalhau.
E assim foi effectivamente, e sobre o modo de taxar respectivamente a importação do vinho e do bacalhau versaram as demoradas negociações a que nos referimos.
Todos os governos que, durante o longo periodo das negociações, geriram os negócios públicos em Portugal, e que tomaram n'ellas parte, se empenharam com insistencia em obter que se modificasse a escala alcoolic na Suecia e Noruega, de modo que, no limite do direito mais baixos podessem ser comprehendidos os vinhos portugueses que contivessem mais de 21 graus de álcool absoluto; a todos quantos argumentos, porem, se apresentaram, respondeu sempre o governo d'aquelles paizes argumentando com o desfalque que nas suas receitas produziria qualquer abaixamento de direitos nos vinhos, não se esquecendo, por mais de uma vez, do lembrar que seria rasoavel da sua parte reclamar tambem que reduzisse em Portugal o direito de importação do bacalhau.
A verdade é porém, que, ainda mesmo que o governo portuguez devesse aventurar-se n'este caminho, reduzindo o direito do bacalhau, não póde, concluir-se das negociações havidas que tal compensação conseguisse persuadir a Suecia e a Noruega a elevar, como desejávamos, a escala da força alcoolica.
N'estes termos era conveniente não perder as vantagens que nos advinham de assegurarmos o tratamento de nação mais favorecida, sem prolongarmos indefinidamente negociações de que não podia esperar-se resultado mais vantajoso, e cuja demora redundava effectivamente em dos proveito do nosso commercio. Ainda assim, o que se conseguiu pelo tratado, mesmo era relação aos vinhos, é importante.
Pelos tratados entre a Suecia e a Noruega e a Hespanha estabeleceram-se pautas convencionaes, em virtude das quaes os vinhos hespanhoes pagam: na Suécia, 15 ores ou 37 réis por litro, e na Noruega 11,52 ores ou 28 réis por litro, quando contenham até 201 de álcool, não sendo considerados como vinhos os líquidos contendo maior força alcoolica.
As pautas convencionaes daquelles tratados tem de nos ser applicadas, visto que no tratado que estamos analysando se nos garante o tratamento de nação mais favorecida. Sem o tratado teríamos de nos sujeitar á pauta geral, e os nossos vinhos pagariam, na Suecia 41 réis, até 15 por cento de álcool, e 75 ou 162 réis desde 15 até 25, conforme fossem importados em barris ou em garrafas, e na Noruega 41 réis até 20 por cento, e 90 réis de 21 a 25.
É evidente, pois, que, quando outra vantagem não nos trouxesse o tratado, não seria de pequena valia a de obtermos o regimen das pautas convencionaes com a Hespanha em logar do regimen da pauta geral. Mas o governo conseguiu ainda uma vantagem maior, qual foi a de se elevar a 21 por cento o limite da força alcoolica dos vinhos sujeitos ao minimo direito e do se consignar no tratado a declaração de que, para os vinhos contendo entre 21 e 25 de alcool se manteriam sempre direitos fixos, não dependentes do grau alcoolico.
Em troca d'estas vantagens Portugal nada concedeu, porque, como fica dito, de facto a Suecia e a Noruega gosavam entre nós do tratamento de nação mais favorecida, o que não acontecia n'aquelles paizes a Portugal. E quasi não se póde reputar uma concessão a clausula de nos obrigarmos a não elevar os direitos sobre o bacalhau, tão avultados são já esses direitos não só em relação ao preço d'este artigo, mas á applicação que elle tem como alimento das classes mais pobres.
O direito sobre o bacalhau é de 33,5 réis por kilogramma, o que representa pelo menos 40 por cento ad valorem, e em muitos casos póde ir até alem de 50 por cento.
Esta simples observação mostra desde logo que, a modificarmos os direitos d'este género, não poderá rasoavelmente ser no sentido de mais os elevarmos. A garantia, pois, que damos no tratado á Suecia e á Noruega pode considerar-se que traduz mais uma necessidade do nosso regimen aduaneiro de que um favor concedido. E por isso mais temos de que applaudir-nos por esta clausula que consigna um pensamento que aliás nos parece será o de todos os nossos homens públicos, qualquer que seja a sua escola em materia de regimen pautal.
O tratado que estudamos trará de certo o alargamento das relações commerciaes entre os paizes a que se refere. Já essas relações são hoje importantes. Na proporção do commercio especial entre Portugal e os differentes paizes, a Suecia e a Noruega occupam o nono logar. Em 1881 importámos d'aquelles paizes mercadorias no total de réis 766:584$000, figurando o bacalhau com o valor de réis 452:133$000, as tábuas serradas, vigas e vigotas, com o de 154:494^000 réis, o ferro forjado e o aço em barras com o de 154:907$000 réis; e exportámos para elles mercadorias no valor total de 258:694$000 réis, figurando o vinho do Porto com o valor de 87:893$000 réis, a cortiça em bruto com o de 84:986$000 réis, e o sal com o de réis 82:492$000.
Não nos parece difficil, que, asseguradas as relações com-

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merciaes por um tratado era que se nos garante o tratamento da nação mais favorecida, venha a alargar-se o movimento commercial entre os dois paizes, e possa desenvolver-se a exportação dos artigos que para ali enviámos, ainda mesmo dos vinhos, quando os commerciantes saibam escolher d'estes os que possam vantajosamente concorrer com os productos similares de outros paizes.
Por todas estas considerações, a commissão de negócios externos entende que merece a vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o tratado de commercio e navegação conclui do entre Portugal e a Suécia e a Noruega em 10 de abril de 1885.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da cominissão, 22 de maio de 1885. = Conde de Thomar = Manuel d'Assumpção = Francisco Augusto Florido de Mouta Vasconcellos = Visconde das Laranjeiras, Manuel = Luciano Cordeiro = Carlos Roma du Bocage = Rodrigo Affonso Pequito = António Maria Pereira Carrilho = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = João Marcellino Arroyo = Pedro Guilherme dos Santos Diniz = Tito Augusto de Carvalho, relator.

N.º 53-C

Senhores. - Sob o influxo da politica commercial iniciada na Europa pelo tratado entre a França e a Gran-Bretanha de 23 de janeiro de 1860, celebraram posteriormente diversos estados com aquelles paizes, e entre si, actos de igual natureza, pelos quaes obtinham, por concessões reciprocas, vantagens para os seus respectivos productos. Em 1806 entrámos nós nesse regimen commercial pelo tratado de commercio com a Franca, que foi seguido pela celebração de diversos tratados com outros paizes, obtendo e concedendo por elles o tratamento da nação mais favorecida, já gratuitamente, já subordinado a favores especiaes, segundo a particular natureza do commercio que se buscava desenvolver.
Modificado pelas circumstancias e necessidades differentes, esse regimen fecundo em resultados uteis subsiste ainda hoje, e nós acompanhamol-o ligados pela solidariedade económica dos paizes europeus.
É ainda continuando a serie destes actos internacionaes, que o governo de Sua Magestade celebrou ultimamente com o governo de Sua Magestade o Rei da Suécia e da Noruega o tratado de commercio que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame, e que não differe dos tratados de commercio anteriores nas suas estipulações essenciaes.
No presente tratado duas são as clausulas especiaes que se ajustaram para facilitar a sua conclusão. A primeira refere-se á applicação extensiva aos vinhos portuguezes contendo até 21 por cento de álcool dos direitos que pagam na Suécia e Noruega os vinhos que contêem até 20 por cento de álcool, e á fixação de um direito único sobre os vinhos contendo entre 21 e 25 por cento de alcool.
Por esta clausula são favorecidos os vinhos alcoólicos portuguezes á sua entrada nos Reinos Unidos, onde até hoje difficilmente podiam concorrer com vinhos estrangeiros menos alcoolicos.
A segunda clausula consta do protocollo annexo ao tratado, pela qual o governo portuguez se obriga a não elevar os actuaes direitos sobre o bacalhau. Por ella assegura o governo o seu proposito de não augmentar esse direito, já hoje elevado, sobre um genero que é de bastante consumo na alimentação das classes menos abastadas.
Julgando, pois, evidentes as vantagens do novo tratado, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o tratado de commercio e navegação, concluído entre Portugal e a Suecia e a Noruega em 10 de abril de 1885.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negócios estrangeiros, em 28 de abril de 1885. = José Vicente Barbosa du Bocage.

TRADUCÇÃO

Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e Sua Magestade o Rei de Suécia e de Noruega, igualmente animados do desejo de melhorar e de alargar as relações de commercio e de navegação entre os seus respectivos estados, resolverem concluir um tratado para este fim, e nomearam para seus plenipotenciários; a saber:
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves:
O sr. José Vicente Barbosa du Bocage, par do reino, professor jubilado da escola polytechnica de Lisboa, gran-cruz da ordem de S. Thiago, do merito scientifico, litterario e artistico, ministro dos negocios estrangeiros, etc., etc., etc.; e Sua Magestade e Rei de Suécia e Noruega:
O sr. conde Othon Steenbock, seu camarista, commendador de 1.ª classe da ordem de Wasa, cavalleiro das ordens da Estrella Polar e de Santo Olof, commendador da ordem de Christo, seu ministro residente junto de Sua Magestade Fidelissima, etc., etc., etc.
Os quaes, depois de se terem communicado os seus plenos poderes, que acharam em boa e devida forma, convieram nos artigos seguintes:

Artigo 1.°

Haverá liberdade reciproca de commercio e de navegação entre Portugal e os Reinos Unidos da Suécia e da Noruega.
Os governos respectivos obrigam-se a não conceder aos súbditos de qualquer outra potencia, em matéria de commercio e de navegação, privilegio, favor ou immunidade qualquer, sem ao mesmo tempo os applicar ao commercio e á navegação do outro paiz.
Os subditos de cada uma das altas partes contratantes terão tambem o direito de exercerem livremente a sua religião no território da outra parte, segundo as leis dos respectivos paizes.

Artigo 2.°

Os subditos das altas partes contratantes poderão dispor á sua vontade por doação, venda, troca, testamento ou de qualquer outro modo, de todos os bens que elles possuirem nos respectivos territorios, e retirar integralmente os seus capitães do paiz. Da mesma fórma os súbditos de um dos estados respectivos, capazes de herdar bens situados no outro, poderão tomar posse dos bens que lhes viessem a caber mesmo ab intestato, observando as formalidades prescriptas pela lei, e os ditos herdeiros não serão obrigados a pagar direitos de successão differentes ou mais elevados do que aquelles que forem impostos em casos similhantes aos próprios nacionaes.

Artigo 3.°

Os productos do solo e da industria do reino de Portugal e de suas colónias, de qualquer parte que elles procedam, serão admittidos nos Reinos Unidos no mesmo pé e sem. estarem sujeitos a outros ou mais elevados direitos, qualquer que seja a sua denominação, do que os productos similares da nação estrangeira mais favorecida.
Faz-se reserva, em proveito de Portugal, do direito de conceder ao Brazil sómente vantagens particulares que não poderão ser reclamadas pelos Reinos Unidos como uma consequência do seu direito ao tratamento da nação mais favorecida. Fica entendido que se Portugal concedesse a outros estados partilha dos favores que concedesse ao Brazil, os Reinos Unidos seriam admittidos a gosar dos mesmos favores.
Reciprocamente os productos do solo e da industria dos Reinos Unidos, de qualquer parte que procedam, serão admittidos em Portugal e nas suas colonias no mesmo pé, e sem estarem sujeitos a outros ou mais elevados direitos, de qualquer denominação, do que os productos similares da nação estrangeira mais favorecida.

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Artigo 4.º

As mercadorias não originarias de Portugal importadas d'este paiz em Suecia ou em Noruega não poderão ser sobrecarregadas de taxas addicionaes superiores áquellas que incidirem sobre as mercadorias da mesma espécie, importadas em Suecia ou em Noruega de qualquer outro paiz europeu, por outro modo que não sejam directamente por navio sueco ou norueguez.
Reciprocamente as mercadorias não originarias de Suecia ou de Noruega, importadas dos Reinos Unidos em Portugal, quer por terra, quer por mar, não poderão ser sobrecarregadas de taxas addicionaes superiores áquellas que incidirem sobre as mercadorias da mesma espécie importadas em Portugal de qualquer outro paiz europeu por outro modo que não seja directamente por navio portuguez.
Cada uma das altas partes contratantes se reserva a faculdade de estabelecer sobre as mercadorias não originarias das outras taxas addicionaes iguaes às que foram applicadas nos paizes respectivos às importações feitas por modo indirecto.

Artigo 5.°

As mercadorias de toda a especie originarias de um dos paizes contratantes e importadas no outro não poderão ser sujeitas a direitos de accise ou de consumo superiores aos que pagara ou vierem a pagar as mercadorias similares de producção nacional.
Todavia, os direitos de importação poderão ser augmentados com as sommas que representarem as despezas occasionadas aos productos nacionaes pelo systema de accise.

Artigo 6.°

Os drawbacks estabelecidos na exploração dos productos portuguezes não poderão ser senão a representação exacta dos direitos de accise ou de consumo interior incidindo nos ditos productos ou nas matérias de que elles são fabricados.
Do mesmo modo os drawbacks estabelecidos na exportação dos productos suecos e norueguezes não poderão ser senão a reproducção exacta dos direitos de accise ou de consumo interior incidindo nos ditos productos ou nas matérias de que elles são fabricados.
As altas partes contratantes poderão, alem dos direitos de alfandega, impor sobre as mercadorias estrangeiras uma taxa supplementar igual aos direitos de accise ou de consumo interior que pagam ou que vierem a pagar os artigos similares indigenas ou as matérias com as quaes tiverem sido fabricados.
Fica convencionado entre os estados contratantes que, no caso de suppressão ou de diminuição dos direitos de accise ou de consumo de que se trata neste artigo, as taxas supplementares impostas aos productos de origem ou de manufactura portugueza, sueca ou noruegueza serão supprimidas ou reduzidas em quantia igual áquella que fosse diminuída nesses direitos de accise ou de consumo.
Todavia, em caso de suppressão, se se estabelecer uma inspecção, uma fiscalisação ou um exercício administrativo sobre os productos fabricados, os cargos directos ou indirectos que pesarem sobre os fabricantes nacionaes serão compensados por uma taxa addicional equivalente sobre os productos do outro paiz.

Artigo 7.°

Cada uma das altas partes contratantes se obriga a fazer aproveitar a outra immediatamente, e sem compensação, de todo o favor, de todo o privilegio ou reducção nas tabeliãs dos direitos de importação e de exportação, que uma d'ellas tenha concedido ou possa conceder a uma terceira potência.
As altas partes contratantes se obrigam alem d'isso a não estabelecerem, uma para com a outra, nenhum direito ou prohibição de importação ou de exportação, que não seja ao mesmo tempo applicavel às outras nações.
O tratamento da nação mais favorecida é igualmente reciprocamente garantido a cada uma das altas partes contratantes para tudo o que respeita o consumo, o entreposto, a reexportação, o transito, o trasbordo de mercadorias e o commercio em geral.
As estipulações d'este artigo não poderão ser invocadas no que respeita às concessões especiaes concedidas ou que o forem para o futuro a estados limitrophes, em vista de facilitar o commercio de fronteiras.
Emquanto os vinhos que não contenham uma quantidade de alcool superior a 2U por cento forem onerados, á entrada em Suecia e em Noruega, de direitos únicos, independentemente do grau alcoólico, os vinhos de origem portugueza que não contenham uma quantidade de álcool superior a 21 por cento, não poderão á entrada em Suecia e em Noruega estar sujeitos a direitos mais elevados do que os vinhos que não excedem a 20 por cento de álcool.
A Suecia e a Noruega obrigam-se a conservar direitos unicos, independentemente do grau alcoólico sobre os vinhos de origem portugueza que excedam 21 por cento, mas que não excedam 25 por cento de alcool.

Artigo 8.°

Os portuguezes em Suecia e em Noruega, e reciprocamente os suecos e os norueguezes em Portugal, gosarão da mesma protecção que os nacionaes para tudo o que respeita a propriedade das marcas de fabrica ou de commercio, assim como dos desenhos ou modelos industriaes e de fabrica de toda a especie.
O direito exclusivo de explorar um desenho ou modelo industrial ou de fabrica, não póde ter em proveito dos portuguezes em Suecia e em Noruega, e reciprocamente em proveito dos súbditos dos Reinos Unidos em Portugal, uma duração mais larga do que a fixada pela lei do paiz a respeito dos nacionaes.
Se o desenho ou modelo industrial ou de fabrica pertence ao dominio publico no paiz de origem, não póde ser objecto de um goso exclusivo no outro paiz.
As disposições dos dois paragraphos que precedem são applicaveis às marcas de fabrica ou de commercio.
Os direitos dos portuguezes em Suecia e em Noruega, e reciprocamente os direitos dos súbditos dos Reinos Unidos em Portugal, não estão subordinados á obrigação de explorar n'esses paizes os modelos ou desenhos industriaes ou de fabrica.

Artigo 9.º

Os nacionaes de um dos paizes contratantes que quizerem assegurar-se no outro a propriedade de uma marca, de um modelo ou de um desenho, deverão cumprir as formalidades prescriptas para esse fim, pela legislação respectiva dos estados contratantes.
As marcas de fabrica, às quaes se applicam o presente artigo e o artigo precedente, são as que nos paizes respectivos forem legitimamente adquiridas para os industriaes ou negociantes que usam d'ellas, isto é, que o caracter de uma marca de fabrica portugueza deve ser apreciado, segundo a lei portugueza, do mesmo modo que o de uma marca de fabrica sueca ou noruegueza deve sei julgado segundo a lei de Suecia ou de Noruega.
Todavia o deposito poderá ser recusado se a marca para a qual é pedido for considerada pela auctoridade competente como contraria á moral ou á ordem publica.

Artigo 10.°

Os caixeiros-viajantes portuguezes, viajando nos Reinos Unidos por conta de uma casa portugueza, poderão ahi fazer compras para as necessidades da sua industria, e recolher encommendas com ou sem amostras, mas sem fazer a venda ambulante das mercadorias.
Serão tratados, emquanto á patente, como os viajantes da nação mais favorecida.
Haverá reciprocidade em Portugal para os caixeiros-viajantes dos Reinos Unidos.

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Os objectos sujeitos a um direito de entrada, que servem de amostras e que são importados por esses caixeiros-viajantcs, gosarão de uma e de outra parte, mediante as formalidades de alfândega necessárias para lhes assegurar a reexportação ou reintegração em entreposto, de uma restituição dos direitos que deverão ser depositados á entrada.

Artigo 11.°

O tratamento reservado á bandeira nacional para tudo o que respeita os navios e suas cargas, será reciprocamente garantido em todos os pontos, e em qualquer circunstancia, aos navios das alias partes contratantes no reino de Portugal e suas colonias, como nos Reinos Unidos.
Faz-se excepção á disposição que precede para a cabotagem, cujo regimen fica sujeito às leis respectivas dos paizes contratantes.
Fica alem d'isso convencionado que os navios das nações respectivas, navegando em cabotagem, serão tratados de uma parte e de outra no mesmo pé que os navios das nações mais favorecidas.

Artigo 12.°

Os navios portuguezes, carregados ou não, assim como os seus carregamentos em Suécia e em Noruega, e os navios suecos e norueguezes, carregados ou não, assim como os seus carregamentos em Portugal, á sua chegada de um porto qualquer, e qualquer que seja o logar de origem ou de destino do sen carregamento, gosarão a todos os respeitos, á entrada, durante a sua permanência e á saída, do mesmo tratamento que os navios nacionaes e seus carregamentos.
No que respeita ao ancoradouro dos navios, seu carregamento ou descarga nos portos, enseadas, bahias ou abrigos, e geralmente para todas as formalidades ou disposições quaesquer, às quaes podem estar sujeitos os navios de commercio, suas tripulações e seus carregamentos, não se concederá aos navios nacionaes em um dos estados contratantes privilegio ou favor algum que não seja igualmente concedido aos navios da outra potência, sendo a vontade das altas partes contratantes que, tambem a este respeito, os navios portuguezes e os navios suecos e norueguezes sejam tratados em pé de perfeita igualdade.
As altas partes contratantes se reservam a faculdade de cobrar em seus portos respectivos, sobre os navios da outra potencia, assim como sobre as mercadorias que compõem o carregamento d'esses navios, taxas especiaes destinadas á necessidade do serviço local.
Fica entendido que as taxas de que se trata deverão em todos os casos ser igualmente applicadas aos navios das altas partes contratantes ou a seus carregamentos.

Artigo 13.°

Os navios portuguezes, entrando num porto de um ou de outro dos Reinos Unidos, e reciprocamente os navios suecos e norueguezes entrando em um porto de Portugal, e que não quizerem ahi descarregar senão parte do seu carregamento, poderão, conformando-se com as leis e regulamentos dos respectivos estados, conservar a bordo a parte do .seu carregamento que for destinada a um outro porto, quer do mesmo paiz quer de um outro, e reexportal-a, sem serem obrigados a pagar por essa ultima parte do seu carregamento nenhum direito de alfândega, salvo o de fiscalisação, que de resto não poderá ser cobrado senão no valor fixado para a navegação nacional.

Artigo 14.°

Serão completamente livres dos direitos de tonelagem e de expedição nos portos respectivos:
1.° Os navios que, entrando em lastro, de qualquer logar que seja, saírem em lastro;
2.° Os navios que, passando de um porto de um dos estados respectivos a um ou muitos portos do mesmo estado, quer para ahi deixar toda ou parte da sua carga, quer para ahi compor ou completar o seu carregamento, justificarem haver já pago esses direitos;
3.° Os navios que, entrando com carregamento em um porto, quer voluntariamente, quer em arribada forçada, saírem sem ter feito nenhuma operação de commercio.
Não serão considerados, em caso de arribada forçada, como operação de commercio o desembarque e reembarque das mercadorias para a reparação dos navios, o trasbordo para um outro navio em caso de innavegabilidade do primeiro, as despezas necessárias ao abastecimento das tripulações, e a venda das mercadorias avariadas, quando a administração das alfândegas tiver dado a auctorisação.

Artigo 15.°

A nacionalidade dos navios será reconhecida e admittida de uma e outra parte, segundo as leis e regulamentos particulares a cada estado, por meio das patentes e papeis de bordo entregues pelas auctoridades competentes aos capitães e mestres.

Artigo 16.°

Em caso de naufragio em um sitio pertencente a uma ou a outra das altas partes contratantes, todas as operações relativas ao salvamento dos navios naufragados, encalhados ou abandonados serão dirigidas pelos cônsules nos estados respectivos. Estes navios, suas partes ou seus restos, seus apparelhos e todos os objectos que lhes pertencerem, assim como todos os objectos e mercadorias que forem salvos, ou seu producto, se elles forem vendidos, como tambem todos os papeis que forem achados a bordo, serão consignados aos proprietários ou a seus agentes, ou ao consul ou vice-consul respectivo no districto onde o naufrágio tiver ocorrido. As auctoridades locaes respectivas intervirão para conservar a ordem, garantir os interesses das pessoas empregadas no salvamento, se ellas forem estranhas às tripulações dos navios mencionados, e assegurar a execução das disposições que deverão ser tomadas para a entrada e para a saída das mercadorias salvas.
Ellas deverão do mesmo modo, na ausência ou até á chegada dos agentes consulares, tomar todas as medidas para a protecção dos indivíduos e conservação dos objectos salvos.
A intervenção das auctoridades locaes nos differentes casos acima mencionados, não occasionará a cobrança de custas de outra especie, alem d'aquellas que necessitarem as operações de salvamento, e a conservação dos objectos salvos, assim como as custas a que estiverem sujeitos em caso similhante os navios nacionaes.
As mercadorias salvas não estarão sujeitas a qualquer direito ou despeza de alfandega até ao momento da sua admissão para o consumo interior.
No caso de uma reclamação legal qualquer com respeito ao naufragio, às mercadorias e aos objectos naufragados, o tribunal competente do paiz onde o naufrágio occorrer, será chamado a decidir sobre elle.

Artigo 17.°

Os cônsules geraes, consules, vice-consules e agentes commerciaes de cada uma das altas partes contratantes, gosarão, nos estados e possessões da outra, dos mesmos privilegios e poderes de que gosarem os das nações mais favorecidas, comtanto que os mesmos privilegios e poderes sejam recíprocos.
No caso em que os ditos consules ou agentes quizessem fazer o commercio ou exercer uma industria, estarão sujeitos ás mesmas leis e usos às quaes estiverem sujeitos os particulares da sua nação no sitio onde elles residem.

Artigo 18.°

Os consules geraes, consules, vice-consules e agentes commerciaes de cada uma das altas partes contratantes,

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receberão das auctoridades locaes todo o auxilio e protecção para a pesquiza, a prisão e a entrega dos marinheiros e outros indivíduos que façam parte da tripulação dos navios de guerra e de commercio do seu paiz respectivo, e que houverem desertado em um porto situado no território de uma das altas partes contratantes.
Para este fim elles se dirigirão por escripto aos tribunaes, juizes ou funccionarios competentes, e justificarão pela exhibição dos registos do navio, rol de equipagem ou outros documentos officiaes, ou então se o navio tivesse partido pela copia dos ditos documentos, devidamente authenticada por elles, que os homens que elles reclamam fizeram realmente parte da dita equipagem.
Em vista deste pedido, assim justificado, a entrega não poderá ser recusada.
Os ditos desertores, quando tiverem sido presos, ficarão á disposição dos cônsules, vice-consules, e agentes consulares, e poderão mesmo ser detidos e guardados nas prisões do paiz, a requisição e á custa dos agentes acima citados, até ao momento em que elles forem reintegrados a bordo do navio ao qual pertencem, ou até que se apresente uma occasião de os reenviar para o paiz dos ditos agentes em um navio da mesma ou de qualquer outra nação.
Se, comtudo, essa occasião não se apresentar no praso de dois mezes, a contar do dia da sua prisão, ou se as despezas da sua detenção não fossem regularmente pagas pela parte, a requisição da qual se effectuou a prisão, os ditos desertores serão postos em liberdade sem que possam de novo ser presos pela mesma causa.
Comtudo, se o desertor tivesse commettido, alem d'isso, algum delicto em terra, a sua extradição poderá ser retardada pelas auctoridades locaes, até que o tribunal competente tenha devidamente estatuído sobre o ultimo delicto, e que a sentença proferida tenha recebido a sua completa execução.
Fica igualmente entendido que os marinheiros ou outros individuos fazendo parte da tripulação subditos do paiz em que a deserção se realisou, estão exceptuados das estipulações do presente artigo.

Artigo 19.°

As disposições do presente tratado, applicaveis a Portugal, são-no igualmente sem nenhuma excepção às ilhas portuguezas ditas adjacentes; a saber: ás ilhas da Madeira e de Porto Santo, e ao archipelago dos Açores.

Artigo 20.°

O presente tratado estará em vigor durante dez annos, a contar do dia da troca das ratificações. No caso em que uma das altas partes contratantes não houver notificado doze mezes antes do fim do dito período a sua intenção de lhe fazer cessar os effeitos, o tratado ficará obrigatório, até á expiração de um anno, a contar do dia em que uma ou outra das duas altas partes contratantes o tiver denunciado.

Artigo 21.°

O presente tratado depois de haver sido approvado pelas respectivas representações nacionaes será ratificado, e as ratificações serão trocadas em Lisboa logo que seja possivel.
Em fé do que, os plenipotenciários o assignaram e lhe pozeram os seus sellos.
Feito em Lisboa, em duplicado, a 10 de abril de 1885.
(L. S.) José Vicente Barbosa du Bocage.
(L. S.) Othon Steenbock.
Está conforme. - Direcção dos consulados e dos negócios commerciaes, em 28 de abril de 1880. = Eduardo Montufar Barreiros.

Os abaixo assignados, tendo-se reunido hoje para procederem á assignatura do tratado de commercio e de navegação entre o reino de Portugal de uma parte, e os reinos unidos de Suecia e de Noruega da outra, e devidamente auctorisados pelos seus respectivos governos, convieram no que segue:
O governo de Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves obriga-se a não augmentar os direitos de importação sobre o bacalhau actualmente existentes emquanto durar o mencionado tratado.
Fica entendido que pelo tratamento da nação mais favorecida toda a reducção de direitos ou de favores de que gosarem os vinhos dos outros paizes em Suecia e em Noruega serão applicaveis aos vinhos de Portugal, e que toda a aggravação de direitos ou restricção de favores impostos aos vinhos portuguezes em Suecia e em Noruega se tornarão extensivas aos vinhos dos outros paizes.
Feito em Lisboa, em duplicado, aos 10 de abril de 1885.

(L. S.) José Vicente Barbosa du Bocage.
(L. S.) Othon Steenbock.

Está conforme. - Direcção dos consulados e dos negocios commerciaes, em 28 de abril de l885. = Eduardo Montufar Barreiros.
Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Tem a palavra para continuar o seu discurso o sr. Arroyo; mas antes de s. exa. começara fallar devo participar á camara que o sr. Luciano Cordeiro, relator do projecto relativo ao tratado do Zaire, falta hoje á sessão por motivo do fallecimento de um seu cunhado, pelo que será desanojado pela mesa.
O sr. João Arroyo (sobre a ordem): - Continuando o discurso que deixara interrompido na ultima sessão, analysou as relações entabuladas com a Allemanha, com a Bélgica e com a Hollanda, demonstrando que o procedimento do gabinete foi inteliigente e sensato.
Deu conta em seguida das diversas circulares e despachos com os quaes o governo sondara as disposições de todos os paizes junto dos quaes se acha acreditado e expunha os bons intuitos que o animavam sobre o regimen económico a adoptar nas colonias.
Fez a critica do procedimento do partido progressista relativamente á questão do Zaire, e apreciou o movimento politico da vida nova.
Commentou em termos severos a maneira como a Inglaterra se houve para comnosco, e examinou o caracter e processos da diplomacia moderna.
Estudou as disposições do tratado anglo-luso que mereceram critica mais acerba da opposição: a constituição de uma commissão anglo-lusa e o constante dos artigos 9.° e 14.°, avaliando depois a conducta dos gabinetes portuguez e inglez a proposito da mudança de linguagem do conde de Granville a meio das negociações do tratado.
Analysou demoradamente as negociações diplomáticas a partir da assignatura do tratado anglo-luso até á conferencia de Berlim, descrevendo o procedimento da França, da Inglaterra e da Allemanha.
Forneceu as rasões pelas quaes não haviamos suggerido antes do que o fizemos a idéa da conferencia, e por que acceitámos o convite que nos foi dirigido pelo representante da Allemanha, não obstante o programma da conferencia não abranger as questões de soberania.
Passou em seguida ao estudo do acto geral da conferencia de Berlim, criticando e avaliando todos os diplomas que esse acto geral comprehende, e apreciando as suas consequencias.
Descreveu e encomiou a maneira intelligente e patriotica como se portaram os nossos representantes na conferencia de Berlim.
Analysou depois a convenção que levámos a effeito com a associação internacional do Congo, tecendo por essa occasião elogios especiaes á França pelos esforços de mediação que empregou até á realisação d'esse accordo.
Justificou o procedimento do gabinete por haver con-

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vencionado com a associação internacional nos termos e no momento em que o fez.
Demonstrou que os limites traçados na convenção com a associação internacional contêem uma solução nada vergonhosa para Portugal.
Apreciou as vantagens que dessa convenção resultaram para a nação portugueza.
Terminou, fazendo largas considerações sobre a nossa política e futuro colonial, abstrahindo da influencia do doutrinarismo e das idealisações metaphysicas.
(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Mando para a mesa a seguinte proposta de lei:
«Artigo 1.° São declaradas em vigor as disposições das cartas de lei de 10 de janeiro de 1854 e 5 de julho de 1885 até ao fim do anuo económico futuro.
«Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações que lhe são concedidas.
«Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
«Secretaria d'estado dss negócios do reino, em 8 de junho de 1885. = Augusto César Barjona de Freitas = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.»
Como a camara vê, esta proposta que não vem acompanhada de relatorio, é da maior instancia.
Tendo-se manifestado o cholera em Valencia e outras terras de Hespanha, e reconhecendo-se ser o cholera asiatico, entendi do meu dever apresentar desde já á camara uma proposta para habilitar o governo a tomar todas as providencias que porventura julgue indispensáveis.
Peço que se lhe dê o mais rapido andamento.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Carrilho: - Por parte das commissões de fazenda e de saúde publica, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que estas commissões se possam reunir durante a sessão de hoje, a fim de dar o seu parecer sobre a proposta mandada para a mesa pelo sr. ministro do reino.
Consultada a camara, resolveu afirmativamente.
O sr. Antonio Ennes (sobre a ordem): - A minha moção de ordem é a seguinte:
«A camara dos deputados resolve auctorisar o governo a adherir ao acto geral da conferencia de Berlim e a ratificar a convenção celebrada com a associação internacional do Congo, lamentando, porém, que os negociadores portuguezes não soubessem propor e fazer acceitar, como acto da iniciativa de Portugal e concessão espontânea da sua soberania, a formula que houvesse de conciliar os direitos dessa soberania com os interesses legitimos das outras potências e as necessidades da civilisação da Africa Occidental. E continua na ordem do dia.
«Camara dos deputados, 8 de junho de 1885. = Antonio Ennes.»
Esta moção importa uma declaração de voto.
Hei de approvar as convenções que n'este momento estão sendo discutidas, não porque entenda que são vantajosas ou gloriosas para o nosso paiz, mas porque estou convencido de que da sua rejeição não nos adviria mais proveito e gloria.
Approvo-as como uma necessidade, lastimando que para crear essa necessidade contribuíssem mais os erros e desacertos dos portuguezes do que a cubica e os interesses dos estrangeiros.
Poderia insurgir-me, é certo, contra similhante necessidade, assim como seria fácil ao meu partido promover contra ella insurreições inconscientes; teriamos para isso exemplos e precedentes que nem os srs. ministros nem a maioria d'esta casa ousariam condemnar, porque se condemnariam a si.
Eu, porém, considerei sempre o procedimento dos partidos regenerador e constituinte, na questão de Lourenço Marques, como tão pouco leal e patriotico (Apoiados.) que não quero para a minha vida publica a mancha de o ter imitado. (Apoiados.}
Também a minha moção indica já que, visto estar disposto a approvar as convenções, hei de apreciar as negociações que as precederam sem a menor acrimonia, sem o menor empenho de aggravar as responsabilidades dos negociadores ou deprimir os seus merecimentos. (Apoiados.}
E, emquanto ao sr. ministro dos negócios estrangeiros, folgarei de poder reconhecer que, se alguém, no Recurso da contenda diplomática, comprometteu gravemente o interesse ou a dignidade do paiz, não foi s. exa.
O sr. conselheiro Bocage póde ser accusado, e hei de accusal-o, de não ter sabido melhorar uma situação má, não foi, porém s. exa. que tornou má uma situação excellente.
Esta attenuação, que expontaneamente faço, das suas responsabilidades, mostra que não tenho, no que vou dizer, o mínimo desejo de o melindrar, e poderá servir para interpretar qualquer phrase, não direi menos cortez, porque tenho a esperança de que nenhuma me ha de escapar com esse defeito, porém mais dura, que me accuda aos labios na apreciação que vou fazer. Timbro em ser justo em tudo e para com todos.
O orador que me precedeu, com cuja palavra brilhante e animada vae contrastar singularmente a minha, sem calor e sem lustre, dividiu as negociações do Zaire, para conveniências da sua critica, em tres periodos, terminando o primeiro com a assignatura do tratado anglo-portuguez, de 2G de fevereiro de 1884, o segundo com a reunião da conferencia de Berlim e o terceiro com as convenções que o governo agora submetteu ao parlamento.
Acceito esta divisão, perfeitamente racional, apenas com uma alteração: para não separar os effeitos das suas causas, as consequências das suas premissas, levarei o primeiro período até ao momento em que, assignado e publicado o tratado de 26 de fevereiro de 1884, principiaram quasi todas as potências europeas que tinham ou pretendiam ter interesses no Zaire, a protestar contra elle ou contra algumas das suas clausulas.
Este primeiro periodo, sr. presidente, foi já examinado detidamente, e com um critério tão elevado quanto perspicaz, pelo meu illustre amigo o sr. Barros Gomes, e por isso não posso ter a esperança de dizer cousas novas ácerca d'elle; limitar-me-hei, portanto, a pouco mais do que compendiar e systematisar as considerações feitas por s. exa. e pelos outros oradores que têem fallado no mesmo sentido, para que melhor se destaquem as linhas geraes da política do governo nas negociações, procurando ao mesmo tempo apreciar o systema de defeza a que se soccorreu o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e que em parte foi já reproduzido por um eloquente orador da maioria.
Esse systema, sr. presidente, baseia-se toda sobre tres allegações essenciaes. A primeira é que o governo negociou com a Inglaterra, para obter d'ella o reconhecimento da soberania de Portugal no Zaire, porque nenhuma outra potência dava indicio de querer contestar os nossos direitos; são palavras do sr. Bocage.
A segunda allegacão é que essas potencias, que se mos-» travam dispostas a reconhecer, ou tinham já reconhecido de algum modo esses direitos, mudaram depois de attitude. E finalmente, a terceira consiste em sustentar que o governo e os negociadores portuguezes não podiam prever similhante mudança. Creio resumir assim com exactidão os pontos capitães do contra-libello do sr. conselheiro Bocage.
A primeira allegacão, sr. presidente, é muito minha conhecida; quem primeiro a formulou foi o Jornal do commercio em polemica com outro periodico, e não me admira que sendo de tal auctor, tenha tido muitas edições; tem,

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porém, o grave defeito, entre muitos, de não ser verdadeira.
Eu peço á camara que repare bem no que se diz e repete: «O governo foi negociar com a Inglaterra, porque nenhuma outra nação parecia contestar os nossos direitos»; foram as palavras do sr. Bocage, já por mim citadas.
Ora vejâmos.
Eu abro o Livro branco, e logo na primeira pagina do primeiro volume encontro um officio dirigido pelo sr. Antonio de Serpa, então ministro dos negocios estrangeiros, ao representante de Portugal em Londres, e nas primeiras linhas d'esse documento, que é o primeiro da collecção, leiu o seguinte:
«Novembro 8, de 1882. Illmo. e Exmo. - Sr. - Os resultados da exploração que por conta do governo francez acaba de fazer o sr. Brazza nas terras africanas, ao norte do Zaire, e sobretudo a importância que a imprensa franceza está dando aos trabalhos d'aquelle explorador e às consequências que d'elles pretende derivar no sentido da extensão do dominio da França em territórios da nossa descoberta, conquista e antiga occupação, cuja posse nos é disputada pela Inglaterra, estão chamando a attenção do governo portuguez; e convém que v. exa. chame também, com a maior urgencia, sobre os mesmos factos e as suas possíveis consequências, a attenção do governo britannico.»
Eis aqui está, sr. presidente, o verdadeiro ponto de partida das negociações, indicado officialmente pelo sr. António de Serpa.
Não é exacto o dizer-se que fomos negociar com a Inglaterra por estarmos seguros do reconhecimento das outras potencias: dirigimos-nos ao governo britannico receiando que o francez, levado por uma corrente de opinião nacional, viesse a usurpar os nossos territórios no Zaire. O governo não estava tal convencido de que a não ser a Inglaterra, nenhuma potência se lembraria de contestar os nossos direitos; suspeitava de que a Franca attentaria contra elles, como claramente revela o trecho do officio de 8 de novembro, que acabei de ler á camara.
Ora, sr. presidente, este ponto é de muita importância; a maneira como, o motivo porque, o sr. Serpa entabolou as negociações, influiram n'ellas até ao seu termo. Pedindo á Inglaterra o reconhecimento da nosso soberania, hão meramente como acto de justiça, como homenagem a um direito secular, mas sim como meio de defeza e protecção contra possiveis aggressões de outra potência, o governo
collocou-se n'uma posição de dependência, que auctorisou de certo modo a Inglaterra a proceder como procedeu: a vender-nos caro o apoio moral que lhe requeriamos como uma necessidade da nossa segurança, por nós proprios figurada como tal. O governo sabia que o reconhecimento da Inglaterra recusado desde 1846, só seria dado por ella com condições de interesse para o seu commercio; era, pois, de prever que essas condições seriam tanto mais duras quanto mais precisássemos do reconhecimento, e por isso não se explica nem se desculpa que o sr. Serpa o reclamasse com um caracter accentuado de protecção, e de protecção, como hei de provar contra perigos imaginarios!
Vozes: - Deu a hora.
O Orador: - Ouço dizer que deu a hora. Peço, pois, a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara dos deputados resolve auctorisar o governo a adherir ao acto geral da conferencia de Berlim e a ratificar a convenção celebrada com a associação internacional do Congo, lamentando, porém, que os negociadores portugueses não soubessem propor e fazer acceitar, como acto de iniciativa de Portugal, a concessão espontanea da sua soberania, a formula que houvesse de conciliar os direitos d'essa soberania com os interesses legitimos das outras potencias e as necessidades da civilisação da Africa occidental e continua na ordem do dia.
Camara dos deputados, 8 de junho de 1885. - Antonio Ennes.
Foi admittida.

O sr. Carrilho: - Por parte das commissões de fazenda e saúde, mando para a mesa o parecer sobre a proposta do governo enviada ha pouco para a mesa, e peço a v. exa. que o mande imprimir.
Foi a imprimir.
Deu-se conta da ultima redacção do projecto de lei n.° 88.
O sr. Presidente: - A ordem da noite para a sessão de hoje é a continuação da discussão do projecto de reforma do municipio de Lisboa, e a ordem do dia para
ámanhã é a continuação da que estava dada, e mais o projecto n.° 119.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Redator. = S. Rego.

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