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maximo da divida fluctuante, e que é preciso que o deficit não appareça, segundo a ordem das idéas de certos financeiros. Elimina-se o deficit do orçamento; o que não podem é elimina-lo da realidade (apoiados).

Se os factos e as contas o não traduzissem em realidade, seria um feliz acontecimento para nós. Mas afastarmos a precisão quando ella tem de verificar-se, é deixar o governo, deixar o parlamento, deixar o espirito publico na tendencia de um erro que pôde ser funesto, e que já o tem sido.

«Não temos deficit ordinário», diz-nos o governo; e não obstante o orçamento actual apresenta sobre o orçamento anterior, que excedia largamente todos os outros orçamentos, um augmento de despeza cerca de 600:000$000 réis! (Apoiados.)

E será esta ainda a verdade dos factos? Não o é, porque, alem d'esses 600:000$000 réis, ha ainda muitos centenares de contos votados já n'esta sessão legislativa por diversos projectos especiaes — uns de iniciativa do governo, outros de iniciativa de deputados (apoiados). Essa despeza não está ainda calculada no orçamento, mas é despeza votada, é despeza que ha de realisar-se. O deficit não está previsto, mas o deficit ha de apparecer.

E n'este ponto tenho commigo a auctoridade do sr. ministro da fazenda, que ainda ha poucos dias censurava a facilidade com que se votavam despezas sem se attender aos meios de receita para occorrer a ellas.

Tenho commigo a auctoridade do sr. ministro quando, dirigindo se a este lado da camara, lhe exprobrava o ter recusado ao governo o pequeno augmento de 85:000$000 réis que pedia sobre a contribuição pessoal.

Era para desejar que se podessem riscar as palavras que então se proferiram, que se tivessem obliterado as que se escreveram em relatorios, para que hoje podesse saír do banco dos ministros uma idéa similhante.

Pois haveria aqui alguem que negasse ao governo réis 85:000$000, sé elle francamente declara»se e provasse que havia a necessidade urgente e impreterivel de votar esse augmento de receita? O que se negou foi que se podessem votar 85:000$000 réis sobre a base que se propunha, sobre os fundamentos que a allegavam; 85:000$000 réis lançados sobre certos districtos, porque em outros diziam-nos que certas propriedades se tinham sonegado nas matrizes, quando as matrizes em que taes sonegados appareciam tinham sido já rasgadas por uma medida do parlamento solicitada pelo governo.

Foram estes os termos da questão. Ahi estão os annaes parlamentares, e elles repetem a verdade.

Que nos importa que depois viesse o sr. ministro dizer? «Pois bem, rasgae o relatorio, mas votae o projecto?» Que nos importa que depois viesse dizer: «Despresae o principio, mas aceitae as conclusões»?

O que nós queriamos era que o governo declarasse francamente que aquelle augmento era reclamado pelas necessidades publicas, e que nos dissesse os motivos por que preferia recorrer exclusivamente á contribuição predial, em vez de repartir aquelle augmento de imposto por outras contribuições, em vez de o fazer recaír sobre outras que talvez melhor podessem supporta lo.

Eis-aqui o que dissemos; não negámos ao governo os meios, não está isso nas nossas tradições, não está nos nossos costumes (apoiados). Mil vezes o temos dito, mil vezes o podemos repetir, mil vezes nos podemos ufanar d'isso (apoiados). Temos tido doutrina, sempre as mesmas no poder ou na opposição (apoiados).

Nunca na opposição fallámos á paixão popular, quando entendemos que as nossas palavras re podiam dirigir tal vez antes a desvaira la do que a acalma-la, do que a chama-la á rasão, do que a fazer entrar o espirito publico no verdadeiro caminho (apoiados).

Se tributámos no poder, tinhamos na opposição declarado que era necessario tributar (apoiados). Por isso eu disse já, por isso repito e repetirei mil vezes, que pôde ser que entre nós não haja graves divergencias de principios politicos, mas ha de certo graves divergencias de conducta politica (apoiados). Tem havido da parte d'aquelles que se sentam d'este lado da camara coherencia de idéas; sustentaram no poder as mesmas que tinham sustentado na opposição (apoiados). Não sei se os nossos adversarios podem dizer o mesmo a seu respeito.

A verdade é esta em relação á receita; vejamos agora o que ha era relação á despeza.

Pois póde o sr. ministro da fazenda levantar-se do seu logar, e censurar os deputados por terem votado argumentos de despeza sem cuidar da receita correspondente? E pôde faze-lo sobretudo agora, pôde faze-lo na altura em que está a sessão, pôde faze-lo quando oi proprios exemplos do governo, quando as suas propria? palavras são incitamento para esse caminho perigoso em que se tem entrado? (Apoiados). Pois d'onde têem vindo as propostas de augmento de despeza de maior vulto? Porventura não têem ellas partido da iniciativa do governo? (Apoiados.) Pois não tem o governo pedido augmento de dotação em quasi todos os ra mos da administração publica? Pois não veiu aqui o sr. ministro da guerra, ha pouco dias, propor uma reforma militar que augmenta a despeza em centos de contos, e talvez em muito mais para o futuro, como se ha de provar na discussão se ella tiver logar? (Apoiados.) Se ella tiver logar, digo-o muito intencionalmente e digo o tristemente (apoiados).

Quando os factos estão patentes, quando os factos se passam assim, que muito é que o deputado dirigido pelas idéas que tem mais a peito, ou pelos interesses da localidade que representa, peça tambem uma porção do orçamento do estado, que parece tão rico que chega a todos, para satisfazer! a uma necessidade local ou de administração o que interesse?

O que isto mostra é que o governo não se substitue, é que os parlamentos não governam quando o governo não está no seu logar. Era preciso que os srs. ministros occupassem o seu logar como lhes cumpre; era preciso que elles dessem exemplo de comedimento no augmento da despeza publica; e auctorisando se com esse exemplo, podiam então reclamar dos deputados que não augmentassem despropositadamente a despeza, porque a receita poderia não chegar.

Se assim se procedesse, o sr. ministro teria rasão, mas da maneira por que se tem procedido, propondo-se todos os dias do banco dos ministros o augmento da despeza, não pôde ter cabimento a censura que se lançou aos deputados. E n'este ponto a camara sabe que não fallo de mim, não é a mira que defendo, porque estive mudo durante toda a discussão do orçamento, á excepção de uma unica vez em que levantei a minha voz n'esta casa, pedindo uma pequena despeza para um grande e utilissimo objecto, de ordem tal que tive a fortuna de ver associar se o voto espontaneo e unanime da camara, prescindindo até para o dar das praticas regimentaes.

O perigo está no exemplo que o governo dá, o perigo está na frouxidão que o governo tem, o perigo está no optimismo que o governo proclama e que a commissão de fazenda repete.

Pois quando se nos diz: «As nossas receitas augmentam todos os dias, e augmentam prodigiosamente; a despeza cresce a par e o deficit desapparece », quaes são as conclusões? São marchar por esse caminho que temos encetado, apesar de se não crearem novas receitas', muitos deputados levantarem-se pedindo o engrandecimento das suas localidades; pedindo cada um, para a porção do paiz que representa, um melhoramento.

Dizem nos que o thesouro está abundante, e espera maior abundancia ainda. Quando se apresentam taes idéas de optimismo, embora se não traduzam em realidade, as consequencias são forçosamente as que vemos.

E a esta politica financeira do dia e não a outra cousa que pôde attribuir se a facilidade demasiada com que n'esta sessão legislativa se têem votado propostas sobre propostas augmentando despeza, umas de iniciativa do governo, e outras de iniciativa dos deputados. E essa errada politica que provoca cada deputado a levantar se pedindo que se vote tal proposta que importa augmento de despeza, dispensando se até a presença do governo. E de que serviria a presença do governo quando o governo não toma a sua posição porque a não pôde tomar, quando não diz a verdade, porque a não quer dizer, quando emfim o governo não governa? (Apoiados.)

Rejeita-se a proposta do sr. Carlos Bento, não pelos fundamentos exarados no parecer da commissão; rejeita se, não porque a divida fluctuante represente entre nós a receita propria do anuo, não porque seja impossivel calcular a porção de receita que é preciso representar. Não se fixa a divida fluctuante, não se adopta esse complemento de uma boa organisação financeira, não se deixa mesmo a esperança de que venha a ser adoptada, porque se não pôde prescindir d'este caminho tenebroso em que andam emmaranhadas as nossas finanças, para as trazer á luz clara da verdade e da confiança no paiz! (Apoiados.)

As receitas augmentam, é uma verdade; é um facto que felizmente se dá; as receita» augmentam de anno para anno; as receitas augmentam mesmo sem novos tributos. Isto é a mais evidente demonstração de que o paiz pelos seus proprios recursos sé vae engrandecendo e enriquecendo, e sobretudo a paz publica, que felizmente gosâmos ha já largos annos d'esta terra, tem secundado o desenvolvimento da riqueza. Felizmente para nós que assim acontece; mas não exageremos a verdade, porque exagera la é de conhece-la (apoiados), exagera-la é cair no erro (apoiados).

As receitas têem augmentado, mas por outra parte as despezas augmentam em proporção muito superior ás receita.

Permitta me a camara uma similhança. Imaginemo-nos na estação de Santa Apolonia, entrando em uma das carruagens do caminho de ferro. Ao mesmo tempo que o comboio parte da gare, parte defronte d'elle, Tejo a cima, um barco conduzindo mercadorias. Marcham ambos na mesma direcção, porque o caminho do ferro vae parallelo ao Tejo; mas dos dois meios de locomoção um, o barco, luta contra a corrente, muitas vezes contra o vento, encontra embaraços aqui, difficuldades acolá, que lhe retardam a viagem; outro, o comboio, segue sem obstaculo, desligando sobre os rails, impellido pelo vapor. Ambos seguem na mesma direcção, comboio e embarcação, ambos adiantam caminho; mas quanto mais proseguem tanto mais se distanciam um do outro pela differença das velocidades. 1

Assim vão as despezas e as receitas: as despezas pelo caminho de ferro, as receitas navegando pelo Tejo (apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Queremos continuar n'este systema? Sabe o governo, sabem os illustres deputados aonde nos pôde conduzir? Creio que não querem saber, creio que querem vendar os olhos (apoiados), creio que preferem preconizar o optimismo, em que não acreditam, aturdir-se com as proprias vozes para não ver o perigo.

Illusão deploravel! O perigo não se evita senão quando se conhece e confessa (apoiados), quando se encara com animo resoluto, varonil e corajoso para lhe pôr cobro, e não quando se lhe volta as costas (apoiados).

Não digo com isto (e vou terminar com esta consideração), o contrario do que tenho dito em outras epochas, porque não reputo que chegasse occasião de mudar de pensamento. Não digo que esteja perdido o estado das nossas finanças; não digo que seja sem remedio. Creio, ao contrario, que ha cura no momento actual applicavel e talvez ainda facil.

Mas tremo considerando o caminho em que vão governo e parlamento, tremo de que no dia em que quizerem applicar o remedio seja tarde, tarde de mais para a sua efficacia (apoiados).

Tenho concluido. Agradeço á camara a benevolencia com que me escutou.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Gomes de Castro: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

O sr. Torres e Almeida: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda.

O sr. Faria Blanc: — Mando tambem para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda: — Antes de começar a fallar sobre a materia em discussão, peço licença para mandar para a mesa dois projectos de lei do meu collega, o sr. ministro das obras publicas, que por incommodo de saude não pôde vir á camara (leu).

As propostas ficaram para segunda leitura.

(Continuando.) — Pelas circumstancias em que nos achámos, que é escusado recordar á camara, porque todos as reconhecem, não darei muita extensão ao que tenho a dizer em resposta ás reflexões do illustre deputado que me precedeu, reflexões que elle fez sobre o estado das nossas finanças em geral, e em especial sobre a proposta do sr. Carlos Bento para se fixar o quantum da divida fluctuante.

A proposta apresentada para a fixação da divida fluctuante não pôde ser aceita, e a rasão não é aquella que apresentou o illustre deputado.

Não é para deixar ao ministro da fazenda o arbitrio de levantar todos os fundos que quizer á sombra da divida fluctuante, por isso que todos sabem que as auctorisações que se votam ao governo por leis fixam os limites, dentro dos quaes o governo pôde fazer estas operações, e toda a despeza é auctorisada ou por leia especiaes ou pelo orçamento; portanto o governo não pôde ter arbitrio nenhum, porque está sujeito a estas regras (apoiados).

Logo a fixação da divida fluctuante não vinha cortar arbitrio algum ao governo, porque tal arbitrio não existe; estão fixadas todas as despezas no orçamento, e as que ali o não estão são fixadas por leis especiaes.

Alem de que, o que é divida fluctuante? O mesmo illustre deputado disse que = a divida fluctuante entre nós não tem significação regular =. Era preciso primeiro que a divida fluctuante existisse, correspondendo exactamente a este nome, e que a nossa organisação financeira estivesse neutro estado; mas o que é que chamam divida fluctuante? E uma divida mixta, uma divida amphibia; quer dizer, só ha muito tempo é que propriamente existe uma parte que se pôde chamar divida fluctuante, que é a divida sobre escriptos do thesouro sem penhor algum; esta é que constituo divida fluctuante, e monta a pouco mais de 600:000$000 réis, que é aquella que eu tenho podido constituir como tal. A outra parte não é divida fluctuante, é uma divida contrahida sobre penhores de inscripções que a lei auctorisou o governo a crear. Mas estes penhores estão presos até que o governo julgue conveniente vende los, e lá tem as competentes dotações consignadas na junta do credito publico para satisfazer os encargos d'esses titulos; quer dizer, é uma divida que tem todo o caracter de divida consolidada, e que passa por este estado de transição de estar empenhada na mão dos prestamistas até que o governo julgue conveniente vender os titulos (apoiados).

Divida fluctuante propriamente dita é aquella que não tem dotação nenhuma na junta do credito publico, e que o governo tem de pagar em prasos certos e determinados; isto é que se chama divida fluctuante; essa divida é que existe em França representada pelos bonds do thesouro, ou era Inglaterra representada pelos echequer-bils, que o governo não tem fundos especiaes para satisfazer, e que de tempos a tempos, quando é exagerada, é obrigado a consolida la, como agora aconteceu em França, que se emittiram 300.000:000 francos, para alliviar o governo dos credores d'essa divida, que podiam vir de repente reclamar esse pagamento.

Entre nós não existe essa divida fluctuante temerosa, porque a divida fluctuante é unicamente a que eu transformei, que anda por 600:000$000 réis. A outra não é senão a divida consolidada, ou que pôde ser consolidada sem augmento de encargos para o thesouro (apoiados). Esta divida sobre penhores foi um expediente que se empregou em certo tempo, porque se entendeu que era melhor ir retendo esses titulos, e ir depois successivamente, e pouco a pouco, lançando os no mercado, a fim de ver se era possivel por este modo manterem se os titulos no mercado em melhor preço. Por consequencia aqui a fixação para cortar o arbitrio não é necessaria, porque a divida fluctuante, propriamente dita, é esta que acabo de indicar. Mas em França é outra cousa. Tem-se aqui argumentado com a opinião de mr. Thiers; ma; o que se devia tambem em estudar a diversidade das circunstancias que se dão lá e aqui; em primeiro logar era preciso examinar a natureza das duas dividis, a importancia da divida fluctuante de lá e da de cá, e o arbitro que lá tem o governo e que aqui não tem. Mas estas circumstancias é que não se ponderaram.

Em primeiro logar a divida fluctuante lá é fluctuante propriamente dita; quer dizer, o governo lá dispõe dos fundos não só dos bonds do thesouro que cria, m-.s de differentes origens que vão para a sua mão, como, por exemplo, da caixa de depositos e consignações, das caixas economicas, da caixa da dotação do exercito, etc.; todo e»te dinheiro vae para a mão do governo que dispõe d'elle, e é responsavel pela sua restituição; e tinha-te elevado recentemente essa divida fluctuante, pela qual o governo era responsavel, á enorme quantia de mais de 900.000:000 francos a perto de 1.000.000:000 francos. E como se elevou? Foi