1834 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
tente a qualquer accordo, julgado indispensavel pelo governo, este ao mesmo tempo lhe conceda illegal e annualmente verbas para occorrer a difficuldades financeiras.
Comprehendia até certo ponto, ou pelo menos admittia, que estas verbas annuaes tivessem sido abonadas antes do parecer, que ha dias li á camara, em que se affirma não ter a companhia direito a indemnisações; mas depois de existir esse documento, não póde governo algum dar a menor somma á companhia, porque não ha fundamento legal, nem ao menos de equidade, para tomar tal resolução.
Disse o sr. ministro das obras publicas, que talvez venha pedir á camara garantia de juro para a companhia. Pois quando vier esse projecto, nós o discutiremos e approvaremos ou rejeitaremos.
Em relação ás avenças, affirmo ainda que taes como a companhia as regulou agora não são illegaes, admittindo o contrato da concessão que a companhia faça qualquer fórma de contrato particular, logo que o preço da agua não exceda 200 réis por metro cubico.
(Interrupção do sr. Vicente Monteiro.)
É uma confissão que acho extraordinaria.
(Interrupção do sr. Carrilho.)
O meu illustre amigo tem uma opinião, que me parece não ser exacta, se attendermos ao artigo 16.° § 2.° do contrato.
Affirmo, porém á camara que, embora seja admissivel o novo systema de avenças em virtude do contrato, não póde ser tomado, como o sr. ministro das obras publicas pareceu indicar, para base da liquidação dos excessos de consumo.
O sr. ministro das obras publicas disse positiva e terminantemente, que não havia meios de verificar rigorosamente o excesso de consumo; e depois suggeriu a idéa de applicar contadores a todo o consumo particular. Desenvolveu perfeitamente esta opinião, dizendo que se as aguas, para a distribuição particular em Lisboa, forem em volume superior a dois terços d'aquella de que dispõe a companhia, é evidente que a camara não póde gastar o terço; que o gastará no caso contrario.
Ora vou demonstrar, que nada se ha de conseguir com este systema de avenças.
Em primeiro logar já disse, e torno a repetir agora, que as avenças com um minimo determinado não podem merecer confiança, porque póde ser que os consumidores não gastem este minimo, e em todo o caso é elle que ha de apparecer nas contas da companhia.
Depois, para se ter a certeza de que os contadores marcavam exactamente o que escripturou, seria indispensavel que a fiscalisação fosse feita por empregados de inteira confiança do ministerio das obras publicas.
Ora, do relatorio de 1887, que tenho presente, consta que havia no fim d'esse anno em Lisboa 33:856 consumidores sem avença, e 6:024 com avença, o que dá um total de 39:869, isto é, perto de 40:000 contadores que têem de ser fiscalisados.
Já não quero que elles sejam vistos do mez a mez. Admitto a inspecção de tres em tres mezes. Eram 120:000 operações, que tinham de ser realisadas, não pelos leitores ou fiscaes da companhia, mas pelos fiscaes ou leitores nomeados pelo ministerio das obras publicas e da sua plena confiança; e, se não tivermos esta garantia, o que é que tomos? O que os fiscaes da companhia tiverem lido. Sendo muito provavel que a leitura não seja a que deve ser, os resultados serão mais do que duvidosos.
Note, pois, s. exa. que o processo, adoptado pelo sr. ministro, não é uma garantia para o estado; é, pelo contrario, um grosseiro sophisma, do qual ha de resultar sempre, quasi o affirmo, a prova de que o consumo municipal excedeu o terço gratuito.
É exequivel nomearem se fiscaes do estado, em numero sufficiente para fazerem as 120:000 observações? É exequivel, mas é despendido Em todo o caso, com as avenças actuaes e sem a fiscalisação directa do estado, a leitura dos contadores não deve merecer-nos confiança alguma.
E por isso ficâmos prevenidos de que se mais tarde, fundando-se nos actuaes processos, a companhia pretender firmar n'elles as bases de indemnisação, o governo não póde nem deve attendel-a.
Francamente não pude perceber claramente, se o sr. ministro das obras publicas acceita este alvitre das avenças com contador para servir de base a qualquer liquidação.
(Aparte do sr. ministro das obras publicas, que não se ouviu.)
Logo, o que está fazendo a companhia não póde servir de base para cousa alguma. Consigno esta declaração de v. exa.
Quer a camara saber a importancia dos suppostos excessos do consumo?
O Alviella entrou em Lisboa em 1880. Em 1881 e 1882 não houve excesso de consumo por parte da camara municipal, mas d'este anno em diante os excessos calculados pela companhia são os seguintes:
Metros cub.
1883. 669:786
1884. 1.246:721
1885. 2.336:409
1886. 3.632:963
1887. 3.100:440
9.986:318
Os excessos de consumo, que aliás a commissão affirma terminantemente, que não podem ter logar em caso algum, crescem n'uma progressão assustadora. Este volume de agua paga a 100 réis representa a somma de réis 1.000:000$000 em cinco annos, ou 200:000$000 réis em media por anno, que o governo ou a camara municipal teria de pagar á companhia. Ora, vou demonstrar que bem menor será a annuidade indispensavel para a liquidação da companhia, que póde fazer se com decidida vantagem para os accionistas, para o publico e para a camara municipal.
Vejâmos agora o que ha a dizer ácerca da liquidação da companhia.
Disse nos o sr. ministro, que a idéa de s. exa. e do ministerio era a da liquidação; mas que a não realisára, porque encontrara resistencia da parte da companhia; inclusivamente, a sua phrase foi esta, obteve resposta dura e feroz para todas as suas propostas de liquidação em bases, que s. exa. acabou de citar, favoraveis aos accionistas.
Devo declarar ao illustre ministro, que tambem é duro, e é esta a sua melhor qualidade alem de todas as outras, que são conhecidas do publico as causas d'essa resistencia da companhia.
E sabe s. exa. de onde ella nasce? Provem não dos primittivos possuidores das acções, mas dos novos portadores, isto é, d'aquelles que as obtiveram a preço de 21 e 22 por cento, e querem ser equiparados aos que tiveram de desembolso 50$000 réis! É por esta rasão, que não vae á assembléa geral da companhia proposta alguma de s. exa. é por esta rasão que a direcção assume a gravissima responsabilidade, n'esta resolução importante, de não consultar a assembléa geral para lhe perguntar: o que ella quer fazer e o que pensa das propostas do governo. (Apoiados.) A questão é clarissima; não vale a pena a deputado algum occupar se no parlamento de definir quaes os interesses, que se movem e agitam para impedir a liquidação.
Unicamente o que na camara se deve dizer, é a fórma por que se podem vencer esses attritos.
Convem não lhes abonar mais subsidio algum. Entregue a companhia aos seus proprios recursos, a liquidação será mais facil; porque é sabido, que a reacção feroz parte da direcção e não dos accionistas, que chegam mesmo a ignorar os actos mais importantes da direcção e as propostas