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SESSÃO NOCTURNA DE l DE JUNHO DE 1888
Presidencia do ex.mo sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Secretarios os ex.mos srs.
Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral
SUMMARIO
Não houve correspondencia.- Approvada a acta, entra-se na Ordem da noite (orçamento rectificado). Conclue o seu discurso, principiado na sessão de dia, o sr. Carrilho, relator. - Segue no uso da palavra, até se encerrar a sessão, o sr. Teixeira de Vasconcellos.
Abertura da sessão- Ás nove horas da noite.
Presentes á chamada 49 srs. deputados. São os seguintes: - Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Baptista de Sousa, Moraes Sarmento, Mazziotti, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Conde de Castello de Paiva, Eduardo Abreu, Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Goes Pinto, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.) Freitas Branco, Francisco de Barros, Francisco Machado, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, João Arrojo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Alves de Moura, José Castello Branco, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, Alpoim, Rodrigues de Carvalho, José Maria dos Santos, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Julio Pires, Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Pedro Monteiro, Vicente Monteiro e Visconde de Silves.
Entraram durante a sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Serpa Pinto, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Augusto Ribeiro, Barão de Combarjua, Lobo d'Avila, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Mattoso Santos, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, Eça de Azevedo, Elias Garcia, Figueiredo Mascarenhas, Abreu e Sousa, Vieira Lisboa, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Marianno de Carvalho, Martinho Tenreiro, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Pedro Victor, Dantas Baracho é Estrella Braga.
Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Moraes Carvalho, Alfredo Brandão, Antonio Castello Branco, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Fontes Ganhado, Jalles, Barros e Sá, Augusto Fuschini, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Conde de Fonte Bella, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Jorge O'Neill, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Laranjo, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Ferreira Freire, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Simões Dias, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno Presado, Matheus de Azevedo, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião Nobrega, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.
Acta - Approvada.
Não houve correspondencia.
ORDEM DA NOITE
Continuação da discussão do orçamento rectificado
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Carrilho para continuar o seu discurso.
O sr. Carrilho: - (O discurso será publicado, em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas:}
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - No que vou dizer relativamente ao parecer sobre o orçamento rectificado, de modo algum posso ter a pretensão de responder ao discurso do meu illustre collega e amigo o sr. Carrilho.
S. exa. tratou a questão colonial sobre diversos aspectos, e com a proficiencia que todos lhe reconhecemos por que a camara de ha muito aprecia a largueza e vastidão dos seus conhecimentos; e no modo attencioso com que foi ouvido está uma das provas mais completas e indiscutiveis de quanto ella reconhece o seu talento. (Apoiados.) No discurso de s. exa. ha uma nota fogosa, ardente, apaixonada e vehemente; aquella que mais callou no meu animo e mais prendeu o meu espirito, foi quando s. exa. repelliu cheio de uma sã e patriotica indignação a idéa apresentada pelo sr. Ferreira de Almeida sobre a conveniencia da alienação de uma certa e determinada parte do nosso territorio colonial.
Ninguem mais do que eu aprecia os sentimentos patrioticos do meu illustre collega o sr. Carrilho, ao rebater o pensamento manifestado com tanta convicção c desassombro pelo meu illustre collega e distincto amigo Ferreira de Almeida; todavia é justo e nobre fazer-se justiça ao caracter integro e ao patriotismo nunca desmentido de um official que pela sua coragem e illustração bem merece do paiz e da corporação a que serve e a que honra. (Apoiados.}
S. exa. devia pelo menos reconhecer que uma nobre convicção e uma rara coragem inspiraram no meu dilecto amigo uma idéa que muitos sentem boa, mas que raros se atrevem a apresental-a. (Apoiados.)
Como v. exa. sabe está idéa não é nova. Póde não merecer premio de invenção o seu auctor; mas se o merecesse, quem o obtinha certamente eram as Novidades quando na opposição expunham e defendiam a necessidade de pôr o nosso dominio colonial em harmonia com os nossos recursos e forças. Já vê v. exa. que a idéa tem sequazes em todos os partidos, e que ella, se por um lado desagrada e repugna ao sentimentalismo nacional, agrada e convem áquelles que, de animo sereno e despreoccupado, Vêem malbaratado e perdido um dominio vastissimo e com elle os recursos da metropole, só porque a dissimulação dos nossos esforços não permitte concentrar e empregar melhor a nossa acção do nação colonisadora. (Apoiados.)
Em todo o caso, o qualquer que seja o julgamento da opinião, o que é certo é que a idéa da alienação partiu da
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um dos orgãos mais distinctos do partido progressista. (Apoiados.)
Não serei eu que censure a rude franqueza e a notavel coragem com que aquelle jornal na imprensa, e algumas vezes na tribuna parlamentar, tem apresentado e defendido uma idéa que é certamente sensata, mas que não é, nem póde ser por emquanto, sympathica ao sentimento nacional. (Apoiados.)
Em todo o caso, o problema seguirá a sua ovulação natural e o tempo e a reflexão e as lições da experiencia talvez dêem rasão áquelles que, por ora, só têem por si a sinceridade das suas convicções e o desejo puro e honesto de bem servir o seu paiz. (Apoiados.)
Meditemos sobre o assumpto e talvez que um dia acceitemos uma solução que n'este momento julgâmos até criminosa.
Será cavalheiroso e nobre o apego á herança tão caramente comprada pelo esforço gigantesco dos nossos antepassados, mas tambem será prudente e patriotico não sacrificar a metropole á manutenção de um imperio ultramarino que nos absorve e empobrece. (Apoiados.)
V. exa. sabe melhor do que eu que despezas enormes, que applicação de capitaes não é necessario empregar, para collocar uma vastissima região colonial em circumstancias de prosperidade e de desenvolvimento economico, que não só produzam a felicidade dos indigenas, como promovam e facilitem o engrandecimento da metropole. (Apoiados.)
Ultimamente todas as nações da Europa têem procurado ou alargar, ou alcançar para si territorios coloniaes; e esta necessidade deriva das necessidades industriaes em que hoje só encontram quasi todos os povos da Europa. Procurar novos mercados, onde vasem o excesso da sua producção industrial, é o unico mobil que leva as nações á creação das colonias. (Apoiados.)
Ainda não ha muitos annos todas as nações eram mais ou menos tributarias da industria ingleza; a aprendizagem não estava feita e a Inglaterra encarregava se, só ella, de abastecer com os seus artefactos todos os mercados europeus.
N'estas circumstancias, nem ella precisava de alargar o seu dominio colonial, nem as nações continentaes experimentavam a necessidade de o crear. (Apoiados.)
Hoje as condições industriaes mudaram com o desenvolvimento da sciencia e com a abundancia dos capitaes; a emancipação realisou-se e a superabundancia da producção leva todos os paizes á procura de novos mercados. (Apoiados.)
Assim, d'esta corrente de idéas nasce o desejo ardente com que as nações procuram não só alargar o seu territorio colonial, como conquistal-o áquellas que o não tem.
Mas o que é certo é que esta tentação, que é tanto mais forte emquanto não se realisa e transforma em factos, depressa se desvanece e se transmuda em profundo desanimo e decidido arrependimento. (Apoiados.)
E em todos os tempos, desde o velho do Restello, e em todos os paizes têem apparecido espiritos levantados que condemnaram estas tentativas pelos graves encargos que trazem para as nações esses territorios, em que é necessario despender grandes esforços e grandes capitaes para que elles floresçam e se tire d'elles o proveito que ha a esperar.
N'estas circumstancias não é de admirar que, lançando ou olhos pelo nosso immenso e ainda desconhecido territorio colonial, muitos espiritos se sobresaltem, e investigando quaes as condições economicas da metropole, quaes as condições da sua população, qual o estado florescente da sua industria, cheguem a compenetrar-se de que nos faltam as forcas precisas para uma tão desproporcional empreza.
E tanto os que assim pensam, julgam e apreciam bem as cousas, que voluntaria ou involuntariamente nós vamos deixando que nos reduzam, sem compensações, a extensão do nosso dominio. (Apoiados.)
Os ultimos tratados feitos com a Allemanha, a França e a Inglaterra, não significam senão alienação de territorio por uma fórma diplomatica, sim, mas ficámos sem elles. (Apoiados.)
Ainda, como os morgados empobrecidos, preferimos enriquecer os outros com a nossa pobreza a remedeiar as nossas fraquezas com as dadivas dos outros. (Apoiados.)
Agora vou entrar propriamente na ordem de considerações que me proponho apresentar á camara sobre uma questão que, para mim, é no momento actual de uma grandissima importancia.
Na primeira parte do meu discurso vou tratar do serviço das matrizes, e procurarei lançar mão de uma argumentação singela e despida de qualquer espirito partidario, para ver se consigo que o illustre relator do projecto, já que não vejo presente o sr. ministro da fazenda, acceite as propostas que hei de mandar para a mesa e do cuja adopção resultará, quero crel-o, um notavel melhoramento n'este serviço.
Não são desconhecidas da camara as luctas e difficuldades [...ilegivel] da a ordem que se têem levantado em differentes pontos do paiz contra a execução do serviço da reforma das matrizes.
V. exa. e a camara sabem que ao sul do paiz se fez essa reforma sem protestos, pacifica e regularmente, e ao contrario, no norte, esse serviço encontrou grandes difficuldades, e em alguns pontos dificuldades de tal ordem que o sr. ministro da fazenda teve de ceder diante d'ellas e suspender esse serviço.
Propondo me tratar esta questão, o primeiro dever foi estudar não só a lei de 1880, mas o regulamento de 1881; examinei disposição por disposição, artigo por artigo, para ver se n'essas disposições, n'esses artigos estariam as causas de perturbação que se deu na execução d'este serviço. Vi que o regulamento, embora seja imperfeito, embora contenha disposições com as quaes não me conforme, e de certo com ellas se não conforma igualmente a opinião geral dos interessados, não é a origem unica, e a unica fonte das resistencias que se levantaram contra a execução d'este serviço. Se porém, não está no regulamento, devia estar em alguma parte e facil é, pensando um pouco sobre o modo como essa reforma e esse trabalho se fazia nas differentes localidades do paiz, encontrar as causas que fizeram levantar resistencias bastante grandes e poderosas. (Apoiados.)
(Interrupção.)
Temporariamente, do accordo. Foram suspensas temporariamente, mas claro é que desde que essas suspensões se deram, necessario se torna que alguma cousa se faça para que o servido continue a ser feito sem novos protestos.
Não basta suspender um serviço quando as reclamações dos povos se levantam contra elle; o que se torna sobretudo necessario e urgente é regulamentar esse serviço e organisal-o por fórma que todos os interesses sejam protegidos e todos os direitos salvaguardados. (Apoiados.)
Só assim é que o illustre ministro conseguirá levar a bom termo este serviço sem levantar contra si a animosidade dos que têem os seus direitos offendidos. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Carrilho.)
Eu não tinha conhecimento...
(Interrupção do sr. Carrilho )
Perfeitamente, mas s. exa. sabe que tendo sido interpellado o sr. Marianno de Carvalho n'esta camara sobre o assumpto pelo meu distincto amigo João Arroyo, s. exa. nada disse sobre as modificações que pretendia estabelecer n'este serviço. (Apoiados.)
Fez um pouco do espirito sobre as queixas tão vigorosamente manifestadas na representação de Marco de Canavezes e que deu origem ao debate parlamentar levantado pelo sr. Arroyo, e mais não disse, a não ser a promessa sempre feita e sempre banal do que mandaria estudar o negocio para providenciar. (Apoiados.)
O sr. Carrilho: - Não só tinha mandado estudar o as-
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sumpto, mas, mais do que isso, disse qual era a natureza das providencias.
O Orador: - Se me satisfazem em parte as declarações do illustre relator, não me satisfazem inteiramente.
As reclamações sobre o serviço das matrizes foram levantadas n'esta camara pelo illustre deputado o sr. João Arroyo.
N'esta occasião o illustre ministro da fazenda declarou com uma grande facilidade de palavra que estava prompto a attendel-as n'aquillo que n'ellas houvesse de justo e s. exa. affirmou mais que seria o primeiro a communicar as alterações que tivesse julgado conveniente mandar fazer no processo de reforma das matrizes, de modo que o parlamento podesse saber como se tinha resolvido este importante assumpto. De mais a mais é certo que quando o meu illustre amigo o sr. João Arroyo, a proposito de uma representação mandada e assignada por todos os cavalheiros de Marco de Canavezes para ser entregue a Sua Magestade El-Rei, levantou a questão das matrizes, respondeu-se-lhe que seria melhor tratar a questão pelo seu lado legal quando se discutisse o orçamento rectificado. (Apoiados.)
Trazido a este campo pela indicação feita pelo sr. Marianno de Carvalho, vou procurar, pela analyse da lei e do seu regulamento, provar a urgencia da sua modificação em harmonia com os desejos dos povos e os principios do direito e da justiça. (Apoiados.)
O regulamento de 1881 contém uma disposição com que me não conformo, disposição é certo que podia ser bastante modificada, se se tivessem respeitado outras disposições consignadas n'elle, mas que infelizmente não só não foram respeitadas, mas foram inteiramente postas de parte. (Apoiados.)
O regulamento de 1881 determina no artigo 50.º que a nomeação dos louvados seja feita pelos inspectores de fazenda.
Esta determinação não só offende os direitos de uma das partes que devem ser attendidas e devem ter voz no conselho formado pelos louvados e pelos secretarios das matrizes, mas enferma a idoneidade do pessoal pela sua origem viciosa. (Apoiados.)
V. exa. sabe que os escrivães de fazenda, e n'esta opinião que eu vou manifestar, já fui prevenido pelo sr. ministro da fazenda n'um decreto, em que, referindo-se a estes empregados, s. exa. descrevendo a situação dolorosa em que elles se encontram perante a pressão que sobre elles pretendem exercer as influencias politicas locaes, tirou d'esta situação a conclusão seguinte: Se resistem sujeitam-se ás transferencias, á sua collocação n'um logar inferior, qual seja o de addido das repartições do districto, ou então têem de submetter-se inteiramente aos caprichos e determinações quasi sempre injustas da politica facciosa. (Apoiados.)
Esta opinião de s. exa. está escripta, e eu abono-me com ella para a ordem de idéas que vou apresentar.
Se a opinião do illustre ministro é verdadeira, e ninguem duvida que o seja, o artigo 50.° do regulamento das matrizes não só não attende ao principal objectivo do legislador, quando apresentou a proposta de lei de 1880, o qual era destruir as desigualdades vexatorias e iniquas que se notavam e são conhecidas de todos nas actuaes matrizes, mas ao mesmo tempo não consegue que as propriedades sejam louvadas pelo seu justo valor, de modo a salvar os interesses da fazenda e ao mesmo tempo a não deixar os direitos dos contribuintes sob a pressão das influencias politicas locaes. (Apoiados.)
A condemnação d'este artigo está, fundamentada sobejamente nas opiniões do illustre ministro sobre a independencia dos empregados de fazenda. (Apoiados.)
Depois, n'este serviço não ha apenas a attender os interesses do estado; ha tambem a attender os interesses do contribuinte, e esses interesses nem são menos valiosos nem devem merecer menos a attenção dos poderes publicos do que os interesses da fazenda; isto é evidente e é claro, e está em perfeita harmonia com o que pensava o ministro que referendou o decreto de 1881, por isso que a par dos louvados nomeados pelos empregados de fazenda collocou os informadores locaes ou parochiaes, nomeados pela junta fiscal. (Apoiados.)
Se lermos o artigo 72.º do regulamento, vemos que s. exa. não confiando de mais na capacidade dos empregados de fazenda para fazerem uma escolha idonea e capaz, tratou de collocar junto de cada grupo de louvados e com attribuições largas e proeminentes, os informadores parochiaes; mas d'esta disposição nunca os empregados de fazenda lançaram mão, nunca fizeram uso d'ella. Esta garantia concedida pela lei aos proprietarios nunca foi posta em execução. (Apoiados.)
Por isso, e porque estas irregularidades se deram na execução de um serviço importantissimo e grave, tão grave que as resistencias se levantaram e as violencias se manifestaram em alguns concelhos e só desappareceram quando os empregados de fazenda resolveram fazer o serviço a contento de todos, é que eu entendo que, sem se evitar essas irregularidades, nada se fará de bom.
Ora, transigir e contemporisar sem condições, sob a influencia de um interesse de momento, é não só desmoralisar os povos, mas collocar em almoeda os favores do governo, sempre oppostos aos interesses do paiz. (Apoiados.)
Verdade é que esses favores foram concedidos quando o serviço das matrizes coincidiu com o periodo eleitoral. E nós sabemos quanto a necessidade de fazer vingar candidaturas obriga os governos a obtemperar com as imposições, embora injustas, para conseguir o principal desideratum dos governos constitucionaes cá da terra, e que consiste em forjar uma maioria submissa, cega e surda que vote sem reparos, nem duvidas. (Apoiados.)
Ha tambem n'este regulamento uma disposição perfeitamente liberal e de que nunca se fez uso, apesar d'ella fazer parte de um artigo da lei de 1880, e de estar clara e largamente desenvolvida em 1881. (Apoiados.)
(interrupção ao sr. Carrilho.)
Claro é que eu não fui nomeado pelo governo inspector geral das matrizes, e por isso não posso asseverar que este serviço fosse organisado do mesmo modo e com os mesmos vicios em todos os concelhos do paiz; mas basta que a lei não tivesse sido cumprida em um só concelho para eu ter direito a queixar-me e a reclamar. (Apoiados.} Para mim basta que eu possa asseverar que em alguns concelhos de que tenho conhecimento, estas disposições nunca foram executadas para ter direito de censurar o governo. (Apoiados.)
(Interrupção.)
V. exa. comprehende que, não tendo eu sido nomeado inspector geral das matrizes, não tenho obrigação de conhecer o modo como este serviço correu em todo o paiz, mas basta-me poder asseverar que, pelo menos, em um concelho, estas disposições não tiveram applicação para que eu possa insurgir me contra este serviço.
Esta garantia, que está consignada nos artigos 12.°, 13.°, 72.°, 73.° e 74.°, é a que se refere á organisação das juntas fiscaes das matrizes e ás suas directas attribuições na confecção d'este trabalho. Este elemento, activo e liberal pela sua origem, tem sido completamente postergado pelos inspectores e mais empregados de fazenda cem grave prejuizo da justiça e offensa evidente da lei, embora com aprazimento d'aquelles que estimam mais serem os unicos arbitros em julgamento tão grave e serio. (Apoiados.)
Estas juntas tinham o direito de nomear os informadores parochiaes e tinham o direito tambem de os nomear quando elles mostrassem que não eram informadores conscienciosos e illustrados.
Alem d'estas, tinham outras attribuições muito importan-
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tes que ficaram lettra morta por culpa dos agentes do governo. (Apoiados.)
Assim, esta disposição cordata, liberal e bem pensada e que era uma garantia a favor do contribuinte, não se cumpriu, o que nada encommedaria o governo se porventura o povo não protestasse resolutamente contra as violações commettidas apropositadamente na execução d'este trabalho. (Apoiados.)
Se a escolha do pessoal tivesse sido feita com o maximo escrupulo e com o sincero desejo de apurar individuos aptos e competentes pelo conhecimento especial d'este serviço, claro é que não se justificavam nem existiriam as resistencias que se levantaram, nem os protestos que surgiram na maior parte dos concelhos do paiz, e que chegaram a ter um echo forte e vehemente n'esta casa. (Apoiados.)
A primeira condição para uma boa nomeação, é ter todas as garantias de independencia e de competencia o individuo que tem de a fazer. (Apoiados.)
Ora, de todos os que podiam legalmente ser incumbidos d'esta melindrosa funcção, os empregados de fazenda e os administradores do concelho são de todos os menos competentes e os mais suspeitos, uns pela falta de independencia e outros pela sua situação partidária e pelo habito em que estão de tudo fazerem politica mesquinha e vingativa. (Apoiados.)
Não ha muito tempo ainda que n'um documento dictatorial o sr. ministro da fazenda disse que os empregados de fazenda são o joguete das influencias politicas locaes. Pergunto eu então se n'estas condições elles têem a necessaria independencia para fazer uma escolha apropriada; de certo não ha ninguem em boa fé e sinceramente que possa dar uma resposta affirmativa. Depois o terreno preparou se bem, as demissões foram muitas, transferiram-se os escrivães de fazenda que mais conheciam as localidades pela sua permanencia n'ellas, e collocaram se outros como addidos nas repartições dos districtos; esses empregados foram logo substituidos por outros de nomeação recente e escusado é dizer que os filhos saíram todos do feitio do pae, (Riso) e tão bem corresponderam á confiança n'elles depositada, que dentro em pouco o paiz aggava-se, protestava e insurgia-se contra o nepotismo d'elles empregados que executavam todos as arbitrariedades em nome e por procuração dos senhores locaes, os administradores do concelho. (Apoiados.)
Isto era fatal desde que o illustre ministro da fazenda tanto se maguava, com a situação precaria, dos escrivães de fazenda; s. exa., por coherencia partidaria, devia ser o primeiro a fazer politica á custa d'elles, demittindo uns, transferindo outros e collocando o maior numero como addidos á repartições dos districtos; assim conseguia dar-lhe independencia, estabilidade e todas as mais condições que s. exa. julgava indispensaveis para os furtar aos vexames da politica local, (Apoiados.) Este procedimento inqualificavel devia produzir os seus fructos e produziu-os. (Apoiados.)
S. exa. recebeu o justo castigo das rasões que apresentava n'esta camara para justificar as violencias commettidas contra esta ordem de empregados. S. exa. dizia que a principal causa por que se tinha visto obrigado a demittir uns e a collocar outros como addidos ás repartições dos districtos, tinha sido a reconhecida incompetencia da maior parte d'elles para o serviço da revisão das matrizes. Pois a substituirão é fresca, (Riso.) pelos resultados que tem tido é magnifica. (Apoiados.)
Alem d'isso, como é possivel que esses empregados possam dentro de dois ou tres mezes conhecer em concelhos populosos qual é o pessoal que existe em todas as freguezias, illustrado, independente e com a reconhecida aptidão para uma execução boa, facil e conveniente d'este serviço? Não. Ainda que não peccasse por outro defeito, ainda que as resistencias ás imposições das auctoridades administrativas, que, são os representantes das paixões politicas nas differentes localidades, bastava a sua falta de conhecimento da população dos concelhos para não poderem fazer uma escolha boa e conveniente. (Apoiados.)
O que é certo e indubitavel é que o pessoal foi mal escolhido e o serviço ainda peior executado, o que se evidenceia pelas reluctancias que elle tem levantado e pelos attritos de toda a ordem, que têem difficultado a sua execução em todos os concelhos do norte do paiz.
É forçoso e é urgente mudar de systema o alterar profundamente a pratica, até agora seguida, se porventura o illustre ministro está resolvido, como creio, a respeitar os interesses dos proprietarios, sem de modo algum desproteger, os do estado.
É muito mau não obedecer á logica. E o sr. ministro da fazenda voltou-lhe as costas em vez de se abraçar a ella. (Apoiados.} S. exa. declarou que este serviço padecia dos mesmos vicios notados por elle no seu relatorio de fazenda, e onde diz clara e positivamente que a má arrecadação dos impostos provinha das nenhumas garantias que os empregados de fazenda tinham para resistirem aos desvarios dos mandões politicos.
Pois sabe v. exa. o que o sr. ministro faz? Anda com elles do norte para o sul. (Apoiados.) Muda-os de situação, fere-os nos seus interesses, e naturalmente faz tudo isto para lhes dar garantias. (Apoiados.)
Ora, com franqueza, não ha quem mude de opinião em tão curto espaço de tempo como o sr. ministro da fazenda! (Apoiados.)
É por isso que agora encontra attritos que o encommodam e observa resistencias que o affligem, e que se vê obrigado a ler protestos e representações que os homens mais honestos, independentes e honrados das differentes povoações dirigem ao governo contra a pessima administração d'este serviço. E s. exa. não tem rasões a dar, nem desculpas a formular. (Apoiados.)
S. exa. tanto reconheceu que a causa originaria d'esta anarchia mansa era sua, que, em vez de resistir, cede e transige; faz accordos com os recalcitrantes e deixa correr as cousas ao sabor dos queixosos.
Conhecido o remedio, facil é obter a cura dos males que uma administração desvairada tem lançado sem criterio nem escrupulos por sobre o corpo enfraquecido do paiz. (Apoiados.)
Elles promulgam leis absurdas, fazem regulamentos vexatorios, opprimem e desgostam a opinião com os seus processos facciosos e mal inspirados; mas o que é certo é que tudo isso desfazem, tudo engolem e de tudo se penitenceiam, quando as vozes se levantam e protestam e quando a opinião se agita e os encommoda. (Apoiados.)
E n'este ponto podemos fazer um estudo muito gracioso da marcha governativa do illustre ministro da fazenda, que foi classificado, na primeira sessão em que se apresentou como ministro d'estado n'aquellas cadeiras, como sendo um dos fortes do gabinete.
Ao sr. Marianno e ao sr. Navarro deu-se uma classificação á parte; eram os fortes, os energicos, os homens da grande iniciativa firme e denodada, não d'esta iniciativa insidiosa, flexivel e timida que avança um passo para recuar dois, mas d'esta que serve para experimentar os caracteres mais bem temperados e pôr a prova a firmeza das convicções e a energia indomavel da acção.
Pois se s. exas. eram os fortes da situação, a final de contas o que têem feito?
Recuar, transigir, enfraquecendo cada vez mais a gravidade e a seriedade do poder. (Apoiados.)
Não se está n'essas cadeiras para enfraquecer a úunica força capaz de sustentar e garantir a ordem, e com ella a inviolabilidade do poder.
Cabe a este governo, como uma das suas maiores responsabilidades, a de deixar escorregar para a praça publica a direcção dos actos que elle devia conservar intactos, não sacrificando a respeitabilidade do mando ás con-
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veniencias interesseiras que se usufruem com a permanencia nos conselhos da corôa. (Apoiados.)
Mas elles preferem ficar, embora humilhados e escarnecidos; pois fiquem, que ninguem lhes inveja a sorte. (Apoiados.)
Mas continuemos na ordem de ideas em que ía antes d'esta divagação me ter desviado do meu principal proposito.
Demonstrada á sociedade a origem viciosa da nomeação do pessoal empregado no serviço das matrizes, vou lançar mão ainda d'outro facto, contra o qual não ha argumentação que prevaleça; e é a propria escolha em si, a propria natureza do pessoal escolhido para este serviço.
Se eu podesse ter aqui uma lista d'esse pessoal, v. exa., sr. presidente, veria n'ella uma galeria variadissima de tons e cores de fazer pasmar. V. exa. havia de ver transformados em louvados de terras albardeiros, sapateiros, homens de todos os misteres e profissões, menos individuos educados no labor das terras; esses figuram n'esta galeria apenas como uma excepção.
E dizia um administrador, que pretendia justificar as nomeações extravagantes que tinham sido feitas: que hei de eu fazer? Elles pedem, votaram commigo; isto rende, e por conseguinte servem!
Estas rasões de ordem politica são as que valem; absurdas, mas verdadeiras. (Apoiados.)
Claro está que quando se trata da louvação das terras, os interesses dos amigos estão perfeitamente garantidos; os adversarios, é que pagam as complacencias havidas com os primeiros. (Apoiados.)
Mas lançados nós n'este caminho, o que acontece? É que ámanhã o partido regenerador sobe ao poder; as reclamações dos seus amigos apparecem; aqui no parlamento resolve-se uma nova reforma, porque a que foi feita pelo partido progressista foi para beneficiar os amigos e vexar os adversarios, e então está o partido regenerador no seu direito de se servir de uma arma que primeiro foi usada contra si.
E n'esta lucta intoleravel e desmoralisadora, os unicos que perdem são os homens honestos, que nem sempre são politicos. (Apoiados.)
Isto não póde ser, não é toleravel.
É necessario que um serviço d'esta ordem e d'estas consequencias, do qual dependem não só os interesses do thesouro, como os direitos e os interesses dos contribuintes, é necessario que seja feito com o maximo escrupulo, e tendo por base a maior somma de justiça e de verdade. (Apoiados.)
Não imagine v. exas., sr. presidente, que eu advogo a legitimidade de uma lucta incessante e esteril de partido contra partido em uma questão d'esta gravidade. Deus me livre de apresentar similnante idéa.
O que eu quero, e o que eu peço ao governo e ao parlamento, é que as leis, de hoje por diante, sejam de tal modo inviolaveis e inflexiveis, que ninguem as possa alterar em proveito seja de quem for. (Apoiados.)
Já mencionei algumas omissões na execução da lei e do regulamento; mas a tarefa ainda não terminou. As violações da lei são muitas e, cousa notavel, todos os artigos que foram desprezados por aquelles a quem foi incumbida a direcção d'este trabalho, foram os que melhor garantiram os direitos dos contribuintes. (Apoiados.)
N'estas condições se encontra, por exemplo, o artigo 41.°, que se refere ás informações espontaneas e voluntarias prestadas pelos proprietarios. Pois podia alguem informar melhor os empregados de fazenda dos seus valores, da importancia da sua materia collectavel ou do seu rendimento liquido, do que o proprio proprietario? (Apoiados.)
Pois essas informações que pelo regulamento devem ser pedidas aos proprietarios, nunca lhes foram exigidas!
Depois, a occasião para este serviço pela sua indole, pela sua natureza, pelo sobresalto que produz em todos aquelles que vêem mais ou menos ameaçados de um aggravamento os encargos que são já demasiadamente pesados, é mal escolhida e póde dar de si perigosos resultados, se porventura a brandura e a rectidão da execução não tranquillisar os espiritos e não lhes fizer conhecer que as intenções do governo e dos seus delegados são levar ao fim este serviço, sem animo declarado de crear difficuldades novas e de aggravar as circumstancias do contribuinte. (Apoiados.)
São bem conhecidas as difficuldades com que a agricultura nacional lucta em todos os pontos do paiz, qualquer que seja a região, qualquer que seja o ramo de producção que se aprecie. É bom conhecida de todos a depreciação constante e cada vez maior dos productos cerealiferos na região do sul do paiz, como é bem conhecida a decadencia da industria pecuaria, um dos primeiros factores da prosperidade agricola nas regiões do norte.
Todos nós sabemos que, ainda não ha muitos annos, se desenvolveu rapidamente e em termos muito auspiciosos a industria da engorda do gado bovino e a da sua exportação para os portos de Inglaterra, e hoje, póde dizer-se com tristeza que esse commercio, se não está extincto inteiramente, está em todo o caso em circumstancias verdadeiramente lastimaveis. (Apoiados.) E se este ligeiro quadro é verdadeiro e nada exagerado, claro é que não o devemos aggravar com a má execução de um serviço que póde produzir grandes desigualdades e grandes vexames. (Apoiados.)
Se alguma cousa podia auctorisar e justificar a urgencia da lei de 1880 e a execução rapida e prompta do regulamento de 1881, era a necessidade urgentissima de destruir as gravissimas desigualdades que pejavam as antigas matrizes, e que representavam não só uma injustiça flagrantissima, mas tambem para muitos proprietarios um gravame e um onus vexatorio e insupportavel.
Essas desigualdades são revoltantes, e reclamam um remedio rapido e efficaz.
Mas os factos que se têem passado nunca poderão concorrer para a destruição d'estas injustiças tão graves. (Apoiados.)
Ha porém um meio de o conseguir, e é esse que eu, proponho, não dizendo entretanto que seja o melhor; em todo o caso penso que se a minha proposta for approvada, o serviço terá de correr de um modo mais regular, mais equitativo e menos violento para os proprietarios.
Eu vou ler a minha proposta, e peço para ella a attenção do illustre relator, que n'esta occasião é o representante do sr. ministro da fazenda, alem de ser um dos membros mais distinctos da commissão de fazenda, que de certo terá de dar parecer sobre as propostas que tenho de mandar para a mesa.
A proposta que eu vou ler á camara é a seguinte:
(Leu.)
O pensamento que me animou a organisar esta proposta, n'estes termos e n'este sentido, foi o dar tambem aos interesses do estado, uma justa garantia que sem duvida se acha perfeitamente assegurada com a intervenção do escrivão de fazenda, do conservador, do juiz de direito, e do delegado do procurador regio na escolha dos individuos encarregados da louvação, inscripção e descripção dos predios nas matrizes. (Apoiados.)
N'uma questão d'esta ordem, o principal desideratum de todos os cidadãos, é que se faça uma escolha de pessoal bom, e o exito d'elle depende inteiramente dos individuos, encarregados de a fazerem.
V. exa. sabe muito bem que, se porventura os sete membros que têem de ser eleitos pelos quarenta maiores contribuintes, e que têem de fazer parte da junta da reforma das matrizes, não procurassem dirigir os trabalhos em harmonia com os interesses de ambas as partes, lá estavam os representantes do governo, o juiz, o conservador, o escrivão de fazenda e o delegado do procurador regio, que
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necessariamente haviam de protestar ao verem que os quarenta maiores maiores contribuintes tão mau uso faziam das garantias que a lei lhes dava. (Apoiados.)
A modificação por mim apresentada ao artigo 3.°, completa o principio e o modo de organisação da commissão que acabo de ler á camara.
Este artigo 3.° diz o seguinte:
(Leu.)
Não me parece que estas propostas deixem de ser acceitas pelo espirito esclarecido do sr. ministro da fazenda, e que deixem de ser recebidas com calor e com o enthusiasmo proprio do seu temperamento meridional pelo illustre relator o sr. Carrilho, por isso que se contem n'ellas um principio profundamente justo e emminentemente liberal. (Apoiados.)
Uma das condições mais indispensaveis para que este serviço se faça o mais rapido e mais convenientemente possivel, é com certeza fazer desvanecer em todos os interessados qualquer espirito de desconfiança e de resistencia.
Ora, v. exa. comprehende muito bem que um pessoal incompetente e influenciado desde a origem pelo espirito partidario, não pôde ser recebido pelo proprietario com a confiança e com a tranquillidade com que ha de ser recebido de certo o pessoal emanado da livre escolha da classe dos quarenta maiores contribuintes do concelho. (Apoiados.)
Por esta organisação ficam não só assegurados interesses individuaes, como tambem os interesses geraes do thesouro. (Apoiados)
Cada parte interessada tem os seus legitimos representantes n'esta conselho superior de revisão e na ponderação d'este dualismo de direitos, está com certeza resolvido o triumpho da justiça, até hoje postergada pela ignorancia, ou o que é prior, pelas más inspirações da politica. (Apoiados.)
Temos n'esta commissão directora representado o elemento popular e o elemento official.
Se o primeiro da garantias ao povo, o segundo não as deve dar menos ao governo. (Apoiados)
Realmente, a não ser se queira fechar olhos á rasão e á justiça não vejo com que argumento se possa combater as modificações que acabei de ler á camara.
O argumento com que o illustre ministro da fazenda justifica a bondade da lei, a bondade do regulamento, e dos processos até hoje seguidos era o facto notado por s. exa. d'este serviço se ter levado a cabo nas provincias do sul, sem os protestos e as reclamações, que mais tarde se levantaram nos concelhos do norte do paiz!
Mas este argumento tem pouco valor, se se attender a que as duas regiões são perfeitamente diversas e perfeitamente distinctas pela natureza da sua producção, como pela constituição uniforme do seu solo que se traduz na uniformidade das culturas e na pequena variabilidade dos forças productivas dos terrenos.
A apreciação do rendimento e da despeza de cultura é facil e nada admira que os trabalhos ahi corressem um pouco melhor. (Apoiados.)
Alem d'isso, tendo se alargado ultimamente extraordinariamente a cultura da vinha, facil era augmentar a materia collectavel, sem aggravar a existente. (Apoiados).
Para que o fisco se desse por satisfeito, e para que os louvados bem merecessem dos escrivães de fazenda, bastava áquelles e a estes inscrever e descrever as terras recentemente valorisadas. O fim a que se propunham, de augmentar a materia collectavel, conseguia-se o os proprietarios das velhas terras cultivadas não tinham de que se queixar, porque as suas circumstancias não peioraram e até em muitos casos melhoraram. (Apoiados.)
Ahi tem o illustre ministro mais uma rasão que explica sufficientemente a tranquillidade relativa com que foram feitas as novas matrizes nas provincias do sul. (Apoiados.)
A fazenda nacional viu augmentar os seus redditos e o proprietario não sentiu augmentar-lhe os sacrificios. (Apoiados.)
Eis em termos bem claros exposta a chave do segredo.
Mas acontece o mesmo no norte? Não. No norte, na apreciação do rendimento da terra, tem de se attender a circumstancias mais numerosas e mais variadas, tem de se attender primeiro á atitude das terras, á sua situação, disposição e exposição, como tem de se attender á sua constituição physica, á orographia da região, â pobreza ou abundancia de aguas, á abundancia de matas e á abundancia dos gados, pois que tudo isto são factores a computar para a avaliação da productibilidade da terra. (Apoiados.)
Ora, v. exa. sabe quanto é difficil apreciar todos estes elementos para que, qualquer individuo que não seja perfeitamente conhecedor dos terrenos que elle tem de louvar, possa fazer uma louvação sensata, regular e verdadeira. Alem d'isso, com esta minha proposta, não faço mais do que alargar o principio consignado no regulamento, como já fiz observar ao illustre relator, por isso que, nos artigos 72.°, 73.° e 74.º, se dá ás juntas fiscaes da reforma das matrizes não só o direito da nomeação dos informadores parochiaes, mas tambem a attribuição de os poder substituir quando elles pelo mau serviço se mostrem inhabeis para elle, ao mesmo tempo que tem tambem o direito de attender e resolver as reclamações dos proprietarios, ouvida a opinião dos informadores das freguezias. Ainda se concebe um pessoal mal educado, mal preparado para esta especie de trabalhos, quando elle tenha junto de si informadores locaes perfeitamente conhecedores de todos os elementos de apreciação para os guiar e dirigir; mas quando a organisação d'estas commissões parochiaes ficou letra morta, era natural que as consequencias fossem más, que o serviço feito por homens incompetentes desagradasse por não ser acceitavel, e por não representar a verdade. (Apoiados.)
Parece-me ter demonstrado claramente que os meus intuitos não miram a outro fim senão obter na execução d'este serviço da reforma das matrizes uma perfeição e approximação da verdade, que de modo algum se póde alcançar pelo systema segundo até hoje. (Apoiados.)
Conciliar todos os interesses, respeitar todos os direitos, é o fim unico a que visa a minha proposta.
Respeitar e salvaguardar os legíitimos interesses do estado sem offender nem postergar os direitos sagrados dos contribuintes, tal a aspiração que se contém nos termos da minha proposta. (Apoiados.)
E não podia ser outro o meu pensamento; nem o meu, nem o dos agricultores.
Esta classe, que, e de todas a que de melhor vontade se presta a fazer todos os sacirificios pela prosperidade e bem estar do paiz, recusaria concessões que tivessem por fim collocal-a em situação diversa das outras classes que compõem a sociedade portugueza.
Ella rejeita altiva favores d'esta ordem, mas o que exige com tenacidade e com firmeza é que justiça lhe seja feita, (Apoiados.) é que os seus interesses sejam attendidos e que não se lhe peçam sacrificios alem dos que são compativeis com as suas forças e com os seus recursos. (Apoiados.)
E como vejo que o sr. relator vem disposto a attender as minhas propostas, se n'ellas se contiver a quantidade de justiça que é necessaria para que ellas sejam, acceitas por s. exa. e pelo sr. ministro, passo a tratar de outros pontos do meu discurso.
Outra modificação que pretendo apresentar á consideração de s. exa. é a modificação ao n.° 6.° do artigo 11.° da lei de 1880.
Este numero diz o seguinte:
«Que nas avaliações se tome, quanto possivel, por typo a renda dos predios arrendados, escolhendo-se para cada localidade e para cada especie de predios, o arrendamento que melhor possa servir de modelo para as comparações,
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e tendo-se em vista não só a importancia da renda para o senhorio, mas tambem o producto liquido da exploração para o rendeiro.»
N'estas simples palavras encerra-se uma violencia extraordinaria, que é necessario que se risque de vez d'este regulamento, porque a conservar-se seria o seu eterno opprobrio, porque não só representa um vexame, como uma ignorancia completa do que seja economia rural.
Pois como é que se póde collectar duas vezes, e sob pretexto diverso, o mesmo rendimento? (Apoiados.)
Pois não sabe a camara que o rendimento collectavel determina-se pelo quociente da producção e pelo custeio do grangeio? (Apoiados.)
Como é que o custo da producção, que é a parte representada pelo rendeiro, póde soffrer uma tributação? De que natureza é ella?
É contribuição predial? É contribuição industrial?
Qual é a base para a apreciação d'este excesso de lucro, tirado pelo cultivador da terra, ou elle seja caseiro, ou parceiro ou rendeiro? (Apoiados.)
ual é o elemento de apreciação? Com franqueza não sei qual seja. É a reducção da parte do rendimento bruto a dias de trabalho? Mas esses dias de trabalho computados em salarios, irão alem do limite em que a contribuição industrial se apodera do rendimento para tirar d'elle uma determinada taxa para o thesouro? (Apoiados.)
O producto liquido da exploração para o rendeiro é calculado pelo que lhe fica depois de feitas as despezas com a exploração da terra, com a ferramenta de que faz uso e com a sustenção do gado de que precisa?
Quaes são os elementos de apreciação?
Quem organisa uma lei d'esta ordem e com uma determinação d'esta natureza, tem obrigação de dizer quaes as bases que o conduziram a um similhante proposito. (Apoiados.)
Esta minha estranheza é tão justa que, fazendo-se o parallelo do proprietario agricultor com o rendeiro ou com o caseiro, resalta a vantagem em que a lei colloca o agricultor proprietario comparada, com as desvantagens impostas ao rendeiro ou ao caseiro. (Apoiados.)
Vejâmos: os louvados vão apreciar o rendimento collectavel de uma propriedade. Qual é o processo a seguir?
O processo é a divisão da propriedade nas differentes classes de terreno, e segundo essas classes tem de se fazer um abatimento maior ou menor para a despeza do grangeio.
Em seguida deduz-se o custo da producção do rendimento liquido ou o que fórma a materia collectavel.
E n'esta hypothese, calcula-se porventura separadamente o producto ou o excesso liquido que o proprietario tira da exploração directa do predio, feita com o seu trabalho ou com o de gente assalariada? Não. (Apoiados.)
Logo a doutrina do n.° 6.° do artigo 11.° é injusta, é iniqua, é absurda e por isso insustentavel. (Apoiados.)
Alem de tudo o mais, é igualmente um attentado grave ás regras mais simples da sciencia agronomica.
Como se determina, pois, o rendimento collectavel? Determina-se separando do rendimento bruto o custo da producção. Ora, o custo da producção é representado pelos braços do caseiro, do rendeiro ou do parceiro; é representado pelos matos, pelo gado, pelos instrumentos de lavoura, pela casa de habitação e abegoarias, porque tudo isto não representa mais que os elementos indispensaveis e necessarios para a valorisação de qualquer propriedade.
Esta duplicação do imposto é portanto absurda e insustentavel em face da justiça, da rasão e da sciencia. (Apoiados.)
É necessario desconhecer os rudimentos de economia rural para que se estabeleça na lei um principio que nos leva á contradição acima apontada e, o que é peior, á extrema violencia de contribuir o trabalho mais rude e mais pesado, e certamente o mais mal remunerado. (Apoiados.)
Onde, e quando se viu que o caseiro ou o rendeiro lograsse á custa do seu trabalho e das suas economias tornar se proprietario ou capitalista?
Por que manifestação de riqueza se prova que o trabalhador rural tira da exploração da terra um rendimento liquido que elle accumule e capitalise? (Apoiados.)
Como se demonstra que elle, pelas condições da arrendamento feito, deve colher um lucro superior ás despezas do cultivo e ás necessidades da sua, aliás, mesquinha sustentação? (Apoiados.)
Indaguem-lhe das dividas e será então facil encontral-as. (Apoiados.)
São estas considerações tão justas, como sensatas, que me levara a propor a modificação do n.° 6.° do artigo 11.° da lei de 1880.
É bom saber-se, o não sei como se ignora, que estas familias agricolas chegam sempre ao fim do anno, quando elles são bons e regulares, unicamente sem perda de interesses; mas que nos annos maus e precarios, raro é chegarem ao fim sem graves compromettimentos, e sem grandes deficits que felizmente são remediados em grande parte pela benevolencia e pelos, sentimentos de equidade e de justiça dos senhorios, (Apoiados} que então se vêem obrigados a fazer grandes abatimentos mas rendas que os caseiros se sujeitaram a pagar. Nós, que sabemos a lucta terrivel que estas pobres populações suffrem para se furtarem á vergonha das dividas e ao pesadelo já tome, não podemos tomar a serio nem a dureza da lei, nem a leviandade dos legisladores. (Apoiados.)
Nós, que sabemos que as queixas dos proprietarios são grandes, continuas, clamorosas e repetidas, havemos naturalmente de imaginar criminosamente que aquelles que vivem em condições de uma enorme inferioridade, gosando uma abundancia de riqueza e de uma superabundancia de bem estar, têem a obrigação de entregar ás garras deshumanas do fisco aquillo que nem sempre lhes chega para se vestirem e alimentarem! (Apoiados.)
Isto é um escarnco! (Apoiados )
Se o proprietario lucta com difficuldades cravissimas, se o seu viver é sempre modesto e economico, se se desvia das cidades para não fazer despezas desnecessarias e para não comprometter os valores que lhe foram confiados por herança dos seus paes ou avós, o pobre caleiro, que se veste de verão com um pouco de linho mal tecido e aspero, e de inverno com uma saragoça que tem cardos e espinhos, elle que tem por alimento um pão mal fabricado e um caldo negro e mal adubado, ha de contribuir com a fome e a nudez para os desmandos dos governos e para a bambochata dos syndicateiros! (Apoiados.)
Isto é cruel! (Apoiados.)
Eu peço, pois, ao sr. relator que ponha de parte todas as minhas propostas, mas esta patrocine-a, e s. exa. terá, dado mais uma vez uma prova da largueza do seu animo e da grandeza do seu espirito. (Apoiados.)
Eu em assumptos d'estes sou socialista, não socialista das cidades, socialista eleitoral, ou opportonista mas socialista do coração. (Apoiados.)
Quero antes que se opprima os que podem luctar, do que se esmague aquelles que não podem, reagir. (Apoiados.)
E é por isso que, quando o sr. ministro da fazenda apresentou um projecto para se deduzir das percentagens lançadas aos districtos, como compensação dos encargos, que passaram para o estado a verba de 150:000$000 réis, eu disse a s. exa. que achava mais justo, mais util e mais conveniente deduzir ao pequeno contribuinte predial essa verba. (Apoiadas.)
V. exa. não imagina as difficuldades com que esta classe de contribuintes lucta. O pequeno proprietario é de todos os que trabalham aquelle que mais se approxima, pela modestia do seu viver e pela rudeza das suas occupações, ao lavrador caseiro (Apoiados.)
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Feliz d'elle se consegue á custa de sacrificios enormissimos conservar em suas mãos o pesadissimo encardo de uma gleba sobrecarregada com hypothecas e sujeita á oppressão de uma legislação tributaria deprimente e iniqua. (Apoiados.)
Outra modificação vou eu apresentar ao regulamento de 1881, e essa modificação diz respeito ao artigo 1.° do n.° 13, que vem naturalmente ao sabor da ordem de idéas que acabo de apresentar á camara.
Esta modificação tem por fim isentar da contribuição predial todos os predios cuja materia collectavel esteja inferior á taxa tributaria de 200 réis.
O artigo 3.° do regulamento diz:
«Os donos ou usufructuarios de um ou mais predios situados no mesmo concelho, quando a totalidade da contribuição, que houverem de pagar, seja inferior a 100 réis, são isentos do seu pagamento.»
Ora, sr. presidente, a minha modificação é perfeitamente justa e dispensa uma defeza larga.
Ha pouco apresentei as circumstancias gravissimas em que se encontram perante a tributação predial os pequenos proprietarios do paiz; justo é que se lhes façam estas concessões que me parecem equitativas e harmonicas com a legislação tributaria do paiz.
Na contribuição industrial, quando a taxa lançada sobre os productos ou os interesses d'essa industria, não dão um rendimento superior a 300 réis, esses productos é esses rendimentos ficam isentos do pagamento de contribuição industrial.
Porque se não ha de, pois, applicar este principio de justiça ao contribuinte predial?
Não é elle igualmente digno da protecção das leis e da benevolencia dos poderes publicos? (Apoiados.)
As difficuldades da crise que atravessa a lavoura não serão um argumento a mais a favor da minha proposta? (Apoiados.)
Uma outra modificação que vou apresentar refere-se ao § unico do artigo 58.° do regulamento de 1881, que diz o seguinte.
(Leu.)
Ora aqui está dentro de um pequeno periodo uma contradição resultante de dois pensamentos que brigam um com outro, e que mostra até certo ponto a ligeireza de animo com que foi confeccionado este regulamento. (Apoiados.)
No principio d'este § unico insinua-se que as casas de vivenda, as abegoarias, os celleiros, as adegas que servirem para exploração da propriedade, não constituem materia collectavel.
No fim do paragrapho sustenta-se que embora não lhes seja fixado rendimento collectavel especial, serão attendidos para a fixação do rendimento collectavel dos predios rusticos, a que pertencerem e cujo valor e rendimento augmentam.
No primeiro caso não lhes será fixado rendimento collectavel especial, salva a hypothese de estarem arrendados ou cedidos gratuitamente.
No segundo, os seus valores devera ser incluidos na louvação do predio rustico, para o effeito da formação da materia collectavel d'esse predio. (Apoiados.)
Isto é phantastico e só lendo-se e que se acredita! (Apoiados.)
Na primeira hypothese só pagariam contribuição andando arrendados ou cedidos gratuitamente.
No segundo, e ainda que não andem arrendados nem cedidos gratuitamente, têem de ser louvados, para em proporção do seu valor augmentarem o valor do rendimento do predio rustico, para o effeito do pagamento da contribuição!
Mas isto é serio? (Apoiados.)
Mas então só assim é que se sabe legislar n'este paiz, cuja civilisação é tão apregoada pelos líricos da imprensa? (Apoiados.)
Mas nós estamos na Europa, ou vivemos em algumas d'essas ilhas perdidas no segredo da Occania? (Apoiados.)
Mas isto não é legislar, é fazer uma cousa que se presta á rima, mas cujo nome não quero proferir. (Apoiados.)
Depois todos nós temos ouvido n'esta casa defender ardentemente e com argumentos valiosos a necessidade de promover e auxiliar a construcção de casas baratas, e em boas condições hygienicas, para os operarios da cidade. Eu tenho me rejubilado por ver que no nosso paiz as classes proletarias e miseraveis merecem a consideração e provocam as sympathias não só dos governos, como do parlamento. (Apoiados.)
Alguns projectos de iniciativa governamental e de membros d'esta camara têem sido apresentados, e de certo, em breve trecho de tempo, vêl-os-hemos convertidos em lei, para honra nossa e conveniencia d'essas classes tão dignas de protecção. (Apoiados.)
Eu applaudo sempre estas idéas; tão generosas como justas, e orgulho-me em pertencer a uma camara que tão bom proposito revela de profundar e resolver os mais graves problemas economicos sociaes. (Apoiados.)
Mas então é necessario ser justo e equitativo; mas então é necessario que lancemos as nossas vistas por essa multidão anonyma, trabalhadora e martyr, que povoa os nossos campos e lhe prestemos igualmente todo o auxilio, de que ella carece e toda a protecção de que ella é merecedora. (Apoiados.)
O operario da cidade soffre? Innevegavelmente. Quem o contesta?
Mas comparae um pouco a vida e os recursos do operario dos campos, com a vida e os recursos do operario das cidades, e vereis então se é justo que a lei pretenda favorecer a situação material d'este, emquanto por outro lado tolhe, por meio de uma disposição vexatoria e absurda, o progresso e o aperfeiçoamento das condições materiaes d'aquelle. (Apoiados.)
É necessario que se faça socialismo, mas para todos os que precisam dos favores e do auxilio do estado. (Apoiados.)
É necessario e é justo que se faça socialismo nas cidades e nos campos; em toda a parte emfim onde seja preciso destruir desigualdades que matam e minorar males que são uma injustiça social e um perigo para a propria sociedade. (Apoiados.)
É necessario que não haja uma aristocracia para os que são iguaes pelo trabalho e pelos soffrimentos tanto precisa de uma casa confortavel o operario da cidade como o operario dos campos. (Apoiados.)
Seja a lei justa e protectora para com todos e terá realisado o seu fim providencial. (Apoiados.)
Por isso eu condemno com toda a energia do meu espirito a doutrina do § unico do artigo 58.°, porque é e será para o futuro um estorvo serio para que os proprietarios melhorem as miserrimas choupanas em que actualmente vive a maior parte da nossa população rural.
Só quem não conhece essas pobres e escuras choças, penduradas dos pincaros das serranias ou plantadas nos reconcavos dos valles é que se lembraria de cravar as garras, do fisco nas suas paredes desconjuntadas. (Apoiados.)
É necessario, repito, que o socialismo não se desenvolva unicamente dentro dos muros das cidades; é necessario que abra as suas azas, e leve a sua acção benefica a todo o territorio portuguez; porque em toda a parte ha homens que soffrem e vivem mal.
Principiei dizendo que o artigo era contradictorio comsigo proprio, e agora é preciso dizer que é tambem contradictorio com a legislação do paiz.
Senão vejamos:
A lei da contribuição de renda de casas isenta da contribuição os predios que em Lisboa ou Porto são arrenda, dos por uma quantia inferior a 20$000 réis; de modo al-
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gum essa lei exige que paguem contribuição predial as installações agricolas.
Qual é pois a rasão por que este regulamento, em antinomia manifesta com a lei, exige quer e manda, que esses predios sejam valorisados e incluidos na materia collectavel dos predios rusticos, onde estão edificados e de que fazem parte? (Apoiados.)
Parece que ha por parte dos poderes publicos o animo firme de apressar uma crise, que será medonha se o governo não prover de remedio a absurdos d'esta natureza. (Apoiados )
Alem d'isso só quem desconhece a economia rural do paiz é que póde ignorar que a casa do caseiro, o palheiro, o celleiro, a adega e a abegoaria são instrumentos de producção, como o gado, o mato, as ferramentas de trabalho e os braços que as movem, que as animam e que d'ellas se servem. (Apoiados.)
Supprimi estes elementos essenciaes do trabalho e da producção, e vereis immediatamente decrescer o rendimento liquido da propriedade, e consequentemente o valor e a importancia da materia collectavel. (Apoiados.)
As propriedades d'esta natureza são um encargo necessario e fatal e nunca uma fonte da receita. (Apoiados.)
Creio ter demonstrado a injustiça d'esta disposição e as más consequencias que d'ella devem derivar.
Impedir por uma tributação impensada e criminosa que o proprietario melhore as condições materiaes do lavrador caseiro, é certamente condemnar a uma existencia sem conforto uma população cujos soffrimentos e resignação se devem impor ao reconhecimento de todos. (Apoiados.)
N'uma reunião da sociedade nacional de incitamento e protecção á agricultura de Nancy, o sr. Henze fez um quadro tristissimo da sorte dos caseiros. A maior parte, disse elle, habitam miseraveis choupanas. É uma situação que é necessario acabar. É conveniente e é justo consideral-os como associados e nunca como parias.
É assim que se pensa em França, onde o seu largo desenvolvimento economico não permittirá de certo que essas populações arrostem uma vida tão dolorosa, como aquella a que estão condemnados os nossos trabalhadores do campo. (Apoiados.)
Ora, transformar a miseria em materia collectavel, nunca lembrou a ninguem, a não ser áquelles que têem os olhos cerrados para os que soffrem, para os terem sempre abertos para aquelles que gosam de todas as aisances da vida. (Apoiados.)
Outro artigo curioso é o artigo 60.° do celebre e extraordinario regulamento, cuja purificação só se conseguiria lançando-o ao fogo. (Apoiados.)
O artigo 60.° diz:
«Na descripção de um predio em parte rustico e em parte urbano será especificada a renda respectiva a esta parte.»
Para que?! Qual é a materia, o elemento de riqueza ou os valores que constituem a contribuição predial? Não é o rendimento da terra?
Então para que só determinou a louvação especial e separada do predio urbano?
Não é bem sabido de todos que a maior parte d'elles são habitados por agricultores proprietarios, e que, n'este caso, elles são parte integrante do rendimento da propriedade, e como tal apreciado como um instrumento necessario e indispensavel para o amanho das terras, como e são as casas habitadas pelos caseiros? (Apoiados.)
Pois, n'estas circumstancias, não é o proprietario caseiro de si proprio?
Assim o que acontece é que um predio póde ser tributado duas vezes.
O louvado da contribuição predial, louva o rendimento liquido da terra, determina, por conseguinte, qual é a materia collectavel para o effeito da contribuição predial, mas ao mesmo tempo, aprecia separadamente qual o valor do predio urbano, que serve de habitação â familia que n'elle vive, para poder agricultar as suas terras; depois, o informador da freguezia, se lhe não é affeiçoado, ou pelo menos affecto á politica do proprietario, faz-lhe inscrever o predio no valor correspondente a uma determinada renda, e ahi temos uma duplicação de imposto vexatorio e oppressivo. (Apoiados.)
Ora esta anarchia tributaria, de que só não faz idéa quem não vive familiarisado com as leis, é que não póde continuar. (Apoiados.)
Só quem não conhece todos estes pequenos meios vexatorios de que a politica mesquinha das localidades lança mão, para opprimir e vexar, é que não sabe quanto esta falta do rigores de cautela nas disposições legaes traz para aquelles a quem as circumstancias do momento collocaram fóra da protecção das auctoridades locaes. (Apoiados.)
A minha modificação, por conseguinte, tem por em regular este artigo, do modo que não haja uma duplicação de imposto e de evitar qualquer vexame auctorisado na pouca precisão das leis.
Que a contribuição de renda de casa exija e reclame os seus direitos, onde a lei lh'o permittir fazer, muito bem; que a contribuição predial reclame o imposto que lhe é devido pelas leis do reino e em conformidade com a justiça, perfeitamente, estou de accordo; mas que se misture e se confundam as funcções das leis e se invada promiscuamente o campo de exploração de cada uma d'ellas, com grave injustiça e violencia para os contribuintes, é o que não pôde ser. (Apoiados.)
Quando, será emfim, que n'este paiz se ha de tratar com gravidade e escrupulo os assumptos serios de administração?
E querem ou fingem querer debellar uma crise, cuja intensidade se explica pela monstruosidade das leis tributarias e pelos regulamentos ainda mais monstruosos!
Isto não póde ser, nem deve continuar, sem que corramos o risco de vermos desapparecer da economia do paiz o elemento mais valioso da riqueza nacional. (Apoiados.)
Não esperemos que o mal desespere os espiritos menos soffredores, para cuidarmos a serio e com decidida vontade de um problema que contem em si a fortuna ou a ruina da patria. (Apoiados.)
Quanto ao artigo 81.°, não apresento modificação alguma, mas peço a sua eliminação completa.
O artigo 81.° do regulamento diz o seguinte:
«Para a fiscalisação do rendimento collectavel dos predios rusticos, a junta fiscal das matrizes, de que trata o artigo 114.°, determinará em quantas classes até tres deve ser dividido o terreno e estabelecerá em cada uma a percentagem dos abatimentos a fazer no rendimento bruto de cada cultura, por fórma que elle não possa ser superior a 40 por cento na 1.ª classe, 50 por cento na 2.ª classe, 60 por cento na 3.ª classe.»
Este artigo é curioso e toma-se notavel sobretudo pelo modo insidioso com que está redigido. Ao primeiro aspecto, parece que o legislador quiz entregar ás juntas fiscaes, isto é, á corporação nomeada pelas camaras municipaes, a faculdade de estabelecer as bases principaes sobre que deviam assentar os trabalhos dos louvados; mas, examinando-se bem o artigo, vê-se que esta faculdade e enganosa, porque desapparece perante as rigorosas e arbitrarias limitações n'elle contidas. (Apoiados.)
Alem d'isso, as disposições d'este artigo annullam e destroem a doutrina fundamental da lei de 1880 e que se acha consignada no n.° 1.° do artigo 11.° e em que se declara expressamente que a inspecção directa é a base fundamental do serviço das novas matrizes. (Apoiados.)
Realmente, desde que a inspecção directa seja feita por um pessoal competente, só este pessoal, em face do terreno, é que póde determinar a sua força productiva e consequentemente o seu custo de grangeio.
É principio indiscutivel em agronomia que quanto maior
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1830 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
é o rendimento, menor é o custo do grangeio, e vice-versa, quanto menor é o rendimento, maior é a despeza de producção.
De modo que o preço do rendimento é o quociente da producção pelo custo do grangeio.
Se isto é assim, para que havemos nós de estar a constranger e a encerrar dentro de limites caprichosos o arbitrarios a classificação dos terrenos para a apreciação do seu rendimento e da despeza do grangeio? (Apoiados.)
Para que havemos de estar a fazer isto, quando o unico meio seguro e simples é a inspecção directa?!...
Alem d'isto, este arbitrio contraria o artigo 10.° do mesmo regulamento. Este diz que cada qualidade de terreno será dividida em tres classes, emquanto o artigo 81.° divide todos os terrenos em tres classes unicamente.
Foi contra este e outros arbitrios que se insurgiram os principaes proprietarios do concelho de Marco; foram elles que provocaram da parte d'aquelles proprietarios os protestos que subiram até Sua Magestade El-Rei n'uma representação vigorosa e digna, e onde estes inconvenientes e abusos eram apontados com grande clareza e rigor de argumentação, como era proprio de cavalheiros que tão bem conhecem as circumstancias especiaes da agricultura do norte do paiz.
Se a inspecção directa é o unico meio seguro de julgar da producção das propriedades e do seu custo de producção, este artigo 81.º é, não só desnecessario e inutil, mas tambem perigoso, porque conduz a gravissimas injustiças e a enormes irregularidades.
E essas injustiças e essas irregularidades têem sido denunciadas já em repetidas reclamações, dirigidas ao sr. ministro da fazenda e que s. exa. tem attendido mandando proceder a novos trabalhos e a novas avaliações! Ora, pergunto eu, será este o melhor processo para despertar a confiança no espirito do contribuinte? De maneira nenhuma. Agora, com rasão ou sem ella, todos hão de reclamar, e o sr. ministro da fazenda, que deu o exemplo, ha de attendlê-as, mandando proceder a novas avaliações; e como as reclamações se hão de dar, como se têem dado, em quasi todas as freguezias onde se concluiram as inspecções, acontece, não só que é insufficientissimo o praso de dois annos, pedido no projecto para a conclusão d'este serviço, mas tambem que é bem de receiar de que, feito elle com um pessoal incompetentissimo, nunca chegue a concluir-se. (Apoiados.)
Por isso eu insto pela approvação das minhas propostas, que certamente contribuirão, de um modo decisivo, para que os trabalhos prosigam em bons termos e sem embaraços que prejudiquem o seu rapido acabamento.
Uma outra modificação tenho ainda a apresentar, é a seguinte:
(Leu.}
É claro que o mato e as lenhas são um dos muitos factores da producção, que por sua vez entra no dominio da materia collectavel na proporção em que estes elementos primarios influem no rendimento.
V. exa., se tirar a uma propriedade a agua, os instrumentos da lavoura, os matos, as lenhas, claro é que o valor d'essa propriedade transmuda-se, modifica-se e altera-se completamente. (Apoiados.) Mas é por este meio extraordinario que a materia collectavel tem augmentado, fóra de toda a expectativa, pejando as matrizes com elementos de riqueza, que não são mais do que meios concorrentes da producção. (Apoiados.)
Isto não póde ser, porque, a continuar assim, a avaliação da materia collectavel seria tão exaggerada e tão desproporcional com a verdade, que a resistencia dos povos não se faria esperar, inutilisando todo o trabalho feito, e dando mais um exemplo de perniciosa indisciplina e de desrespeito contra a lei. (Apoiados.)
Alem d'isto, é necessario não esquecer que a falta de policia rural, deixando de assegurar ao proprietario o dominio absoluto dos productos do solo, estes, quando superabundam, são sequestrados pelas populações pobres para satisfação das suas necessidades, e muitas vezes para com o producto da sua venda occorrer ás urgencias de uma existencia attribulada e cheia de privações. (Apoiados.)
Como é, pois, que se pretende collectar um producto que é um elemento de riqueza ou de producção, que é ao mesmo tempo um logradouro da multidão faminta e soffredora!? (Apoiados.)
Creio ter demonstrado exuberantemente a justiça das minhas propostas, e fio do governo e da camara que as considerarão no seu justo valor, dando um exemplo de bom patriotismo e de sã justiça para com as populações que têem sido vexadas por uma lei e um regulamento, que de modo algum satisfazem ás necessidades do serviço, nem ás aspirações dos que querem ver n'estes trabalhos a maxima cordura e a maxima verdade. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
(O sr. deputado mandou para a mesa differentes propostas, que ficaram, para serem lidas na sessão de ámanhã.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã, na primeira parte, é a discussão do projecto n.° 50, e na segunda parte, a continuação da que estava dada, e mais os projectos n.ºs 39 e 43.
Está levantada a sessão.
Era meia noite.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.