1900
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
dos governos e das maiorias para as mais instantes necessidades publicas.
As maiorias resolvem como entendem na sua consciencia, e as opposições livram-se de responsabilidades provocando essas resoluções.
Eu esperei uma discussão larga «acerca do orçamento do estado para se verificar, como se verificou, pela propria confissão dos srs. ministros, que não havia stricta legalidade e economia na administração dos dinheiros publicos. Em presença d'esta situação difficil tratei de pedir aos meus collegas que recommendassem ao governo economia e legalidade, em homenagem a lei, ás necessidades publicas e ás aspirações populares. A camara fará o que quizer. (Apoiados.)
Sr. presidente, é absolutamente indispensavel legalidade e economia nas despezas publicas. (Apoiados.) E preciso lembrarmo-nos de que não somos donos do paiz, mas representantes da nação, e que assim, no desempenho do mandato que nos foi confiado, nos cumpre sacrificar as conveniencias de partido aos interesses do paiz. (Apoiados.)
Na apresentação d'esta moção, julgo fazer um bom serviço ao paiz.
Sou n'este momento o echo da opinião publica, que reclama legalidade e economia na administração dos dinheiros publicos. (Apoiados.)
Não se illudam com o socego do paiz. O paiz está tranquillo, mas está triste! (Apoiados.)
Quando hoje usava da palavra auctorisada, um caracter honrado, de quem sou amigo ha muitos annos, e por quem tenho muita consideração como magistrado e como homem, o sr. Bivar, limitava-se a declarar que o governo tinha cumprido o seu dever.
Mas confessando ao mesmo tempo que desconhecia os abusos praticados nas obras publicas do Algarve, lavrava a sentença condemnatoria, o fatal para o procedimento do governo.
Quando um cavalheiro, filho da provincia do Algarve, onde foi eleito por 6:000 votos, não sabe o que ali se passa, a sentença do governo está lavrada: (Apoiados) são os seus proprios amigos a condemnal-o.
O governo procedeu nas obras do Algarve, como está procedendo em tudo.
O governo até já abandonou os seus projectos. (Apoiados)
Não são unicamente os relatorios antigos que o gabinete esqueceu. Inclusivamente as promessas feitas na falla do throno, pol-os de parte. O que lhe lembra é o discurso da corôa da Suecia, que foi proferido em março, e que o governo já conhecia muito bem em abril.
Mas dos compromissos que tomou, nem um só lhe lembra. (Apoiados)
Por isso me vejo obrigado a apresentara moção, sujeita ao debate, para a maioria tomar o seu logar, não no interesse da opposição, mas no seu proprio interesso, e no interesse do paiz.
Os srs. ministros prometteram no discurso da corôa o projecto da reforma de instrucção secundaria. Nunca mais se fallou n'essa reforma, nem o governo nos deu a mais leve satisfação a tal respeito. (Apoiados.)
A instrucção secundaria está desorganisada, ou está por organisar ha dez annos. É indispensavel olhar seriamente por este gravissimo assumpto.
No estado actual da instrucção secundaria não podem ser convenientemente habilitados os alumnos para com proveito cursarem os estudos superiores. Mas o gabinete não se preoccupa com este estado de cousas. (Apoiados.)
Falla-se no custo dos caminhos de ferro dos Estados Unidos e da Belgica, e no deficit da Suecia, e em muitas cousas mais.
Mas na reforma da instrucção secundaria nem sequer se falla.
E a reforma da instrucção secundaria era uma, das propostas para que o governo chamava mais particularmente a attenção da camara no discurso da corôa.
Na apresentação de propostas ás côrtes, quem foi perfeitamente sincero e franco foi o meu amigo, o sr. ministro da justiça.
S. ex.ª apresentou a proposta de lei para a organisação do registo civil, que ha de ter a mesma sorte que as propostas financeiras do sr. ministro da fazenda. Mas declarou logo no relatorio que submettia esta medida á apreciação do parlamento, porque a isso se tinha compromettido o governo no discurso da corôa. (Apoiados)
Esta declaração significa, em estylo de homem chão e abonado: caqui está a proposta do lei, mas não é a valer». (Riso.)
Ao menos foi franco.
Eu estou persuadido do que ainda houve outro motivo, que não é de corto mysterioso em presença da ultima crise politica, para vir á tela parlamentar a proposta sobre o registo civil. Mas a verdade é que o sr. ministro da justiça disse sinceramente: «aqui têem as côrtes a proposta sobre o registo civil. que pediam ha muito tempo, mas é só para a verem. (Riso.) Não veiu para ser convertida em lei; significa apenas o cumprimento de promessas feitas no discurso da corôa. (Riso. — Apoiados)
Agora me vem á lembrança outro assumpto a que o discurso da corôa dedicava muitas palavras. Refiro-me á compra das bôcas de fogo.
O sr. Sá Carneiro: — É devia ser.
O Orador: — E devia ser, ouvi eu dizer a um illustre general.
Não sei se a compra extraordinaria de bôcas de fogo e se a compra de armamento em geral, ainda nas melhores condições, será bom serviço ao paiz e ao exercito, não havendo quem saiba usar convenientemente d'esses instrumentos de guerra. (Apoiados)
Eu sei que o nosso exercito por fóra está tão bom como nunca esteve. Mas não sei como está por dentro, a julgar pelas noticias dos jornaes de Lisboa d'esta manhã, pelo que ha pouco aconteceu em Coimbra, e pelo numero e categoria das pessoas que se acharam envolvidas n'uma grave desordem que teve logar ha dias nos Olivaes. (Apoiados.)
Parecia-me mais conveniente olhar pelas instituições em que vae lavrando uma certa indisciplina, a que é necessario acudir de prompto, do que gastar tempo a fazer elogios a toda a gente e a todos os serviços, chegando o fanatismo a ponto de se incommodarem quando qualquer deputado indica uma ou outra reforma. (Apoiados.)
Para este ponto é que eu chamo a mais particular attenção do governo.
É necessario, primeiro que tudo, e antes de tudo, manter a mais rigorosa disciplina em todas as instituições publicas, o sobre tudo n'aquellas que têem a seu cargo sustentar a ordem publica, as instituições liberaes e a integridade da patria.
Alguns factos que estamos presenciando reclamam a roais séria attenção do governo. São factos muito graves para passarem desapercebidos aos olhos dos srs. ministros e para mais tarde poderem dizer que não tiveram noticia d'elles. (Apoiados.)
Pondo de parte este incidente volto ainda a fallar dos compromissos dos srs. ministros.
No relatorio que precede as propostas financeiras promette o governo ás côrtes uma providencia que eu julgo urgentissima, pela qual já pugnei em 1876, tendo-me então o sr. presidente do conselho promettido tomal-a em consideração, sem depois cuidar a serio do assumpto. Refiro-me á proposta para a reforma da lei das sociedades anonymas. Apresentou-a o governo no anno passado, e deixou-a então morrer na commissão. Renovou a iniciativa n'este anno, e não ha noticia de parecer sobre ella, que possa ser sujeito ao exame das côrtes.