1784-B DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
pelo distincto engenheiro Joaquim José Machado a seu respeito!...
Mac-Murdo, tido no ultramar e na Europa como homem sem credito, era recebido na secretaria d'estado de uma nação pequena, como a nossa, que precisa de ser cautelosa, perspicaz e prudente em tudo o que faz, com taes complacencias que já, classifiquei de offensivas da nossa seriedade e brio, complacencias que chegaram a investil-o de parte dos nossos direitos magestaticos, como os que dizem respeito ao sua plenissimo arbitrio sobre as taritas de um caminho de ferro destinado a servir uma nação amiga, o Transvaal!!...
As concessões que os governos portuguezes lhe fizeram depois de firmado o primitivo contrato, que todos mais tarde reconheceram a necessidade de annullar, são de tal ordem, que se aquelle já era pessimo, a nação portugueza poderia hoje dar-se por feliz se só visse só a braços com elle: o que veiu depois é que foi o aggravamento ou antes o complemento de um plano funesto traçado contra nós, e cujas ultimas consequencias não posso ainda prever com clareza!...
A traça, esboçada com astúcia e precaução no primeiro contrato, foi-se tornando patente nos accessorios das posteriores concessões, e os governos d'este malfadado paiz fecharam os olhos a toda a evidencia da verdade, cerraram os ouvidos ás patrioticas e honestas informações que lhes enviaram as estações competentes, pela voz auctorisada do sr. Tito Augusto de Carvalho, que a todas as machiavelicas pretensões de Mac-Murdo avisava o governo das illegalidades e perigos que ellas encerravam, pondo-o ao facto de tudo com uma intuição e saber dignos do maior elogio, e a que presto aqui a devida homenagem!
Lamento, repito mais uma vez, que esta questão soja tratada em sessão publica, porque me obriga a dizer distas verdades, que eu tanto desejaria callar n'este momento!...
O que quer hoje o partido regenerador? O mesmo que quiz o partido progressista, um e outro tardiamente: salvar-se a todo o custo do nefasto tratado feito entre o sr. Pinheiro Chagas e Mac-Murdo.
Pois, srs. deputados, se o seu desejo fosse sincero, ou se os governos de um e de outro lado da camara tivessem conservado a sua plena liberdade de acção perante as avançadas astutas e audazes de Mac-Murdo, Mac-Murdo deu-lhes, alem de outras, tres vezes mais do que motivo justificado para que o seu contrato fosse rescindido, obrigação restricta de o fazerem; e no entretanto é duro ainda confessar que não só o não fizeram, mas que todos, regeneradores e progressistas, se empenharam em ajudal-o a elle nas suas arriscadas aventuras e em sacrificar-lhe este infeliz paiz, tão prodigo e tão ingenuo em confiar em todos os que se põem á frente dos seus malfadados negocios!...
Srs. deputados, os governos, regenerador o progressista, tiveram mais de que pretexto: o dever patriotico de rescindirem definitivamente o tratado com Mac-Murdo, tratado que desde logo foi reconhecido como perigoso para o paiz; impoz-se-lhes nada menos do que tres vezes esta obrigação: a primeira quando, por despacho de 21 de dezembro de 1885 e decreto de 28 do mesmo mez e anno, prorogou por mais um anno o praso para a construcção da linha ferrea; a segunda quando, por officio do presidente da direcção da companhia, o sr. Serpa Pimentel, datado de 18 de maio de 1886, se declarou ao governo que a companhia não podia começar os trabalhos de construcção no praso novamente marcado, e o governo mandou começar os trabalhos por sua conta e risco; a terceira, emfim, quando, violentado pelos abusos e quasi escarneo da companhia recalcitrante, rescindiu o contrato por decreto de 3 de março de 1887 e a um simples pedido da companhia valida, não só sobresteve na rescisão decretada, mas a um outro simples officio da mesma dando-se por habilitada para os trabalhos, mandou responder por um outro, congratulando-se com ella pelas suas novas e sempre phantasticas condições de prosperidade, tornando-se assim mais uma vez instrumento facil e submisso do todas aventuras de Mac-Murdo e seus agentes!!...
Quando, emfim, escarmentada por tão reiterados abusos, que manifestamente obedeciam a um plano, a nação, pelo orgão do governo progressista, foi novamente forçada a rescindir o contrato pelo decreto de 25 do junho de 1889, achou-se tão enleiada nas malhas que, tanto n'elle, como nas concessões posteriores, foram calculada e sobrepticiamente introduzidas contra o nosso direito e decoro que, para salvarmos um e outro, nos achâmos agora em face de uma arbitragem estrangeira que vae decidir o que é nosso e o que pertence aos aventureiros que Mac-Murdo nos metteu em casa!!...
Porque houve tão extraordinarias e singulares complacencias, pergunto eu, com o famoso negociador do tratado do caminho de ferro de Lourenço Marques?!
Se algum empreiteiro portuguez, illustrado e honesto, recorresse ás secretarias d'estado para obra de tamanha monta, as secretarias de certo estariam para elle fechadas. Para o estrangeiro, porém, suspeitoso e funesto, tudo foram blandícias e submissões, o é forçoso confessar que estas e aquellas se converteram mais tarde nas mãos d'elle em dinheiro de contado! Quereis saber quanto lhe renderam de prompto os favores com que o governo portuguez o presenteou?!
Nada menos do que 26:007 libras esterlinas, vide artigo 2.º do contrato entre elle e a companhia, celebrado em 26 de maio de 1884!... 26:007 libras esterlinas, isto é, singular coincidencia, quantia quasi igual á que o governo portuguez foi levado a depositar nas mãos do governo inglez para garantia de pagamento aos especuladores da Delagoa Bay, que saíram do contrato primitivo!...
Quando se pensa que Mac-Murdo, vendo mais tardo em perigo as suas aventuras, não poupava certas estações officiaes onde chegara a imperar como soberano, para d'ellas alcançar tão insolitos privilegios citando as despezas que ali fizera, é triste e vergonhoso para os brios d'esta nação, que hoje um ministro da corôa como o sr. Hintze, na complicada e difficil conjunctura em que nos vemos, caísse no erro de declarar perante o paiz que contratou com um governo estrangeiro, porque não encontrára representada a companhia portugueza do caminho de ferro de Lourenço Marques!!!...
Esta confissão de s. exa., sendo verdadeira, como parece, envolve gravissimas responsabilidades para homens altamente collocados nos dois partidos que servem hoje a corôa e serviram ao mesmo tempo a companhia cuja direcção desapareceu, e obrigaram-me a mim a tomar a palavra para d'ellas tirar em nome do povo, que represento, as devidas e necessárias illações!
Srs. deputados, o livro que se acha hoje publicado conteúdo os documentos relativos ao caminho de ferro do Lourenço Marques ha de ficar como um verdadeiro libello accusatorio devidamente instrumentado contra a quadra dissolvente a que nos arrastou a ficção do regimen liberal que nos governa!... A synthese, o remate d'este livro está nas declarações do sr. Hintze Ribeiro!
Não foi só por elles que me guiei no juizo que de ha muito formo sobre o desastrado negocio feito com Mac-Murdo durante a administração do sr. Pinheiro Chagas. Tive em parte de intervir n'elles como advogado do Mac-Murdo.
Dentro dos limites e reservas que a minha profissão me impõe, confesso que pela origem e pela direcção dada a estas vergonhosas transacções, o meu espirito se abalou sobre a seriedade e a integridade com que estes negocios correram na secretaria do ultramar!...
Mac-Murdo não escrupulisava até em tornar publicas as despezas extraordinarias que fizera em certas estações