1897
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
tio os dinheiros das obras publicas. Não sei o que ha de verdade «'essas queixas.
Lias o que sei é que se o governo tivesse na gerencia dos dinheiros publicos o mesmo zêlo e cuidado que nos trabalhos preparatorios para as eleições de deputados, o nosso paiz seria o mais bem administrado do mundo. (Riso — Apoiados.)
Não havia igreja que precisasse de reparos, que não se mandasse concertar, por conveniencia politica nas proximidades das eleições. (Apoiados.)
Apontam se as igrejas, os circulos o os nomes dos beneficiados.
O privilegio, porém, concedia-se aos venturosos e não aos desherdados da fortuna. (Riso — Apoiados.)
Perguntava nos hontem o sr. ministro das obras publicas, se queriamos que s. ex.ª estivesse de dia aqui e de noite no Algarve a vigiar as obras.
Deus nos livre d'isso. (Riso.) Eu desejo a presença de s. ex.ª na capital. Mas o que não desejo é que estando arbitrado nó orçamento do ministerio a seu cargo réis 4:600:000$000, para despeza ordinaria e extraordinaria, se gastem a mais 1:100:000$000 réis. (Apoiados.)
O tempo que s. ex.ª gastou a ler o que se passa em Italia era melhor tel-o empregado em saber o que se passa no Algarve. (Muitos apoiados.)
Tambem s. ex.ª teve a ingenuidade de declarar que ninguem se queixava dos abusos commettidos nos trabalhos do Algarve, e que os jornaes guardaram silencio a tal respeito.
Parece que o sr. ministro das obras publicas estava fera do paiz no segundo semestre do anuo civil lindo.
Quer v. ex.ª e a camara saber o que dizia a camara municipal de Loulé era 21 de julho de 1878 a respeito tias obras publicas na provincia do Algarve?
Depois de se congratular com o governo por ter attendido varias representações do municipalidades do Algarve, que pediam remedio para a crise que ameaçava aquella provincia, dava-lhe conta dos abusos que á sombra das obras se faziam em proveito das candidaturas ministeriaes.
Mas o sr. ministro das obras publicas nada sabia! Nem sequer leu n'um jornal de Lisboa, de 26 de. julho de 1878, isto é, tres mezes antes da eleição, órgão official de um partido, e que o sr. ministro devia ler, uma representação da municipalidade do Loulé, dirigida aos ministerios das obras publicas e do reino!
.Li n'outra sessão, ha poucos dias, se leu aqui um abaixo assignados de pessoas importantes, incluindo o presidente da camara municipal de Tavira, clamando contra esses abusos, que o governo tratava com a maxima desconsideração.
Mas vou ler á assembléa uma representação da camara municipal de Loulé, que não póde deixar de merecer toda a consideração aos eleitos do povo, porque as camaras municipaes, pela legislação vigente,.são os orgãos directos dos interesses dos seus administrados.
A representação diz o seguinte:
«Senhor. — A camara municipal da villa de Loulé, altamente reconhecida pelo modo por que foi attendida a sua reclamação, e com esta a de outras camaras do districto, para que se proporcionasse trabalho na continuação das construcções das estradas da provincia aos seus necessitados e infelizes habitantes, vem por este meio dar publico testemunho do seu grande reconhecimento por tão subida graça.
«lias, Senhor, se por um lado temos de congratular-nos com Vossa Magestade por tão salutar determinação, por outro temos de lamentar que um tão benefico pensamento se pozesse em execução por maneira tão avessa do fim a que attingia.
«Senhor. Não são os pobres necessitados os contemplados nos empregos e trabalhos da estrada d'esta villa; são
sim os que d’elles não carecem por terem outros empregos publicos e modos de vida conhecidos; são os amigos do sr. candidato do governo nas proximas eleições, são finalmente os que se submettem a sua vontade e á dos seus immediatos, administrador, juiz ordinario, escrivães e outros.
«Os que repellem a offerta de trabalho a troco do voto para o governo são logo rejeitados ou despedidos. A vontade d'estes senhores é a unica que impera na direcção das obras.
«A secretaria tem um pessoal tão inutil e exagerado, tão grandiosamente retribuido, que o empregado da secretaria do districto, Alexandre Julio, fazendo d'isso questão economica, visto assim lh'o ter recommendado o engenheiro Macario, o dito... revoltando-se contra tão sensatas observações, lhe objectou que ali só elle mandava, e não o engenheiro: e os miseros trabalhadores chegam mesmo a ser ameaçados de não se lhes pagarem os seus salarios, se; porventura, não votarem com o sr....!
«A camara, convencida do que a Vossa Magestade e ao seu governo são inteiramente desconhecidos estes attentados á nossa dignidade e brios nacionaes, vem mui respeitosamente reclamar as providencias que a gravidade do caso demanda; esperando tambem da regia munificencia se attenda ao afflictivo estado de miseria e escassez produzida por uma terrivel estiagem, de que não ha memoria, a qual dou em resultado perderem os proprietarios todos os tractos das suas terras, devendo por isso ser relevados do pagamento da contribuição predial por annullação completa no corrente anno.
«Assim o esperámos confiados no animo bondoso e justiceiro de Vossa Magestade.
«Paços do concelho do Loulé, 21 de julho do 1878. — José Nobre da Silva — João José de Barros e Aragão — Joaquim Filippe de Aragão Valladares — José Caetano do Sousa — Luiz Albuquerque Rebello.»
Não será verdade o que a camara allega. Mas então o dever do governo era informar-se dos factos, e, se elles não fossem verdadeiros, proceder nos termos das leis contra uma camara municipal que faltava aos seus deveres o á sua dignidade. (Apoiados.)
Queixavam se todos os dias os jornaes, levantavam-se grandes clamores por toda a parto contra os abusos que se praticavam no Algarve com as obras publicas, e o governo sem prohibir o uso de uma arma nefasta ás liberdades eleitoraes. (Apoiados)
O sr. Palma: — Se o meu illustre amigo me desse licença eu fazia-lhe uma observação.
O Orador: — Eu dou-lhe até a representação. (Riso.)'
O sr. Palma: — Esse poder occulto veiu queixar-se ao sr. ministro das obras publicas de que se não empregava senão gente da opposiçâo.
O Orador: — Mas a posição do governo não melhora com essa explicação. (Apoiados.)
A posição do governo fica ainda aggravada, porque esse procedimento da auctoridade publica no Algarve significa que do que se tratava era de corromper os eleitores da opposiçâo. (Apoiados.) Mas a provincia do Algarve respondeu de uma maneira nobre e digna a esses meios de pressão violenta. (Apoiados.).
Aquelle districto, luctando com o apparelho administrativo, com as carreiras dos empregados fiscaes, e com os empregados e operarios de obras publicas, que eram conduzidos arregimentados á urna, apresentou ainda assim um numero de eleitores' de opposiçâo, que faz honra ao caracter brioso e honrado de seus habitantes.
Hontem dizia o sr. ministro das obras publicas — «Nós perdemos ainda assim a eleição no Algarve, e não valia a pena empregar esses meios para as perder». E verdade. Perderam eleições no Algarve, como perderam a eleição do Villa Nova de Famalicão, apesar de tudo. (Apoiados.) *
Quando um povo se levanta unido contra as prepoten-
Sessão nocturna de 26 de maio de l879