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SESSÃO DE 29 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Leram-se officios da srs. conde de Paraty, conde de Reatello e do ministerio da marinha. - Tiveram segunda leitura um projecto do sr. Laranjo, assignado por outros srs. deputados, e outro dó sr. José Maria dos Santos.- Apresentam projectos de leis srs. visconde de Monsaraz e Sá Nogueira. - Apresentam representações: o sr. Pereira Carrilho, de diversas companhias e agencias de segui os do Porto e Lisboa, e o sr. Alfredo Pereira, da mesa da santa casa da misericordia da cidade de Penafiel. - Justificaram as suas faltas ás sessões os srs. Soares de Moura, Fontes Ganhado, Wenceslau de Lima, Anselmo de Andrade, conde de Villa Real, José de Napoles, Mancellos Ferraz, visconde da Torre, Mendes da Silva, Pereira Borges, Gomes Neto, Gabriel Ramires e Antonio Maria de Carvalho. - Apresenta um requerimento pedindo documentos o sr. Izidro dos Reis; apresentam requerimentos de interesse particular os srs. Brito Fernandes e Sarros e Sá. - Apresenta uma declaração de voto o sr. Eduardo de Abreu. - O sr. Alves de Moura refere-se á questão agricola, associando-se ás considerações do sr. Alves Matheus, e tambem á questão da instrucção secundaria com relação ao lyceu de Braga.
Na primeira parte da ordem do dia approvam-se os seguintes projectos: n.° 190, com referencia á organisação da escola Rodrigues Sampaio; n.º 203, auctorisando o governo a mandar admittir na divisão de veteranos da armada o ex-enfermeiro naval auxiliar, Manuel Rodrigues Bragança; n.º 135, auctorisando o governo a reintegrar no posto de tenente do exercito de Africa oriental a Francisco José Diniz; n.º 195, auctorisando o governo a reformar a escola naval e os estabelecimentos de ensino que lhe são annexos. - Foi tambem approvado nem discussão o parecer n.º 202-A, concluindo por enviar ao governo a petição de D. Maria das Dores Lobo Marinho de Lacerda Maia, viuva do governador da provincia de Timor, Alfredo Maia.
Na segunda parte da ordem do dia continúa á discussão do projecto n.º 180 (reforma do recrutamento), usando da palavra, que lhe tinha ficado reservada, o sr. Antonio Castello Branco, e em seguida os srs. Alpoim e Teixeira de Vasconcellos. A questão ficou pendente. - O. sr. ministro das obras publicas apresentou duas propostas de lei: 1.ª, regulando o trabalho das mulheres e das creanças nas fabricas; 2.ª, orçando um tribunal de avindores para resolver as questões entre patrões e operarios.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 63 srs. deputados. São os seguintes: - Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Antonio Castello Branco, Campos Valdez, Oliveira Pacheco, Antonio Maria de Carvalho, Simões dos Reis, Miranda Montenegro, Augusto Ribeiro, Lobo d'Avila, Eduardo de Abreu, Elizeu Serpa, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Francisco de Barros, Francisco Matoso, Fernandes Vaz, Francisco, Machado, Francisco de Medeiros, Guilherme de Abreu, Casal Ribeiro, Pires Villar, João Pina, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Correia Leal, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Alves de Moura, Ferreira Galvão, José Castello Branco, Pereira e Matos, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, Alpoim, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Moreira, Santos Reis, Abreu e Sousa, Julio Graça, Julio de Vilhena, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Alves da Fonseca, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Bernardo Machado, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Julio Navarro, Estevão de Oliveira, Matoso Santos, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sá Nogueira, Candido da Silva, Cardoso Valente, Scarnichia, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Jorge do Mello (D.), Jorge O'Neill, Avellar Machado, Barbosa. Collen, Dias Ferreira, Laranjo, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, José Maria dos Santos, Julio Pires. Lopo Vaz, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marianno de Carvalho, Marianno Presado, Miguel .Dantas, Pedro Monteiro, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Serpa Pinto, Anselmo, de Andrade, Sousa e Silva, Antonio Ennes, Pereira Borges, Moraes Sarmento, Mazziotti, Fontes Ganhado, Augusto Fuschini, Victor dos Santos, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Goes Pinto, Madeira Pinto, Freitas Branco, Francisco Ravasco, Frederico Arouca, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Franco de Castello Branco, Alfredo Ribeiro, Alves Matheus, Ferreira de Almeida, Ruivo Godinho, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Oliveira Matos, Pinto de Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Luiz José Dias, Marçal Pacheco, Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da marinha, devolvendo informada, a representação em que os amanuenses d'aquella secretaria d'estado pedem ser equiparados em vencimentos aos seus collegas do ministerio da fazenda.
A commissão de fazenda.

Da junta de credito publico, remettendo 160 exemplares do relatorio, balanços, contas da gerencia de 1885-1886 o do exercicio de 1884-1885 das caixas geral do depositos e economica portugueza.
Á secretaria.

Do sr. conde de Paraty, agradecendo á camara a sua eleição para vogal substituto da junta do credito, publico.
Inteirada.

Segundas leituras

Projecto de lei

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal do concelho de Aldeia Gallega do Ribatejo a desviar do cofre de viação municipal a quantia de 1:122$180 réis para ser applicada ao pagamento da obra na ponte dos vapores e á expropriação de uma casa terrea situada na travessa de Santo Antonio d'aquella villa.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

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Sala das sessões, em 27 de julho de 1887. = José Maria dos Santos.
Foi admittido e enviado á commissão do administração, publica ouvida a de obras publicas.

Projecto de lei

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal do concelho de Alter do Chão a desviar de prompto do cofre da viação municipal a quantia de 400$000 réis para concluir as obras de abastecimento de aguas em Cabeço de Vide e mais a quantia de 6:000$000 réis em seis annos successivos para a construcção de aulas e casas de habitação dos professores de ambos os sexos em Alter do Chão.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 15 de julho de 1887. = José Frederico Laranjo = D. Fernando de Sousa Coutinho = Henrique de Sá Nogueira de Vasconcellos = Frederico de Gusmão Correia Arouca.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de obras publicas.

Projecto de lei

Senhores. - Todos os grandes centros de civilisação, onde os corpos dirigentes se distinguem pela largueza das suas vistas, tanto como pelo comprimento escrupuloso dos seus deveres, procuram sempre realisar a maior somma de progresso compativel com as suas forças, necessidades e aspirações.
N'esse intuito a cidade de Evora, capital da provinda do Alemtejo, cuja importancia social se póde hoje medir pelo grande valor historico, que se documenta nas suas brilhantes e gloriosas tradições, não deseja declinar as responsabilidades que lhe competem em confronto com muitas cidades do reino e procura realisar, entre outros melhoramentos de provada vantagem publica, o da illuminação a gaz, de ha muito reclamado.
A camara municipal de Evora têem sido presentes varias propostas, as quaes, por não se harmonisarem com as forças economicas do municipio ou mesmo pela escassez de garantias suficientes á boa realisação do contrato, foram prudentemente rejeitadas.
Entendeu, no emtanto, a camara, inspirada nos mais louvaveis desejos de dotar a cidade com este importantissimo beneficio, que era chegado o momento de realisar por modo seguro as suas aspirações, e celebrou em sessão extraordinaria de 30 de junho de 1887 com Alfredo Harrison, o contrato provisorio cujas condições, expressas no documento junto, eu tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame no intuito de lhes obter a indispensavel approvação do poder legislativo.
Peço, portanto, venia para mandar para a mesa o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É approvado, para que possa tornar-se definitivo o contrato provisorio celebrado em 30 de junho de 1887 entre a camara municipal de Evora e Alfredo Harrison, para a illuminação a gaz da cidade de Evora.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, em 29 de julho de 1887. = O deputado, pelo circulo de Evora, Visconde de Monsaraz.
Pedida e obtida dispensa do regimento, foi lido na mesa, admittido e enviado á commissão de administração publica.

REPRESENTAÇÕES

Da mesa da santa casa da misericordia de Penafiel, pedindo, a approvação do projecto, de lei que applica, em proveito do hospital d'aquella cidade o producto dos legados pios não cumpridos em todo aquelle concelho.
Apresentada pelo sr. deputado Alfredo Peneira e enviada ás commissões de legislação civil e de administração publica.

Das companhias de seguros Bonança, Douro, Union y Fenix, Previdencia, Confiança portuense, Probidade, Fidelidade, l'Urbaine, Norwich Union, Queen, Portugal, Royal Susurance, Indemnisadora, Tranquilidade portuense, Tagus e Segurança, pedindo que não seja approvado o projecto de lei que applica á camara municipal do Porto o , disposto no artigo 174.° da carta de lei de 18 de julho de 1880.
Apresentada pelo sr. deputado Carrilho, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja enviada a esta camara a representação da camara municipal de Thomar, em que pede para lhe ser vendido o pinhal e Santa Cita, de que trata o projecto, n.º 201. = Isidro dos Reis.
Mandou-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

Do major reformado, barão do Pomarinho, pedindo que lhe sejam extensivas as disposições da proposta de lei n.° 104-G, que estabelece novas tarifas para os officiaes em effectividade e para os que de futuro se reformarem.
Apresentado pelo sr. deputado Sarros e Sá e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Dos capitães de infanteria, Manuel Antonio da Purificação Ferreira e João Augusto Pereira de Matos, pedindo serem collocados na escala de accesso á direita de alguns officiaes pelas rasões que expõem nos seus requerimentos.
Apresentada pelo sr. deputado Brito Fernandes e enviada á commissão de guerra.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Declaro que, se estivesse presente na sessão nocturna de 23 de julho, em que se votou uma proposta de addicionamento ao projecto a que se refere o parecer n.° 178, e na sessão tambem nocturna de 26 de julho, em que se votaram umas emendas ao projecto n.° 166, teria rejeitado a proposta e as emendas. = Eduardo de Abreu.
Para a acta.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Declaro a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, faltei a algumas sessões no corrente mez. = Francisco Pinto Coelho Soares de- Moura.

Declaro que os srs. deputados Fontes Ganhado e Wenceslau de Lima têem faltado a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, Teixeira de Vasconcellos.

Declaro que os meus collegas, os srs. deputados Anselmo Assis de Andrade, conde de Villa Real, José de Lemos e Napoles, Mancellos Ferraz e Luiz José Dias têem faltado por motivo justificado. = o deputado, José Maria de Andrade.

Declaro que o sr. deputado visconde da Torre tem faltado ás sessões por motivo justificado e que pelo mesmo motivo faltará ainda a algumas sessões. = M. A. Espregueira.

Declaro que, por motivo justificado, faltei ás sessões de 26, 27 e 28 do corrente mez de julho. = O deputado, Antonio Maria de Carvalho.

Participo a v. exa. que no corrente mez de julho faltei

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a algumas sessões da camara por motivo justificado. = Gabriel José Ramires.

Participo a v. exa. que no corrente mez faltei a algumas sessões da camara por motivo justificado. = A. J. Gomes Netto.

Declaro que faltei ás sessões de 22, 23, 25 e 26 por motivo justiticado. = Antonio José Pereira Borges.

Declaro que, por motivo justificado, deixei de comparecer a algumas sessões d'este mez. = Alfredo Mendes da Silva.
A secretaria.

O sr. Izidro dos Reis: - Mando para a mesa um requerimento, pedindo que, pelo ministerio das obras publicas, seja enviada a esta camara uma representação da camara municipal de Thomar, pedindo que lhe seja vendido o pinhal de Santa Cita.
O projecto que se lhe refere já teve parecer da commissão.
O sr. Alves Moura: - Não me tendo chegado a palavra que havia pedido na ultima sessão diurna, pedi-a, hoje novamente para me associar ás ponderosas e eloquentes considerações que o illustre, talentoso deputado e meu particular amigo o sr. Alves Matheus fez quando apresentou uma representação assignada pelos quarenta maiores contribuintes do concelho de Braga, pedindo providencias para a agricultura.
Eram, se bem me recordo, dois pontos principaes a que aquelle documento se referia: a questão cerealifera e engorda e exportação de gado vaccum.
Não é agora occasião para me alargar em considerações sobre estes dois pontos, pois que larga e proficientemente foram debatidos nos ultimos dias, durante a discussão da pauta.
Abundando nas idéas do illustre deputado e não menos nas dos signatarios da representação, que na materia têem voto qualificado, tambem, sr. presidente, se me afigura que a nossa agricultura, se não está n'um periodo agudo de doença, para lá caminha a passos largos, e por isso mesmo reclamo dos poderes, publicos providencias, cujos effeitos se façam já sentir no momento actual, a questão agricola impõe se nos, como devendo ser tratada com toda a promptidão e com toda a prudencia. Tão importante e ella nos seus variados problemas economicos e sociaes. Bom será que, ao volvermos aos circulos que nos honraram com o mandato, possamos responder aos povos, que alguma cousa se fez em favor da questão cerealifera.
O outro ponto da representação referia-se á exportação do gado vaccum; este ramo do commercio agricola era para o proprietario do norte do paiz e principalmente da provincia do Minho, um factor importantissimo da sua vida economica agricola. Para o affirmar, sem contestação; basta observar as estatisticas de exportação, cuja media nos dá a elevada cifra do 2.000:000$000 réis que annualmente entravam em Portugal.
A proposito do projecto da pauta, que tem estado em discussão, apresentei eu e outros srs. deputados alguns additamentos e emendas sobre os direitos pautaes de importação e exportação; remettidas taes propostas á illustre commissão de fazenda; tem esta de as apreciar e pronunciar-se; quando acceitas concorrerão, certamente para minorar a sorte menos prospera da nossa agricultura.
Sr. presidente, quando pedi a palavra era tambem com o fim de chamar a attenção do exmo. ministro do reino para um facto de alguma importancia, relativamente ao serviço de exames de disciplinas preparatorias do lyceu de Braga.
Como já por duas vezes tenho pedido a palavra para quando s. exa. estiver presente, e não tendo a fortuna de o ver n'este momento na sala, aproveito no entretanto o ensejo para fazer algumas considerações, que estou certo s. exa. terá no extracto da sessão e se dignará dar qualquer resposta que ellas mereçam.
Á cidade de Braga, como capital e uma das mais populosas do norte, e séde tradicional dos estudos, quer secundarios quer ecclesiasticos, das duas provincias Minho e Traz os Montes; concorre um grande numero de alumnos, que por via de regra se dividem na frequencia dos estudos, alem de tres collegios, pelo lyceu é seminario. Este estabelecimento tem todas as aulas secundarias, e o ensino é feito em face dos programmas officiaes.
Succede que pela ultima reforma de instrucção secundaria, sendo expressamente prohibido aos professores officiaes o ensino particular, ficou por este facto o ensino nos seminarios permittido aos professores officiaes, quando habilitem os seus alumnos só para os estudos ecclesiasticos.
A portaria de 11 de outubro passado assim o declarou em termos terminantes.
O exmo. arcebispo de Braga assim o fez tambem constar depois d'aquella portaria por um edital, que mandou affixar no atrio dó seminario archiepiscopal. Mas já pela epocha, em que foi expedida a portaria (11 de outubro), quando se adiavam feitas as matriculas, já porque esta disposição sendo nova, e por isso o primeiro anno que se punha em pratica, nem todos os interessados d'ella tiveram conhecimento; aconteceu, que alguns alumnos continuaram a frequentar os estudos secundarios no seminario.
Chegada a epocha propria foram, requerer exames no lyceu, como nos annos anteriores, pagaram propinas, e chegaram até alguns á fazer exames. Mais tarde foi expedida ordem, pela direcção geral de instrucção publica, para que taes alumnos não fossem admittidos, riscados os seus nomes das pautas e os que porventura tivessem feito já os seus exames (e alguns tinham feito), fossem annullados os respectivos termos.
Sr. presidente, comprehende v. exa. e a camara o grave transtorno de uma tal medida e o sobredito das familias dos alumnos, que depois de terem feito uma despeza bastante avultada com as propinas vêem agora perdido o seu tempo, inutilisada uma verba importante, que para muitos significa um pesado sacrificio.
Sr. presidente, as auctoridades locaes a quem tem chegado o echo das vozes dos alumnos e das familias, certos como estão de que o exmo. presidente de ministros e ministro do reino ha de tomar as mais acertadas providencias, reunem as suas vozes ás da cidade de Braga, que tem sempre mostrado ter pelo exmo. presidente do conselho a maxima consideração, tendo na mais subida conta os seus dotes de estadista, e esperam que s. exa., conciliando o respeito pela lei; attenderá quanto estiver ao seu alcance o pedido da mocidade academica bracharense formulado na sua representação, que, ha dias, tive a honra de entregar na direcção geral de instrucção publica.
O sr. Visconde de Monsaraz: - Pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte projecto de lei.
(Leu.)
Para não tomar tempo á camara, abstenho-me de fazer quaesquer considerações que justifiquem o projecto, porque ellas estão largamente expendidas no relatorio que o precede.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que se dispense o regimento para ser desde já admittido á discussão.
Assim se resolveu.
O sr. Eduardo de Abreu: - Mando para a mesa uma declaração de voto.
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa uma representação das diversas companhias e agencias de seguros do Porto e Lisboa, representando contra o projecto de lei, pelo qual se lhe quer applicar a disposição do artigo 174.° da lei de 18 de julho de 1880, que estabelece que identicas compa-

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nhias da cidade de Lisboa, contribuissem para as despezas do serviço geral dos incendios com a quantia de réis 10:000$000.
Parece-me justima a pretensão dos supplicantes. O modo como se quer impor um novo encargo ás companhias de seguros, em completo desaccordo, em desharmonia com os principios geraes tributarios, póde dar em resultado o desapparecimento d'essas mesmas companhias.
Em occasião opportuna farei mais largas considerações em referencia a este assumpto.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação pedida.
O sr. Sá Nogueira: - Mando para a mesa um projecto de lei.
(Leu.).
Ficou para segunda leitura.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Como todos os srs. deputados que estão inscriptos é para se dirigirem aos srs. ministros, e não está nenhum d'estes presentes, vou pôr á discussão o projecto n.° 190.
O sr. Souto Rodrigues: - Peço a v. exa. o obsequio de mandar ler o nome dos depurados que estão inscriptos.
Leu-se na mesa a lista da inscripção.
Leu-se o projecto n.° 190. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 190

Senhores. - A vossa commissão de instrucção primaria e secundaria, tendo examinado com a attenção que lhe merece o projecto n.° 145-A, é de parecer, de accordo com o governo, que deve ser convertido no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A escola «Rodrigues Sampaio», creada pela carta de lei de 21 de junho de 1883, na freguezia do S. Bartholomeu do Mar, comprehende:
1.º Uma escola mixta de ensino elementar para os dois sexos, estabelecida na referida freguezia;
2.° Uma escola mixta de ensino elementar e complementar para os dois sexos, e uma aula de pilotagem, estabelecida na villa de Espozende.
§ unico. Para auxiliar a construcção da casa escolar na villa de Espozende, a camara municipal contribuirá com o terreno que for necessario.
Art. 2.° As despezas com o pessoal das escolas de que se trata, e as mais que forem indispensaveis para sustentação das mesmas escolas, depois de construidos os edificios para o seu conveniente estabelecimento, ficam a cargo do estado.
Art. 3.° O governo publicará as disposições regulamentares indispensaveis á execução da presente lei.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, em 19 de julho de 1887. = José Simões Dias = Barbosa de Magalhães = Albano de Mello = Luiz José Dias = José Alves de Moura = J. A. Pires Villar = João Augusto de Pina = José Maria de Oliveira Mattos = J. A. da Silva Cordeiro, relator.

Na parte em que é chamada a dar o seu parecer, a vossa commissão de fazenda concorda com a illustre commissão de instrucção primaria e secundaria. A despeza de que se trata já estava, em principio, auctorisada pela lei de 21 de junho de 1883, que determinou que, tanto as aulas de ensino primario e complementar, como a aula de pilotagem da escola «Rodrigues Sampaio», fossem installadas em S. Bartholomeu do Mar. O projecto actual transfere para Espozende, sede do concelho, as aulas de ensino primario complementar o de pilotagem, obrigando-se a respectiva camara municipal a dar o terreno necessario para a construcção do edificio.
O acrescimo do encargo que resultará, pois, da transferencia de parte das aulas do instituto, pouco será; mas, maior que fosse, quando se tratasse de mostrar que a geração presente não esquece os serviços á liberdade prestados por Antonio Rodrigues Sampaio, a vossa commissão de fazenda nem um instante hesitaria em propor-vos que approvasseis o projecto, a fim de que a idéa da erecção do monumento perduravel á memória do eximio jornalista e notavel, homem d'estado, que presidiu á lei de 21 de junho de 1883, se tornasse em factos.
Sala da commissão de fazenda, aos 16 de julho de 1887.= Oliveira Martins = José Frederico Laranjo = Carlos Lobo d'Avila = Marianno Prezado = Baptista de Sousa = Antonio Eduardo Villaça = A. Fonseca = Antonio Candido = Gabriel José Ramires = Antonio M. Pereira Carrilho.

N.º 145-A

Senhores. - Pela carta de lei de 21 de junho de 1883 foi creada na freguezia de S. Bartholomeu do Mar uma escola denominada «Rodrigues Sampaio», comprehendendo aulas de ensino elementar e complementar para ambos os sexos e uma aula de pilotagem, e auctorisado o governo a mandar construir o edificio escolar e a prover á organisação e sustentação d'aquelle instituto.
Publicada a referida carta de lei, e tendo precedido os necessarios estudos preparatorios para escolha do terreno, e plano do edificio, o governo deu ordem para começarem as obras, as quaes foram inauguradas no dia 13 de setembro do mesmo anno.
Proseguiam os trabalhos, quando os povos das freguezias, de que se compõe o concelho de Espozende, mostrando a pouca utilidade que resultaria d'aquella instituição no local escolhido, vieram pedir que se sobrestivesse na construcção do edificio, e se propozesse ao parlamento a substituição d'aquella lei por outra, que, sem divergir do pensamento inicial e patriótico que motivára a creação de tão importante melhoramento, concedesse á freguezia de S. Bartholomeu do Mar a escola de ensino elementar, e á villa de Espozende, séde do concelho, a escola de ensino complementar e a aula de pilotagem.
A camara municipal de Espozende dirigiu tambem ultimamente ao governo igual solicitação, offerecendo-se ao pagamento do terreno necessario para o edificio que na villa se erguer com destino ao estabelecimento das aulas que para ali devem ser transferidas.
Em attenção ás informações, a que em tempo se procedeu, foram mandadas suspender as obras da edificação da escola; e em satisfação ás justas reclamações dos povos da localidade foi elaborada a proposta de lei que tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação.
O levantado pensamento que presidiu á creação da escola de S. Bartholomeu do Mar, longe de ser contrariado, afigura-se-me que terá mais completa realisação pelo modo indicado n'esta proposta. Os nobres e louvaveis intentos d'aquelles que propugnaram pela idéa de se erigir um monumento perduravel á memoria de Antonio Rodrigues Sampaio não attingiriam o seu fim verdadeiro e prestimoso, se, organisada e concluida a escola tal qual fora projectada, ella jazesse abandonada de discipulos ou não produzisse os fructos para que fôra destinada.
E fatalmente assim teria de acontecer!
A freguezia de S. Bartholomeu do Mar conta, quando muito, trezentos e cincoenta habitantes que darão apenas vinte alumnos de cada sexo para a escola, elementar. A sua pequena população, os seus habitos e tendencias tradicionaes para a vida agricola, não lhe consentem que seus filhos procurem instrucção. superior ao 1.° grau do ensino primario.
Tudo quando for alem d'estes limites será nullo, improficuo.

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Pelo contrario Espozende, villa e séde do concelho, com mais de 1:500 habitantes, porto do mar, tendo ao lado e muito proxima a freguezia de S. Paio de Fam, que tambem é porto de mar, e cujos habitantes suo desde tempos immemoriaes dedicados á vida maritima e commercial, é sem duvida muito mais propria para ali se fundar a aula de pilotagem, e estabelecer o ensino do 2.° grau da instrucção primaria, a fim de se habilitarem as povoações, de que é centro, para as carreiras que mais se harmonisam com a sua indole e costumes.
Em vista do exposto espero que merecerá ser approvada a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º A escola «Rodrigues Sampaio», creada pela carta de lei de 21 de junho de 1883, na freguezia de S. Bartholomeu do Mar, comprehende:
1.° Uma escola mixta de ensino elementar para os dois sexos, estabelecida na referida freguezia;
2.° Uma escola mixta de ensino elementar e complementar para os dois sexos, e uma aula de pilotagem, estabelecida na villa de Espozende.
§ unico. Para auxiliar a construcção da casa escolar na villa de Espozende, a camara municipal contribuirá com o terreno que for necessario.
Art. 2.° As despezas com o pessoal das escolas de que se trata, e as mais que forem indispensaveis para sustentação das mesmas escolas, depois de construidos os edificios para o seu conveniente estabelecimento, ficam a cargo do estado.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 27 de junho de 1887.= José Luciano de Castro.

Foi approvado sem discussão.
Leu-se o projecto n.° 203. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 203

Senhores.- Á vossa commissão de marinha foi presente a proposta n.° ,92-A, apresentada pelo sr. deputado Alfredo Pereira, que tem por fim renovar a iniciativa do projecto de lei n.° 160 da sessão legislativa de 1885.
A vossa commissão, pelas rasões expendidas no relatorio que antecede o mesmo projecto, e que d'elle faz parte integrante, é de parecer, de accordo com o governo, que vos digneis approvar o seguinte projecta de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar admittir na divisão de veteranos da armada o ex-enfermeiro naval auxiliar Manuel Rodrigues Bragança, applicando-lhe as disposições do artigo 4.° § unico da lei de 30 de junho de 1880.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 30 de junho de 1887. = Joaquim Heliodoro da Veiga = Francisco José Machado = A. Baptista de Sousa = Antonio M. Dias Pereira Chaves Mazziotti = A. L. Guimarães Pedroza = Victor dos Santos = J. Simões Dias = João Eduardo Scarnichia, relator.

A vossa commissão de saude, na parte em que é chamada a dar o e eu parecer, concorda com a opinião da illustre commissão de marinha.
Sala das sessões, 2 de julho de 1887. = Fernandes Vaz = Julio Cesar de Faria Graça = José Azevedo Castello Branco = José Ventura dos Santos Reis = Eduardo Abreu = Arthur Hintze Ribeiro = Antonio José Pereira Borges.

A vossa commissão de fazenda nada tem que oppor ás de marinha e de saude.
Sala das commissões, 20 de julho de 1887. = F. Mattozo Santos = A. Carrilho = José Maria dos Santos = Antonio Maria de Carvalho = Carlos Lobo d'Avila = Marianno Presado = Oliveira Martins = Vicente Rodrigues Monteiro = Antonio Candido = José Frederico Laranjo, relator.

N.° 92-A

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.°160, da sessão legislativa de 1885.
2 de maio de 1887. = Alfredo Pereira.

N.° 160

Senhores. - Á vossa commissão de marinha foi presente o requerimento em que Manuel Rodrigues Bragança allega o direito que lhe assiste de ser mandado admittir na divisão de veteranos de marinha, como enfermeiro auxiliar da segunda classe, que foi, por se haver inutilisado e sido julgado incapaz pela junta de saude da provincia de Moçambique, por motivo de um desastre soffrido em serviço e por effeito do mesmo.
O requerente allega ainda o tempo que serviu no exercito, parte do qual como cabo enfermeiro, apresentando valiosos attestados sobre o modo como desempenhou essas funcções.
Embora o requerente, não documente a allegação do tempo de serviço na fileira e como enfermeiro militar, nem o tempo que exerceu as funcções de enfermeiro naval auxiliar, o facto que sobreleva, e que é documentado, é o de estar elle servindo nesta qualidade a bordo da corveta Mindello em Moçambique, e o do haver, ali sido victima do desastre que o impossibilitou.
N'estas circumstancias é pelo menos de equidade attender á petição do requerente e garantil-o contra a miseria, visto que serviu a patria no serviço humanitario de enfermeiro do exercito de terra e de mar, e por este motivo e a vossa commissão, de accordo com o governo, de parecer que vos digneis approvar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar admittir na divisão de veteranos da armada o ex-enfermeiro naval auxiliar Manuel Rodrigues Bragança, applicando-lhe as disposições do artigo 4.° e § unico da lei de 30 de junho do 1880.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 30 de maio de 1885. = João Eduardo Scarnichia = S. R. Barbosa Centeno = Joaquim José Alves = Joaquim José Coelho de Carvalho = L. Cordeiro = Tito Augusto de Carvalho = J. R. Ferreira de Almeida = José da Gama Lobo Lamare = A. M. da Cunha Bellem, relator:

A commissao de saude, na parte em que é chamada a dar o seu parecer, concorda com o parecer da illustre commissão de marinha.
Sala das sessões, 9 de junho de 1885. = Joaquim José Alves = Antonio Freire Garcia Lobo = A. Hintze Ribeiro = Fortunato Vieira das Neves = A. X. Lopes Vieira = Adriano Cavalheiro = Eduardo Augusto Ribeiro Cabral = Antonio Mendes Pedroso = A. M. da Cunha Bellem = Agostinho Lucio = José de Azevedo Castello Branco, relator.

Na parte em que é chamada a dar o seu voto, a commissão de fazenda não tem que oppor ao parecer da illustre commissão de marinha.
Sala da commissão de fazenda, 10 de junho de 1885. = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Augusto Poppe = Franco Castello Branco = A. C. Ferreira de Mesquita = M. d'Assumpção = Adolpho Pimentel = Pereira de Carvalho = Moraes de Carvalho = João M. Arroyo = Correia Barata = Pedro Roberto Dias da Silva = Antonio M. P. Carrilho.

Foi logo approvado.
Leu-se o projecto n.° 135. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 135

Senhores. - Á vossa commissão do ultramar foi presente a proposta n.° 107-T, apresentada pelo sr. deputado José

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2166 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Frederico Laranjo, que tem por fim renovar a iniciativa do projecto de lei n.° 49 da sessão legislativa de 1885.
A vossa commissão, pelas rasões expendidas no relatorio que antecede o projecto de lei n.° 74 da sessão legislativa de 1884, que faz parte integrante do projecto de lei n.° 49 da sessão legislativa de 1880, é de parecer, de accordo com o governo, que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisado o governo a reintegrar no posto de tenente do exercito de Africa oriental a Francisco José Diniz, o qual contará a sua antiguidade desde a data do decreto que o reintegrar, sem direito a vencimento algum anterior.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 27 de junho de 1887. = Antonio Ennes = José de Saldanha Oliveira o Sousa = J. P. de Oliveira Martins = Henrique de Sá Nogueira = Alfredo Pereira = Alfredo Cesar Brandão = José Frederico Laranja = Antonio Candido = João Eduardo Scarnichia, relator.

A commissão de fazenda nada tem que oppôr á vossa commissão do ultramar.
Sala da commissão, 25 de julho de 1887. = J. D. Ferreira = Antonio Maria de Carvalho = Oliveira Martins = A. Fonseca = Antonio Eduardo Villaça = Carlos Lobo d'Avila = Marianno Presado = F. Mattozo Santos = José Maria dos Santos = Antonio Candido = A. Carrilho.

N.° 107-T

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 49, de 22 de abril de 1885.
Sala das sessões, 3 de junho de 1887. = O deputado, José Frederico Laranjo.

N.º 49

Senhores. - Á vossa commissão do ultramar foi presente a proposta n.° 6-M, apresentada pelo sr. deputado Scarnichia, que tem por fim renovar a iniciativa do projecto de lei n.° 74, da sessão legislativa de 1884.
A vossa commissão, pelas rasões expendidas no relatorio que antecede o mesmo projecto, e que d'elle faz parte integrante, é de parecer, de accordo com o governo, que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisado o governo a reintegrar no posto de tenente do exercito de Africa oriental a Francisco José Diniz, o qual contará a sua antiguidade desde a data do decreto que o reintegrar, sem direito a vencimento algum anterior.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 22 de abril de 1885. = João Eduardo Scarnichia = Henrique da Cunha Matos de Mendia = Pedro G. dos Santos Diniz = Antonio Joaquim da Fonseca = Urbano de Castro = João de Sousa Machado = Joaquim José Coelho de Carvalho = Luciano Cordeiro = Tito Augusto de Carvalho = S. R. Barbosa Centena, relator.

N.° 6-M

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 74 da 1884.
Sala da camara, 21 de janeiro de 1885. = J. E. Scarnichia.

N.° 74

Senhores. - Á vossa commissao do ultramar foi presente o requerimento de Francisco José Diniz, ex-tenente da guarnição da provincia do Moçambique, demittido do exercito de Africa oriental por accordão da junta de justiça d'aquella provincia de 22 de outubro de 1878.
Os factos que originaram o processo, a que respeita o accordão, são dois: o ter dado uma parte falsa contra um sargento, e o haver desfalcado (diz o accordão) o cofre do conselho administrativo do batalhão na quantia de 9$000 réis.
O supplicante, tendo conhecimento de que um sargento da sua companhia dera ao novo commandante da mesma uma nota dos descontos feitos por elle supplicante a um corneta, e reputando exagerada essa nota, queixou-se ao governador do districto de Inhambane contra o sargento, arguindo de falsa aquella nota, e allegando que os descontos que fizera importavam era 700 réis, e não em 2$100 réis, como n'ella se dizia.
Não obstante, tendo de partir para Moçambique, entregou ao novo commandante da companhia os 2$100 réis, para evitar contestações.
Os descontos eram feitos para substituição de alguns artigos extraviados por aquella praça de pret.
O alludido e supposto desfalque de 9$000 réis era proveniente de um erro de contas em uma relação de massas para fardamento da primeira companhia, verificado em sessão do conselho administrativo pelo exame dos livros e documentos pertencentes ao mesmo conselho, exame a que assistiu o supplicante, o qual em acto continuo entrou em cofre com aquella quantia, como se vê da acta d'essa sessão junta ao processo, sem que para isso fosse intimado ou recebesse qualquer ordem, ou indicação.
O conselho de guerra, entendendo que não estava provada a falsidade da parte dada pelo supplicante contra o sargento, e que igualmente o não estava a sua intenção criminosa, pelo que respeita ao mencionado erro de conta, absolveu-o por unanimidade.
A junta de justiça militar, porém, á qual o processo foi remettido para a confirmação da sentença, entendendo, como o conselho do guerra, que não estava provada a falsidade da parte dada contra o sargento, condemnou-o a ser expulso do exercito.
A vossa commissão, tendo examinado attentamente o processo, e vendo que dos dois factos, que o motivaram, só um (o do erro da conta de 9$000 réis) foi julgado subsistente pela junta, de justiça, que em ultima instancia e sem recurso julga de certos feitos; vendo que sem previa ordem ou intimação de alguma auctoridade o supplicante restituiu voluntariamente aquelle quantia em acto seguido ao exame dos livros e á verificação do erro: é de parecer, de accordo com o governo, que póde ser deferida a petição do supplicante nos termos do seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisado o governo a reintegrar no posto de tenente do exercito de Africa oriental a Francisco José Diniz, o qual contará a sua antiguidade da data do decreto que o reintegrar, sem direito a vencimento, algum anterior.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 28 de abril de 1884. = J. E. Scarnichia = Luiz de Lencastre = L. Cordeiro = Tito Augusto de Carvalho = Filippe de Carvalho = Augusto Fuschini = Augusto de Castilho = D. Luiz Maria da Camara = S. R. Barbosa Centeno, relator.

Foi approvado sem discussão.
Leu-se na mesa o projecto n.º 195. É o seguinte.

PROJECTO DE LEI N.° 195

Senhores. - Á vossa commissão de marinha foi presente a proposta de lei n.° 162-E, que tem por fim auctorisar a reforma da escola naval e os estabelecimentos de ensino que lhe são annexos, sem augmento da despeza actualmente votada para a sustentação d'essa escola e suas dependencias.
Considerando que a actual organisação, que tem a data de 1868, não póde satisfazer ás modernas exigencias da arte naval, como largamente está demonstrado nos relatorios dos differentes officiaes que têem inspeccionado e commandado aquella escola, e nas propostas de reforma apresentadas ao parlamento em 1878 e 1884;
Attendendo a que as bases de reforma apresentadas pelo governo no seu relatorio indicam perfeitamente as linhas

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geraes da nova organisação, e as regras a seguir no desenho do novo plano de estudos praticos e theoricos;
E considerando, finalmente, que a reforma da escola naval não excederá a despeza actualmente votada:
A vossa commissão é de parecer que a proposta do governo seja convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisado o governo a reformar a escola naval e os estabelecimentos de ensino que lhe são annexos, decretando os regulamentos respectivos, para que a nova organisação possa começar a vigorar no proximo futuro anno lectivo.
Art. 2.° No uso dá auctorisação do artigo antecedente, o governo não poderá exceder a despeza actualmente votada; qualquer augmento de despeza que possa sobrevir para complemento da execução da reforma, só poderá verificar-se depois de obtida a sancção parlamentar.
Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer da auctorisação contida nos artigos antecedentes.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão de marinha, 20 de julho de 1887. = Joaquim Heliodoro da Veiga = A. L. Guimarães Pedrosa = Antonio Maria Jalles = J. E. Scarnichia = Victor dos Santos = Augusto Ribeiro = F. J. Machado = José Simões Dias, relator.

N.º 162-E

Senhores.- A reforma da instrucção technica destinada a preparar o pessoal, que tem de superiormente dirigir os serviços da marinha de guerra, e quanto contribua para a sua melhor organisação, por fórma a acompanhar o movimento scientifico sempre crescente da moderna arte naval, é uma necessidade inadiavel e que tem sido reconhecida por todos os ministros que n'estes ultimos annos têem gerido á pasta da marinha.
Justificam ainda este pensamento as numerosas informações contidas nos relatorios annuaes elaborados pelos differentes officiaes que têem inspeccionado e commandado a escola naval, e foi, sem duvida, para attender a essas reclamações instantes que se têem apresentado sobre a deficiencia do ensino naval que ao parlamento subiram duas propostas de lei reorganisando os estudos, uma em 1878, outra em 1884.
Nenhuma d'ellas, porém, logrou a sancção legislativa; permanecem, portanto, as mesmas circumstancias, e continua a subsistir uma organisação de ensino datada de 1868, que, satisfazendo no seu tempo, hoje póde reputar-se anachronica.
Não é possivel, circumscriptas como devem ser todas as nossas instituições a uma boa economia, dar ao ensino naval a transformação de que realmente carece, a qual nas marinhas estrangeiras produz os mais brilhantes resultados.
Passar a escola naval para bordo de um navio, ou estabelecer o internato para os alumnos, são sem duvida providencias de grande alcance, porém infelizmente o governo tem que recuar perante ellas, taes são os encargos pesados que envolvem.
Subsistindo, comtudo, á escola naval em terra, é possivel, sem nova despeza, alargar o campo pratico do ensino, dar mais desenvolvimento á theoria, e, finalmente, completar a instrucção com os novos ramos de conhecimentos que são exigidos e indispensáveis a todos os que têem de manobrar é moderno navio de guerra.
Julgâmos fundamental a necessidade de modificar á regra por que se faz o recrutamento dos aspirantes de marinha.
São agora admittidos no respectivo quadro por concurso, e começam immediatamente a frequentar o curso sem que haja previo conhecimento das suas aptidões e tendencias para a carreira, que n'uma idade relativamente avançada vão encetar.
Seria da maxima utilidade estabelecer as seguintes condições:
1.° Que fossem preferidos para entrar no serviço da armada os alumnos do real collegio militar, cujos antecedentes são conhecidos, e que já de tenra idade se vão acostumando á subordinação e mais regras dá vida militar;
2.° Que se reservasse a liberdade para despedir do serviço da armada os alumnos que revelassem decidida repugnancia pela vida maritima, fazendo-se isso sem prejuizo para o estado nem para aquelles.
Para conseguir este duplo fim é necessario crear tres classes de aspirantes de marinha, sendo exigida á 3.ª classe a matricula na escola polytechnica nas cadeiras preparatórias para a escola naval, e arbitrar a esta classe o mesmo vencimento a que actualmente têem direito os alumnos que concluem o curso do collegio militar.
No fim do anno lectivo, os. aspirantes assim admittidos são embarcados e logo se póde formar uma idéa das suas aptidões; se estas não forem favoraveis, tanto o estado, como o alumno, se podem desligar, porque ainda é tempo para este seguir outra carreira.
Ampliando aos aspirantes os tirocinios de embarque durante as ferias, póde-se sem inconveniente reduzir o tirocinio de tres annos a que actualmente são obrigados os guardas marinhas para lograrem o posto de segundo tenente.
O exame actualmente exigido para este posto póde, tambem sem prejuizo, como a experiencia de muitos annos tem demonstrado, ser supprimido.
No ensino theorico é do mesmo modo urgente introduzir modificações; certos assumptos, como a arte de guerra maritima, carecem ser ensinados com o maximo desenvolvimento; as noções de administração naval e colonial de hygiene naval, etc., são hoje indispensáveis a todos os officiaes de marinha, e esse ensino existe em todas as escolas militares nacionaes e estrangeiras.
O curso de engenheria naval precisa profunda reorganisação.
O engenheiro naval exige um campo de estudo vastissimo, o qual não se encontra no nosso paiz e só os arsenaes das grandes potencias maritimas lho podem facultar.
A instrucção do official de fazenda, cuja missão na marinha é importantissima, está entre nós n'um estado lastimavel, e carece de prompto remedio.
O ensino póde ser facultado na escola naval, na cadeira respectiva, e com o desenvolvimento necessario.
Não ha rasões de conveniencia que justifiquem a extensão do curso dos machinistas navaes.
A sua educação scientifica é dispendiosissima, e convém reduzir-lhe os encargos, e assim julgâmos que bastará um anno para se poderem habilitar, quando entrem para a escola com os preparatorios convenientes e professados no instituto industrial.
Annexa á escola naval está a instrucção dos pilotos e machinistas da marinha mercante, e a dos aprendizes do arsenal, que vão praticar sobre construcção naval estes dois ramos de ensino tambem precisam ser e modelados, a fim de corresponderem mais efificazmente do que agora ás conveniencias do serviço á que têem de attender.
São estas as linhas geraes da reforma que carece a escola naval, para que no desempenho da elevada missão que lhe está confiada possa manter os creditos de uma solida instituição de ensino e irradiar sobre todo o pessoal da marinha de guerra a sciencia indispensavel para que se mantenha na altura em que é mister, e conserve essas brilhantes tradições legadas, de que é natural depositaria. N'esta ordem de idéas temos a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É auctorisado o governo a reformar a escola naval é os estabelecimentos de ensino que lhe estão annexos, decretando os regulamentos respectivos, para que

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a nova organisação possa começar a vigorar no proximo futuro anno lectivo.
Art. 2.° No uso da auctorisação do artigo antecedente o governo não poderá exceder a despeza actualmente votada; qualquer augmento de despeza, que possa sobrevir para complemento da execução da reforma, só poderá verificar-se depois de obtida a sancção parlamentar.
Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer da auctorisação contida nos artigos antecedentes.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 9 de julho de 1887. = Henrique de Barras Gomes.
Foi approvado sem discussão.

Leu-se na mesa o parecer n.° 202-A. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 202-A

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente o requerimento de D. Maria das Dores Lobo Marinho de Lacerda Maia, viuva do governador da provincia de Timor, Alfredo Maia, pedindo que lhe seja concedida uma pensão, em recompensa dos serviços de seu marido, um bravo official de marinha e um dos mais zelosos e patriotas governadores que as nossas provincias de alem mar têem tido. Alfredo Maia, segundo é publico e notorio, como allega a sua viuva, foi assassinado no dia 3 de março de 1887, quando, rio exercicio de suas funcções e no brioso cumprimento do seu dever, tentava reprimir abusos e castigar rebeldes.
Merece uma pensão a sua viuva?
A vossa commissão não ousa pronunciar-se sob o facto por que lh'o impede o regimento d'esta camara.
A carta constitucional no seu artigo 7õ.° § 11.° declara uma das principaes attribuições do poder executivo:
«Conceder titulos, honras, ordens militares e distincções, em recompensa de serviços feitos ao estado, dependendo as mercês pecuniarias da approvação da assembléa, quando não estiverem já designadas e taxadas por lei.»
Logo, é ao poder executivo que compete tomar conhecimento immediato da pretensão da supplicante, visto que se trata de uma recompensa por serviços feitos ao estado.
E provada que seja officialmente a allegação da requerente, como aliás já, o parece estar pelas noticias que sobre o assassinio são do dominio do publico, nem necessidade haverá de fazer lei confirmando a resolução ministerial, qualquer que ella seja, porque sobre o assumpto já as côrtes fallaram.
Regulando o citado § 11.º do artigo 70.° da carta constitucional, na parte em que trata de mercês pecuniarias, foi publicada a carta de lei de 11 de junho de 1867, que no artigo 6.° declarou que o governo podia continuar a conceder pensões de sangue, guardadas as prescripções que no mesmo artigo se estabelecem.
A lei de 24 de meio de 1884 determina que as disposições do artigo 6.° da citada carta de lei de 11 de junho de 1867 fossem applicadas, nos termos do mesmo artigo e seu regulamento, ás familias dos militares do exercito e da armada o dos empregados da fiscalisação externa das alfandegas, que tiverem morrido ou vierem a fallecer, por effeito de ferimentos ou de offensas corporaes contra elles praticadas em acto de serviço ou por motivo do serviço.
N'estes termos, a vossa commissão, em obediencia ao artigo 131.° do nosso regimento interno, entende que a petição de D. Maria das Dores Lobo Marinho de Lacerda Maia deve ser remettida ao governo, em conformidade com o artigo 70.° § 11.° da carta constitucional e leis de 11 de junho de 1867 e 24 de maio de 1884.
Sala da commissão de fazenda, aos 2õ de julho de 1887.= Vicente Monteiro = Marianno Presado = Antonio Maria de Carvalho = F. Matoso Santos = Carlos Lobo d'Avila = Oliveira Martins = José Frederico Laranja = José Maria dos Santos = Antonio Candido = Antonio Eduardo Villaça = A. Fonseca = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.
Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Se a camara concorda em que, embora não esteja presente nenhum membro do governo, entre desde já em discussão o projecto n.° 180, visto estar presente o sr. relator, eu não interrompo a sessão. Do contrario eu vejo-me forçado a interrompel-a até que chegue algum sr. ministro.
A camara decidiu que não se interrompesse a sessão.
O sr. Presidente: - Em vista da resolução da camara passa-se á segunda parte da ordem do dia.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 180 (reforma do recrutamento)

O sr. Antonio d'Azevedo Castello Branco: - Sr. presidente, eu hontem expuz os principios geraes que me determinavam a não concordar completamente com o projecto que está em discussão. Expuz tambem os principios pelos quaes discordava de algumas disposições fundamentaes do mesmo projecto, as quaes constituem, na sua essencia, a reforma, isto é, as disposições que alteram radicalmente o organismo da legislação actual.
Não quero de modo nenhum reproduzir o que hontem expuz, mas apenas fazer algumas referencias para ligação do meu discurso.
Disse eu que era indispensavel estabelecer o serviço militar pessoal, mas de modo que ficasse bem definido e bem assentado na lei, e que esta tivesse plena execução.
Expuz que era necessario e indispensavel que ao serviço militar se chamassem, sem excepção, os individuos precisos para completar os quadros militares, de maneira que o exercito fosse uma instituição destinada a manter a integridade da patria, e ao mesmo tempo fosse uma escola pratica em que se ensinassem ao cidadão portuguez os principios moraes que se encerram no cumprimento do dever, na obediencia, na disciplina é nos habitos de ordem inherentes á vida militar, em toda a parte onde a organisação do exercito é uma instituição levantada e nobre, porque é a ella que se confiam as tradições de um paiz, a guarda dos preciosos thesouros da ordem e da independencia. (Apoiados.)
Proseguindo n'esta ordem de considerações, estava eu tratando de demonstrar que os principios estabelecidos no relatorio que precede a proposta não eram traduzidos em disposições praticas, porque não se compadecia com a obrigação do serviço militar pessoal e obrigatorio a existencia de trocas de numeros e do substituições, embora limitadas a irmãos, assim como não se compadecem com aquella obrigação as isenções ou dispensas, que largamente se liberalisam, porque a cada isenção eu dispensa corresponde uma vaga que é mister preencher com o chamamento de outro recruta. A cada favor corresponde um gravame. (Apoiados.)
Tanto no relatorio da proposta como no do projecto se faz referencia a que o serviço militar no nosso paiz é odiado e temido. Ha com effeito provincias, onde a repugnancia é maior do que n'outras, e eu presumo que, onde a propriedade está mais dividida, onde a maioria dos habitantes é composta de pequenos proprietarios, é mais penoso o sacrificio de deixar a casa paterna para ir servir no exercito durante algum tempo.
Já não succede assim onde predomina a grande propriedade, e onde a maxima parte dos recrutas sáe da massa dos jornaleiros. A propriedade cria mais apego ao lar domestico e habitua o individuo a dar mais elevada estima á sua independencia moral e ao goso da liberdade.
Se se comparar a economia rural das diversas provin-

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das do reino com as estatisticas do recrutamento, persuado-me que se encontrará alguma exactidão nas explicações que dou á maior ou menor repugnancia para o serviço militar que se nota nas diversas provincias.
Mas uma das causas por que o serviço militar é odiado, é tambem a desigualdade no pagamento d'este imposto, de que a politica tão infestamente se ha servido para o triumpho das candidaturas officiaes. (Apoiados.)
Conheço regiões, onde este odio tem nascido da maneira irregular como o serviço tem sido executado desde longos annos.
Se porventura olharmos para um mappa estatistico comparativo de districto para districto, veremos que ha districtos completamente beneficiados, que durante os trinta annos da vigencia da lei de 27 de julho de 1855 se tem subtraindo, em grande parte, ao pagamento d'este imposto, o que representa uma iniquidade, em relação áquelles districtos ou provincias que têem pago regularmente.
Este facto é tanto mais para lamentar quanto é certo que se dá em districtos onde a densidade da população é maior.
Basta pegar n'um mappa do recrutamento, e analysar a distribuição dos contingentes para ver o espantoso numero dos recrutais em divida nalguns districtos, que, graças á nossa brandura dê costumes, má politica o pessima administração, têem gosado privilegios e isenções, que se convertem em gravame para outros districtos. (Apoiados.) Para combater o microbio na fronteira foi preciso chamar as reservas do exercito obrigando milhares de homens a um penoso e duplo serviço, por isso que já tinham estado no serviço activo em obediencia á lei, e voltaram ás fileiras por causa do deficit dos contingentes annuaes.
Se em toda a parte a lei fosse cumprida rigorosamente, não havia necessidade de se praticar uma iniquidade, chamando as reservas ao serviço militar, sem haver guerra, ou algum facto extraordinario, pois que se não póde considerar como tal a formação do cordão sanitario na fronteira, pois para isso deveriam ser sufficientes as forças ordinarias, se os corpos tivessem o seu numero effectivo de praças. (Apoiados.)
Revertendo ao ponto do meu discurso, começarei por me referir aos adiamentos é dispensas.
Os adiamentos, conforme os permittia a proposta do governo, eram um preparatório para a dispensa.
Como estratagema politico era excellente, porque sujeitava aprovas por alguns annos os pães, parentes, ou protectores dos recrutas que pretendessem o adiamento. (Apoiados.)
Louvo a commissão pelas modificações que fez quanto aos adiamentos, mas só quanto á limitação de tempo, pois que as outras alterações feitas á proposta não se me afiguram baseadas em rigorosos principios.
Quem conhece os expedientes variados de que se occorrem os recrutas para se eximirem ao serviço, poderá avaliar bem quanto os adiamentos serão pretendidos e solicitados, e a perturbação que o facto ha de causar ao andamento do serviço.
Pelo artigo 40.° do projecto concede-se este beneficio para os que estão em aprendizagem. Não se diz de que arte ou profissão.
Qualquer aprendiz de barbeiro em casa de um Figaro sertanejo póde alcançar o adiamento, na espectativa de conseguir uma, isenção, quando os ventos soprem favoraveis, ou como meio para tratar da sua saída clandestina para o Brazil, perdida a esperança de um livramento seguro.
Desejava eu, sr. presidente, que se designassem certas aprendizagens de officios cujo ensino com a interrupção podesse ficar prejudicado.
Parece-me que deviam ser concedidos adiamentos, mas só quando a aprendizagem demandasse a ductilidade physica e moral da juventude, fóra d'isso não.
A experiencia tem-me demonstrado que a primeira tentativa que o recruta faz é a da exclusão absoluta do serviço militar.
Perdida a esperança de a alcançar, faz outra tentativa, que é a isenção temporaria.
Obtida esta, se volta a ser apurado, ainda tem outra esperança a que recorrer; é a demora no seu alistamento.
Se ámanhã acontecer isto, todos os individuos que são jornaleiros, que são apenas trabalhadores ruraes dirão que estão na aprendizagem de qualquer officio.
É claro que um faz-se aprendiz de sapateiro, outro de barbeiro, para assim estarem á espera um anno, a verem se vem algum incidente feliz, do qual resulte serem dispensados definitivamente do serviço militar.
A existirem os adiamentos, conviria que com relação a esta aprendizagem se dissesse claramente quaes eram as industrias quaes os officios que por suas excepcionaes condições de ensino mereciam que se estabelecesse este favor.
N'um paiz em que se está a dizer todos os dias que a industria agricola, é a industria mais importante, é a industria principal, convém que nas leis se não introduzam disposições que concorram para afastar dos campos os homens que lá nasceram, convém não os chamar para as cidades com destino ás posições industriaes.
Não se queixam hoje todos de que os jornaleiros ruraes fogem para as cidades, de que para as cidades ha uma constante emigração dos campos?
Bem sei que se me póde objectar que o adiamento dura só três annos, e que acabado esse periodo, os mancebos vão para o serviço militar; mas a esperança de que nos três annos se alcance o favor de uma isenção ou dispensa, póde induzir os recrutas a saírem das suas aldeias em demanda de uma profissão que justifique o adiamento, e em todo o caso afasta-os das lides agrarias com o pretexto da aprendizagem de qualquer officio, o que é inconvenientissimo no ponto de vista da nossa economia rural. (Apoiados.)
Eu declaro com toda a franqueza á camara que só concordo com os adiamentos, quando sejam determinados por necessidade de não interromper estudos superiores, ou quando se de algum dos casos enunciados nos n.ºs 2.° e 3.° do artigo 40.° do projecto.
Quanto aos motivos de adiamento especificados no n.° 4.° do mesmo artigo, acho-os fóra da orbita da minha comprehensão.
Comprehendia a doutrina da proposta, mas a do projecto parece-me escura e enigmatica.
O governo, entendendo que se devia dar satisfação ás grandes manifestações de trabalho, estabelecia o adiamento, que se podia converter em dispensa, mas punha como limite minimo a collecta de 10$000 réis de contribuição predial ou industrial.
Tambem na proposta se falla em contribuição de renda de casas, como se o pagamento d'este imposto andasse ligado ao exercicio de alguma industria.
São somnos de Homero. (Riso.)
O projecto em vez de proteger as grandes manifestações de trabalho, entendeu que era preferivel favorecer a pequena agricultura, e eu desde já felicito os meus collegas do Minho, porque nos primeiros tres annos da execução da lei, se ella vingar, não dará a sua provincia recruta algum. Tudo obterá dispensa para beneficio da lavoura que pague quota de imposto inferior a 10$000 réis.
As rasões d'esta modificação que p projecto fez á proposta não se me deparam no relatorio, e confesso que me prue a curiosidade de as conhecer.
Espero que o illustre deputado que se siga na discussão me dê a honra de elucidar este ponto escuro, e muito desejo que me demonstre a vantagem d'esta largueza de adiamentos sem motivo apparente ou plausivel que possa justifical-os, sem notoria vantagem social e com todos os inconvenientes que produz uma excepção ao principio gera-

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da lei, quando não assenta em ponderosos e solidos argumentos. (Apoiados.)
Pretendeu se dar protecção á agricultara? Mas é a grande ou a pequena a que carece de protecção?
A proposta tinha em vista proteger a grande, o projecto, a pequena.
A proposta tinha, pelo menos, a seu favor a tradição, pois que pelo n.° 22.° do alvará de 24 de fevereiro de 1764 eram isentos do serviço militar os filhos únicos dos lavradores que lavrassem com dois até quatro bois, e, os filhos e creados dos outros que lançassem á terra seis moios de pão e d'ahi para cima.
Tambem o mesmo alvará isentava do serviço os estudantes dos collegios e universidade com aproveitamento, mas não aquelles que com dolo faziam escrever os seus nomes nos livros de matriculas, para ficarem vadios, vivendo na ociosidade.
A commissão concede o adiamento por causa de estudos, mas esqueceu as cautelas necessárias para cohibir abusos e designar a categoria dos estudos.
Com respeito às dispensas do serviço diz a proposta, e neste ponto, creio que não ha modificação radical no projecto.
(Leu.)
Segundo o relatorio da commissão era mister acabar com as isenções por amparo, facultadas pelo n.° 2.° do artigo 8.° da lei de 27 de julho de 1850, que não eram injustas no pensamento que as inspirou, mas de tão difficil e tão arbitraria applicação que quasi nenhuma se concedia, sem escandalisar a consciência publica. E isto textualmente o que diz a commissão no seu relatorio.
Para se demonstrar que era mister acabar com aquella isenção, no relatorio diz-se que nem camaras municipaes, nem commissões districtaes, nem juizes de direito, nem juizes das relações, nem os tribunaes administrativos têem feito obra limpa! (Riso.)
Ouça a camara as palavras do relatorio: «... por mais cautelas que se tomaram, por maior rigor que se prescreveu na prova, por mais restricções que se impozeram, taes isenções foram sempre, e são ainda hoje concedidas aos que menos- as precisam, negadas aos que mais as carecem (note bem a camara) e mantidas aos que d'ellas se tornam indignos no dia seguinte áquelle em que as alcançaram».
É este o juízo severo que a commissão faz do modo como ainda depois da lei de 21 de maio de 1884 e da creação dos tribunaes administrativos, se tem dado cumprimento ao artigo 8.° n.° 2.° da lei de 27 do julho de 1855.
Causou-me certa estranheza esta linguagem severa, esta nota discordante no meio dos córos que tantas vezes se tem aqui levantado em glorificação da magistratura judiciaria, que parece ter-se arrogado o monopolio do catonismo. (Apoiados.)
Louvo a commissão pela franqueza rude das suas palavras, que não devem ser suspeitas, pois que assignam tres juizes o relatorio, mas não posso dar parabens ao sr. presidente do conselho, que é auctor das disposições sobre recrutamento inseridas na lei de 1884 e creador dos tribunaes - administrativos, que tão cedo mereceram a uma commissão composta de progressistas uma tão rude apreciação dos seus julgamentos em materia de recrutamento (Apoiados.)
Ora com as isenções por amparo se concediam a esmo e como o meio de prova era inconveniente, de que só lembrou a commissão?
De substituir aquellas isenções por outras em que não se carece de prova do amparo, em que nem se exige, que póde existir ou não, mas que a final se presume legalmente.
Aqui está um modo facil e peremptorio de dirimir questões! (Apoiados.)
Como a prova da existencia do amparo era difficil, como podia haver isenções alcançadas por provas fraudulentas, acabou-se com o systema de provas, basta uma simples presumpção! É expeditivo este processo!
Porque não se consignou no projecto uma disposição pela qual se corrigissem os defeitos que se apontam nas leis vigentes, em logar de se estabelecer estas novidades exoticas?
O facto de um filho unico ter seu pae de setenta annos de idade, pode crear a presumpção legal de amparo e dispensar toda a prova? (Apoiados.)
Póde, o pae estar em Lisboa e o filho fora do paiz, póde o pae ser muito rico, ou o filho ser um vadio, póde ser um homem que não presta auxilio de qualidade alguma a seu pae, póde mesmo não existir entre o pae ë o filho vinculo nenhum moral que os ligue; e todavia em vista do artigo 41.° do projecto, apresenta uma certidão que prove a filiação, a idade do pae, a qualidade de unico, e fica dispensado do serviço, por se presumir que ampara o pae! Desejava que me explicassem qual a rasão moral de uma disposição desta ordem. O sr. presidente do conselho no seu relatorio diz que é mister attender com as isenções às conveniências de familia. Mas conveniências de familia demonstram só apenas pela existência de um pae de setenta annos ter um filho único sem mais requisito algum que demonstre a conveniência social, ou a rasão moral que justifique a dispensa do serviço militar? (Apoiados.)
Eu não conheço na legislação estrangeira disposição identica, nem entre nós precedente histórico com que só argumente a favor de dispensas por amparo presumido, sem outra espécie de prova.
A lei franceza de 1872 dispensa provisoriamente do serviço militar os mancebos que são o amparo indispensável da familia. Dispensa tambem do serviço activo em tempos de paz o mais velho dos orphãos de pae e mãe, o filho único, ou o mais velho dos filhos, ou na falta destes o neto da viuva, ou da mulher com o marido ausente, ou de um homem cego, ou de setenta annos de idade; mas em todos estes casos era indispensável a existencia do amparo, e na proposta do governo e no projecto nem em amparo se fala! Não é preciso, presume-se. (Riso.)
O recente projecto hespanhol concedo a isenção do serviço aos mancebos que são o amparo de suas famílias, e note a camara, que não ha em tal projecto disposição que se pareça com a do artigo 41.° o projecto.
Mais curial era que o governo e a commissão adoptasse a doutrina da proposta do sr. Fontes em 18791, pela qual não eram isentos os mancebos que fossem o amparo de seus pães, mas impunha-se às camaras o encargo de dar uma prestação alimentícia às pessoas que viviam do amparo dos recrutados, emquanto estivessem no exercito activo.
Aquella proposta de lei, tratando só de modificar, ou de melhorar a legislação anterior, sem ser precedida de relatorio folhudo, assegurava melhor o preenchimento dos contingentes e tornava portanto mais real a obrigação pessoal do serviço do exercito.
No relatorio da commissão não ha defeito que se não argua á lei de 27 de julho de 1855 e citam-se duvidas e questões de interpretação e execução, que ha muitos annos haviam sido dirimidas, que se suscitaram nos primeiros annos da execução e que foram dissipadas a seu tempo.
O sr. relator mostra eruditamente que conhece a fundo a evolução deste ramo administrativo, e apraz-me louvar as excellencias do seu relatorio, em que todavia predominada preoccupação de encarecer o valor da nova reforma com a enumeração de defeitos que aliás não tinham as leis anteriores na quantidade e importancia que se pretende inculcar. (Apoiados.)
Tambem as dispensas se estendem aos clerigos de ordens sacras, para que a religião se não avilte, como se diz no relatorio do projecto; eu lembrarei, porém, á camara que os seminaristas e outros estudantes de cursos superiores podiam em tempo de ferias prestar o serviço militar, de que só deveriam ser dispensados, depois do exame do

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manejo de armas e outros exercicios, entrando depois no quadro das reservas.
Na landwehr allemã, arregimentam-se os advogados, os medicos e cidadãos das mais altas classes. A landwehr é destinada á defeza interior do territorio, mas em caso de necessidade póde ser mandada para a guerra em paiz estrangeiro. Esta organisação militar, diz Bluntschli, é pouco propria para uma politica de conquista, ou de oppressão, mas poderosa para uma politica de defeza é de protecção.
Convem, sobretudo, a uma monarchia constitucional.
A opinião do illustre publicista quadra perfeitamente ás nossas condições nacionaes.
O projecto consigna o principio de que as dispensas não excederão 15 por cento do numero dos mancebos aptos para o serviço no mesmo districto.
N'este caso, se os padres forem muitos, os bachareis e os medicos se excederem 15 por cento, é claro que teem de sujeitar-se á ir para as fileiras do exercito, pois que as dispensas não devem ultrapassar aquelle limite. (Apoiados.) Se houver só clerigos e bachareis recenseados, que reclamem a dispensa, mas em numero tal que façam 15 por cento dos recrutas do districto, a consequencia é que os filhos dos septuagenarios, os filhos das viuvas e os demais que se presuma que amparam podem ficar privados da dispensa, ou ha de lhes ser concedida, obrigando os clerigos e os doutores a assentarem praça. A camara ha de reconhecer que esta disposição é bem extraordinária. (Apoiados.)
Marca-se um limite máximo, ao favor da lei e deixa-se ao arbitrio das camaras e dos tribunaes a concessão d'esse favor, não se produzem regras de preferencia nem um systema regular de conceder as dispensas; e cria-se, portanto, um expediente eleitoral dos mais proficuos para os fructos da corrupção politica. (Apoiados.)
Se as dispensas do artigo, 41.° são justas, se se fundam em legitimos interesses sociaes, para que se marca o limite de 15 por cento? Mas, posto este limite, porque se não preceituam as regras para que a concessão seja a mais acertada e equitativa?
O artigo 41.°. do projecto é tal que o inquina todo, e só esta disposição é bastante para eu não auctorisar com o meu voto que se converta em lei do paiz.
O projecto no artigo 39.º isenta do serviço, do exercito os mancebos com altura inferior a 1m,54 e do serviço de marinha os que tenham menos de 1m,50. Poucas observações farei a este artigo, porque me consta que alguns dos meus collegas apresentarão emendas ou substituições.
Direi, apenas que assim como, para a marinha não é necessario que se tenha 1m,54, da mesma maneira se póde reduzir este minimo, não para o soldado combatente, mas para todos aquelles que se destinam, a serviços praticos de administração militar.
Pois é indispensavel que um individuo tenha a altura de 1m,54 para poder fabricar pão e applicar-se a outros, serviços administrativos? Eu creio que todos os individuos que teem uma altura inferior a este minimo, podem ir para as companhias de administração e os de altura superior para os corpos combatentes.
Por isso basta que a commissão revisora faça uma selecção por alturas, attendendo a certas condições de aptidão physica para em conformidade com elle terem os recrutas o destino competente.
Como não sou medico, nada direi com respeito á necessidade de se reformar a tabella das lesões, necessidade que geralmente se reconhece; mas não terminarei sem expor algumas considerações, com respeito ao voluntariado de um anno, que é tambem uma das bases da reforma. No, relatorio da proposta diz-se que esse voluntariado exige o serviço effectivo por um anno, mas pelo artigo 63.° § unico vê-se que era de seis mezes. No projecto ficou por um anno.
Esta innovação vae introduzir nos corpos um elemento consideravel de indisciplina, pois que se permitte o alistamento em larga escala a rapazes que ainda não teem a reflexão precisa para acceitarem de bom grado as durezas da vida militar e para se compenetrarem dos deveres que a disciplina impõe. (Apoiados.) Será um alfobre de individuos destinados ás companhias de correcção. Nem serão bons soldados, nem bons reservistas.
A experiencia estrangeira tem mostrado que é impossivel formar um bom soldado em menos de tres annos ainda nos paizes em que, graças á instrucção e ao serviço obrigatório, se formam os soldados mais intelligentes e moralisados. O projecto nem ao menos exige que saibam ler e escrever os futuros voluntarios de um anno. Excellente.
Muitos srs. deputados estão inscriptos para fallarem n'esta questão, vou portanto terminar, não obstante ter muito que dizer ainda. Outros criticarão o projecto com mais proficiencia e saber tanto- na generalidade, como na especialidade, onde ha muito que emendar.
Presto a homenagem da minha consideração ao sr. ministro do reino pelos bons intentos que manifestou no seu relatorio e na sua proposta, embora falseados nas disposições comprehendidas na proposta, que collide com o relatorio em muitos pontos.
Presto tambem toda a homenagem da minha consideração á commissão e ao seu eximio relator que deu provas de muito conhecimento da matéria e de esclarecida intelligencia, que eu já tinha em grande conta.
Faço votos, para que a lei saia do seio da commissão o mais aperfeiçoada possivel e da maneira que melhor corresponda ás necessidades publicas.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

A camara, reconhecendo que o serviço militar é um dever civico, a que ninguem se devo subtrahir, continua na ordem da noite. - A. Castello Branco.
Foi admittida.

O sr. Alpoim (sobre a ordem): - Começo por ler a minha moção de ordem:
«A camara, considerando que o projecto em discussão consigna o serviço pessoal obrigatorio, e que o acompanha do recrutamento regional, serviço de tres annos, e taxa militar, applaude o governo por ter apresentado uma lei que trará notaveis aperfeiçoamentos ás nossas instituições militares, e passa á ordem do dia.»
Cabo-me a palavra em seguida ao sr. Antonio de Azevedo Castello Branco. Deploro este acaso: pela camara e por mim. Pela camara, que vê succeder-se á vehemente palavra de um dos seus mais abalisados oradores (Apoiados.), a minha palavra desgrenhada e incorrecta; por mim, a quem punge a cruciante certeza de que sairei mal ferido d'este desigualissimo combate. Mas não ha luctar contra as prescripções do acaso: tenho, de submetter-me ao seu duro imperio.
O illustre orador que me precedeu demorou-se uma proficiente analyse dos pontos mais importantes d'esta lei e em todos encontrou muito que condemnar. Se eu não conhecesse o talento e caracter de s. exa., se o não soubesse incapaz de antepôr um mal entendido espirito partidario aos interesses da nação e portanto aos interesses do exercito - que é uma das suas forças mais vitaes e poderosas, porque a elle está confiada a honra e prosperidade nacional - havia de suppor- que só rancoroso facciosismo politico o moveu ás suas exprobações e que se abriu uma escura intercadencia nas claridades de tão luminoso espirito e esclarecido caracter. É que o projecto em discussão afigura-se-me que vem supprir uma lacuna tão importante parece-me um passo tão avantajado para a consonancia do nosso,

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serviço militar com as instituições democratas que nos regem, julgo-o um progresso tão conducente ao uso das boas praticas seguidas pelas nações estrangeiras, que nunca imaginei que podesse ser atacado nas suas bases ou delineamentos geraes mas que, quando muito, se tratasse de aspar, expungir, aqui e ali, qualquer pequena incorrecção, de aperfeiçoar-se, introduzir-se no seu organismo qualquer miuda engrenagem que melhor o fizesse funccionar. (Apoiados.) Mas enganei-me, sr. presidente. Tem sido o projecto vivamente discutido. Discutiu-se o recrutamento regional, uma das suas bases mais importantes, discutiu-se a taxa militar, uma das suas mais valiosas prescripções, discutiu-se emfim muito, senão tudo, do que este projecto tem de mais digno da consideração e sympathia do exercito e do paiz. Por isso, sr. presidente, e porque em assumpto de tamanho tomo todas as opiniões devem ser ouvidas, e porque me cabe defender a minha moção de ordem, e responder ao orador que me precedeu, exporei a breves traços qual o meu pensar sobre os pontos capitães d'esta lei.
Começo por declarar a v. exa., sr. presidente, que, comquanto me haja inscripto a favor do projecto e me proponha defendel-o, comquanto pense que elle é uma das medidas que melhormente esmaltam a vida politica do illustre estadista que preside ao conselho de ministros, comtudo não satisfaz este projecto as ambições do meu espirito, não se conforma completara ente aos meus ideaes democraticos, não traduz a effectivação de todos os bons principios que devem servir de base ao serviço militar. (Apoiados.)
O sr. Antonio de Azevedo Castello Branco demonstrou a necessidade dos exercitos: tambem eu a reconheço, e coubera porventura aqui larga exposição das variadas rasões pelas quaes ha de ser ainda por largos annos uma sympathica utopia o juizo d'aquelles que os querem expungir da vida das nações. (Apoiados.) Mas não me deterei em considerações que, comquanto viessem a ponto, protelariam comtudo muito tempo a discussão. Direi sómente que emquanto a imperiosa fatalidade dos factos prescrever a existencia dos exércitos, o ideal do democrata e do militar é que elles realisem a conhecida phrase com que Von Der Goltz encima um dos titulos da sua famosa obra: «o exercito deve ser a nação armada».
A nação armada, isto é, todos os cidadãos contribuindo quanto ser possa para o chamado imposto de sangue, o que só se consegue adoptando na sua maior amplitude o serviço pessoal obrigatorio e fazendo-o acompanhar de circumstancias que o não convertam numa palavra vã - como foi a organisação militar de 1872 em França. Essas circumstancias são o recrutamento regional e o serviço militar de tres annos. É este o meu desideratum. Dispensas do serviço militar, do genero d'aquellas a que se refere o artigo 41.° do nosso projecto, só acceitaria as que fossem imperiosamente exigidas pelos estrictos deveres de humanidade. Adiamentos, nenhuns, inclinando-me assim á opinião do grande patriota francez Gambetta e do general Guillemaut que consideravam estas permissões como uma nova fórma de substituição, como uma concessão perigosa, pois os mancebos, n'estas condições, chamados em tempo de guerra, não tendo instrucção militar alguma, têem de ser fatalmente; enviados para os depósitos e campos de instrucção e evitarão assim as asperezas e azares da campanha. Exclusões do serviço militar a titulo de habilitações scientificas, ou motivadas em profissões sacerdotaes, nenhumas tambem, adoptando absolutamente n'este sentido o projecto apresentado ao parlamento francez por esse homem de energico espirito, cuja figura começa a erguer-se luminosamente no horisonte politico e militar da França, e cujo sympathico escorço eu tracejaria agora, se possuisse a fulgurante eloquencia do sr. Antonio Candido, a phrase scintillante e viva de muitos oradores que lustram e ennaltecem esta camara. Se fossem meus estes predicados, faria aqui a apotheose d'esse homem extraordinario, que abalou na sua ferrea envergadura o chanceller allemão e que fez vacillar nos seus alicerces o edificio conservador e reaccionario da sociedade franceza.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Quem é?
O Orador: - Refiro-me ao general Boulanger.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Não apoiado!
O Orador: - O illustre deputado pensa, já vejo, de uma maneira opposta á minha: não é agora e aqui occasião asada para controvertermos este ponto; limito-me pois a mais uma vez affirmar a minha opinião.
Mas, sr. presidente, continuando nas minhas observações, quereria ainda que o estado de incapacidade physica e a falta de altura não libertassem completamente do serviço militar: muitos mancebos ha incapazes de servir no exercito activo, mas que poderão ser perfeitamente adstrictos aos serviços administrativos e sedentarios. A lei militar na confederação da Allemanha do Norte assim o determina: dispõe que todo o allemão se deve á defeza do seu paiz e que deva passar um tempo determinado no exercito activo. O que não poder servir n'elle deve ser empregado em outros serviços militares em harmonia com as suas occupações civis e suas aptidões, a coronel barão Berge, auctor de uma obra notavel, referindo se aos isentos por infermidades, cuja media é na França de 98:000, compara-os aos mendigos do celebre páteo dos Milagres, dizendo que estas massas de pretendidos invalidos não se escapam do conselho de revisão senão para correr ao seu trabalho, e que só uma vigesima parte está realmente condemnada a abster-se de uma vida activa. Acrescenta aquelle escriptor que a lei allemã, em vez de como a lei franceza, procurar no conscripto as enfermidades que o podem isentar, procura os meios de o utilisar tal como elle é. (Apoiados.)
E tão longe vae, sr. presidente, o meu desejo de que o, serviço militar seja prestado pelo maior numero possivel, que eu quereria que fosse trazido para a nossa legislação o preceito de que os condemnados por crimes que não imprimissem um cunho indelevel de infamia, podessem, finda a epocha da prisão, á similhança do que se faz em França, ser encorporados n'um regimento de Africa, de onde passariam ao exercito do continente, depois de haverem recebido boas informações dos seus chefes. (Apoiados.)
Eis expostos muito summariamente muitos dos delineamentos geraes sobre que, a juizo meu, deve assentar um bom serviço militar. Claro é, sr. presidente, que fica expungida in limine a substituição e remissão por dinheiro. A substituição traz comsigo o resultado de ser confiada a defeza da pátria, a riqueza publica e particular ás classes mais pobres da nação; origina um verdadeiro trafico, conhecido até pelo nome de trafico dos brancos; abate e amesquinha o exercito, que não é a expressão da força da nação, mas sómente de uma fracção infima e humilde d'essa força; tem as tristes consequencias apontadas pelas estatisticas, que nos dizem que nove decimos dos soldados entregues ás companhias de disciplina e correcção saem do numero dos substitutos, e que são estes, na guerra, a vergonha do exercito, não só pela sua covardia, mas tambem por actos de rapinagem e crueldade. Poderiamos tambem argumentar contra a substituição com as difficuldades que ella traria na boa organisação dos quadros dos officiaes inferiores, dos sargentos, cuja importancia é manifesta e incontestada em todos os exercitos, e cuja instrucção e moralidade é uma das condições sine gua non da boa organisação da força armada. Rasões de justiça, rasões de moralidade, rasões militares, condemnam irrevogavelmente a substituição. (Apoiados.)
A remissão importa os mesmos e talvez peiores defeitos. (Apoiados.) Quem tiver dinheiro não será soldado: á riqueza corresponderá um prémio de covardia. D'aqui nasce o viciamento da força moral e organica do exercito, que, em vez de ser uma grande instituição, que honra e não avilta, será sómente um grupo de individuos, despidos de pro-

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tecções sociaes, abandonados da fortuna. A remissão será o melhor meio de alimentar aversões entre ricos e pobres, a melhor maneira de conservar no espirito do povo, sobretudo no das nossas aldeias, um grande horror pela vida militar, a se os ricos compram a peso de oiro a faculdade de não serem soldados, é porque esta vida, pelas suas durezas e penas, é um cruel martyrio!...»; eis o que pensam os pobres aldeões ao verem partir seus filhos, e d'esta idéa nascem as afflictivas scenas de lagrimas e desespero que vemos ás portas dos edificios onde funccionam as juntas de revisão.
E quantas familias perdidas, quantas miserias e dores para salvar os filhos da guerra cruel do exercito! Este vende a leira, aquelle empenha a vinha a juros enormes, pois o usurario aproveita a cruel afflicção, e a mãe, a pobre mãe, desfeita em lagrimas desfaz-se dos oiros que eram toda a sua soberba, a viva lembrança da sua mocidade! (Apoiados.) Quem não conhece os formosissimos versos de Gonçalves Crespo, versos que ressumam lagrimas e onde elle nos descreve a intensa, a infinita mingua do aldeão que vende os bois para arrancar o filho á vida do soldado?! (Vozes: - Muito bem.)
Alem d'estas rasões, que são por si só de bastante tomo, acresce que, pelas condições especiaes de algumas das nossas provincias, pelo menos de uma, seria a remissão um obstaculo ao recrutamento regional, cuja necessidade e importancia logo demonstraremos.
O Minho é a provincia em que ha maior densidade de população e é tambem aquella onde o horror pela vida militar se accentua mais profundamente. A remissão far-se-ha em larga escala, e como-os contingentes annuaes são muito grandes, succederia que para encher os vacuos causados pela remissão, ir-se-ia buscar gente à outras provincias, affectando assim aquella forma de recrutamento. (Apoiados.)
Allegam os defensores da remissão por dinheiro as necessidades do thesouro, e o estado das nossas finanças. Este argumento não póde ser attendido. Se a remissão affecta profundamente o exercito nas suas forças vivas, se a remissão tem os males que apontámos, não ha dinheiro que os compense, e todas as considerações financeiras cedem perante a possibilidade de termos a peior das cousas: - um exercito despretigiado e humilhado, escarnecido pela nação e desrespeitado pelo estrangeiro, foco de desmoralisação e maus costumes, e em vez de um agente de ordem, um fautor de revoluções e desordens. Com a remissão, o exercito não será uma escola nacional, não será, como devia ser, uma instituição em que todas as classes sociaes, da mais elevada á mais infima, vão educar-se no espirito de ordem e de confraternidade do dever: será sempre uma instituição olhada com odio e temor, uma das mais poderosas barreiras á fusão e bemquerença das diversas classes sociaes. As nações que curam attentamente da perfeição dos seus exércitos: a França, Austro-Hungria, Allemanha, Italia etc., aboliram das suas leis a faculdade de remissão por dinheiro.
Eu disse, sr. presidente, que o serviço pessoal e obrigatorio devia, para ter uma effectivação pratica, ser acompanhado ao recrutamento regional e do serviço de tres annos e que, por não haver assim succedido em França, é que a lei de 1872 não teve no exercito a influencia que se esperava e levantou geraes e vehementes exprobrações, a que o general Boulanger pretendeu pôr termo com o projecto que agora se discute na camara d'aquelle paiz.
O serviço pessoal e obrigatorio é, já o vimos, indispensavel. Mas, para que fructeie bons resultados, urge organisal-o por forma que os soldados, quer os do exercito activo, quer os da reserva, estejam sempre possuidos de espirito e ardor militar, que entrem o mais rapidamente possivel nas operações, de campanha, que a mobilisação e concentração de forças se façam com a maior rapidez. Isto só se consegue por meio do recrutamento regional. (Apoiados.)
Eu sei, sr. presidente, que levanta esta fórma de recrutamento grandes opposições, e n'este parlamento acaba de a combater o meu illustre collega e amigo o sr. Azevedo Castello Branco. Mas a verdade, sr. presidente, é que os argumentos contra o recrutamento regional, ainda que alguns tenham um certo valor, desmaiam, empallidecem perante a esmagadora força d'aquelles que militam a seu favor.
Vejamos esses argumentos contra, alguns dos quaes fizeram que a assembléa nacional franceza expungisse da lei de 1872 o recrutamento regional.
Apparece na frente de todos um argumento politico, o receio de que a unidade nacional possa ser perturbada por esta fórma de recrutamento. As tropas de um certo districto quererão sustentar os interesses dessa região com damno dos interesses, das outras, podendo d'aqui promanar conflictos entre o exercito e offensa á unidade da nação.
Este argumento nada colhe para Portugal. Poderá ser attendivel n'um paiz como a Italia, cuja unidade nacional data de ha poucos annos, e entre cujos povos ainda hoje existem profundas rivalidades; poderá ser attendivel em França, pelo predominio que exerceriam os contingentes das grandes cidades, como Paris; Lyon, Marselha, Lille, cidades onde a demagogia tem. innumeros proselytos e cuja segurança seria assim confiada a elementos subversivos da ordem publica. Mas em Portugal, onde a unidade nacional se acha firmada desde séculos, onde não ha, de provincia para provincia, differenças ethnicas, linguisticas, religiosas onde outra qualquer ordem, que receio póde saltear-nos? (Apoiados.)
Alem d'isso, todos sabemos que muito impera na disciplina do exercito a influencia dos sargentos e outros officiaes inferiores. Tenham elles a comprehensão dos deveres militares, sejam instruidos, cure se da sua moralidade, e não poderá haver nunca receios de qualquer perturbação. (Apoiados.)
Um outro argumento é que em tempo de guerra póde ser completamente destruido um districto ou provincia a que corresponda um determinado corpo quando este se ache só, em primeira linha, como póde acontecer - e como aconteceu na batalha de Résonville em que um corpo de hulanos, correspondente a um certo districto, foi destruido, sendo assim um centro da população completamente dizimado. Não seja eu que combata este argumento: faça-o a auctoridade de um militar. O coronel Grand-Clement responde no seu livro Questions militaires à l'ordre du jour, a este argumento, da seguinte fórma:
«Pensâmos que este facto não póde dar-se facilmente. Os corpos de exercito alternam para o serviço de primeira linha; este serviço é o de guardas avançadas durante a marcha; é pouco mortifero, mas torna-se mais em caso de ataque: as guardas avançadas fornecem então á primeira linha de fogo, mas sabe-se que ella é immediatamente reforçada e tambem substituida quando a pouca intensidade da peleja o permitte. Desde, que um corpo soffre perdas consideráveis, é prudente pôl-o na reserva até que se tenha constituido.»
São estes os principaes argumentos contra o recrutamento regional. Os que se apontam ainda como importantes- o receio de que não haja entre os regimentos igualdade de força, unidade de acção, e de que só com difficuldade se arranquem os soldados ás suas relações, ás suas familias - são destruidos, pelos argumentos que vamos apresentar a favor.
É evidente que quanto menor for a reluctancia dos mancebos para o serviço militar, tanto mais depressa se fará delles soldados e tanto melhores soldados elles serão. Se o recruta sabe que vae encontrar no regimento a que é destinado, os seus compatriotas, parentes e amigos, não se

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apossará delle o terror que assalta todos aquelles que vão para afastadas terras, para longe dos seus, para o meio de indifferentes, para longo das suas mais queridas affeições. Com o recrutamento regional; que faz que os mancebos de uma certa região sejam encorporados no mesmo regimento, cessam estes inconvenientes, desapparece aquella justificada reluctancia, some-se um dos primeiros obstaculos á adaptação do recruta ao seu quartel, á sua nova existência. (Apoiados.) Alem d'isso, perto dos seus, dás suas famílias, são os soldados exemplo vivo de que a vida da caserna não tem os horrores e as durezas que se julga, e esta convicção entrará rapidamente nas povoações ruraes, onde ainda existe tão errada idéa.
O recrutamento regional estabelece uma louvavel emulação entre os soldados, porque nenhum d'elles quererá que um seu vizinho o exceda ao primor de desempenho dos seus deveres; dá aos soldados uma grande superioridade moral, pois aquelle que procede bem gosa no seu corpo uma certa reputação, e está segue-o para a terra natal, onde é querido e estimado; faz que se elle voltar um dia, como reservista, ao seu regimento; lhe seja menos doloroso e pungente o transe de separação da sua família, pois o soldado sabe que não vae encontrar estranhos; mas sim officiaes que já o conhecem; sob cujo cominando fez a sua educação militar. E que vigorosa e enérgica cohesão não provem d'isto! Quanto não lhe serão mais faceis n'estas condições a confiança e a disciplina! (Apoiados.)
Mas o argumento mais poderoso a favor do recrutamento regional é a facilidade de inobilisação. O soldado, estando perto do seu regimento, corre, acolhe-se a elle ao primeiro chamamento, e, tendo ali o seu deposito, acha-se immediatamente armado, equipado, prompto para o combate. Com o recrutamento regional evita-se a perturbação causada nas linhas férreas pela enorme multidão dos reservistas, cruzando-se em todas as direcções para recolherem aos regimentos, evitam-se enormes despezas de trajecto, evitam-se inauditos trabalhos e complicações. (Apoiados.)
São de tamanha importancia as utilidades d'este systema, que já Napoleão I o aconselhava, e que já o vemos hoje na Allemnnha, Austria, Suissa; e consignado no projecto do general Bottlahger. A Allemanha tirou d'elle enormes resultados na guerra franco-prussiana; ao passo que em França não se effectuava a mobilisação muitos e muitos dias depois de haver sido ordenada, na Allemanha fazia-se com uma rapidez assombrosa. Na Suissa, mercê da perfeição do recrutamento regional, a mobilisação póde fazer-se em trinta e seis horas!
A Allemanha está dividida em 17 regiões geraes de recrutamento: 1 pertence á Saxonia, 12 á Prussia, 1 ao Wurtetnberg, 1 á Alsacia e 2 á Baviera. A cada corpo corresponde uma certa região territorial; esta está dividida em districtos de recrutamento, que só dividem o seu turno em circumscripções chamadas «districtos de batalhão de landwher». Em cada corpo de exercito de linha um regimento de landwher de dois batalhões corresponde a um regimento do infanteria de linha de tres batalhões, tendo o mesmo nome e numero: Cada batalhão de landwher fórma uma circumscripção que está sob o ponto de vista; de recrutamento, confiada a um official superior que assume o titulo de «commandante do districto de batalhão do landwher». Os dois districtos adherentes aos dois batalhões, que formam o regimento de landwher; correspondem a um regimento de infanteria de linha e cabe-lhes fornecer os recrutas para este regimento. Póde acontecer, que alguns districtos tenham uma enorme differença de população, póde ser tambem que alguns disirictos mais favorecidos sob o ponto de vista das qualidades physicas dos mancebos se achem esgotados pelo recrutamento da guarda e, de certas armas especiaes, recrutamento que se exerce sobre muitos districtos a um tempo, e que d'isto resulte a impossibilidade de dois regimentos de landwher fornecerem recrutas ao regimento de linha correspondente; para obstar a este inconveniente instituiu-se por circumscripção de recrutamento um districto supplementar, chamado «districto de batalhão de landwher de reserva». Cada districto de batalhão de landwher está ainda dividido n'um certo numero de districtos de companhia, correspondentes á ultima subdivisão administrativa do territorio. Na Austria o recrutamento é regional; o paiz está dividido em quinze regiões ou commandos militares. Na Russia é tambem regional o recrutamento; acha-se dividida em quatorze grandes circumscripções militares, independentes das dos cossacos do Dou. A Suissa adoptou tambem n'aquella fórma de recrutamento: o seu territorio divide-se em oito regiões ou districtos de divisão e cada cantão está dividido em districtos de recrutamento que devem fornecer tropas para um batalhão, pelo menos, e para tres, quando muito, das duas classes do exercito. Cada um d'estes ultimos districtos se subdivide em secções. Á frente de cada um d'elles está um commandante de districto, a quem cumpre vigiar pelo recrutamento; á frente de cada secção chefes, cujas funcções são analogas ás dos commandantes de districtos. Na Italia não ha recrutamento regional, não porque esta fórma de recrutamento seja condemnada por aquelles que na Italia estudam questões militares, mas sim porque ha especialissimas considerações estrategicas que se oppõem a elle. (Apoiados.) Desejaria expôr essas considerações, mas não o faço porque vae já longo este discurso, e nada que eu mais receie do que ser alcunhado de importuno e maçador.
Vozes: - Não é, não é.
O Orador: - Aos que julgam que em Portugal não póde fazer-se o recrutamento regional, e n'esse numero está o meu illustre amigo o sr. Antonio de Azevedo, aponto a leitura de um livro, escripto por um distinctissimo official do nosso exercito, o sr. Xavier Machado.
N'esse livro, intitulado Questões de organisação militar, apresenta o indefesso escriptor uma maneira pratica de se organisar esse recrutamento. Não pude, pela estreiteza do tempo, estudal-a detidamente: a impressão que deixou no meu espirito foi porém magnifica, e levou-me á convicção de que é elle possível. O reino de Portugal é dividido em 24 districtos de recrutamento de primeira ordem: 4 pertencentes ao Archipelago dos Açores, ilhas da Madeira e Porto Santo. A cada 5 districtos de primeira ordem corresponderá uma divisão militar e portanto 4 regimentos de infanteria, 1 batalhão de caçadores, 2 regimentos de cavallaria; constituirá tambem cada divisão militar dois ou tres districtos geraes de recrutamento. Cada districto de recrutamento é dividido, tendo se em vista o perímetro, densidade de população etc., em pequenos districtos que o sr. Xavier Machado denomina parciaes ou de segunda ordem. As sédes dos districtos dos recrutamentos de primeira ordem são Lisboa, Torres Vedras, Setubal, Evora, Faro, Portalegre, Thomar, Leiria, Castello Branco, Coimbra, Vianna do Castello, Braga, Porto, Penafiel, Feira, Villa Real, Bragança, Guarda, Vizeu, Aveiro, Angra, Horta, Ponta Delgada e Funchal.
O sr. Azevedo Castello Branco argumentou contra o recrutamento regional dizendo que ha uma sensível differença na densidade da nossa população e que isto obsta a poder pol-o em pratica. Que não é impossivel prova-o o trabalho a que nos acabámos de referir. O sr. Xavier Machado organisou-o com dados estatísticos nos quaes entrou como elemento primacial a população do paiz. Alem d'isso se em Portugal ha grandes differenças de densidade de população não as ha menores nas; províncias de França, e nas provindas allemãs. E, comtudo em França vae-se inaugurar o recrutamento regional: na Allemanha tem elle dado os excellentes resultados que todos conhecem. (Apoiados.) Allega ainda o sr. Azevedo Castello Branco, contra o recrutamento regional, a falta de quarteis.
É uma questão essa simplesmente de interesses do thesouro. Se os quarteis existentes não bastassem é se o recruta-

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mento regional é convenientissimo para a excellencia do serviço militar, havia de antepor-se esta consideração áquelles interesses. (Apoiados.) Mas parece-me que s. exa. afeiou o caso. Se o recrutamento regional se organisasse, por exemplo, da maneira indicada pelo escriptor militar, que já citámos, de pouco ou nenhum peso seria o argumento do sr. Azevedo Castello Branco. Se não havia todos os quarteis necessarios poucos deviam faltar.
Perguntou tambem s. exa. como é que se harmonisaria o recrutamento regional com as necessidades de manter, na capital uma guarnição para que não serão bastantes todos os contingentes do districto de Lisboa. Não sei, confesso a v. exa., sr. presidente, se poderia fazer-se a divisão do territorio por fórma tal que a circumscripção em que ficar Lisboa podesse fornecer, os contingentes necessarios para a sua guarnição. É possível, senão certo, que em todos os paizes onde existe o recrutamento regional se dê a mesma hypothese para as suas capitaes. Esses paizes remediaram o mal que porventura apparecesse. Porque é que não poderíamos adoptar o alvitre de que, se os contingentes do districto de Lisboa não chegassem para a sua guarnição, viessem, alternadamente, regimentos ou contingentes de regimentos da província fazer essa guarnição? (Apoiados.) Outros expedientes haverá, por certo, que a mim me não occorrem, e que aos especialistas facilmente acudirão. Parece-me, porém, pelas leves considerações que acabo de expor, não póde ser o argumento do meu illustre collega, o sr. Azevedo Castello Branco, motivo bastante para se pôr de parte uma providencia que está sendo adoptada pelos paizes que estudam a serio a mais conveniente maneira do melhorar os seus exercitos. (Apoiados.}
O serviço militar de tres annos não agrada tambem, segundo inferi do seu excellente discurso, ao illustre orador que me precedeu. Pois eu entendo que deve acompanhar o serviço pessoal Obrigatorio, se quizermos que este tenha a maior e indispensavel amplitude, se quizermos que o maior, numero possível de mancebos receba, dentro dos recursos orçamentaes do paiz, educação militar que o habilite a ser um bom defensor da sua patria.
V. exa. e a. camara sabem, sr. presidente, que os antigos exercitos permanentes constituídos por soldados que eram compellidos a servir pois largos annos tiveram o seu golpe funesto em Metz e Sedan. Quando rebentou, a guerra franco-prussiana, a França, cuja lei militar era a de 1868 tinha para oppor aos exercitos allemães 2.000:000 de homens! - 500:000 combatentes. Eram aguerridos e bravos os soldados francezes: muitos: haviam já servido em gloriosas campanhas, mas sossobraram perante a perfeição dos engenhos de guerra perante a força numerica. O numero e a habilidade technica são factores, cujo producto é a força militar da nação: isto diz um escriptor celebre. Estes dois factores possuem-se sempre desde que se faz que todos os cidadãos, sem distincção de classes, recebam cuidadosa educação militar. Ora isto não succedia em França antes da famosa guerra que ainda hoje faz verter lagrimas de sangue aos patriotas da grande nação. Os soldados serviam sete annos: não era possível, sem enormissima e incomportavel despeza instruir grandes contingentes. D'aqui proveiu que não excedia a 500:000 soldados de tropas velhas as forças que a França oppunha aos allemães:
O marechal Niel a quem os acontecimentos de 1866 mostraram a urgente, necessidade de remodelar a organisação militar, franceza, apresentou em 1868 ao parlamento uma ler que foi vivamente combatida pela camara.
Propunha elle a reducção do serviço a cinco annos no exercito activo, propunha a creação de uma nova força intitulada guarda movel, composta esta força de indivíduos que, por haverem tirado numeros baixos, eram dispensados do exercito activo, dos que se haviam feito substituir, dos filhos mais velhos de orphãos, de filhos unicos ou primogenitos de viuvas, etc.
Li, sr. presidente, o debate que se travou, a respeito d'esta lei, na camara franceza. Tomaram parte n'elle homens de subido valor, Garnier Pagés, Jules Favre, Glais-Bisoin, etc., e tão aggredida foi a lei, e tão combatida foi a creação da guarda movel que Niel não póde pôr por obra o seu intento, não póde fazer vingar na sua plenitude a idéa que concebêra. Um artigo de lei especificava que, quando muito, quinze vezes por anno, podesse a guarda movel tomar parte em exercícios cuja duração, nunca devia ir alem de um dia! O que resultou d'aqui? O não receberem essas tropas nem sequer rudimentos de instrucção militar, o encontrar a Allemanha ante si sómente, segundo a phrase de Le Faure, homens e não soldados. (Apoiados.)
A guerra franco-prussiana chamou para a organisação do exercito a attenção publica. Uma commissão da assembléa nacional, composta de quarenta e cinco membros, occupou-se durante quinze mezes d'este assumpto. O seu trabalho foi objecto de larga discussão; o serviço de tres annos o ponto sobre que mais incidiram os debates.
Tres systemas se discutiram: o do serviço de tres, quatro e cinco annos. Os partidarios do serviço de tres annos apontavam a Prussia, mostravam as vantagens que colhêra d'este systema. Diziam que, com tres annos podia instruir-se todo o contingente, que se podia fazel-o servir todo sob as bandeiras, sem pesado encargo para o thesouro, não se estabelecendo assim senão uma só categoria, e conseguindo-se com as reservas um exercito numeroso e disciplinado. Os partidarios do serviço de cinco annos argumentavam com a difficuldade de dar aos recrutas, não só o habito do manejo da arma, mas tambem o espirito militar. O que succedeu com a adopção d'este ultimo systema? Succedeu que sendo impossível, porque isso esgotava as forças do thesouro, metter nos quadros cinco contingentes, foi necessario dividir cada classe em duas porções. A primeira servia cinco annos, a segunda servia seis mezes. Qual era preferível? Ter todos os contingentes sob o serviço durante tres annos, ou ter uma parte durante cinco annos, é a outra, durante seis mezes? Propoz-se o serviço de quatro annos, como um meio termo. Com este systema elevava-se de seis a dezoito mezes o serviço da segunda porção do contingente.
Foi rejeitado, e adoptado o serviço de cinco annos. E sabe v. exa. sr. presidente, porque o foi? Foi pela necessidade que tinha a assembléa nacional de condescender com partido conservador que em toda a parte em todas as nações, se oppõe ao, serviço pessoal obrigatorio; e que, na impossibilidade de conseguir tudo, ficou satisfeito com o poder exonerar do serviço de cinco annos as segundas porções dos contingentes.
Foi tambem uma teimosia do Thiers, o grande patriota francez que, mau grado o seu enorme talento não póde fugir á regra, fatal da idade, que obriga os cerebros mais geniaes a repellirem como perigosas innovações os princípios modernos, os trabalhos dos novos, e a apegarem-se por uma especie de orgulho ás idéas que lhes incutiram na infancia, e que os acompanharam na virilidade. Foi a influencia dos velhos generaes cuja carreira militar se fizera nas guerras de Africa, e que, havendo tido dias de gloria com os antigos exercitos, teimavam em cerrar os olhos; á evidencia, não queriam por fórma alguma que só restringisse o praso do serviço militar.
Ora a verdade é que o serviço de tres annos é preferível, e até o maximum, sob o ponto de vista social, militar e orçamental. (Apoiados.) Social, porque a exoneração das segundas porções do contingente, proveniente, do serviço de cinco e quatro annos, é a negação da obrigação, é uma revoltante injustiça; militar; porque dá reservas igualmente instruídas; e não compostas, metade de soldados de cinco annos, metade de soldados de seis ou dezoito mezes; orçamental porque o serviço de cinco e quatro annos, sobrecarrega immenso o thesouro, absorve, por assim dizer, todas as receitas da nação.
Muitos entendem, e parece-me que o sr. Azevedo Cas-

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tello Branco é d'esse numero, que não se póde fazer um soldado com tres annos de praça.
Esta opinião inspira-se ainda nas idéas do passado. A guerra não é hoje o que era ainda não ha muitos annos. Converteu-se numa sciencia mathematica, em que o soldado não exerce papel pessoal. O alcance das armas de fogo pôz fim aos combates corpo a corpo, tão frequentes outr'ora. As qualidades individuaes, diz Grand-Clement no livro em que haurimos estas idéas, tornam-se quasi inuteis aos soldados, sendo por vezes perigosas com um inimigo sempre inabordavel e frequentemente invisivel; na guerra o homem não vale senão pelo numero, é uma unidade inconsciente de um todo, e para este papel quasi impessoal o soldado de tres annos bastará se o anima o patriotismo, se tem confiança nos seus chefes. «Em summa, pergunta aquelle escriptor, que qualidades essenciaes se devem exigir do soldado para a guerra européa? Saber marchar e atirar; o resto pertence aos chefes. Esta educação restricta será facil e prompta, se for dada por bons quadros».
Em 1885, se me não engano, publicou a Revue des Deux Mondes, uns estudos notaveis sob questões militares, e nomeadamente sobre o recrutamento e serviço de tres annos. Esses estudos appareceram sob o titulo Larmée et la democracie. Produziram grande impressão em França, e tamanha que ainda agora, na discussão do projecto Boulanger, todos ou a maior parte dos oradores que têem tomado parte no debate, invocam esses estudos, lendo por vezes trechos inteiros de tão importante trabalho. N'elle se preconisava a excellencia do velho soldado forçado a viver por largos annos nas casernas.
Como é de prevêr, levantaram grandes celeumas na imprensa esses artigos, apparecendo muitos folhetos e apreciações jornalisticas a combatel-os.
Li com attenção um livro intitulado L'armée et la France de 1885, resposta a esses artigos, e onde se trata demoradamente da duração do serviço militar. N'elle vem uns periodos energicos, e até eloquentes, em que se combate o serviço por mais de tres annos.
Peço licença á camara para os ler:
«Ha um limite á duração do tempo necessario para fazer a instrucção do soldado, ha-o igualmente á duração do tempo aproveitável para esta instrucção. No estado actual, este ultimo limite é geralmente fixado em tres annos, não só na Allemanha, mas ainda na Austria, em Italia, etc. Alem d'este termo, o soldado em guarnição, não tem mais nada que aprender. Só a guerra poderia aperfeiçoar a sua educação. Mas o serviço ordinário do tempo do paz, prolongado cinco, dez, quinze annos a mais, não elevaria de uma polegada o grau de preparação para a guerra, a que elle chegou em tres annos. Desde então, a repetição periódica dos mesmos exercicios, theorias, etc., torna-se-lhe um encargo repugnante. Comprehende muito bem a sua inanidade. Sente que o fazem volteiar num circulo vicioso, que a sua condição de homem dotado de rasão é aviltada pela vida machinal que lhe é imposta, e tornada similhante á dos animaes encerrados n'uma jaula, cujas paredes gradeadas de ferro elles abalam sem cessar, por um movimento inconsciente. Pretende-se que estes animaes, illudidos pela actividade constante de seus membros, imaginam andar ou voar. Mas o homem, por mais bronco que seja, não póde ser victima de uma similhante alucinação. E o velho soldado, o que não póde senão ficar soldado, acaba por odiar este insipido trabalho, desanimador pela sua monotonia, sem vantagem nem proveito para elle mesmo ou para os outros. Muitas vezes compara a sua existencia monotona, vasia, com a dos seus camaradas entregues ás occupações da vida civil e não póde dessimular os seus pezames. Resigna-se; é porque urge que assim seja. Mas essa resignação forçada não o impede, nas conversas da caserna, de exhalar as suas queixas, de amaldiçoar a sua sorte, e em muitas circumstancias, de não obedecer senão contrafeito, e nem sempre sem murmurios. Quando são numerosos, são os velhos soldados mais um fermento de indisciplina do que um exemplo do zêlo pelo serviço nas companhias, esquadrões, etc. E, quanto á sua influencia sobre os seus jovens camaradas, nós podemos affirmar por experiencia que nem sempre elles levam pelo caminho da honra e da virtude.»
Calaram estas observações no meu animo. E parece-me que ellas são frisante resposta aos que não se contentam com o serviço de tres annos. (Apoiados.)
Se nós examinarmos qual o tempo de serviço nas differentes nações da Europa, veremos que é de tres annos na maior parto dellas e nas mais, notaveis pela sua dedicação ás cousas militares.
Na Allemanha o soldado serve por tres annos no exercito activo, por tres na reserva de recrutamento, por cinco na landwher, e dos trinta e dois aos quarenta annos na landsturm.
Na Austria o serviço é de tres annos no exercito activo e sete na reserva.
Na França, o projecto Boulanger prescreve no artigo 38.°, serviço de tres annos no exercito activo, de seis annos na reserva do exercito activo, de outros seis annos no exercito territorial, de cinco annos na reserva do exercito territorial.
Na Italia o serviço é de tres annos para a infanteria, artilheria e engenheria; em 1886 o ministro da guerra apresentou um projecto de lei, tendente a reduzir de quatro a tres annos o serviço na cavallaria.
Ha quem diga que, para se fazer um bom soldado de cavallaria e artilheria, são precisos mais de tres annos. Interroguei sobre este ponto vários officiaes do nosso exercito. Delles soube que com uma cuidadosa instrucção militar se conseguem ao fim de tres annos bons soldados d'aquellas armas.
Soccorrendo-me ainda aos argumentos de auctoridade, lembro-me que li em Fisch que escriptores notáveis, entre os quaes o general Morand, defendem o serviço de tres annos para todas as armas; dizem que ao fim de tres annos de serviço o soldado de cavallaria, infanteria e artilheria está instruido; que póde fazer-se ao fim de um anno de um homem intelligente, instruido e applicado um bom soldado, e que em tres annos se póde attingir o mesmo resultado com um que não possua essas qualidades.
Sr. presidente, estudámos o recrutamento regional e mostramos a sua importancia, e quão acertadamente procedia o governo organisando-o no nosso paiz. Vimos que o serviço de tres annos era o que devia adoptar-se para todas as armas, cavallaria, artilheria, infanteria, por conveniencias militares, orçamentaes e sociaes. Provamos que tanto o recrutamento regional como o serviço do tres annos são condições que completam e aperfeiçoam o serviço pessoal e obrigatório.
Seria agora a occasião de fazermos, em face dos principios de moralidade e justiça, em face de rasões de ordem politica e militar, o elogio d'este systema que levantou a Allemanha, em que pese a muitos escriptores, ao alto grau de esplendor e prosperidade em que hoje se encontra. (Apoiados.) Poderiamos mostrar que só elle póde dar ao exercito o alto nivel de moralidade e instrucção que tanto o engrandece; que habitua a mocidade a hábitos do disciplina e de trabalho, poderoso elemento na educação do povo; que contribue em extremo para o mutuo respeito das classes sociaes; que acendra e apura o sentimento do patriotismo; que é grande parte na excellencia dos quadros; que contribue, mais que todas as leis, para a firmeza e conservação da ordem publica. (Apoiados.)
Sei, sr. presidente, que o serviço pessoal e obrigatorio tem adversários ferrenhos. Sei que está elle levantando uma celeuma parlamentar na Belgica; sei da leitura dos debates, que agora tão vivamente se travam na assembléa nacional franceza, que elle é impugnado: ferozmente cousa notavel! tanto n'um como n'outro paiz são os oradores do

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partido, conservador que o combatem, são os membros do partido democratico que o defendem! Irreligioso, anti-militar, damnoso á agricultura, ao commercio, e á industria, eis os apodos que lhe vibram, mais inflammadamente que ninguem, os soldados d'aquelle partido que tem na sua bandeira á mancha indelevel de Sédan e a nodoa covarde de Metz. Cegos pela sua paixão partidaria, suppondo o futuro da França aos interesses de uma política, que é como um nateiro de lama nas puríssimas glorias da historia franceza, não vêem, não querem ver, o que se passa ao lado d'elles, n'essa Prussia que no breve espaço de oitenta annos ascendeu de um pequeno reino, pobre, humilde, arruinado por guerras successivas á mais poderosa nação europêa, á mais valente nas armas, á mais brilhante na sciencia, e hoje competidora terrível dos paizes em que á industria e o commercio melhor prosperam enflorescem. (Apoiados.)
A idéa do serviço pessoal obrigatorio, essa concepção grandiosa que tanto contribuiu para o engrandecimento da Prussia, nasceu no espirito do general allemão Schanhorst. Instigado pelo seu odio á França; conhecedor dos geniaes talentos de Napoleão, gerou o plano de o esmagar sob forças numerosíssimas ás quaes o Imperador, n'um dado momento, quando em lucta com outras nações com os exercitos dizimados por ininterruptas campanhas, não podesse oppor senão poucos soldados sim, mas insufficientes para repellir aguerridos, numerosissimas hostes, que se precipitariam, como uma torrente, sobre o solo francez. Reorganisou então o exercito com o serviço pessoal obrigatorio de um anno.
Pequena nação de 4:000:000 de habitantes é de exiguas finanças, a Prussia não podia conservar grandes contingentes, por mais do que um anno, em serviço. Mas estes contingentes em contacto com os 40:000 homens do exercito permanente, que Frederico II conservava com o maior cuidado, que pagava generosamente e que eram a base das suas forças; mas esses artistas camponezes, homens de todas as condições, a quem aquelles 40:000 homens serviam como que de quadros, onde elles se encorporavam durante um anno, recebiam uma certa instrucção militar, aprendiam pelos menos as noções rudimentares da vida dos soldados. Schanshort tracejava um admiravel plano: chegou o dia em que Napoleão se viu a braços com as grandes nações europêas, e então ás tropas prussianas, grandes e numerosíssimos regimentos, batidos em todos os combates, mas avançando sempre pela força irresistível do numero, entraram triumphantes na capital da França. As velhas phalanges do Egypto, os vencedores de mil pelejas, qual mais heroica e assombrosa, foram esmagadas por hordas de combatentes. De nada lhes valeu o assombroso talento de Napoleão, que tem na campanha de 1814 um dos mais fulgurantes títulos de gloria.
A obra de Schanhorstt ficou. A Prussia adoptou o serviço pessoal obrigatorio, e desde essa data poucas modificações tem feito nas suas instituições militares. Corrige-as, aperfeiçoa-as, mas no fundo subsistem as mesmas. É que a Prussia sabe, e provou-o á Europa, que na guerra pertencerá, de futuro, a victoria pertencerá áquelle que tiver mais numerosas forças. Foi pelo desenvolvimento das suas linhas e com os movimentos envolventes, permittidos pelo numero e effectivos dos seus batalhões, que ella prestrou exangue a mais poderosa nação da Europa. E, mau grado, as campanhas de, Frederico e as luctas do imperio, e as guerras com a Austria e Dinamarca e o titanico duello com a França, mau grado ser um paiz de solo esteril e ingrato, a Prussia attinge, desde 1806, um desenvolvimento político intellectual e financeiro, que é o espanto e a inveja de todas as nações do mundo! (Apoiados.)
Sei, sr. presidente que muitos, a que se apresenta o exemplo da Prussia, e que não podem contestar a superioridade d'esta nação nem o que para ella contribuíram suas instituições militares, dizem com ar desdenhoso que o serviço pessoal obrigatorio não é preciso e não é possivel entre nós. Não é preciso porque, é pouco provavel que nos achemos envolvidos em complicações internacionaes, e porque é quasi certo que ninguem attentará contra a nossa independencia. Quando se argumenta só com probabilidades e se allega sómente quasi-certeza, é pessimo o argumento. (Apoiados.) E se realmente - o que é possível - nos achassemos um dia enredados nos tramas da política europêa, e se houvéssemos de defender a integridade do paiz? Melhor é, e toda a boa logica o manda, que curemos de adaptar as nossas instituições militares á segunda hypothese e não á primeira. (Apoiados.) Mas ainda n'este caso, dizem com ar desdenhoso os taes argumentadores: Portugal não precisa de grandes forças, e é principalmente á sua organisação defensiva que deve attender.
Permitta-me a camara que eu dê ainda a palavra ao sr. Xavier Machado, que trata brilhantemente esta questão.
A paginas 25 do seu livro diz:
«É certo que Portugal deve attender principalmente á sua organisação defensiva; porém, como ella deve ser activa e por consequencia permittir por vezes os movimentos offensivos; como a extensão da nossa fronteira terrestre é consideravel; como os pontos fortificados exigem tropas e em todas as províncias; como não sabemos, nem podemos ter a certeza se os ataques dos exercitos invasores serão simples, ou combinados; essa defensiva carece necessariamente de um effectivo regular, proximamente igual aquelle que foi estipulado pelos nossos antigos mestres em sciencia militar, e que esteja em harmonia com a força provavel do exercito invasor.
«Essa força conhecemol-a nós e já o dissemos: regula por 250:000 homens, segundo o que se infere das organisações hespanholas de 1877 e de 1882.
«É facto, que as regiões provaveis da invasão serão aquellas que offerecendo menores obstaculos ao inimigo, mais proximas se achem do verdadeiro ponto estrategico decisivo, e n'este caso, o Alemtejo e a Beira serão as provincias ameaçadas; porém, como o norte está sujeito tão bem ás eventualidades de um ataque directo ou, pelo menos de uma diversão, não podemos fixar bem a nossa attenção n'um ponto, descurando os outros, porque se por um lado, dá concentração de forças nos provém, vantagens immediatas, por outro, ha pontos como o Porto, por exemplo, que nos forçam a uma certa disseminação de tropas. E, tanto pelos exemplos que nos legou o preterito, como pelos estudos estrategicos e tacticos de Wellington, nós não podemos, nem devemos afoutamente asseverar, que a nossa defeza se deve circumscrever a um ponto e depender simplesmente de uma batalha decisiva!
«Contra esta, conhecemos o desastre de Sadowa e outros, e contra aquelle principio temos os antigos feitos da historia.
«É facto ainda que a nossa defeza deve ser concentrada; mas a concentração não indica que esse movimento, ou disposição tactica seja immediato.
«Nós temos o Porto; Coimbra e Lisboa ligadas com muitas províncias hespanholas por meio de vias ferreas, e a sua directriz é á primeira cousa que nos aconselha a que essa concentração não tenha logar nos primeiros momentos da lucta.
«Antes de Santarem, Torres; Palmella, etc. nós temos linhas naturaes de defesa a guarnecer, temos os movimentos de exploração sobre as suas frentes e flancos, e temos mais os movimentos que annullam e destroem até certo ponto os impetos da invasão.
«No interesse da defeza de um paiz, é necessario ter menos praças fortes e mais exercito activo. Quando o exercito é vencido, as praças tambem succumbem . (Berthaut Estratégie.)
«N'estas condições, e segundo o que temos dito, o nosso exercito não deve ser muito pequeno. Seu segredo princi-

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pal de organisação consiste em ter durante a paz um effectivo pouco numeroso, mas disposto e dividido, por tal fórma, que na guerra possa augmentar até 260:000 a 270:000 homens.»
Eis a resposta peremptória aos que dizem quenão precisamos de um numeroso exercito, que só se póde conseguir com a adopção do serviço pessoal obrigatroio. (Apoiados.)
Affirmam tambem alguns que não é possivel a implantação d'este systema, no nosso paiz. Portugal é pobre, dizem, e com a sua implantação, ficaria immensamente onerado o nosso thesouro.
Justo é, em verdade, que se attenda as condições economicas do paiz, mas note-se tambem que o nosso exercito custa muito menos do que os exercitos de outras nações da Europa. Custa 1/7 a 1/8 das suas receitas geraes. Na Dinamarca, Hollanda e Suecia custa 1/5; na Belgica 1/6; 1/3 a 1/4 na Rissia e Suissa. Na Hollanda, cujo solo é de 32:000 kilometros quadrados, e cuja população é de 3.700:000 almas, a verba orçamental do ministerio da guerra é de 7.828.000$000 réis. Entre nós, diz o sr. Xavier Machado, a cujo livro fomos buscar estes dados estatisticos, póde organisar-se um exercito de 260:000 a 270:000 homens, com que não se gastará mais de réis 4.968:710$000 quantia superior á do orçamento de 1883-1884, mas inferior ao ornamento e somma das despezas extraordinarias do anno economico de 1879-1880.
As considerações economicas não são pois de ordem a fazer-nos receiar a implantação do serviço pessoal e obrigatorio em Portugal. Mas demos que realmente elle produza um certo augmento nas despezas? É isso rasão bastante para que se rejeite uma medida de que depende o aperfeiçoamento, o brilho, o lustre das nossas instituições militares? Lembro-me de ter lido algures, que nas questões militares as considerações economicas são apenas secundarias, quando as de organisação são predominantes. (Apoiados.) Tenho como certo e incontestavel este principio. (Apoiados.)
Sr. presidente, depois do exposta a minha maneira de pensar sobre quaes devam ser as bases para o estabelecimento de um bom systema de recrutamento, depois de haver respondido a algumas objecções do sr. Antonio de Azevedo Castello Branco, passarei a explicar a rasão por que havendo um certo antagonismo entre o projecto que se discute e as opiniões que expuz, eu o defendo com vehemencia e energia. Se no projecto governamental se acham consignadas disposições taes como os adiamentos (artigo 40.° e seus paragraphos), se no artigo 41.° a esphera das dispensas é muito maior do que eu desejaria, determinando no § 10.° que não sejam compellidos ao serviço militar os clerigos de ordens, sacras e os que tiverem completado uns determinados cursos escolares, se admitte nos artigos 74.° a 76.º o voluntariado, não é manifesta contradicção e até doblez de consciencia o defender o projecto, depois das doutrinas que apresentei? Não, senhor presidente.
A lei que se discute é uma lei complexa: tem, sob a feição militar, um caracter politico, um caracter social. Não são, pois, as qualidades militares exclusivamente que devem attender-se. Temos de attender tambem a outros pontos. E se cumpre ter-se sempre em conta o preceito de Montesquieu de que só deve tocar-se nas leis antigas com as mãos trementes, mais deve applicar-se este preceito ás leis do recrutamento. (Apoiados.)
Se este projecto fosse discutido apoz um desastre nacional; se esta lei fosse promulgada apoz graves e, serios acontecimentos, comprehende-se que se sarjasse fundo na actual lei organica do exercito. Assim acceitaria a nação, por baldar-se aos passados dissabores, uma lei que destruisse completamente as prescripções antigas. Mas inaugurar disposições legislativas que abalariam a nação, por não lhe comprehender a importancia, introduzir um systema completamente novo n'um paiz, em que se não tem a comprehensão do que seja é serviço militar, seria crear taes repugnancias por esse systema que o poderiam fazer sossobrar, e por, muitos, annos adiariam a acceitação d'essa lei ou de outra mesma que não fosse tão decisiva.
Diz o barão Von Der Goltz no seu celebre livro A nação armada, que não só a organisação do serviço militar não deve comprometter a existencia do paiz, mas que deve auxiliar até o seu desenvolvimento.
Foi para se não afastar d'este principio que o projecto admittiu prescripções que attenuam a dureza do systema obrigatorio, sem inquinarem os seus preceitos fundamentaes.
Como lei de transição tem este projecto algumas condescendencias, que são desculpadas pelas considerações expostas, tanto mais que, mau grado ser, lei de transição, consigna principios valiosos e enérgicos que aperfeiçoam a e remodelam as nossas instituições militares. (Apoiados.)
O sr. Antonio de Azevedo Castello Branco, revoltou se indignadissimo, contra os adiamentos a que se refere o artigo 40.° do projecto.
Em primeiro logar, farei notar ao illustre, deputado que este principio se acha consignado na legislação das nações cujas instituições militares são objecto do maior cuidado. A lei franceza de 1872 consigna, esta permissão nos artigos 22.º a 26.°
O projecto Boulanger, mau grado ser o mais rasgado, possivel na consignação de medidas tendentes á maxima amplitude do serviço pessoal obrigatorio, admitte os addiamentos nos artigos 23.º a 25.º
A Prussia admitte-os tambem e, mais lata do que a nossa a sua legislação permitte que os que tiverem adiamento durante tres annos consecutivos sejam definitivamente dispensados do serviço e classificados na chamada reserva do recrutamento. Faz mais ainda: não limita, como a nossa lei no § 4.° do artigo 40.°, em vista das contribuições industriaes e prediaes, o numero dos mancebos que podem gosar d'essa especie de privilegio. Se n'estes paizes onde a sciencia, o commercio e a industria estão, desenvolvidissimos só admitte a concessão do adiamento, como poderia ella ser expurgada da nossa legislação, quando em Portugal é lenta e morosa; a progressão do commercio e industria e agricultura, quando a sciencia precisa cada vez mais apaixonados cultores? (Apoiados.)
O illustre deputado, o sr. Azevedo Castello Branco, analysando o § 4.° do artigo 40.°, estranhou que a lei concedesse, o adiamento aos mancebos que provassem ser indispensaveis á direcção da casa de lavoura, ou de empreza industrial e commercial, comtanto que a casa de lavoura seja collectada em contribuição inferior a 10$000 réis de contribuição predial, e a empreza ou estabelecimento collectados em contribuição industrial por quantia superior a 15$500 réis até á de 2$500 réis, consoante a ordem das terras. Entende, o illustre deputado e meu nobre amigo que a contribuição, pela casa de lavoura devia ser superior e não inferior a 10$000 réis, parecendo-lho que esse adiamento abrangeria assim innumera gente.
Eu não sei, sr. presidente, se nas outras provincias do reino acontece como nas provincias do norte que eu conheço, por ser natural de Traz os Montes e haver ali residido largos annos. N'essa provincia, sr. presidente, o lavrador que paga 10$000 réis de contribuição predial é um lavrador abastado. (Apoiados.) Em muitos dos seus concelhos é preciso menos, é bastante menos do que isso, para pertencer ao numero dos quarenta maiores contribuintes. Educa a familia, sem sacrificios, vive, sem necessidades. Não lhe é preciso, ou, antes indispensavel, á direcção da sua casa porque póde pagar feitores, serem os filhos quem o auxilie e ajude. Dar pois a estes lavradores a permissão, do adiamento, e recusal-a a outros mais minguados de haveres; e que necessitam da coadjuvação dos filhos para o amanho e direcção das suas propriedades, seria realmente

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cruel. (Apoiados.) Rasões analogas subsistem ainda quando a casa de lavoura é dirigida por conta dos mancebos.
O adiamento concedido no § 2.° aos alamnos da universidade de Coimbra, da escola polytechnica de Lisboa, academia, polytechnica do Porto, e escolas medico-cirurgicas de Lisboa, Porto e Funchal, é justificada pela necessidade de interromper estudos de tanta gravidade. Não limita a lei n'este caso os adiamentos, porque esse limite seria obvio e contrario ao proprio caracter, d'esses estudos. As prorogações não têem outro limite, que não seja o reconhecer-se que, por falta de applicação, ao estudante nada serve o adiamento. As legislações prussiana e franceza fazem concessões iguaes aos mancebos que frequentam determinados cursos.
O § 10.° do artigo 41.° isenta de vez os clerigos de ordens sacras e os indivíduos que houverem completado os cursos a que já nos referimos.
Emquanto a religião do estado for a religião catholica apostolica romana, emquanto no espirito, do nosso povo viverem com ardor; como ainda hoje vivem, mórmente nas províncias, as idéas religiosas, excluir da lei esta prescripção seria levantar contra ella os maiores e mais difficilmente superaveis obstaculos.
O projecto francez expungiu esta concessão.
Se eu fosse membro da assembléa franceza teria votado esta medida.
Da mesma fórma, e porque ao legislador cumpre conhecer o meio para que legisla, sob pena da lei não ser cumprida e levantar graves conflictos, eu voto que no projecto que agora se discute fique consignada esta dispensa. (Apoiados.)
A concedida aos que completaram os cursos da universidade de Coimbra, etc., achamol-a de todo o ponto necessaria. Não é tamanho em Portugal, o amor pela instrucção que não precisemos de a auxiliar e desenvolver por todas as maneiras. No nosso paiz, onde ha horror pela vida militar, será esta disposição um dos mais fortes incentivos a que procure grande numero de mancebos instruir-se nas escolas superiores. Alem d'isso, todos sabemos que em Portugal - é esta quasi regra geral e de similhante enfermidade sofrre a França - quando, um mancebo possue abastados haveres, não estuda, não segue carreira. A disposição do § 10.º do artigo 41.° ha de pôr remate, a este gravíssimo mal; d'elle resultará grande beneficio para a sciencia, que tão alto levantou a Allemanha e que foi parte poderosíssima nas suas glorias e triumphos. Será ainda está disposição um obice á mania do emprego publico, mania que se vae desenvolvendo e alastrando cada vez mais, roubando muitos talentos a sciencia, muitos braços á agricultura, muitas actividades á industria, muitas aptidões ao commercio. (Apoiados. )
Quantos mancebos não conhecemos nós, dotados de vigor physico e de energia intellectual que, por habitos, de condemnavel indolencia, abandonam os seus estudos, descuram as suas carreiras, para se enfileirarem na legião enorme dos empregados publicos? E que supplicios, que humilhações, que degradações a que se sujeitam por adquirir o emprego que os poupa ás fadigas escolares aos labores do commercio, ás occupações da agricultura! Estou em dizer, sr. presidente, que esta disposição é não só um favor á sciencia, mas um beneficio á moralidade. (Apoiados.)
Analysemos agora, outro ponto da lei que tambem mereceu ao sr. Azevedo Castello Branco azedas reflexões. Vejamos como o voluntariado, a que se referem, os artigos 74.° a 76.°, tem rasão de ser e não é uma instituição espuria e bastarda, que envergonhe o legislador e quebre a harmonia do projecto.
A questão de voluntariado, é uma das que tem levantado mais graves questões entre aquelles que se dedicam aos estudos militares. Uns condemnam-o; outros censuram-o. Aquelles, apegando-se aos pessimos resultados que deu em França, affirmam que não convem; estes, relançando os olhos para a Allemanha acham-o uma instituição vantajosa sob qualquer ponto que se considere. A juízo meu, sr. presidente, têem rasão os primeiros. A verdade é que esta instituição, mais ou menos moldada em todos os paizes pelo voluntariado allemão, só na Allemanha deu bons resultados. (Apoiados.) A epocha em que ella foi implantada o modo como o foi, a natureza do paiz em que teve origem, o cuidado que a Allemanha tem tido em a aperfeiçoar e dar-lhe o maior brilho e lustre possível contribuírem para o fazer uma instituição poderosa.
Os germens do voluntariado foram lançados no exercito allemão por uma proposta do general Schanhorst, em 1813, epocha em que a Prussia atravessava agudas e dolorosas crises: Schanhorst fez crear, por cada regimento de cavallaria e infanteria, um destacamento de caçadores, composto sómente de voluntarios que deviam armar-se e equipar-se , á sua custa. D'elles saíam, soldados para os outros regimentos quando a guerra dizimasse as suas fileiras. Como estes destacamentos tivessem, prestado valiosos serviços, e fossem compostos de mancebos, pertencentes á burguezia e pequena nobreza, mais ou menos abastada e instruída, concedeu-se aos mancebos que tivessem uma certa instrucção e que podessem armar-se e vestir-se á sua custa, alistar-se em determinados corpos, de onde poderiam afastar-se ao fim de um anno de serviço activo. D'estes mancebos, se elles, tinham aptidões e a necessaria posição, saíam os officiaes da landwker.
O voluntariado baseava-se sobre dois pontos importantes: a diminuição do serviço para os mancebos instruídos, e a sua utilisação para os quadros da reserva. D'estas duas feições nasciam as seguintes vantagens: não se paralysavam ás carreiras civis, o dava-se áquelles que a ellas se consagravam a instrucção militar necessaria. Soffrendo algumas modificações com o correr, dos annos, esta instituição conservou comtudo todos os traços característicos com que foi creada. A regra, predominante a que está sujeita é a instrucção que hão-de mostrar possuir os que a ella quizerem pertencer.
A França e outros paizes, vendo os excellentes resultados colhidos pela Allemanha, quizeram introduzir este systema, sem se lembrarem de que não ha nada mais difficil, do que implantar na legislação de um paiz medidas encontradas em legislações de paizes differentes; de um genio absolutamente contrario, de condições políticas diametralmente oppostas. Sem attender a estas considerações, teve em pouco a França a prova de quão errada foi a implantação do voluntariado.
Depois da guerra franco-prussiana, pela lei de 1872, é que foi adoptado em França o voluntariado, sujeito aos moldes da constituição allemã. A breve trecho caiu na opinião publica por tal fórma que o pretende supprimir o projecto de Boulanger. Os voluntarios que eram por lei obrigados a entrar nos cofres publicos com a quantia de 1:500 francos, eram conhecidos ironicamente pelo titulo dos quinze cents francs. Desprestigiados nas casernas, escarnecidos pelo povo, considerados como uns fructos pêcos do militarismo não houve epithetos grotescos que lhe não fossem vibrados. Quem percorrer os albuns do grande caricaturista francez Cham, vê que os voluntarios eram objectivo, de tanto gracejo e de tanto ridículo como entre nós os capitães móres e os frades. (Apoiados.)
Na Allemanha subsiste o voluntariado, não só porque, attentas as circumstancias expostas, se radicou profundamente desde principio, mas tambem porque a Allemanha era, e é ainda, um paiz de privilegios, uma nação profundamente hierarchisada, onde as classes inferiores não nutrem emulações e invejas pelas classes superiores. Pelo contrario, a França, como o nosso paiz é uma nação muito democratisada; qualquer privilegio, qualquer concessão, ainda fundado emmotivos attendiveis, levanta, geraes clamores e violentas exprobações. (Apoiados.) Se em Portu-

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gal fosse instituído o voluntariado, mais ou menos gisado pela lei allemã, nunca elle seria tido no menor respeito e conta.
Havia de ser considerado sempre como uma pepiniére de mancebos ricos, havia de ser sempre uma instituição olhada com desamor pelo povo, que lhe não comprehenderia a importancia. (Apoiados.)
Foi attendendo a isto e a outros considerações que vamos expor, que o governo actual não propõe o voluntariado com os caracteres do projecto de 1880.
Substituiu-o pela permissão, dada áquelles que souberem ler e escrever e que depois de um anno de serviço satisfizerem a um exame em que se mostrarem perfeitamente exercitados nas escolas de companhia, de bateria, ou esquadrão (segundo as armas em que servirem), de passarem á primeira reserva.
D'esta permissão resultam incontestaveis vantagens. A primeira é a diffusão da instrucção primaria. Não é aqui a occasião de preconisar as vantagens d'esta instrucção. Está no espirito de todos, todos as conhecem. (Apoiados.) Todos sabem a que ponto chegou o seu desenvolvimento na Allemanha, e quanto a ella deve este povo. Entre nós a instrucção primaria, o saber ler e escrever, é ainda raro em muitos concelhos do nosso paiz. Em Traz os Montes, sr. presidente; são poucos, pouquíssimos os jornaleiros que o saibam. Mau grado os esforços empregados de ha annos a esta parte, não se vê que as escolas sejam concorridas quanto deviam sel-o. E não se me dava de apostar, sr. presidente, que esta disposição da lei ha de poder mais no espirito dos aldeões que todos os conselhos e persuasões. (Apoiados.)
A objecção de que será difficil o dar a um soldado os conhecimentos militares precisos, no espaço de um anno; desapparece ante o saber-se que, quando o recruta possuo umas certas, facilidades de espirito, uma certa instrucção, reduz-se a um praso de tempo notavelmente, menor a aprendizagem pratica. Os individos que souberem ler e escrever aprenderão com muito menos difficuldade do que os ignorantes. E, se não aprenderem, se por desleixo ou falta de capacidade e aptidão não poderem habilitar-se no espaço de um anno, a lei remedeia este mal, fazendo que elles continuem no serviço.
Alem d'estas rasões, sr. presidente, ha outras a que devemos attender. Não, esqueçamos nunca que esta lei tem um caracter transitorio. Lembremo-nos do que ella ha de incutir pavores ao espirito do nosso povo tão avesso á vida militar, e que devemos fazer tudo quanto possível para extirpar essas apprehensões.
Seduzidos por esta permissão da lei, hão de acudir pressurosos, nos primeiros, annos após a sua promulgação, muitos mancebos a alistarem-se como voluntarios por saberem ler e escrever. Regressando em breve tempo á sua terra natal, serão elles os primeiros que contribuirão para o desapparecimento d'essa lenda de terror que ainda hoje voga largamente a respeito da vida militar. Combinando este favoravel elemento com as vantagens que resultarão da implantação do recrutamento regional - que será, como vimos, um dos mais poderosos auxiliares para acabar com a reluctancia da vida de soldado - teremos que a lei do serviço pessoal obrigatorio: ha de em breve ser acceita pelo nosso povo sem odio, sem receios. Não é isto muito para apreciar e apetecer? (Apoiados.)
Passemos agora, sr. presidente, a tratar de outro ponto que é a meu ver um dos mais importantes, dos mais valiosos da lei, e que parece de nenhuma utilidade injusto, e inconveniente, ao sr. Antonio de Azevedo Castello Branco. Este ponto é a taxa militar.
Contra a taxa militar, sr. presidente, levantam-se argumentos, puxados do seio, da mais plangente sentimentalidade, e argumentos derivados da desigualdade da sua applicação. Os primeiros podem dar, e dão, aso a uma rhetorica muito maviosa, e a doces jeremiadas lacrimosas. Veem á baila os cegos, os aleijados, os paralyticos, etc., descrevem-se horrendas dores e pavorosos soffrimentos. Pois haverá nada mais barbaro, e mais para arrancar lagrimas aos corações piedosos do que obrigar um mancebo que é forte como um touro, mas que soffre a cruciantissima enfermeidade de ter menos de 1m;54 de altura, apagar réis 2$500 por anno? Pois ha nada comparavel á crueza de compellir um pobrezinho que possua centos de contos de reis e que seja aleijado, a dar igual quantia a favor d'aquelles que defendem as suas propriedades e a sua vida? Cousa igual só os potros da inquisição; só as fogueiras do santo officio!
A verdade é; sr. presidente, que tudo isto não passam de sentimentalidades sem valor. Como faz notar um escriptar distincto, ao passo que Lacedemonia, Carthago e outras nações da antiguidade matavam as creanças que, nascendo com um corpo disforme, não podiam defender a republica, cáem hoje as nações modernas n'um excesso opposto, dando aos gotosos, aos cegos, aos coxos, etc., innumeras immunidades, sem os obrigarem ao menor encargo.
Que os seus concidadãos lhes defendam á vida justo é. Que os que vêem defendida não só a sua vida, mas os seus haveres, testemunhem, pelo menos pecuniariamente, a gratidão a esses serviços, é justissimo. Todo o homem que não possa pessoalmente fazer serviço militar, deve ser obrigado a contribuir com o dinheiro para a defeza do paiz: eis o principio em que assenta a taxa militar.
Não se póde com boas rasões contestar a sua justiça. O que tem sido alvo de analyses e contestações violentas é a sua applicação. Uns querem que a taxa seja proporcional, partindo de um mínimo accessivel aos que vivem do producto quotidiano do seu trabalho, até a um maximo calculado para as classes abastadas. Outros pretendem que se estabeleça uma taxa pessoal unica, pequena, á qual poderá acrescer uma taxa supplementar para os ricos.
O primeiro systema seria o melhor, se podesse ser exequivel. Mas o estabelecimento d'esta proporcionalidade seria tão difficil tamanhas são as gradações que ella offereceria! - que, seria impossível pol-a em pratica de uma maneira verdadeiramente justa.
A Suissa, consoante aos seus costumes largamente democraticos, começou por adoptar este systema, mas viu-se obrigada a abandonal-o.
O systema da taxa pessoal é muito mais facil de applicar; o que importa é que a taxa seja o menos pesada possível, para não aggravar as classes pobres. A modicidade attenua a injustiça que porventura haja; e digo porventura, porque ha considerações que militam, mesmo no campo dos principios, a favor, da unidade da taxa. Não é igual o serviço para todos? Não é obrigado o rico ou pobre a ser soldado, sem que as distincções de fortuna alliviem para o abastado o encargo da vida militar? Quando a lei admittia as remissões, não eram ellas iguaes por a natureza do serviço militar ser igual para todos? Se a obrigação do serviço militar é a mesma, e se a taxa representar um serviço não pessoal mas pecuniario; não deve a taxa ser fixa? Attendendo a estas considerações, quando se não justifique a igualdade da taxa attenua-se notabilissimamente o que ella possa ter de aggravante a facilidade de cobrança é um elemento tambem muito para attender na organisacão do imposto. A taxa pessoal unica, facilita a sua recepção; sem calculos, sem investigações a fazer, os funccionarios sabem n'um momento pela lista do recrutamento quaes os indivíduos que devem pagar e qual a quantia.
Militam tambem rasões a favor da taxa supplementar para os ricos: o ser o pobre muito mais aggravado por um imposto de 5, do que um rico com um imposto de 100; o serem as classes abastadas as que mais sentem o beneficio militar da isenção; o precisarem, aquelles que possuem fortuna, muito mais que as classes pobres, que lhes garantam uma tranquillidade sem a qual periga, a riqueza. Estes argumentos, que vêem largamente expendidos na

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Révue militaire de l'étranger, são importantes, justo é confessal-o. Mas uma taxa supplementar para os ricos, sem graduação de riqueza, seria tambem uma desigualdade. Alem d'isso no nosso paiz, em que não ha imposto, de rendimento como estebelecel-a? Addicional-a ás contribuições actuaes? Tornar-se-ía uma desigualdade, a accrescentar-se desigualdades e lacunas das actuaes contribuições, como muito bem diz o relatorio da commissão. Addicional-a a alguma das contribuições? Is inconvenientes aggravar-se-hão ainda, como é obvio. Organisar uma matriz de rendimento para a incidencia d'esta nova contribuição? Que despezas é complicações! Mais val pois e até porque ha tambem argumentos energicos a seu favor, que se adopte a taxa unica.
Se não fosse já tão longo o meu discurso, sr. presidente, se eu me não sentisse cansado e se, o que mais importa, não me arreceiasse de cansar a camara, que me tem escutado com uma benevola e penhorante attencão, de que muito me lisonjeio, mas de que não quero abusar, faria a historia da implantação da taxa militar nas differentes nações da Europa: na Suissa, Austria, Servia e Roumania.
Exporia as prescripções a ella referentes consignadas na lei Boulanger. Desenvolveria os projectos apresentados na Allemanha, e daria conta a esta assembléa da discussão do projecto apresentado pelo general Ricotti, ministro da guerra na Italia, em 1875 se me não engano, e que tão viva luz podia lançar sobre o assumpto.
Não o farei, sr. presidente. Os oradores que me vão succeder tratarão esta questão com uma proficiencia que redimirá a maneira incompleta como eu a trato.
Eu quereria ainda, sr. presidente, referir-me a pontos importantissimos d'esta lei, taes como os relativos á inspecção antes do sorteio, á organisação das juntas de revisão e aos refractarios. Mas, pelos motivos que já expuz, não o farei.
Vou cabar aqui o meu discurso; porém, consoante ás boas praxes, não o quero terminar sem fazer a usual peroração. A minha é curta e simples. Congratulo-me com o meu paiz por ter sido apresentado ao parlamento um projecto de lei, de que resultarão grandes progressos para as nossas instituições militares; congratulo-me com o sr. presidente do conselho, por d'elle haver partido a iniciativa de tão liberal e tão valioso melhoramento; formulo o ardentissimo desejo de que esta lei traga á minha patria as glorias e esplendores que leis iguaes trouxeram a outras nações da Europa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado pelos srs. ministros e muitos srs. deputados.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta.

A camara, considerando que o projecto em discussão o consigna o serviço pessoal obrigatorio, e que o acompanha do recrutamento regional; serviço de tres annos, taxa militar, applaude o governo por ter apresentado uma lei que trará notaveis aperfeiçoamentos ás nossas instituições militares e passa á ordem do dia. = J. M. Alpoim.
Foi admittida.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): = Mando para a mesa duas propostas de lei: uma regulando o trabalho das mulheres e dos menores nas industrias, e outra creando tribunaes avindores para resolverem as questões entre patrões e operarios.
Lêem-se a diante n'esta mesma pagina.
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - (O discurso de s. exa. será publicado juntamente com o da sessão nocturna de hoje.)
O sr. Presidente: - A ordem da noite é, alem da que está dada, mais os projectos n.ºs 167, 175, 193, 198, 201, 204, e 206.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Propostas de lei apresentadas n'esta sessão pelo sr. ministro das obras publicas

N.º 213-C

Senhores. - Em todos os paizes, as chamadas questões sociaes assumiram uma importancia grande. Com justa rasão preoccupam todos os governos. Essas questões tomam frequentes vezes a fórma de graves conflictos, de antagonismos de interesses, e onde ha forças de tamanha valia, ha sempre um fundamento de justiça a attender. Uma grande força social presuppõe sempre a existencia de um direito, que lhe deu origem e a robusteceu. Procurar resolver esses antagonismos pela harmonia e pela conciliação é por isso; o fim a que devem tender os cuidados dos poderes publicos.
Os conflictos entre patrões e operarios são frequentissimos nos estados modernos. Se no nosso paiz, só em pequena escala, e em termos moderados, a lucta entre o capital e o trabalho se tem manifestado, provem isso principalmente da cordura das nossas classes trabalhadoras, do espirito equitativo dos nossos industriaes, do bom senso e, juizo prudencial de uns e outros, o que é uma feliz resultante da suavidade e patriotica orientação da indole nacional. Mas, por isso mesmo, corre, mais imperioso, para os poderes publicos, o dever de providenciar, pois que de outro modo, esse desleixo póde vir a ser causa de se mallograrem as beneficas disposições que são naturaes no nosso povo, e que até agora nos têem protegido contra perturbações violentas.
A instituição de tribunaes especiaes, encarregados de decidir as controversias suscitadas entre os patrões e os seus empregados ou operarios, ou d'estes entre si, tem dado excellentes resultados em toda a parte, onde têem sido creados.
A natureza d'essas controversias, que, quasi; sempre assentam sobre assumptos particularissimos influenciados directamente por noções technicas, é que por isso mesmo não podem ser convenientemente apreciados pelos tribunaes ordinarios; o predominio, a que estão sujeitas, de considerações de uma equidade tão larga, que nem mesmo poderia ter cabimento no direito commercial onde, aliás, ella constitue já uma das normas de sentenciar; a necessidade de uma celeridade de julgamento, que não se compadece com as formulas mais summarias em uso nos tribunaes commum, e de uma barateza de custas de processo que ponha este ao alcance, dos menos favorecidos de fortuna, como o são, em geral os operarios; tudo isto, sobre outros argumentos faceis de attingir, constitue uma serie de rasões ponderosas em favor da creação dos tribunaes de arbitros-avindores. E o que a reflexão dicta, confirma-o a experiencia alheia.
Não ha que receiar perigos no que a lição dos outros paizes mostra que ha subidos beneficios a alcançar.
A proposta de lei, que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame, consigna as disposições da legislação estrangeira que me pareceram poderem ser transplantadas sem inconveniente para o nosso paiz, e par de algumas innovações, que julguei necessario estabelecer no intuito de tornar proficua à acção dos tribunaes de arbitros-avindores. A vossa illustração fará o resto, corrigindo o que se tenha por defeituoso, acrescentando o que tenha ficado omisso, ou supprimindo o que se repute prejudicial ou inutil. O governo cooperará da melhor vontade com as commissões parlamentares, e com as camaras n'esse estudo definitivo, e julgar-se-ha feliz, se d'elle sair trabalho que

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possa assegurar melhoria eventual de situação das relações entre as classes industriaes e operarias.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 29 de julho de 1887. = Emygdio Julio Navarro.

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a crear tribunaes de arbitros-avindores nas localidades, em que houver centros industriaes importantes, quando estes os requererem, ou quando os reclamarem as respectivas corporações administrativas.
§ unico. Em Lisboa e Porto poderá haver mais de um d'estes tribunaes, conforme o agrupamento de industrias, que para tal fim se effectuar.
Art. 2.° São da competencia dos tribunaes de arbitros-avindores, qualquer que seja o valor da causa: em geral todas as controversias sobre execução de contratos ou convenções de serviço, em assumptos industriaes ou commerciaes, entre patrões, de uma parte, e os seus operarios ou empregados, da outra; ou entre operarios ou empregados entre si, quando trabalhem para o mesmo patrão; e em especial, as que disserem respeito a salarios, preço e qualidade de mão de obra, horas de trabalho contratadas ou devidas, observancia de estipulações especiaes, imperfeição na mão de obra, compensações de salarios por alteração na qualidade da materia prima fornecida ou por modificações, nas indicações do trabalho; indemnisação pelo abandono da fabrica, ou por licenciamento ou abandono antes de findo o trabalho ajustado e indemnisações por não cumprimento do contrato de aprendizagem.
Art. 3.º Os tribunaes de arbitros-avindores poderão tambem funccionar como camaras syndicaes, quando assim lhes seja requerido, ou pela maioria dos operarios ou empregados ou pelo respectivo patrão, para tomarem conhecimento das reclamações, contra as estipulações do serviço ou contratos do trabalho em vigor, e emittirem o seu parecer sobre a opportunidade e equidade, que porventura assistam a essas reclamações.
Art. 4.° Alem das attribuições de conciliação e de judicatura, mencionadas nos artigos, antecedentes, compete aos tribunaes de arbitros-avindores vigiar sobre o modo como se executam as leis e regulamentos, que respeitam á industria; receber queixas e reprehender disciplinarmente os patrões, seus empregados ou operarios pelo esquecimento das boas normas de equidade, doçura, respeito e obediencia; que devem presidir ás relações entre uns e outros; e levantar autos, enviando-os para as auctoridades competentes, quando estas transgressões sejam bastante graves para deverem determinar a intervenção do juizo criminal ou simplesmente da acção policial.
Art.º 5.° O decreto da creação de cada um dos tribunaes de arbitros-avindores determinará:
1.° A séde e circumscripção de cada tribunal;
2.° As industrias ou grupos de industrias affins sujeitas á sua jurisdicção, e cujos, patrões, operarios ou empregados devam constituir collegios especiaes para a eleição dos vogaes do tribunal;
3.° O numero de vogaes, de que deve ser composto.
Art. 6.° Cada um dos tribunaes de arbitros-avindores será composto de um presidente, de dois vice-presidentes, e de um numero par de vogaes, não inferior a dez nem superior a vinte.
§ 1.° O presidente e vice-presidentes de cada tribunal serão nomeados annualmente pelo governo d'entre sete cidadãos estranhos ás classes directamente interessadas nas controversias que tenham de ser por elle julgadas, e propostos pela camara municipal do concelho, onde o tribunal tiver a sua séde, e por ella eleitos em escrutínio secreto.
§ 2.° Metade dos vogaes serão eleitos por um collegio de patrões e metade por um collegio de operarios ou empregados das industrias, sujeitas, á jurisdicção do tribunal.
§ 3.° Os vogaes servirão, por dois annos, sendo annualmente substituídos por metade em cada um dos grupos. No primeiro far-se-ha a substituição por sorteio.
§ 4.° Na falta ou impedimento do presidente e vice-presidentes, o juiz commercial, se o houver na séde, ou o juiz da respectiva comarca, designará quem presida, até que cesse o impedimento ou que o governo nomeio de novo pelo processo estabelecido.
Art. 7.° Nenhuma controversia poderá ser julgada pelos tribunaes de arbitros-avindores sem se haver tentado conciliação previa.
§ 1.º A conciliação será tentada perante, quatro vogaes, dois de cada grupo eleitos pelo tribunal, e presididos pelo presidente d'este.
§ 2.° Qualquer das partes poderá exigir que um dos substitutos do tribunal, do seu respectivo grupo, funccione como adjunto no juizo de conciliação; n'esse caso, poderá a outra parte nomear outro substituto do seu grupo, ou o nomeará o tribunal ex-officio. Os substitutos, que assim funccionarem, não poderão em caso algum tomar parte no julgamento definitivo da controversia.
§ 3.° Em qualquer estado da causa poderá fazer-se nova tentativa de conciliação, por accordo das partes, sendo n'esse caso os quatro vogaes designados por ellas, e sem distincção de grupo.
Art. 8.° Das decisões dos tribunaes de arbitros-avindores poderá haver sempre recurso por motivo de incompetencia, ou quando o valor da causa exceda a 50$000 réis.
§ 1.° A excepção de incompetencia não poderá ser attendida, se hão for allegada antes de começar a audiencia do julgamento.
§ 2.° É livre ás partes reconhecer previamente competencia no tribunal e sujeitar-se á sua decisão.
§ 3.° Quando estes tribunaes funccionarem como camaras syndicaes, no caso do artigo 3.° d'esta lei, os seus pareceres só terão força, de sentença, quando as partes previamente tiverem n'isso consentido.
§ 4.° O valor, da causa, quando seja omisso no pedido ou quando as partes não estejam de accordo sobre elle, será sempre julgado como questão previa. D'este laudo do tribunal não haverá recurso.
Art. 9.° O recurso das decisões dos tribunaes de arbitros-avindores effectuar-se-ha para o tribunal commercial; se na séde o houver, ou para o juizo civel da respectiva comarca.
Art. 10.º° Perante os tribunaes de arbitros-avindores não serão admittidos advogados: As partes pleiteiam pessoalmente; e só por excepção, fundamentada em motivos graves, e devidamente reconhecida pelo tribunal, poderão ser representadas por industriaes ou operarios, como procuradores.
Art. 11.° A fórma do processo, tanto para a tentativa de conciliação e para os julgamentos em primeira instancia, como para os julgamentos em recurso, será summarissima.
§ unico. Serão isentos do imposto de sêllo os livros necessarios para o serviço do tribunal, as sentenças e quaesquer documentos d'elle emanados, ou que a elle devam ser presentes, se por outro motivo o não deverem.
Art. 12.° As despezas de installação e exercício dos tribunaes de arbitros-avindores ficam a cargo das camaras municipaes respectivas, e serão consideradas como despezas obrigatorias.
§ unico. Quando a circumscripção de um d'estes tribunaes comprehender dois ou mais concelhos, aquellas despezas serão repartidas; pro bono et cequo, pelo governo entre os respectivos municipios. ,
Art. 13.° Fica auctorisado o governo a decretar em diplomas especiaes a fórma do processo para o julgamento das controversias a que se refere esta lei, a fórma do recenseamento e eleição nos collegios para a constituição dos tribunaes de arbitros-avindores e os regulamentos necessarios para a inteira execução d'esta lei.

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Art. 14.º Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 29 de julho de 1887. = Emygdio Julio Navarro.

N.º 213-D

Senhores. Proteger contra abusos de especulações menos rasoaveis os que são fracos, pelo sexo ou pela idade, é um principio hoje corrente, e mais ou menos admittido na legislação de todos os povos cultos. Mas, nos nossos codigos, esse principio acha-se consignado por um modo imperfeito e incompleto, no que toca principalmente, ao trabalho nas fabricas o outros estabelecimentos, a elles equiparados.
Um estadista, de saudosa memoria para todos os que tiveram ensejo de apreciar, o finíssimo quilate dos dotes do seu coração e a pujança valentíssima do seu talento, e cuja morte prematura todos os partidos prantearam, foi o primeiro a effectur uma tentativa, para se preencher, essa lamentavel lacuna. A idéa não achou contradictores, e póde até dizer-se que ella se enraizou na consciencia do paiz e que faz parte de todos os programmas de governo. Infelizmente, com ter por si o assenso geral, não logrou ainda vencer os empecilhos resultantes, de successivas complicações políticas, e tomar o seu logar nas discussões parlamentares. A mesma lamentavel lacuna subsiste.
Fazendo uma nova tentativa, ouso esperar, que lhe dareis a attenção merecida, para que ella a final se converta em lei com as correçcões e emendas que á Vossa sabedoria vos suggerir, e que o governo terá a satisfação de perfilhar, no intuito de contribuir, comvosco para a realisação de tão importante beneficio social.
Ministerio das obras publicas, commercio e indústria, em 29 de julho de 1887. = Emygdio Julio Navarro.

Proposta de lei regulando o trabalho dos menores e das mulheres na industria

APITULO I

Admissão, horas de trabalho e descansos

Artigo 1.° Os menores e as mulheres, de qualquer nacionalidade, só poderão ser admittidos a trabalhar nos estabelecimentos industriaes, mesmo quando estes tiverem caracter de escolas profissionaes ou de casas de beneficencia, ou nos misteres de que trata o artigo 5.°, nos termos e segundo as condições expressas n'esta lei.
§ 1.° Para os effeitos d'esta lei consideram-se estabelecimentos industriaes as fabricas, officinas, minas, pedreiras, e casas ou locaes de trabalho industrial de qualquer genero.
§ 2.º Para os mesmos effeitos, a expressão menor, comprehenderá sempre ambos os sexos, e abrangerá os indivíduos do sexo masculino até á idade de dezeseis annos e os do sexo feminino até á idade de vinte e um annos completos.
Art. 2.° A admissão dos menores nos estabelecimentos industriaes, não poderá verificar-se antes de completos, doze annos de idade, salvo o disposto no § unico d'este artigo.
§ unico. Poderá verificar-se a admissão aos dez annos completos, nas industrias designadas nos regulamentos, para os menores que:
a) Souberem as disciplinas que constituem a instrucção primaria elementar ou por certificado authentico provarem assídua frequencia em uma escola publica ou particular;
b) Tiverem compleição physica robusta;
c) Forem empregados em misteres que não exijam o emprego de esforços violentos. Art. 3.° Os menores até completarem doze annos não poderão trabalhar mais de seis horas em vinte e quatro, sendo o trabalho dividido por um descanso, á mesma hora que o dos adultos, e igual ao d'estes, mas nunca inferior a uma hora.
§ unico. Os menores de mais de doze annos não poderão trabalhar em cada vinte, e quatro horas mais de dez dividas por dois descansos, á mesma hora que os dos adultos e iguaes aos d'estes, mas nunca inferiores a uma hora.
Art. 4.º Os menores não poderão trabalhar aos domingos nem mesmo na limpeza de estabelecimentos industriaes.
§ unico. Exceptuam-se os menores empregados nas officinas de fogo continuo; n'este caso a distribuição do trabalho deve ser feita por fórma que permitta n'esses dias um largo intervallo de descanso; nunca inferior a seis horas seguidas.
Art.º 5.° Os menores até dezeseis annos completos, e que forem de nacionalidade portugueza, não poderão ser empregados em exercicios gynmasticos ou acrobaticos, em espectaculo publico. Os menores, até doze annos completos, não podem ser empregados como sotas ou conductores a cavallo de quaesquer vehiculos de serviço publico ou particular.

CAPITULO II

Trabalho nocturno.

Art.º 6.º Considera-se trabalho nocturno o que for feito das nove horas da noite, ás cinco da manhã nos mezes de maio, junho, julho, agosto, setembro e outubro, e das oito da noite, ás seis da manhã nos outros mezes do anno.
Art. 7.° Os menores até doze annos completos não poderão ser empregados em caso algum, em trabalhos nocturnos.
Art. 8.° Os menores de mais do doze annos só poderão ser admittidos nos trabalhos nocturnos:
Nas officinas de fogo continuo, nas condições que o regulamento marcar;
2..° Nos estabelecimentos, não comprehendidos no numero antecedente, expressamente designados no regulamento;
3.° Em qualquer estabelecimento em que tiver havido interrupção de trabalho resultante de força maior ou em que se tiver dado alguma circumstancia imprevista, mas só temporariamente e para obviar aos inconvenientes nascidos da referida interrupção ou circumstancia.
§ unico. Entende-se por officinas de fogo continuo as que exigem o emprego de fornos ou fornalhas que têem de funccionar sem interrupção, por causa da economia do fabrico, ou das propriedades do producto.
Art. 9.° Em qualquer das hypotheses previstas no artigo antecedente, a duração total do trabalho diurno e nocturno do menor não poderá exceder dez horas em vinte e quatro, divididas por dois escansos pelo modo estabelecido no § unico do artigo 3.°
§ 1.° Se o menor tiver trabalho diurno e nocturno não poderá este ultimo, exceder seis horas, divididas por um descanso de uma hora pelo menos.
§ 2.° Se o menor tiver só trabalho nocturno não poderá este exceder sete horas, divididas por um descanso de uma hora pelo menos.
§ 3.° Nenhum menor será empregado duas noites seguidas em trabalho nocturno, salvo o disposto no § 4.°
§ 4.º Poderão trabalhar em cada quinzena doze noites, os menores empregados nos estabelecimentos industriaes em que o trabalho nocturno for dividido por dois turnos que se revezem, comtanto que o trabalho nocturno não exceda em cada noite:
a) Tres horas para os menores de que trata o § 1.°;
b) Tres e meia horas, para os menores do que trata o § 2.°

CAPITULO III

Trabalhos subterraneos

Art. 10.° Nenhum menor do sexo masculino poderá ser admittido aos trabalhos subterraneos antes de completar quatorze annos. É prohibida a admissão de menores do sexo feminino ou de mulheres nos mesmos trabalhos.
Art. 11.° Os menores de quatorze a dezeseis annos só po-

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dem ser empregados em trabalhos subterraneos na escolha o carregamento do mineral, na manobra e na tracção dos wagonetes, na guarda e na manobra das portas do ventilação e dos ventiladores, e n'outros trabalhos accessorios, não excedendo as suas forças.
§ unico. É prohibido aos menores de dezeseis annos:
a) O manejo da picareta, picão, ponteirola, broca, alavanca e sonda;
b) Servir nos escoramentos ou alvenamentos.
Art. 12.° Os menores de dezeseis annos não poderão ser empregados em trabalhos subterraneos mais de cinco horas em cada vinte e quatro, com descanso de uma hora pelo menos, salvo o disposto no artigo 32.°
§ 1.° Os menores não poderão, em caso algum, ser empregados no trabalho de rotação dos ventiladores mais de quatro horas em cada vinte e quatro, divididas por um descanso de meia hora, pelo menos, nem accumular esse trabalho com qualquer outro.
§ 2.° Os trabalhos subterraneos, com excepção da rotação dos ventiladores, poderão ser accumulados com outros, comtanto que na sua totalidade não excedam dez horas em cada vinte e quatro, com os descanos marcados no § unico do artigo 3.º, contando-se cada hora de trabalho subterraneo como equivalente a duas.
Art. 13.° Os menores de dezeseis annos não poderão ser empregados, em caso algum, em trabalhos nocturnos subterraneos.

CAPITULO IV

Hygiene e segurança

Art. 14.º Os estabelecimentos de que trata esta lei devem estar sempre limpos, convenientemente ventilados e com as necessarias condições de salubridade e segurança.
Art. 15.º Nenhum menor não vaccinado será admittido nos estabelecimentos industriaes.
Art. 16.º É prohibida a admissão de menores nos trabalhos insalubres ou perigosos.
§ 1.º São considerados insalubres ou perigosos:
1.º A manipulação ou fabricação de materias detonantes ou inflammaveis;
2.º A preparação ou destillação de substancias corrosivas, venenosas ou deleterias e as operações em que estas entrarem como elemento importante do fabrico;
3.° A manipulação a secco de objectos ou substancias que produzam poeiras venenosas ou nocivas, que pela aspiração ou pela absorpção cutanea possam introduzir no organismo elementos que o deteriorem;
4.° A lubrificação, limpeza, ou reparação de quaesquer orgãos ou peças de machinas em movimento;
5.° Os trabalhos que exijam esforços physicos que excedam:
a) Para os menores de doze a quatorze annos: 10 kilogrammas de carga á cabeça ou às costas, e 80 kilogrammas de carga, comprehendendo o vehiculo, sobre terreno horisontal;
b) Para os menores de mais de quatorze annos: 15 kilogrammas de carga á cabeça ou ás costas, e 100 kilogrammas de carga, comprehendendo o vehiculo, sobre terreno horisontal.
6.° Os trabalhos que exigem esforços violentos, constantes ou contrafeitos, que se fazem em condições perigosas para os menores.
§ 2.° O governo determinará em regulamentos os estabelecimentos industriaes, operações e misteres em que o trabalho dos menores deva ser absolutamente prohibido, e aquelles era que poderá ser consentido mediante certas condições e limitações.
Art. 17.° Nos estabelecimentos em que houver motores, mechanicos, serão resguardadas as rodas, correias sem fim, engrenagens e quaesquer peças perigosas. N'aquelles em que houver poços, alçapões, escadas ou vazios similhantes, deverão estes ser resguardados por anteparos.
Art. 18.° Em caso, de accidente ou desastre deverá, no praso do vinte e quatro horas, o gerente ou proprietario do estabelecimento industrial em que elle se tiver dado, participar o occorrido ao administrador do concelho e ao inspector, para se tomarem as providencias necessárias a fim de evitar a repetição do facto.
§ unico. O ministerio publico deverá tambem, no praso de vinte e quatro horas, a contar do conhecimento de qualquer accidente, prevenir do occorrido o inspector.
Art. 19.° Aos directores e chefes incumbe velar pela morigeração dos menores dentro dos estabelecimentos industriaes.

CAPITULO V

Creches

Art. 20.º Nas fabricas em que trabalharem mulheres, haverá creches com as accommodações e condições hygienicas que os regulamentos determinarem.
Art.º 21.° A mulher não será, admittida a trabalhar nos estabelecimentos industriaes nos primeiros quinze dias depois do parto.
Art. 22.° A mãe poderá ir á creche amamentar o filho á hora e pela fórma determinada nos regulamentos.

CAPITULO VI

Vigilancia

Art. 23.° O administrador do concelho de domicilio do menor dará, quando lhe for exigida, aos paes ou tutores d'este, uma caderneta indicando o nome, domicilio, data e logar do nascimento do menor.
§ 1.º A caderneta só será fornecida ao menor que apresentar certidão de idade, do registo parochial ou civil. Se o menor for estrangeiro apresentará attestado legal do seu nascimento.
§ 2.° Nenhum menor poderá ser recebido em qualquer trabalho industrial sem apresentar á caderneta de que trata este artigo.
§ 3.° A caderneta estará em poder do menor ou de seus paes ou tutores.
Art. 24.° Os donos, chefes ou directores de officinas ou estabelecimentos industriaes notarão na caderneta de cada menor a data da admissão e da saída nos respectivos estabelecimentos, bem como a natureza industrial d'estes.
Art. 25.º Os directores ou chefes dos estabelecimentos industriaes terão um livro de registo onde inscreverão as indicações da caderneta de cada menor, com clareza, sem rasuras, nem entrelinhas.
Art. 26.° Nos estabelecimentos industriaes que empregarem, ou tenham, empregado durante o anno, mais de quinze operarios, por dia haverá um livro de registo, que será apresentado quando for exigido, nos termos da lei, e em que o inspector lançará as observações e preceitos que tiver por uteis e necessarios.
§ 1.° Para os effeitos d'este artigo são contados os operarios sem distincção de sexo nem idade.
§ 2.° Nos trabalhos nocturnos, subterraneos, insalubres e perigosos será applicada à disposição d'este artigo sem limitação do numero de operarios;
Art. 27.º Os directores ou chefes terão affixados nos estabelecimentos industriaes e por fórma bem visível:
a) Esta lei e respectivos regulamentos;
b) As tabellas do serviço e descanso dos menores;
c) As penalidades correspondentes ás contravenções.
§ unico. As tabellas serão rubricadas pelo inspector.
Art. 28.° A declaração feita pelos chefes ou responsaveis de quaesquer estabelecimentos industriaes, de não admittirem menores n'estes, não obsta a que nos mesmos estabelecimentos sejam effectuadas as visitas e a inspecção de que trata esta lei.

CAPITULO VII

Ensino primario

Art. 29.° Os menores sujeitos á obrigação do ensino pri-

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mario, nos termos da lei de 2 de maio do 1878, admittidos em qualquer estabelecimento industrial, continuarão, até para elles cessar essa obrigação; a frequentar alguma escola publica ou particular pelo menos duas horas por dia.
§ unico. A frequencia dos menores será, tanto nas escolas publicas como particulares, durante o tempo livre do trabalho e fóra das horas de descanso.
Art. 30.° A obrigação do ensino de que trata o artigo antecedente póde ser cumprida em escola pertencente ao estabelecimento industrial.
§ 1.º A escola do estabelecimento industrial póde ser mixta, nos termos do artigo 21.° da lei de 2 de maio de 1878.
§ 2.° É permittido ás camaras municipaes subsidiar as escolas annexas aos estabelecimentos industriaes, quando estas ministrem gratuitamente o ensino primario elementar.
§ 3.º As escolas dos estabelecimentos industriaes subsidiadas ou não subsidiadas, ficam para todos os effeitos sujeitas á inspecção das auctorisações escolares e ao mesmo regimen das publicas.
Art. 31.° Os professores das escolas publicas ou particulares lançarão na caderneta dos menores a data da sua matricula e diaria ou semanalmente notarão a sua frequencia, rubricando-a de modo a evitar falsificações.
§ unico. O director ou chefe do estabelecimento tomará nota da frequencia no livro do registo de que trata o artigo 26.º
Art. 32.° Até aos dezeseis annos completos nenhum menor póde ser admittido a trabalhar mais de seis horas por dia sem mostrar ter sido approvado no exame de instrucção primaria elementar, creado pelo artigo 42.° da lei de 2 de maio de 1878, ou dar-se n'elle a quarta das circumstancias definidas no artigo 5° da mesma lei. Nos trabalhos subterraneos não poderá trabalhar, mais de tres horas, se não satisfazer áquelle requisito.
§ 1.° Os resultados do exame serão consignados pelo professor na caderneta dos menores e pelo patrão no livro de registo do estabelecimento.
§ 2.° Se o menor se mostrar incapaz de seguir o curso de instrucção primaria por defeito physico ou moral, será visitado, por um medico e, com attestado d'este, que comprove a sua incapacidade para o estudo e capacidade para o trabalho, poderá trabalhar durante o numero de horas fixado nos artigos 3.º, 9.° e 12.°

CAPITULO VIII

Inspecção

Art. 33.° Para os effeitos da inspecção é dividido continente do reino e ilhas adjacentes em cinco circumscripções industriaes.
Art. 34.° Em cada circumscripção haverá pelo menos, um inspector industrial nomeado pelo governo de entre os engenheiros do corpo de obras publicas.
Art. 35.° Esta commissão será considerada, para todos os effeitos, como commissão normal do corpo de engenheiros de obras publicas, em qualquer classe e sem retribuição especial, e poderá ser accummulada com outra ou outras commissões fixadas na lei organica d'aquelle corpo.
Art. 36.º Compete aos inspectores industriaes:
1.° Fazer a todos os estabelecimentos industriaes da sua circumscripção pelo menos uma visita ordinaria annual e visitar os mesmos estabelecimentos extraordinariamente todas as vezes que as necessidades do serviço o reclamarem ou quando o governo assim o ordenar;
2.° Levantar em duplicado autos das contravenções d'esta lei, enviando um immediatamente ao ministerio publico e outro á direcção geral do commercio e industria;
3.° Exarar no livro a que se refere o artigo 26.º as observações que a sua visita lhes suggerir, indicando as providencias a adoptar nos estabelecimentos para a melhor hygiene e segurança dos menores;
4.° Rubricar as tabellas de serviço e descanso dos menores;
5.° Verificar se houve ou não força maior sempre que tenha occorrido a interrupção de trabalho a que se refere o n.° 3.° do artigo 8.º;
6.º Syndicar das causas dos sinistros, que se derem nos estabelecimentos iudustriaes, apurando a responsabilidade dos que dirigirem os trabalhos e participando o occorrido ao ministerio publico, se para isso houver motivo;
7.° Exercer a vigilancia sanitaria para a permanencia dos menores nos estabelecimentos industriaes;
8.°. Elaborar relatorios annuaes que serão remettidos á direcção geral do commercio e industria até ao dia 31 de janeiro de cada anno, contendo pelo menos:
a) O numero de estabelecimentos industriaes existentes na respectiva circumscripção e sua classificação por industrias e forças motrizes;
b) O numero dos menores com exerciçio nos mesmos estabelecimentos e sua distribuição por profissões, sexos e idades;
c) A media dos salarios correspondentes ás profissões, sexos e idades;
d) O numero de participações mandadas para juízo e de reclamações de patrões e menores ou pessoas que os representem;
e) Indicação dos sinistros occorridos, das suas causas e das medidas tomadas;
9.º Cooperar nos inqueritos industriaes e na organisação da estatística industrial, pela fórma que o governo determinar.
§ unico. Os inspectores industriaes estão, para estes fins, immediatamente subordinados á direcção geral do commercio e industria, com quem se correspondem e da qual recebem as ordens relativas ao serviço da respectiva circumscripção.
Art. 37.° Em serviço de inspecção poderá o inspector tomar as providencias extraordinarias exigidas pelo bem do serviço dando immediatamente conta ao governo.

CAPITULO. IX

Commissões districtaes

Art. 38.° Haverá em cada districto administrativo, uma commissão industrial que vigiará o serviço aos inspectores, communicando ao governo as irregularidades, que notar, e relatando annualmente o modo por que tem sido executada esta lei.
§ 1.° As commissões industriaes serão compostas de tres membros que poderão ser retribuídos pela junta geral do districto.
§ 2.º A nomeação d'estas commissões é da competencia do governo e terá loga´r de dois em dois annos sobre proposta em lista triplice da junta geral do respectivo districto; fará parte de cada commissão um medico sempre que seja possível.
§ 3.° Ás commissões industriaes pertence cooperar nos inqueritos industriaes pela fórma que o governo determinar.
Art. 39.° A commissão poderá visitar os estabelecimentos industriaes, fazendo-se acompanhar dos medicos e peritos, que julgar convenientes.
§ unico. As despezas respectivas serão abonadas pelo cofre da junta geral do districto.

CAPITULO X

Do conselho superior do commercio e industria

Art. 40.° Compete ao conselho, superior do commercio e industria, alem do que preceituam os artigos 1.° e 2.° do decreto de 3 de fevereiro de 1887 e nos termos dos mesmos artigos:

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1.º Vigiar pela uniforme applicação d'esta lei, e tomar conhecimento dos aggravos feitos aos industriaes pelos inspectores;
2.° Propor ao governo tudo o que julgar necessario para a execução d'esta lei;
3.º Apreciar e graduar os relatorios dos inspectores e das commissões districtaes
4.° Apresentar annualmente ao governo, até 1 de julho de cada anno, um relatorio sobre o estado do serviço de inspecção dos menores baseando-se nos relatorios dos inspectores e das commissões districtaes;
5.° Proporias bases para a organisação da estatística industrial.
§ 1.° No caso de conflicto grave entre um inspector e alguma commissão, poderá o conselho resolver, com approvação do ministro; que algum dos seus vogaes seja encarregado de visitar extraordinariamente um ou mais estabelecimentos industriaes. N'este caso abonar-se-lhe-ha a ajuda de custo do 2$500 réis diarios, alem do subsidio de marcha.
§ 2.° Ao inspector industrial cujo relatorio for considerado mais graduado poderá o governo conceder um premio de 100$000 réis.
§ 3.° O relatorio do conselho será publicado com os documentos necessarios para a sua illucidação.

CAPITULO XI

Penalidades

Art. 41.º Os inspectores, os vogaes da commissão districtal e os vogaes do conselho superior do commercio e industria, não divulgarão os segredos industriaes que porventura venham a conhecer no exercido do seu cargo, sob pena de demissão e de responderem criminalmente nos termos do codigo penal, e civilmente por perdas e damnos.
Art. 42.° O director, patrão ou seu representante, que admittir na industria; menores fóra das condicções d'esta lei, será punido com a multa de 10$000 a 90$000 réis por cada menor que tenha admittido.
§ 1.° O director, patrão ou seu representante, que infringir as outras disposições d'esta lei ou dos seus regulamentos, será punido com a multa de 1$000 a 20$000 réis por cada contravenção, conforme a gravidade do caso.
§ 2.º O director, patrão ou seu representante, que não cumprir os preceitos do inspector exarados no livro de visita-a que se refere o artigo 26.°, ou mandados exarar n'elle por officio, será punido com a multa do paragrapho anterior. Se da falta de cumprimento resultar impossibilidade de trabalhar para o menor, este continuará a receber do estabelecimento industrial o salario pelo tempo que durar a impossibilidade.
Art. 43.° No caso de reincidencia, verificada nos termos do codigo penal, as multas serão de valor duplo do determinado no artigo 42.°
§ unico. O juiz poderá aggravar a pena, no caso de reincidencia, ordenando que seja publicada á custa do reincidente a sentença condemnatoria em alguns dos jornaes mais lidos, e que seja tambem affixada no estabelecimento em logar bem publico.
Art. 44.° Os directores, patrões ou seus representantes serão admittidos a provar judicialmente que á infracção resultou de erro nos attestados ou nas cadernetas, por conterem falsas indicações. N'este caso serão isentos de pena; mas os falsarios e os cumplices serão punidos nos termos do codigo penal.
Art.º 45.° Os directores, patrões ou seus representantes que não franquearem os seus estabelecimentos ás visitas e á inspecção de que trata esta lei ou se oppozere ao disposto, nos artigos antecedentes, serão processados, como desobedientes aos mandados da auctoridade publica.
Art. 46.° Os professores que não cumprirem o disposto no artigo 31.° e § 1.º do artigo 32.°, serão punidos coma multa de 1$000 a 20$000 réis, ou com a deducção correspondente nos seus ordenados.
Art. 47.° Se o menor não apresentar com regularidade, a sua caderneta ou d'ella constar que faltou muitas vezes á escola, sem motivo justificado, o patrão pagará por elle até 2$000 réis, que lhe descontará no salario. N'este caso o patrão ou menor poderão dar prova em contrario.
Art. 48.° A fórma do processo para as contravenções d'esta lei será a seguida nas contravenções de posturas municipaes; as multas assim impostas, e as respectivas custas judiciaes, serão cobradas executivamente, servindo o estabelecimento de garantia.
Art. 49.° As contravenções prescrevem nos termos do codigo penal.

CAPITULO XII

Disposições geraes

Art.º 50.° As disposições d'esta lei comprehendem os menores admittidos como aprendizes, ha parte que lhes for applicavel.
Art. 51.° Os menores encontrados nos estabelecimentos industriaes serão considerados, como empregados n'elles, salvo prova em contrario.
Art. 52.° O producto das multas comminadas n'esta lei será entregue á caixa de reformas de que trata o decreto n.° 2 de 17 de julho de 1886, e constituirá receita da mesma caixa.
Art. 53.° O governo, ouvido o conselho superior do commercio e industria, publicará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.
Art. 54.° Os menores existentes nos estabelecimentos industriaes ao tempo da publicação desta lei, n'elles poderão continuar, qualquer que seja a sua idade, comtanto que se observem as outras disposições, na parte que lhes forem applicaveis.
Art. 55.° Fica revoga da a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas commercio e industria, em 29 de julho de 1887. = Emygdio Julio Navarro.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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