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SESSÃO DE 2 DE JUNHO DE 1888

Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barros Coelho e Campos (vice-presidente)

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros

José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Dois officios, um do ministerio da guerra, satisfazendo a um requerimento do sr. Serpa Pinto, e outro do ministerio dos negocios estrangeiros, acompanhando alguns exemplares do livro branco relativo ás negociações com o Zanzibar. - Segunda leitura e admissão de um projecto de lei do sr. Francisco Machado. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. visconde de Silves e Oliveira Matos que se refere em seguida ás observações feitas na sessão anterior pelo sr. Pereira dos Santos. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas, occupando-se depois largamente da questão da companhia das aguas em referencia ás perguntas feitas pelo sr. Fuschini em uma das sessões anteriores. - Por concessão da camara usa da palavra sobre o mesmo assumpto o sr. Fuschini. - Apresentam propostas de lei os srs. ministros da guerra e da marinha. - O sr. ministro dos negocios estrangeiros manda para a mesa um exemplar do Livro branco, relativo ás negociações com o Zanzibar.

Na ordem do dia (primeira parte) entra em discussão na generalidade o projecto de lei n.° 50, força naval. Usa da palavra, e faz algumas considerações sobre o projecto, o sr. Ferreira de Almeida, respondendo-lhe a seguir o sr. ministro da marinha. - Refere-se ao mesmo assumpto o sr. Serpa Pinto. - É approvado o projecto na generalidade e seguidamente da especialidade sem discussão. - Manda para a mesa um parecer das commissões de fazenda e de administração publica o sr. Carrilho. - Dá-se conta da ultima redacção do projecto de lei n.º 50.

Na ordem do dia (segunda parte) continua em discussão o orçamento rectificado. - Lêem-se, e são admittidas, as propostas e moção de ordem apresentadas pelo sr. Teixeira de Vasconcellos na sessão anterior. Responde as considerações feitas pelo mesmo sr. deputado o sr. Pereira Carrilho, relator. - Segue-se o sr. Guilherme de Abreu, que trata especialmente do modo irregular por que se está procedendo no serviço da revisão das matrizes. Apresenta uma proposta e fica com a palavra reservada.

Abertura sessão - Ás duas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada 43 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Baptista de Sousa, Ribeiro Ferreira, Moraes Sarmento, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Augusto Ribeiro, Lobo d'Avila, Emygdio Julio Navarro, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Francisco de Barros, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Santiago Gouveia, João Arrojo, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Correia Leal, Alves Matheus, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Avellar Machado, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, Oliveira Matos, José de Saldanha (D.), Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Martinho Tenreiro, Miguel Dantas, Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Vicente Monteiro, Visconde da Torre e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Conde de Villa Real, Eduardo Abreu, Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Mattoso Santos, Almeida e Brito, Francisco Ravasco, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Candido da Silva, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Alfredo Ribeiro, Silva Cordeiro, Alves de Moura, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Elias Garcia, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Alpoim, José Maria dos Santos, Santos Moreira, Abreu e Sousa, Vieira Lisboa, Manuel Espregueira, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Pedro de Lencastre (D.), Dantas Baracho e Estrella Braga.

Não compareceram á sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Albano de Mello, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Antonio Castello Branco, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Mazziotti, Barros e Sá, Victor dos Santos, Barão de Combarjua, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Elvino de Brito, Goes Pinto, Freitas Branco, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Soares de Moura, Gabriel Ramires, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Cardoso Valente, Dias Gallas, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Pereira de Matos, Ruivo Godinho, Laranjo, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, José de Napoles, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, Simões Dias, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Mancellos Ferraz, Luiz José Dias, Manuel d'Assumpção, Visconde de Monsaraz, Visconde de Silves e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da guerra, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Serpa Pinto, esclarecimentos com respeito ao numero de recrutas em divida nos districtos do continente do reino.

Para a secretaria.

Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 180 exemplares relativos ás negociações com o Zanzibar.

Para a secretaria,

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - D. Maria da Piedade Franco de Carvalho, fallecida em 29 de outubro de 1878, deixou testamento em que legou quasi toda a sua fortuna para se fundar no concelho de Peniche um asylo com a denominação de Santa Victoria e destinado á infancia desvalida penichense.

Segundo as disposições testamentarias, incumbe á camara municipal a administração do referido asylo, tendo de vender as propriedades legadas e applicar o producto á compra de inscripções, cujo rendimento deve ter igual applicação até os juros chegarem para sustentar duas orphãs e abrir-se então o asylo.

Sendo o legado relativamente exíguo, de maior exiguidade fica pelo pagamento da contribuição de registo; por

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isso se justifica a isenção de tal pagamento, calculado em 200$000 réis o maximo, quantia avultada para o fundo do asylo e aliás diminuta para o thesouro.

Tenho assim a honra de submetter á vossa illustrado apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É isento do pagamento de contribuição de registo por titulo gratuito o legado instituído por D. Maria da Piedade Franco de Carvalho para se fundar no concelho de Peniche um asylo com a denominado de Santa Victoria e destinado á infancia desvalida penichense.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em l de junho de 1888. = O deputado pelo circulo n.° 69, F. J. Machado.

Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

Da camara, municipal do concelho de Albufeira, pedindo que seja alterado o artigo 2.° da proposta de lei n.° 55-C e seja fixada para o mesmo concelho a percentagem de 60 por cento addicional ás contribuições directas do estado

Apresentada pelo sr. deputado visconde, de Silves e enviada á commissão de administração publica.

Da camara municipal do concelho de Arganil, pedindo a construcção da linha ferrea de Coimbra a Arganil até á Covilhã.

Apresentada pelo sr. deputado Oliveira Matos, enviada ás commissões de fazenda e obras publicas e mandada publicar no Diario do governo.

O sr. Oliveira Matos: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Arganil, que tenho a honra de representar n'esta casa, sobre um assumpto de interesse local, mas que tambem comprehende e está ligada aos interesses geraes do paiz.

Trata se de caminhos de ferro, e na representação que apresento, pede-se, com toda a justiça e bem fundamentadas rasões, o prolongamento de um, e de Arganil á Covilhã, que, destinado a servir uma importante região agricola e industrial, não póde deixar de ser concedido.

Sr. presidente, desejaria, ver presente o nobre ministro das obras publicas, porque tinha que pedir a s. exa., para que depois de ouvir ler a representação me fizesse favor responder alguma cousa do que pensa ácerca d'este, pedido que vae ser secundado com todo o empenho pelas camaras municipaes, de Coimbra, Covilhã, Oliveira do Hospital, Louza, Coes, e outras muitas interessadas no refundo prolongamento da linha ferrea de Coimbra a Arganil.

Sr. presidente, passo a ler a representação, para o conteudo da qual chamo a attenção do governo e da camara, como ella merece, e em seguida tarei algumas considerações explicativas, reforçando o empenho da camara de Arganil, mas resumindo o mais que possa, porque não desejo tomar tempo á camara, nem enfadal-a.

(Leu.)

Sr. presidente, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo e logo enviada á commissão de fazenda e obras publicas encarregada de dar parecer sobre tal assumpto, porque, segundo me consta, ella reune hoje mesmo, para apreciar não só a importante proposta sobre a rede geral dos caminhos de ferro ao norte do Mondego, apresentada ha pouco pelo nobre ministro das obras publicas, mas ainda quaesquer outros projectos ou reclamações que prendam com o assumpto.

Sr. presidente, muito desejaria fazer algumas considerações ácerca da necessidade urgente que têem os povos peticionarios que aqui represento, de serem attendidos; mas, repito ainda uma vez com mágua minha, como não está presente o sr. ministro das obras publicas, que é a quem mais directamente eu quero dirigir-me, e é tambem quem deveria responder-me alguma cousa que sirva de garantia ou promessa, que satisfaça os desejos, senão o direito que têem de serem ouvidos e attendidos os meus constituintes, receio estar a fatigar a camara e deitar as minhas palavras ao vento, como costuma dizer-se.

Ainda assim, apesar de s. exa. não estar presente, alguma cousa direi na resignada esperança de que pelo Diario das camaras, se é que elle é lido, s. exa. tenha conhecimento do meu pedido feito em nome dos mais sagrados e respeitaveis interesses publicos, de uma parte importantissima do povo portuguez.

Sr. presidente, os povos de Arganil e circumvizinhanças e os de toda a importante e populosa região entre Coimbra e Arganil, estão muito reconhecidos ao governo e muito gratos, em especial, ao sr. ministro das obras publicas, por terem conseguido de s. exas. a approvação de um projecto e contrato realizado do caminho de ferro de Coimbra e Arganil, cujo começo de construcção se annuncia para breve. E diga-se, para honra do nobre ministro, que a concessão foi feita sem encargos alguns para o thesouro; mas os mesmos povos não estão inteiramente satisfeito nas suas legitimas aspirações de melhoramentos indispensaveis, por que, como prova a representação que acabo de ler, é completo e inutil o beneficio que se lhes pretende fazer, se a villa de Arganil for o tirminus da linha ferra contratada.

O prolongamento do caminho de ferro de Arganil á Covilhã que se pede e que formosamente se impõe á primeira analyse do assumpto, não está nas mesmas condições de facilidade de execução que tem o traçado de Coimbra a Arganil, porque aquelle traçado tem muitas obras de arte importantes e offerece bastante difficuldades á empreza que o possa vir a tomar, não se podendo fazer com certeza sem algum subsidio por parte do governo. De outra fórma nem haverá empreza que o tome, e nem a concessionaria do de Coimbra a Arganil o poderá continuar nas condições em que o acceitou.

Mas como o sr. ministro das obras publicas, impulsionado por um nobilissimo sentimento do patriotismo que o honra, e convencido de que fomenta a segurança nacional e presta um assignalado serviço, trata de dotar o paiz com uma larga rede de caminhos de ferro, entre os quaes ha alguns subsidiados, como não póde deixar de ser, o justo que n'esse plano que se, apresentou hontem á camara, se attenda aos desejos d'estes povos, que hoje vem representar e que tem direito a tomar parte n'esse beneficio geral com que se vão desenvolver a riqueza do paiz e melhorar outras localidades, que não são muitas d'ellas de mais importancia do que o concelho de Arganil, e sobretudo do que os importantes concelhos e cidades de Coimbra e Covilhã e todos os intermediarios que pedem e instam pelo prolongamento da citada linha ferrea.

É justo que aos contribuintes de Arganil, Goes, Oliveira do Hospital, Coimbra e Covilhã se dêem alguns beneficios em melhoramentos locaes e especialmente em meios de communicação, estradas e caminhos de ferro, já que não lhes é dado gosar outros muitos que desfructam os grandes centros de população, as cidades, e para a satisfação dos quaes tambem concorrem com a sua parte nos pesados tributos que pagam.

Que não seja tudo só para Lisboa e Porto, que se olhe com igual attenção para as provincias e para as pequenas idades, villas e aldeias, que tambem fazem parte do paiz e pagam para a sustentação das suas despezas. É bom não esquecer isto, que é importante, e não se julgar que ia pequenos contribuintes unicamente para pagar e mais nada!

Folgo bastante em ver entrar o sr. ministro das obras publicas, que eu esperava ancioso, para que s. exa. me diga alguma cousa do que pensa a respeito do assumpto de que me estou occupando e que tanto me interessa e aos meus constituintes do circulo de Arganil, como a ou-

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tros circulos que de certo aqui farão ouvir a sua voz pela palavra auctorisada, dos seus representantes.

Não recapitularei tudo quanto disse, para não tomar tempo á camara, mas direi a s. exa. que mandei para a mesa uma representação da camara municipal de Arganil, que a s. exa. se dignará ler, pedindo o prolongamento do caminho de ferro de Arganil á Covilhã, pedido que se baseia e justifica nas mais solidas rasões economicas e de interesse publico que a mesma representação desenvolve e que merecem ser attendidas.

O sr. ministro das obras publicas que tão boa vontade tem mostrado no desenvolvimento das vias ferreas do paiz, e que teve a fortuna de levar a bom termo a concessão do caminho de ferro de Coimbra a Arganil, sem encargo nenhum para o thesouro, de certo se interessará pelo prolongamento d'essa linha, que para pouco servirá se o seu terminus se limitar á villa de Arganil, como é do projecto e contrato effectuados.

O caminho de ferro de Arganil á Covilhã, impõe-se com tal evidencia e tão urgentemente, que não poderá deixar de ser feito n'um praso muito proximo, não podendo nem devendo por fórma alguma o governo deixar de lhe prestar todo o auxilia indispensavel, de preferencia á construcção de outras linhas de somenos importancia.

E, de certo, não haverá nem póde haver concorrentes á construcção, se ella não for posta a concurso ou dada por outra fórma, sem algum subsidio que garanta o emprego do capital necessario.

Consta-me que vae ser apresentado a esta camara por um meu illustre collega, tambem muito empenhado no assumpto, um projecto de lei, para o mesmo fim da representação que por parte da camara municipal de Arganil mandei para a mesa. Esse projecto de lei será assignado por muitos srs. deputados, da maioria e da opposição, que, representantes das localidades a que o caminho de ferro interessa, põem de parte a politica para só attenderem ao beneficio d'essas localidades.

É de, esperar que todos estes empenhos callem no animo do governo, e muito principalmente no do sr. ministro das obras publicas, e, por isso, nada mais direi por agora, limitando-me a esperar do seu muito zêlo e pratriotismo, que attenda este pedido, dizendo-me algumas palavras que sirvam de esperança e promessa, a traduzir se em factos, para os povos do concelho de Arganil e outros que a s. exa. se dirigem pela minha humilde voz.

E já que estou com a palavra, e s. exa. está presente, ainda chamarei a sua illustrada attenção para um outro assumpto importante.

O illustre deputado e meu amigo o sr. Pereira dos Santos fallou hontem n'esta casa, e muito bem, como sempre, das correntes de agua do rio Mondego, que estão continuamente prejudicando os campos marginaes, e a respeito do que já se têem feito varias reclamações, e por varias fórmas, pedindo providencias, sem que até hoje os poderes publicos as tenham dado.

O mal vem de longe e a culpa não é só do actual governo. Façamos justiça a todos.

Ha um projecto importante, creio que feito pelo distincto engenheiro o sr. Adolpho Loureiro e apresentado no ministerio das obras publicas em 1875, salvo o erro, em que este assumpto é tratado com aquella proficiencia com que o illustre engenheiro sabe tratar as questões d'esta natureza, em que é perito eminente.

Este projecto que satisfazia a todas as necessidades remediava males presentes, prevenindo outros futuros, este projecto que resolvia as difficuldades e evitava as inundações e estragos incalculaveis, mas valiosos, que todos os annos prejudicam os campos marginaes do Mondego, foi esquecido e parece que dorme um pesado somno, de que nenhum governo quer ter a crueldade de o despertar.

Tem succedido esta triste sorte a outros muitos de valor. Infelizmente, o purgatorio das nossas secretarias é grande e está bem povoado!

as, não é agora o momento azado para estas criticas, unicamente fallei no projecto para pedir ao sr. ministro das obras publicas que se digne mandal-o examinar, e convencido de que elle está em condições aproveitaveis, satisfazendo ás reclamações que todos os dias fazem os proprietarios das margens do Mondego, lhe mande dar execução, ou substituir por outro que entenda ser mais conveniente.

O que é preciso é que algumas providencias se tomem por parte do governo a fim de se tornar n'uma realidade projecto do sr. Adolpho Loureiro, ou qualquer outro que ponha cobro ás justas rasões de queixa, e aos grandes prejuizos que soffrem os donos dos campos e insuas do Mondego, pelo desleixo e falta de protecção por parte de quem h'a deve e lh'a não póde nem deve recusar.

É indispensavel que tão importante assumpto, como o da canalisação das aguas do Mondego, não continue a correr á revelia, e que nem ás portas de Coimbra, como succede com o rio Velho ate á Ponta da Cidreira, se não continue a repetir o lamentavel e prejudicialissimo espectaculo que todos os annos ahi se vê, que todos censuram mas que ninguem trata de remediar, nem empregar os meios para isso.

Dirijo-me, pois, ao nobre ministro das obras publicas, representante n'esta casado circulo de Coimbra, a que tenho a honra de pertencer, como eleitor de s. exa., que muito se honra de lhe ter dado o seu voto honesta e desinteressadamente, e peço a s. exa. que alem dos muitos beneficios com que já tem provado a sua boa vontade a favor de Coimbra, ponha n'este assumpto das aguas do Mondego um bocadinho d'aquella sua forte iniciativa que tanto o distingue sempre que se trata de melhoramentos publicos, o que é muito para elogiar.

Tenho dito.

Consultada a camara, resolveu que a representação fosse publicada Diario do governo.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Responde ao orador precedente; e, aproveitando a occasião de estar com a palavra, dá largas explicações ao sr. Fuschini com respeito á companhia das aguas.

(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Fuschini: - Peço a v. exa. que consulte a camara, se permitte que responda desde já ao sr. ministro.

Vozes: - Valle, falle.

Consultada a camara resolveu-se affirmativamente.

O sr. Fuschini: - Agradeço á camara a delicadeza de que usou para commigo; mas este negocio é de grande importancia, e convem ficar liquidado por uma vez (Apoiados.)

Estou plenamente de accordo com o sr. ministro, em que a questão da companhia das aguas é grave para Lisboa; no que, porém, não estou de accordo com s. exa., é em que não possa ter resolução, senão por violencia exercida sobre a companhia.

Ouvi tambem a declaração do sr. ministro. Disse s. exa. que todos os governos, que se têem succedido no poder, embora, não reconhecendo por fórma alguma o direito da companhia ao excesso do consumo, lhe haviam concedido sommas annuaes para occorrer ás suas difficuldades financeiras.

N'estas condições, certamente, só violentada a companhia chegará a uma transação conveniente para os interesses publicos.

A fórma contraria está indicada, e consiste em não dar á companhia essas quantias annuaes, que são simples e meros favores, porque de duas uma: ou a companhia se vê forçada a liquidar, ou se entrega ao estado e acceita uma transação favoravel para ambos.

Não se comprehende que, havendo uma companhia reais

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tente a qualquer accordo, julgado indispensavel pelo governo, este ao mesmo tempo lhe conceda illegal e annualmente verbas para occorrer a difficuldades financeiras.

Comprehendia até certo ponto, ou pelo menos admittia, que estas verbas annuaes tivessem sido abonadas antes do parecer, que ha dias li á camara, em que se affirma não ter a companhia direito a indemnisações; mas depois de existir esse documento, não póde governo algum dar a menor somma á companhia, porque não ha fundamento legal, nem ao menos de equidade, para tomar tal resolução.

Disse o sr. ministro das obras publicas, que talvez venha pedir á camara garantia de juro para a companhia. Pois quando vier esse projecto, nós o discutiremos e approvaremos ou rejeitaremos.

Em relação ás avenças, affirmo ainda que taes como a companhia as regulou agora não são illegaes, admittindo o contrato da concessão que a companhia faça qualquer fórma de contrato particular, logo que o preço da agua não exceda 200 réis por metro cubico.

(Interrupção do sr. Vicente Monteiro.)

É uma confissão que acho extraordinaria.

(Interrupção do sr. Carrilho.)

O meu illustre amigo tem uma opinião, que me parece não ser exacta, se attendermos ao artigo 16.° § 2.° do contrato.

Affirmo, porém á camara que, embora seja admissivel o novo systema de avenças em virtude do contrato, não póde ser tomado, como o sr. ministro das obras publicas pareceu indicar, para base da liquidação dos excessos de consumo.

O sr. ministro das obras publicas disse positiva e terminantemente, que não havia meios de verificar rigorosamente o excesso de consumo; e depois suggeriu a idéa de applicar contadores a todo o consumo particular. Desenvolveu perfeitamente esta opinião, dizendo que se as aguas, para a distribuição particular em Lisboa, forem em volume superior a dois terços d'aquella de que dispõe a companhia, é evidente que a camara não póde gastar o terço; que o gastará no caso contrario.

Ora vou demonstrar, que nada se ha de conseguir com este systema de avenças.

Em primeiro logar já disse, e torno a repetir agora, que as avenças com um minimo determinado não podem merecer confiança, porque póde ser que os consumidores não gastem este minimo, e em todo o caso é elle que ha de apparecer nas contas da companhia.

Depois, para se ter a certeza de que os contadores marcavam exactamente o que escripturou, seria indispensavel que a fiscalisação fosse feita por empregados de inteira confiança do ministerio das obras publicas.

Ora, do relatorio de 1887, que tenho presente, consta que havia no fim d'esse anno em Lisboa 33:856 consumidores sem avença, e 6:024 com avença, o que dá um total de 39:869, isto é, perto de 40:000 contadores que têem de ser fiscalisados.

Já não quero que elles sejam vistos do mez a mez. Admitto a inspecção de tres em tres mezes. Eram 120:000 operações, que tinham de ser realisadas, não pelos leitores ou fiscaes da companhia, mas pelos fiscaes ou leitores nomeados pelo ministerio das obras publicas e da sua plena confiança; e, se não tivermos esta garantia, o que é que tomos? O que os fiscaes da companhia tiverem lido. Sendo muito provavel que a leitura não seja a que deve ser, os resultados serão mais do que duvidosos.

Note, pois, s. exa. que o processo, adoptado pelo sr. ministro, não é uma garantia para o estado; é, pelo contrario, um grosseiro sophisma, do qual ha de resultar sempre, quasi o affirmo, a prova de que o consumo municipal excedeu o terço gratuito.

É exequivel nomearem se fiscaes do estado, em numero sufficiente para fazerem as 120:000 observações? É exequivel, mas é despendido Em todo o caso, com as avenças actuaes e sem a fiscalisação directa do estado, a leitura dos contadores não deve merecer-nos confiança alguma.

E por isso ficâmos prevenidos de que se mais tarde, fundando-se nos actuaes processos, a companhia pretender firmar n'elles as bases de indemnisação, o governo não póde nem deve attendel-a.

Francamente não pude perceber claramente, se o sr. ministro das obras publicas acceita este alvitre das avenças com contador para servir de base a qualquer liquidação.

(Aparte do sr. ministro das obras publicas, que não se ouviu.)

Logo, o que está fazendo a companhia não póde servir de base para cousa alguma. Consigno esta declaração de v. exa.

Quer a camara saber a importancia dos suppostos excessos do consumo?

O Alviella entrou em Lisboa em 1880. Em 1881 e 1882 não houve excesso de consumo por parte da camara municipal, mas d'este anno em diante os excessos calculados pela companhia são os seguintes:

Metros cub.

1883. 669:786

1884. 1.246:721

1885. 2.336:409

1886. 3.632:963

1887. 3.100:440
9.986:318

Os excessos de consumo, que aliás a commissão affirma terminantemente, que não podem ter logar em caso algum, crescem n'uma progressão assustadora. Este volume de agua paga a 100 réis representa a somma de réis 1.000:000$000 em cinco annos, ou 200:000$000 réis em media por anno, que o governo ou a camara municipal teria de pagar á companhia. Ora, vou demonstrar que bem menor será a annuidade indispensavel para a liquidação da companhia, que póde fazer se com decidida vantagem para os accionistas, para o publico e para a camara municipal.

Vejâmos agora o que ha a dizer ácerca da liquidação da companhia.

Disse nos o sr. ministro, que a idéa de s. exa. e do ministerio era a da liquidação; mas que a não realisára, porque encontrara resistencia da parte da companhia; inclusivamente, a sua phrase foi esta, obteve resposta dura e feroz para todas as suas propostas de liquidação em bases, que s. exa. acabou de citar, favoraveis aos accionistas.

Devo declarar ao illustre ministro, que tambem é duro, e é esta a sua melhor qualidade alem de todas as outras, que são conhecidas do publico as causas d'essa resistencia da companhia.

E sabe s. exa. de onde ella nasce? Provem não dos primittivos possuidores das acções, mas dos novos portadores, isto é, d'aquelles que as obtiveram a preço de 21 e 22 por cento, e querem ser equiparados aos que tiveram de desembolso 50$000 réis! É por esta rasão, que não vae á assembléa geral da companhia proposta alguma de s. exa. é por esta rasão que a direcção assume a gravissima responsabilidade, n'esta resolução importante, de não consultar a assembléa geral para lhe perguntar: o que ella quer fazer e o que pensa das propostas do governo. (Apoiados.) A questão é clarissima; não vale a pena a deputado algum occupar se no parlamento de definir quaes os interesses, que se movem e agitam para impedir a liquidação.

Unicamente o que na camara se deve dizer, é a fórma por que se podem vencer esses attritos.

Convem não lhes abonar mais subsidio algum. Entregue a companhia aos seus proprios recursos, a liquidação será mais facil; porque é sabido, que a reacção feroz parte da direcção e não dos accionistas, que chegam mesmo a ignorar os actos mais importantes da direcção e as propostas

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que lhe são feitas, as quaes ella sem discussão repelle sem as apresentar á assembléa geral.

Vou agora apresentar o estado financeiro da companhia e desenvolver um plano de liquidação, que parece acceitavel; chamo a attenção dos meus collegas para este ponto.

É difficilimo pelas relatorios de certas companhias, nomeadamente a do gaz e a das aguas, fazer idéa clara das suas condições financeiras. Parece-me mesmo, que nem os proprios accionistas têem n'elles elementos para conhecer completa e perfeitamente como são administrados os seus capitães.

Farei, porém, o que poder, e corrijam-me aquelles dos meus collegas, que me encontrarem em erro.

O capital social da companhia das aguas é representado por 70:000 acções de 100$000 réis nominaes, vencendo juro na taxa de 5 por cento. Estas acções estão divididas em tres grandes grupos:

1.º Na posse dos primitivos proprietarios.

2.° Na posse de quem as comprou posteriormente.

3.° Na posse da companhia, isto é, em carteira.

Segundo os dados do relatorio de 1887, temos:

Acções

1.° e 2.° grupo. 56:783

3.° grupo. 23:217
70:000

Das 56:783 acções collocadas, as que estão nas mãos dos portadores primitivos têem o desembolso effectivo de 50$000 réis; as que passaram d'estes portadores para outros, foram negociadas por 20$000, 21$000, 22$000 réis, na maxima 25$000 réis, e talvez na media 23$000 réis.

Na impossibilidade de fazer um estudo completo, percorrendo as cotações da bolsa n'um praso largo, consultei alguem que está ao facto d'ellas, e foi-me affirmado que o preço medio não se podia considerar superior a 22 ou 23 por cento. Acceitarei 25 por cento.

Não posso precisar o numero de acções de cada grupo, o que seria util; mas pelos averbamentos será facil esta determinação, bem como a da cotação das acções na epocha de cada averbamento e do tempo em que estão em poderes actuaes portadores. Tudo isto será indispensavel para a exacta liquidação, mas não o é para o plano geral, que me proponho desenvolver.

Entendo, pois, que estes dois grupos de acções não podem, nem devem ser considerados por fórma igual, visto que as do primeiro têem um desembolso effectivo de réis 50$000, emquanto as do segundo, compradas no mercado, não representam para os seus possuidores mais do que um desembolso no maximo de 25$000 réis, devendo alem d'isso ter-se em conta os juros perdidos n'um mais largo praso para os portadores do primeiro grupo do que para os do segundo.

Na impossibilidade de fazer a distrinça, considerarei todas as acções nas condições do primeiro grupo, isto é, com o desembolso de 50$000 réis.

Os resultados dos meus calculos serão, pois, um maximo jamais attingido. Se a operação for acceitavel n'esta hypothese, mais o será nas condições reaes.

É preciso que s. exa. saiba um facto muito singular, que se dá com esta companhia.

Se s. exa. vir uma acção da companhia das aguas, encontra-a perfeitamente em dia quanto ao juro, que todavia não tem sido pago. O sr. ministro já se referiu a este facto. Tem-se feito isto da seguinte maneira: em cada semestre simula-se uma entrada de capital exactamente correspondente ao juro e por encontro paga-se este juro, que fica carimbado na respectiva acção! Diz-se que este artificio tem sido empregado para a hypothese prevista de uma futura liquidação.

Todavia é sabido, que houve o desembolso de 50$000 réis para o primeiro grupo, e de 25$000 réis, quando muito, para o segundo.

Emquanto ás restantes acções, felizmente este relatorio diz-nos alguma cousa; com effeito na relação dos accionistas, que não têem direito de fazer parte da assembléa geral, lê se:

54. Companhia das aguas.

1.ª serie 321:700$000

2.º serie 2.000:000$000

Pelo relatorio parece, pois, que estão nas mãos dos particulares 56:783 acções e na posse da companhia, ou em carteira, 23:217 acções; pelo menos é o que deprehende do que acabo de ler.

Ora 56:783 acções, se todas tivessem o desembolso de 50$000 réis representariam 2.839:150$000 réis.

Estas acções devem receber 5 por cento sobre o nominal durante noventa e nove annos; mas é preciso tambem que se attenda, a que, desde 1880 até hoje, têem recebido um juro perfeitamente ficticio, o que equivale á dizer que os accionistas não recebem juros ha sete annos.

Sr. presidente, se porventura a questão de excesso do consumo se não resolver, se for contraria á companhia a arbitragem, não é difficil de demonstrar, que por largos annos não receberão os accionistas o menor dividendo.

No caso do sr. ministro das obras publicas proporia, e sendo accionista acceitaria, a transformação d'esta somma (em numeros redondos 2.800:000$000 réis) em divida amortisavel de 5 por cento em cem semestres. A annuidade necessaria para esta operação seria de cerca de 153:000$000 réis; quantia bem inferior a que já se pede annualmente por excesso do consumo municipal, e que aliás não póde ser attingida, visto que para as acções do segundo grupo a base de calculo deve ser a cotação mais proxima da epocha do averbamento de cada acção.

Pergunto agora: se a um accionista, que tem o seu papel desacreditado e sem futuro, se offerecer a troca d'esse papel por outro garantido, amortisavel em cincoenta annos, vencendo juro na taxa de 5 por cento, não lhe pega com ambas as mãos? (Apoiados.)

Eis o que eu faria no caso do sr. ministro. Officialmente propunha á companhia por intermedio da direcção, ou sem intermedio da direcção, porque ha maneira de o fazer, a liquidação n'estas bases. Fazia-lhe esta proposta, e esperava; para ver se os accionistas, que realmente têem o desembolso effectivo de 50$000 réis, que não fizeram jogo de bolsa e não têem acções beneficiarias na sua carteira, não acceitavam o alvitre, sujeitando-se áquelles que fizeram este jogo e as compraram por sommas bem inferiores e têem menor praso de desembolso!

Ora, nós ou havemos de reconhecer os excessos do consumo, que já chegam a 1.000:000$000 réis, e tendem a crescer, ou havemos de continuar a abonar subsidios annuaes mais ou menos elevados, já concedidos por differentes ministros, sob pena de vermos fallar a companhia. Acho, ois, preferivel em logar de concedermos estes subsidios, liquidarmos a companhia, e, tomando posse das aguas, fazermos a exploração por conta do estado ou do municipio.

(Interrupção.)

Eu, apesar de não ser banqueiro, nem director de banco, nem secretario de banco, nem cousa alguma que se approxime d'isto, sei o sufficiente para desenvolver uma operação d'esta ordem. Espere v. exa. alguns minutos e trataremos das obrigações.

Isto pelo que respeita ás acções, e digo mais a v. exa.: seria possivel ir um pouco mais longe, ainda com beneficio para o estado; mas isto bastará.

S. exa., ou o ministro que se seguir n'essa pasta, diz á companhia: ou se submette ou não conte com mais subsidio concedido annualmente; e a companhia ou ha de submetter-se ou ha de fallir. Serão os proprios accionistas, que pelo seu proprio interesse hão de impellir a direcção pertinaz e feroz.

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1836 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Emquanto ás obrigações de 5 por cento, que constituem divida da companhia, eram ellas, em 30 de dezembro de 1887, 60:661, representando um capital nominal de réis 5.459:490$000, que exige a annuidade de 273:233$250 réis. Este encargo passaria para o estado ou para o municipio de Lisboa, ao qual entendo que deve ser entregue este serviço publico.

É claro, pois, que o estado ou o municipio, tomando a si a conversão das acções e as obrigações da companhia, assumirá as seguintes responsabilidades:

Conversão das acções (no maximo) 153:000$000

Annuidades das obrigações. 273:233$250
426:233$250

isto é o encargo annual da liquidação da companhia elevar-se-ha a cerca de 420:000$000 réis annuaes.

Admittâmos nós que a operação se realisa n'estas condições, que me parecem acceitaveis, e vamos a ver qual é a despeza annual resultante para este novo serviço municipal:

Encargos de acções e obrigações (maximo) 426:000$000

Canalisação de ferro (reparos e conservação) 29:000$000

Aqueductos e suas dependencias (reparos e conservação). 4:000$000

Custeio do canal do Alviella. 12:000$000

Gastos geraes da administração. 42:000$000
513:000$000

Em numeros redondos. 520:000$000

Devendo observar-se que lanço mão de todos os elementos da companhia, colhidos no relatorio, que se refere ao anno de 1887.

Vejâmos agora a receita provavel.

É preciso admittir na companhia das aguas uma administração, que não quero classificar, porque não desejo de fórma alguma desagradar a alguem, para se explicar a morosidade com que tem crescido o consumo particular da agua, e portanto, as receitas da companhia.

Vou explicar á camara porque não cresce este consumo. Qual é o rendimento da companhia actualmente?

Qual será o rendimento para a camara municipal?

Pelas contas de 1887 a companhia tem um deficit enorme.

A venda da agua n'este anno foi apenas de 240:000$000 réis.

A companhia dispoz, todavia, da seguinte quantidade de agua:

[ver tabela na imagem]

Mezes Metros cubicos em 24 horas

As aguas altas, exceptuadas as de Bellas, que, segundo o sr. ministro disse, a companhia usufruo indevidamente ha muito tempo, representaram em 1887 uma media de 6:681 metros em vinte e quatro horas.

Quanto póde trazer o canal do Alviella para Lisboa? O sr. ministro disse que não podia trazer mais de 30:000 metros. Os engenheiros que fizeram parte da commissão e elaboraram este relatorio, os srs. Ressano Garcia e Candido de Moraes dizem que o canal póde trazer 41:166 metros cubicos.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Essa é a medição das nascentes do Alviella, mas é impossivel trazer a agua toda.

O Orador: - Está enganado. Quando se fez a medição das nascentes do Alviella na estiagem deram 48:000 metros. Aquelle algarismo representa o que comporta o aqueducto do Alviella.

Se a companhia precisa de expropriar algum moinho e azenhas, servidas pelo rio Alviella, que os exproprie, porque a obrigação da companhia é trazer a Lisboa a quantidade de agua, que comporta o seu canal.

É certo que o Alviella póde dar a Lisboa 41:166 metros cubicos de agua por dia.

Terá, portanto, a companhia, o estado, ou a camara, ou quem a substitua, em media em cada vinte e quatro horas, das aguas altas e do Alviella, 48:341 metros; não attendendo ás aguas de Bellas.

Dou-lhe para fugas, perdas e para o resto 3:341 metros, o que é demasiado, e contento-me com 45:000 metros cubicos em media diaria.

Este calculo é perfeitamente exacto, e fundado sobre o relatorio de dois engenheiros, que estudaram a questão.

Se a estes 45:000 metros tirarmos a terça parte, ficam 30:000 metros por dia, que a companhia póde pôr á disposição do consumidor particular.

Agora, supponhamos que nos seis mezes de verão se gastam 30:000 metros diarios, e que nos seis mezes de inverno se gasta metade; temos por anno mais de 8.000:000 de metros cubicos, que se forem vendidos a 100 réis produzirão 800:000$000 réis.

Porque é que a companhia não embaratece a agua?

Porque é rotineira em tudo, nas idéas de administração como nas politicas, (Apoiados.) nas idéas agricolas, (Apoiados.) como nas industriaes. (Apoiados.)

Não conhece, ou parece ignorar o phenomeno conhecido de todos, que os productos de primeira necessidade quanto mais baratos são, tanto mais consumo têem. A companhia prefere não trazer as aguas a Lisboa, ou deital-as ao Tejo, a rebaixar a sua soberania, e em vez de as vender a 100 réis, vendo as teimosamente a 200 réis. (Apoiados.)

Acabe-se com aquelle regimen, quebre-se aquella velha tradição, e v. exa. verá immediatamente gastar-se agua em abundancia; porque, v. exa. sabe-o tão bem como eu, hoje a tendencia da civilisação é empregar mais e mais agua, logo que o seu preço seja diminuto.

Realmente para as classes pobres o emprego da agua, custando cada metro cubico 260 réis, não é convidativo. Este preço pouco menos representa do que o dos antigos e classicos barris de aguadeiro.

Embarateçam o producto e verão rapidamente crescer o consumo.

Se d'esta receita de 800:000$000 réis, que não tenho duvida em affirmar á camara, que corresponderá ao consumo de Lisboa, dentro de alguns annos de boa administração por conta do estado ou da camara municipal, tirarmos 520:000$000 réis, em que calculo o maximo da despeza, teremos um saldo de 280:000$000 réis.

É certo, que para o canal do Alviella funccionar em condições regulares são precisas obras complementares importantes; dou-lhe para este effeito 1.000:000$000 réis, amortisaveis em cincoenta annos a 5 por cento, que exigem uma annuidade de 55:000$000 réis, fica ainda um saldo ma-

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SESSÃO DE 2 DE JUNHO DE 1888 1837

gnifico de 225:000$000 réis por anno para quem souber explorar aquelle manancial!

Perguntar-me hão s. exas. agora, porque é que a companhia com calculos tão claros e tão faceis, que de certo deve ter feito, não seguiu de ha muito este caminho?

Á companhia não é facil seguil-o, ainda que o queira; porque para o fazer será preciso talvez perder durante alguns annos.

A primeira reducção importante do preço não corresponderá, provavelmente, a um proporcional augmento de consumo. É necessario habituar o publico a gastar agua; este habito vem com certeza, mas póde demorar-se; ora a companhia que já se acha em condições deploraveis, não poderia resistir á diminuição dos seus actuaes rendimentos.

Não o póde fazer hoje, mas poderia tel-o realisado outr'ora se fizesse um appello claro aos seus accionistas, e, mostrando-lhe á evidencia esta verdade, lhes pedisse o sacrifício de mais capital para valorisar os grandes capitães já compromettidos.

Ora, é exactamente este processo, que o estado ou a camara podem com facilidade realisar.

Ainda uma outra rasão difficulta á companhia qualquer tentativa de reforma; a opinião publica revolta-se contra ella como já se revoltou contra a companhia do gaz; tudo quanto d'ellas venha é mal recebido e causa de desconfiança.

A indisposição attinge taes limites, que chega por vezes a ser injusta.

É o que está succedendo com a celeberrima companhia do gaz, é o que ha de acontecer com a das aguas, se o bom senso dos accionistas d'esta companhia não os compellir para a liquidação, que salvaguarda os interesses de todos: da camara, dos accionistas e do publico.

Francamente, com o maior prazer, vi que um dos mais conspicuos membros da maioria, força é confessal-o, porque gosto de fazer justiça a amigos e adversarios politicos, o sr. Oliveira Martins apresenta no Reporter opiniões identicas ás minhas, sobre a conveniencia de entregar á camara municipal a administração das aguas, que abastecem Lisboa, por meio de qualquer transacção util para todos.

V. exas. comprehendem, que esta concordancia de opiniões com um cavalheiro, considerado justamente um dos mais distinctos publicistas portuguezes, que póde ter pequenos defeitos, como tem toda a gente, mas a que ornam tambem qualidades de primeira ordem, me agrada summamente.

A esta opinião me acolho, porque com ella combinam as minhas affirmações.

E terminando, direi ao sr. ministro das obras publicas que, se s. exa. não está, ligado a responsabilidade alguma emquanto ao passado, tem a grave responsabilidade de ter dito n'esta camara, s. exa., membro do poder executivo, que não sabe o que deva fazer para o futuro.

Sr. presidente, a administração de expedientes é peior ainda do que a politica de expedientes. Não saber o que se faz, ou o que se deve fazer, é peior, a meu ver, do que errar inconscientemente.

Ha deveres de cargo, e o elevado cargo de ministro não permitte uma tal resposta. O valor pessoal do sr. Emygdio Navarro e o seu talento tambem não consentem similhante affronta. É necessario resolver as difficuldades e resolvel-as bem e rapidamente.

Acceite s. exa. o meu alvitre. Ponha de parte vaidades, que supponho indignas de s. exa., mas que têem muitos ministros, e que os leva a não acceitarem nada, mesmo ainda que provenha da sua maioria. Acceite o meu alvitre. Proponha aos accionistas da companhia das aguas a transformação das acções em obrigações amortisaveis e verá como sabe depressa o que ha de e póde fazer.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Faça o illustre deputado com que os accionistas apresentem essa proposta, que eu acceito-a.

O Orador: - Use v. exa. da sua iniciativa e proponha-lhe a liquidação; é mais seguro.

Esquecia-me ainda um ponto de que vou occupar-me succintamente.

Disse o sr. ministro das obras publicas, e com rasão, que em breve Lisboa terá grande falta de agua, principalmente para os usos municipaes, o que é profundamente verdadeiro; por emquanto essa falta não é sensivel; ha de sel-o d'aqui a alguns annos. (Apoiados.)

Quer v. exa. saber como se resolve esta questão? Calculei o terço da camara municipal em 15:000 metros cubicos diarios. Emquanto o consumo publico não gastar os 30:000 metros cubicos que lhe ficam por dia, a parte correspondente ao municipio póde ser muito maior, sem inconveniente algum.

Logo, porem, que passar de 30:000 metros cubicos, diminuo a quantidade municipal; o processo para resolver esta difficuldade parece me simples.

No dia em que o consumidor particular gastar os 45:000 metros de agua, que eu calculo que podem fornecer o Alviella e as aguas altas, suppondo mesmo que a agua é vendida a 100 réis o metro, os 15:000 metros cubicos, hoje attribuidos aos usos municipaes, produzirão uma annuidade importante.

(Interrupção.)

Não sou partidario das avenças, prefiro os fornecimentos para o publico, com torneira graduada e contador aferido. Não entrarei n'esta questão technica, que não é para o parlamento; mas se s. exa. quizer não tenho duvida de a expor em occasião mais conveniente.

Como ia dizendo, quando chegar esse momento, os 15:000 metros diarios, vendidos ao publico a 100 réis, dão somma sufficiente para serem realisadas grandes obras, que Lisboa ha de fazer mais tarde ou mais cedo.

Parta v. exa. do principio de que Lisboa é uma cidade renascente; apesar de ser muito antiga, debaixo do ponto de vista da civilisação moderna, está nascente.

Os nossos serviços municipaes são conhecidos. A rega das ruas faz-se por processos, que são engenhosamente hygienicos. (Riso.)

A agua abundante é um elemento de salubridade, elimina as causas de putrefacção; mas a carroça municipal, deitando agua pingo a pingo, humedecendo a terra, enxambrando-a, como se costuma dizer, prepara-a admiravelmente.

A fermentação putrida precisa de tres elementos: a substancia organica, a humidade e o calor favoravel de cerca de 50 graus centigrados. Pois bem, nos mac-adms está a materia organica, a carroça municipal produz a humidade e o nosso bello sol de verão dá o calor necessario; por isso, uma hora depois das regas, as nossas ruas estão em plena fermentação putrida.

No Chiado, por exemplo, não se podia passar ao cair da tarde, tão activa era a fermentação pútrida n'aquelle mac-adam, a camara mudou este systema para o da calcada com parallelipipedos de granito, e esta causa de salubridade modificou-se, gritando apenas os srs. marialvas porque os cavallos escorregam. Que andem de vagar, se quizerem.

Parece-me, pois, que em breve teremos de estudar novo abastecimento de agua para a capital; para receita temos, como já disse, l5:000 m3 diarios de excellente agua potavel, que podemos vender ao publico.

Supponhamos que vendemos essa agua na seguinte proporção:

Mezes de inverno - 180 dias a 7:500m3. 1.350:000m3

Mezes de verão -180 dias a 15:000m3 2.700.000m3
4.050:000m3

este volume daria 400:000$000 réis, vendido a 100 réis o

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metro, somma mais do que sufficiente para levantar um emprestimo de 6.000:000$000 réis.

A resolução do problema está em ír buscar ao rio Tejo, em ponto onde não cheguem as marés, toda a agua que nós quizermos. E estou quasi em dizer a v. exa., que não custará este canal ou aqueducto mais de 3.000:000$000 réis.

A agua do Tejo, n'estas condições, não será boa para usos domesticos, mas é excellente para os municipaes.

O producto da venda de toda a agua potavel actualmente existente dá de sobra para todas as obras, como demonstrei, e deixará ainda importante saldo.

A questão das aguas resolver-se ha, pois, com bom senso, intelligencia, e vontade firme; nenhum d'estes predicados falta ao sr. ministro das obras publicas.

O sr. ministro mostrara que não tinha responsabilidades ligadas a este negocio. Não terá no passado; tinha-as, porem, no futuro.

O alto logar que occupa e o seu talento obrigam-n'o a medidas prudentes e energicas para obviar a futuras o quasi insuperaveis difficuidades. A sciencia de governar exclue os expedientes e impõe aos governantes a necessidade de um plano, que, na provisão de futuras difficuldades, as evite em tempo opportuno.

Opportuna é, pois, no meu entender, a liquidação da Companhia.

O meu plano reduz-se a pouco: converter as actuaes acções em obrigações amortisaveis, tomando para base o valor do desembolso effectivo de cada uma; 50$000 réis se estiverem na mão dos primitivos portadores, a cotação mais elevada e proxima, que antecedeu o averbamento, para os restantes; passar para o estado ou para o municipio o encargo das obrigações da companhia.

Por esta fórma, e em muito pouco tempo, a exploração das aguas em Lisboa será copiosa fonte de receita para a camara, e o publico terá o beneficio de poder gastar agua mais barata e em abundancia.

Para conseguir isto bastará propor a liquidação á companhia, affirmando-lhe que não receberá mais protecção do estado. Não resistirá por certo, porque os accionistas comprehenderão os seus interesses e o perigo de uma recusa.

Tenho dito.

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Mando para a mesa uma proposta de lei que diz respeito á reorganização da administração financeira da contabilidade publica do ultramar.

Tendo em conta o adiantado da sessão, dispenso-me de a lei, visto ter de ser lida de novo na mesa.

Leu-se na mesa:

(Vae publicada no fim da sessão a pag. 1845.)

O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Mando para a mesa duas propostas de lei. Uma tem por fim reformar a escola do exercito, e a outra attender á situação do antigo grupo dos officiaes reformados.

(Vão publicadas no fim da sessão a pag. 1847.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Mando para a mesa o Livro branco, relativo ás negociações ácerca de Zanzibar. Hoje mesmo terão sido remettidos á camara 180 exemplares, e eu pedia a v. exa. que os mandasse distribuir.

Espero que até meado da proxima semana possa tambem ser distribuido o Livro branco, relativo ás, negociações com a China, sendo então publicado o tratado feito com aquella potencia.

(S. exa. não reviu.)

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Leu-se, na mesa o projecto de lei n.° 50.

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 50

Senhores. Á vossa commissão de marinha foi presente a proposta de lei n.° 34-E, fixando a força naval para o anno economico de 1888-1889.

É incontestavel a necessidade de augmento, tanto no pessoal como na parte material da nossa marinha; mas não póde, ao mesmo tempo, deixar de reconhecer a vossa commissão a impossibilidade de conseguir, sem o decurso de algum tempo, a transformação que seria para desejar.

N'estes termos, e confiada em que este assumpto continuará sempre a merecer a attenção do governo, tem a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A força naval para o anno economico de 1888-1889 é fixada em 2:982 praças, distribuidas por um navio couraçado, tres corvetas e dez canhoneiras de vapor, uma lancha, dois transportes, uma barca, uma fragata escola de artilheria naval, duas corvetas escolas de alumnos marinheiros, e um rebocador.

Art. 2.º O numero e qualidade dos navios armados poderá variar, segundo o exigir a conveniencia do serviço, comtanto que a despeza não exceda a que for votada para a força que se auctorisa.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de marinha, 12 de maio de 1888. = A. L. Guimarães Pedroza = A. Baptista de Sousa = Augusto Ribeiro = Luiz da Cunha de Mancellos = Dias Mazziotti = Antonio Maria Jalles = Joaquim Heliodoro da Veiga = F. J. Machado = D. Pedro de Lencastre, relator.

N.° 34-E

Artigo 1.° A força naval para o anno economico de 1888-1889 é fixada em 2:982 praças distribuidas por um navio couraçado, tres corvetas e dez canhoneiras de vapor, tres vapores, uma lancha, dois transportes, uma barca, uma fragata, escola pratica de artilheria naval, duas corvetas, escolas de alumnos marinheiros, e um rebocador.

Art. 2.° O numero e qualidade dos navios armados podem variar, segundo o exigir a conveniencia do serviço, comtanto que a despeza não exceda a que for votada para a força que se auctorisa.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 12 de abril de 1888 = Henrique de Macedo.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.

O sr. Ferreira de Almeida: - Entende que a força naval, quer com respeito ao material, quer ao pessoal, carece de profunda reforma; mas tendo o governo declarado no discurso da corôa e consignando se no parecer que esta questão será opportunamente tratada, abstem-se de fazer a critica, aguardando a apresentação dos respectivos projectos para então largamente os apreciar.

Mostrou que principalmente o quadro do pessoal de machinas é deficientissimo e carece de immediata providencia, por isso que o existente apenas dá para vinte e dois navios, quando o material fluctuante é de trinta e dois, devendo alem d'isso haver pessoal para revesar no serviço pela mesma fórma e pelos mesmos motivos por que se procede com o material.

Que, conforme referira em 1885, e rectificando agora um erro de typographia, carecemos de quatro a seis navios de grande força, de 4:000 a 4:500 toneladas, devendo o restante material ser de duas classes de typo uniforme.

Que não parecesse á camara extraordinaria a tonelagem dos grandes cruzadores, porquanto, ainda ha pouco tempo, a Inglaterra comprou á companhia Cunard, que faz a carreira da America do Norte, o vapor Umbria de 7:500 toneladas e de 20 milhas de marcha.

Referiu-se ainda ás condições e estado do pessoal inferior da armada e terminou declarando que aguardava as reformas promettidas pelo governo.

(O discurso de s. exa. será publicado em appendice a esta sessão logo que restitua as notas tachygraphicas.)

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SESSÃO DE 2 DE JUNHO DE 1888 1839

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Não pedi a palavra para defender propriamente o projecto, porque o illustre deputado, pelas rasões que expoz, não o combateu.

S. exa. reconheceu que os problemas para que em 1885 pediu a especial attenção do governo, em mui sensatas observações, já estavam em via de resolução.

E não é por falta de esforços do governo, acrescento eu, que esses problemas não têem a sua resolução mais adiantada.

Posso assegurar ao illustre deputado que, se a organisação completa da marinha portugueza, tal como eu a imaginei, e como a podia imaginar um individuo estranho á corporação, não está mais adiantada, foi porque a commissão incumbida de preparar os primeiros trabalhos não póde, e não porque não quizesse, desempenhar se em tão curto praso da missão que lhe foi confiada, apesar do seu muito zêlo e do seu grande desejo de que os seus estudos tivessem cabido no menor periodo de tempo possivel.

Comprehende-se bem que uma commissão, embora composta de officiaes zelosos e distinctos, mas encarregada de apresentar ao governo não só a reorganisação do material da marinha portugueza, mas a reorganisação do quadro do pessoal e a modificação das regras de serviço, para a mais completa e perfeita organisação d'esse pessoal, comprehende-se, digo, que, por maiores que fossem os seus esforços, mal podesse desempenhar-se de todo esse trabalho n'um praso curtissimo.

Não foi, pois, por falta de assiduidade, de zêlo e de trabalho d'essa commissão, nem por falta de desejo da parte do ministro, que esse trabalho ainda não está concluido.

Está, por assim dizer, chegada ao seu termo a sessão legislativa, e eu posso assegurar á camara e ao illustre deputado, que tambem não foi que eu encontrasse, como era aliás possivel, no meu collega da fazenda, resistencia a trabalhos, que iam volumar a despeza publica. Comquanto, n'este caso especial, esse acrescentamento de despeza fosse perfeitamente justificado, não foi resistencia da parte d'esse meu collega, o que fez com que este trabalho não esteja mais adiantado, porque s. exa. mostrou sempre a sua completa annuencia á asserção que o governo fez no discurso da corôa, de que ia occupar-se incessantemente da reorganisação da armada portugueza.

S. exa. no seu discurso sobre o assumpto fez uma serie de indicações e de considerações, que serão de certo aproveitadas ainda pela commissão que está nomeada para estudar o assumpto; e serão tambem aproveitadas pelo ministro, porque são, de facto, muito uteis e aproveitaveis.

E tanto mais estão no caso de serem aproveitadas essas indicações, quanto é certo que a commissão não póde entregar ao ministro senão a parte da reorganisação que diz respeito ao material, e que, sobre esse trabalho, tem ella ainda de fazer um novo estudo para attender a um facto importante que, no primeiro estudo, não foi inteiramente considerado.

Refiro-me á defeza maritima do porto de Lisboa, sob o ponto de vista da marinha militar, porque esta especialidade, comquanto fosse, até certo ponto, considerada pela commissão, não o foi por maneira tão completa, que eu não deseje que ella volte a estudar a reorganisação do material, ainda sob esse ponto de vista.

Pelo que respeita á reorganisação do pessoal, estamos ainda perfeitamente a tempo de, na commissão, se aproveitarem indicações, como aquellas que foram feitas em logar tão solemne e publico como este, pelo illustre deputado, pois que a commissão tem trabalhos promptos, que já mandou imprimir, em primeiras provas, na imprensa nacional, trabalho realisado por uma sub-commissão, para depois ser estudado e discutido ainda pela commissão completa.

S. exa. fez ainda uma indicação especial que tenho muito a peito satisfazer promptamente. É aquella que diz respeito à classe dos machinistas da armada.

Tenho encontrado graves difficuldades em resolver de prompto o problema, não obstante todo o meu desejo, que não é por fórma alguma inferior ao de s. exa.

Não é facil, por meio de providencias legaes alcançar, não uma organisação futura e bastante na corporação dos machinistas da armada, mas obter immediatamente, como é necessario, que o numero de machinistas habilitados para servir n'ella, seja maior do que é realmente.

Uma providencia tomada, uma providencia necessaria, como detalhe, por assim dizer, como pormenor da reforma da escola naval que ha de contribuir, em curto praso, para haver mais facilidade e obter machinistas da armada com a reducção feita no curso da escola naval de dois a um anno.

Entretanto, continua a occupar-me da solução do problema para poder apresentar alguma cousa á camara sobre este ponto, ainda n'esta sessão, esperando assim satisfazer os desejos do illustre deputado.

Tenho dito.

O sr. Serpa Pinto: - Serei muito breve.

Começo por declarar que teria muito que dizer sobre o projecto em discussão, se não julgasse mais conveniente para o bom andamento dos negocios publicos não me espraiar agora em largas considerações.

Ha, comtudo, um assumpto sobre que desejo muito especialmente chamar a attenção do sr. ministro da marinha e com que s. exa terminou o seu discurso.

Refiro-me aos machinistas da armada.

Quero lembrar ao sr. ministro que s. exa. vae, dentro em muito pouco tempo, precisar de machinistas não só para os navios de guerra, mas tambem para os vapores que é indispensavel haver nas nossas colonias; e s. exa. sabe que, contratar esses machinistas lá fóra, custa muito caro.

O sr. ministro da marinha, segundo informou ha pouco, vae fazer uma reforma de modo a poder augmentar o numero de machinistas da armada.

Ora, eu julgo conveniente que esse numero seja augmentado até ao ponto de haver machinistas para todos os vapores que forem precisos para navegarem nos mares e rios das nossas colonias.

Era isto o que eu pedia a s. exa. que tomasse em consideração; porque uma das difficuldades que se apresentam, para se dotar a Africa com os vapores de que precisa, é inevitavelmente a falta de machinistas. Actualmente são elles tão necessarios para esse fim, como são para os navios de guerra.

E limito a isto as minhas considerações.

O sr. Presidente: - Ninguem mais está inscripto; vae ler-se o projecto para se votar a generalidade.

Leu-se e foi approvado.

O sr. Presidente: - Passa-se á especialidade. Vae ler-se o artigo 1.°

Leu-se, e não havendo quem pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado.

Successivamente foram do mesmo approvados os restantes artigos.

O sr. Carrilho: - Por parte das commissões de fazenda e de administração publica, mando para a mesa o parecer sobre a proposta de lei n.° 10-D.

A imprimir.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do orçamento rectificado

O sr. Presidente: - Vão ler-se as propostas que foram mandadas para a mesa pelo sr. Teixeira de Vasconcellos na sessão nocturna de hontem.

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Leram-se as seguintes:

Propostas

1.ª Proposta de emenda ao § 2.° do n.° 2.° do artigo 1.° A importancia dos depositos, feitos e a fazer, em caução de concessões, realisadas ou a realisar, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, que ficar perdida a favor da fazenda nacional, por não terem sido cumpridas as clausulas das mesmas concessões, e que, n'esses termos, constitue receita geral do estado, será applicada pelo governo á organisação dos campos de demonstração. = Teixeira de Vasconcellos.

2.ª Artigo 1.°, n.° 13.º Os donos ou usufructuarios de um ou mais predios situados no mesmo concelho, quando a totalidade da contribuição que houverem de pagar seja inferior a 200 réis. = Teixeira de Vasconcellos.

3.ª Proponho que o n.° 6.º do artigo 11.° fique assim redigido:

Que nas avaliações se tome quanto possivel por typo a renda dos predios arrendados, escolhendo-se para cada localidade e para cada especie de predio o arrendamento que melhor pousa servir de modelo para as comparações, e tendo-se em vista unicamente a importancia da renda para o senhorio.

§ unico. Fica assim igualmente modificado o artigo 58.° do regulamento de 25 de agosto de 1881. = Teixeira de Vasconcellos.

4.ª Artigo 12.° Haverá em cada concelho uma commissão extraordinaria, e que se denominará junta fiscal da reforma das matrizes. Esta junta será, composta de sete membros effectivos e sete supplentes, eleitos pelos quarenta maiores contribuintes.

São membros natos d'estas juntas o escrivão de fazenda, o conservador, o juiz de direito e o delegado do procurador regio.

§ 1.° A presidencia da junta será occupada pelo presidente da camara, pelo seu substituto ou pelo juiz de direito da comarca. = Teixeira de Vasconcellos.

5.ª Artigo 13.° As juntas fiscaes terão a seu cargo zelar, promover e garantir a conformidade legal das matrizes e nomear o pessoal encarregado do serviço da reforma das matrizes.

Os louvados e os secretarios serão sempre escolhidos de entre os individuos que se entreguem aos trabalhos agricolas ou que melhor os conheçam.

§ 1.° Das nomeações feitas pela junta póde haver recurso para o delegado do thesouro, interposto pelo escrivão de fazenda, podendo este annullar as nomeações feitas, e tendo n'este caso a junta de proceder a nova nomeação. = Teixeira de Vasconcellos.

6.ª Artigo 58.°, § unico:

As officinas de lavoura, considerando-se como taes as casas de maita, palheiros, abegoarias o celleiros annexos a predios rusticos, e que servirem exclusivamente para recolher os jornaleiros ou empregados no amanho das terras, os generos, os gados e os instrumentos agricolas, nunca poderão ser considerados para a fixação do rendimento collectavel dos predios rusticos, excepto quando forem arrendados ou cedidos gratuitamente. = Teixeira de Vasconcellos.

7.ª Artigo 60.° Na descripção de um predio, em parte rustico e em parte urbano, será louvada e especificada sómente a parte rustica. = Teixeira de Vasconcellos.

8.ª Artigo 78.° A reducção a dinheiro do rendimento bruto em generos será feita pelo termo medio dos preços correntes dos generos nos ultimos tres annos anteriores á vigencia das novas matrizes. = Teixeira de Vasconcellos.

9.ª Fica extincto o artigo 81.°, como sendo contrario ao principio fundamental consignado no n.° 1.° do artigo 11.° da lei de 17 de maio de 1880. = Teixeira de Vasconcellos.

10.ª Sendo os matos e as lenhas um dos factores da producção e da laboração da propriedade, proponho para que deixem de servir para a determinação do rendimento collectavel, excepto quando o seu excesso represente um valor apreciavel e separado da cultura da terra. = Teixeira de Vasconcellos.

Foram todas admitidas ficando juntamente em discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se tambem uma moção do mesmo illustre deputado.

Leu-se. É a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo a necessidade de remodelar em bases justas, equitativas e seguras o serviço da reforma das matrizes, o sustentando a necessidade de organisar o ensino pratico agricola de um modo proveitoso e efficaz, continua na ordem do dia. = Teixeira de Vasconcellos.

Foi admittida ficando, em discussão.

Deu-se conta da ultima redacção do projecto de lei n.º 50.

O sr. Carrilho (relator): - Responde ás considerações feitas pelo sr. Teixeira de Vasconcellos, cujas propostas requer que sejam enviadas á commissão.

(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Guilherme de Abreu (sobre a ordem): - Eis a minha moção de ordem:

«Proponho que se prorogue por mais tres annos o praso para a revisão das matrizes prediaes.»

Sr. presidente, antes de entrar restrictamente no assumpto d'esta proposta, permitta-me v. exa. que eu registe com profundo sentimento um facto, que me parece inteiramente novo nos annaes parlamentares e que, se não tem em si grande importancia, póde ser de funestas consequencias, como precedente, se não é já um triste symptoma da decadencia do systema, representativo entre nós.

O orçamento rectificado e a prorogação do praso para a feitura das matrizes prediaes, duas proposições de lei completamente distinctas, pelo seu conteudo e objectivos já instruidas com os pareceres de commissões differentes e ambas separadamente em ordem do dia, como ainda o estão na respectiva tabella, foram á ultima hora enfeixadas n'este projecto, não sei com que auctoridade, em nome de que principio, estylo ou praxe, e apenas sob o especioso fundamento de ser urgente a segunda, a mais singela e de menos discussão, quando era justamente por esse motivo que, em vez de se enfeixar com a outra, devia ser discutida em separado e primeiramente, para mais cedo puder ser convertida em lei. (Apoiados.)

Esta rasão illogica e contradictoria não podia ser a que determinou a illustre commissão do ornamento; outra a demoveu, embora não expressa no parecer, e foi seguramente o desejo de encurtar e cercear a discussão das duas propostas, atando-os uma á outra.

De modo que, se até aqui já era uso e regra para cada projecto, ainda o mais complicado, um só artigo e uma unica discussão, temos agora um só artigo e uma só discussão para dois projectos, que em nada se parecem um com o outro, ámanhã teremos um projecto, um artigo e uma discussão para todas as propostas de cada ministerio, depois um projecto, um artigo e uma só discussão para as propostas de todos os ministerios, até que se acabe de

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vez com este phantasma de discussão que tanto incommoda e apavora o governo, de accordo com o qual, se não por instancias suas, se fez o amalgama hybrido. (Apoiados.)

Sr. presidente, o precedente fica estabelecido e ha de fructificar, porque as idéas, boas ou más, uma vez admittidas, não param, caminhando até chegarem ao termo da sua evolução.

Por isso eu protesto muito solemnemente contra a doutrina que se quer inaugurar n'este projecto para não ter que lhe acceitar mais tarde as legitimas e naturaes consequencias.

N'estas palavras não vão, porém (nem para tanto eu teria auctoridade ou competencia) a mais ligeira censura á illustre commissão do orçamento, que procedeu e alvitrou, como teve por mais conveniente ou consentaneo aos interesses publicos e seguramente com muito mais acerto, do que eu estou fallando.

Mas tambem não poderá estranhar-se que um velho liberal e espiritualista convicto e que d'esse sambenito faz gala n'esta quadra de realismo Zola, se magoe e proteste e volte com saudade para o passado, quando vê sobrepor assim os negocios aos principios. (Apoiados.)

O registo está feito e o protesto lavrado. Seguia-se entrar agora na justificação da minha proposta; mas não vejo presente o nobre ministro da fazenda, e tendo de referir-me a varios actos da sua responsabilidade, e mesmo de dirigir perguntas a s. exa., não sei como o possa fazer na sua ausencia.

Consta-me que o nobre ministro está dentro do edificio, e se v. exa. quizesse ter a bondade de o avisar para comparecer, muito me obrigaria.

(Pausa).

Se s. exa. não póde comparecer, serei forçado a continuar na sua ausencia, o que em verdade me repugna.

O sr. Presidente: - O sr. ministro da fazenda está na commissão.

O Orador: - Affirma-me agora o illustre relator da commissão que o nobre ministro comparece breve. Confiado n'esta promessa, continuo e vou já fundamentar a minha moção.

Sr. presidente, deferindo á proposta do governo, propõe a commissão do orçamento, como já tinha proposto a de fazenda, que se prorogue mais um anno o praso para a revisão das matrizes prediaes.

Mas esta prorogação é visivel e manifestamente insufficiente, attento o estado em que se encontra o serviço das novas matrizes, segundo as informações que nos dá no seu relatorio d'este anno o nobre ministro da fazenda; e tão manifestamente insufficiente o considero, que mal attinjo o motivo por que tão escassa e diminuta se requereu, quando ninguem melhor do que s. exa. sabia, que então curto praso lhe era de todo o ponto impossivel desempenhar se do encargo que tomava sobre si.

Receio de que a camara lh'a não concedesse mais ampla por sem duvida não foi, pois o governo bem sabe que a maioria lhe não recusa cousa alguma que elle julgue necessaria ou util para manter-se e ficar, e, se fosse possivel, até á consummação dos seculos. (Apoiados.)

Tambem não supponho que o governo quizesse illudir o parlamento, reservando-se para solicitar mais tarde uma outra prorogação, que esse expediente, sobre desnecessario o inutil, seria para todos menos digno.

Resta só uma explicação, que naturalmente deriva dos dois relatorios financeiros do governo (o d'este anno e o do anno passado), e que ainda assim me custa a admittir, porque é de todas o peior; que o governo intente concluir depressa este serviço, seja como for, comtanto que d'elle lhe venha a figuração de um rendimento collectavel, que o habilite para acudir de prompto aos sofrimentos da nossa lavoura com o beneficio de um milhar de contos de réis de augmento na contribuição predial. (Apoiados.)

Não assevero que seja este o seu proposito, porque o não deve ser, mas affirmo e espero demonstrar que só tumultuariamente ou de salto, não guardando os termos e solemnidades legaes e regulamentares, nem respeitando os direitos e legitimos interesses dos contribuintes seria praticavel concluir a revisto dentro de tão curto espaço de tempo.

Se não vejamos, comparando, á face dos dados officiaes o serviço feito com o que está por fazer, e o tempo em que um se fez com o que se reputa sufficiente para acabar o outro.

Findou a revisão em sete districtos, nos tres dos Açores e nos quatro do Alemtejo e Algarve, e está apenas começada ou por ultimar nos quatorze restantes; mas em tres d'aquelles, nos de Evora, Beja e Faro, já estava finda ao tempo da promulgação da lei de 17 de maio de 1880, e por isso, desde então até ao principio d'este anno, só terminou em quatro districtos, que são justamente os menos importantes de todos.

Ora, se quasi oito annos foram necessarios para rever quatro districtos, será rasoavel suppor que pouco mais de um anno ou dezeseis mezes bastem para rever quatorze, acrescentando aos doze mezes da prorogação proposta os quatro da prorogação anterior?

Estão muito adiantados os trabalhos de revisão n'estes quatorze districtos, dir-se-ha, talvez.

Pois colloquemos a questão n'esse terreno, confrontando o serviço feito com o que está para fazer, não por districtos, mas por freguezias e matrizes, e o resultado d'este confronto não será diverso d'aquelle.

São 3:971 as freguezias do continente do reino e ilhas adjacentes.

Deduzindo 270 dos tres districtos já revistos em 1880, ficam 3:696.

D'estas está, conforme o relatorio ministerial, concluido o serviço com resultados conhecidos em 1:023, ainda por iniciar em 1:340 e consequentemente por acabar em 1:114, isto nos quatorze districtos não ultimados.

Pois se, em quasi oito annos, só póde concluir-se a revisão em l:023 freguezias, será licito presumir que em dezeseis mezes se acabe em 2:409 parochias, em mais de metade das quaes nem sequer tinha começado no principio do anno corrente?

Pois ha de fazer-se em dezeseis mezes mais do dobro do que se fez em cerca de oito annos? (Apoiados.)

Poderá ainda redarguir-se, com fundamento n'uma das allegações do relatorio financeiro d'este anno, que os trabalhos correram frouxamente a principio e só continuaram com actividade e vigor nos ultimos nove mezes do anno proximo findo, não devendo por isso argumentar-se com o que se fez, quando se trabalhou pouco, para o que póde fazer-se, trabalhando-se assidua e deligentemente.

Era o ultimo reducto, em se podia entrincheirar o governo para defender a sua proposta; mas penso que não será difficil desalojal-o de lá.

Assentemos a resposta n'uma premissa irrecusavel para o governo, tomando por base do calculo e termo de comparação o trabalho executado n'esse periodo de excepcional energia e actividade, em que o governo envidou todas as diligencias e esforços para adiantar a revisão.

O que se fez n'esses decantados nove mezes?

Concluiram-se 542 matrizes, ou antes, para me servir precisamente, da phrase do relatorio, porque esta phrase tem uma significação que logo apreciaremos, concluiu-se o serviço com resultados conhecidos em 542 freguezias, que tal é a differença que vae das 481 que vinham do relatorio anterior para as 1:023 que existiam no principio d'este anno.

Se em nove mezes se ultimou o serviço em 542 freguezias, em quantas se deverá ultimar em dezeseis mezes trabalhando com a mesma energia e actividade?

Em 963, responde a arithmetica.

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Mas as matrizes não principiadas ou por acabar eram 2:459.

Logo, no fim do periodo proposto, ficarão ainda a descoberto 1:496.

Não se dirá de certo que no anno da prorogação só póde trabalhar ainda mais, porque o governo declara no seu relatorio que nos referidos nove mezes se adiantou o serviço, quanto era possivel, attenta a falta de pessoal competente e habilitado, e como esse pessoal se não decreta nem improvisa, segue-se que a falta d'elle ha de obstar de futuro ao maior progresso dos trabalhos, como até aqui obstou.

Portanto, qualquer que seja o aspecto, sob que se encare o problema, a solução é sempre a mesma: insufficiencia do praso proposto e necessidade de o ampliar por um periodo muito mais largo. (Apoiados.)

Note v. exa. que eu argumentei até aqui cingindo-me textualmente ás allegações e informações do relatorio d'este anno sem as apreciar nem contrastar com outros documentos, tambem officiaes e da mesma força e proveniencia, pois se as apreciasse e contrastasse, o resultado seria ainda bem mais desfavoravel para a proposta do governo, porque o serviço está realmente muito menos adiantado do que pretende inculcar se n'aquelle relatorio.

Parece inferir-se d'elle que temos pelo menos ultimadas nos quatorze districtos essas 1:023 matrizes, em que o serviço se diz concluido com resultados conhecidos, mas não temos talvez mais de metade d'este numero.

A these póde afigurar-se arrojada, mas cuido que a hei de demonstrar cabalmente.

Quando li, pela primeira vez, o relatorio actual na parte concernente á revisão das matrizes, intrigou-me de veras a distincção que n'elle se faz de freguezias revistas ou serviço concluido nas freguezias, com e sem resultados conhecidos.

Não podia comprehender que uma matriz estivesse concluida sem que d'ella se conhecessem os dois resultados, que o governo constata no relatorio, numero dos predios inscriptos e somma do seu rendimento collectavel, que são justamente os mais faceis de sabor, porque se conhecem por um simples relancear de olhos para a ultima pagina da matriz.

Cotejando esse relatorio com o do anno anterior, é que eu percebi o que era, no dizer d'elles, um e outro serviço.

Serviço terminado sem resultados conhecidos é unicamente o das inspecções prediaes, e com resultados conhecidos é já o de matrizes, tanto definitivas como em recurso, reclamação ou exame pelas juntas fiscaes, ainda em poder do escrivão de fazenda ou mesmo em esboço, porque em qualquer d'estes estados se podiam conhecer bem os dois resultados que o governo indica.

E de feito, comparados os dois relatorios, vê-se que no numero das 1:023, em que o serviço se diz acabado com resultados conhecidos, figuram matrizes n'estas differentes phases.

Quantas sejam as matrizes realmente ultimadas, não o posso dizer ao certo, nem talvez o governo o saiba; mas posso calcular com toda a probabilidade que não excedem a 600.

Provemos.

Na somma das 1:023 incluem-se as matrizes formadas nos concelhos, em que a revisão não abrangia ainda no principio d'este anno (creio que nem actualmente) todas as freguezias.

Estes concelhos são, em primeiro logar, todos ou quasi todos os dos districtos, de Aveiro, que contribuiu com 14 matrizes, Braga com 100, Castello Branco com 8, Leiria com 19, Porto com 29, Vianna do Castello com 58, Vizeu com 52, Villa Real com 58.

Total, 338 matrizes.

Em segundo logar, os concelhos dos districtos restantes, em que o serviço da primeira revisão não acabou ou se mandou proceder a segunda ou mesmo a terceira revisão, e cujas matrizes entravam na conta das 1:023 em numero muito excedente a 100.

Em que estado se acham estas 400 a 500 matrizes, deduzidas do numero das 1:023? Vae dizel-o o regulamento da contribuição predial.

Segundo o artigo 135.° d'este regulamento, as matrizes não passam do escrivão de fazenda para a junta fiscal, uma a uma, á medida que se vão formando, mas só depois de concluidas as demais do concelho. É então que o escrivão de fazenda as entrega á junta, que as examina ainda por espaço de trinta dias, podendo corrigil-as e alteral as em pontos importantes, e com essas correcções se annunciam em reclamação por outros trinta dias, marcando o regulamento o praso de vinte dias para a decisão das reclamações, o de dez ou vinte para a interposição do recurso aos tribunaes administrativos districtaes, conforme o recurso é interposto pelos contribuintes ou pela fazenda publica, e o de dez dias para a decisão d'esses recursos.

E só com as rectificações ordenadas por estes tribunaes é que as matrizes ficam provisoriamente concluidas e encerradas, e podem servir de base para o lançamento ou repartição da contribuição predial.

Portanto, as taes 400 a 500 matrizes, concluidas, são por ora simples projectos de matrizes, que têem de passar por todos os tramites referidos, e podem ser completamente alteradas e substituidas, desde a primeira á ultima linha, por virtude das reclamações e recursos.

Note-se bem, que eu disse «provisoriamente concluidas» porque a conclusão definitiva depende ainda da decisão dos recursos para o supremo tribunal administrativo, se os houver.

Assim as 1:023 matrizes concluidas se reduzem a 600, se tanto.

E quer o governo concluir a revisão dentro de um anno! Quasi tão facil como na phrase biblica, «enfiar um camello pelo fundo de uma agulha». (Riso. - Apoiados.)

Mas, n'este assumpto, a quentão grave e importante não é a da quantidade do serviço feito ou por fazer, e sim a da qualidade d'elle.

Não é que a revisão se faça depressa, mas que se faça como deve fazer-se; que as novas matrizes venham expurgadas dos erros e defeitos que padecem as actuaes, e não civadas d'elles ou de outros peiores (Apoiados); que ellas sejam, emfim, a expressão exacta, quanto possivel, da verdade, da justiça e da igualdade, não amesquinhando nem exagerando o rendimento predial collectavel, e determinando-o para todos pela mesma medida, que não por craveiras differentes, para que o lançamento ou repartição do imposto se faça proporcionalmente aos haveres de cada um, como reclama a equidade e preceitua a constituição do estado. (Apoiados.)

É este o principio justificativo da reforma e foi o intuito da citada lei de 17 de maio de 1880, que a decretou e que por isso manda começar a revisão pelos districtos, aonde as desigualdades na fixação d'esse rendimento sejam mais flagrantes e manifestas.

Inspiram-se as novas matrizes n'este pensamento? Preenchem o fim que a lei teve em vista?

Se preenchem, realisam incontestavelmente um melhoramento importante para a distribuição do imposto, e quanto mais depressa se ultimarem, tanto melhor.

Se não preenchem, se a sua orientação é diversa, se caminham para a injustiça e para desigualdade pelos meandros tortuosos do erro, da prevaricação ou da rapacidade fiscal, então ameaçam o paiz com uma grande calamidade, e, em vez de proseguir n'ellas, é preciso voltar atraz, rever o serviço feito e assentar a inspecção predial n'outras bazes. (Apoiados.)

Qual dos dois rumos seguem? Investiguemos.

O governo, que nos seus relatorios noticia e descrevo com um certo desenvolvimento as differentes phases da

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evolução graphica das matrizes, o que nos diz da sua evolução interna, do seu merecimento intrinseco, aferido pelo criterio legal? Só duas cousas, ambas muito pela rama e nenhuma d'ellas fere o ponto mais essencial da reforma.

Diz-nos que o numero dos predios inscriptos nas novas matrizes é muito superior ao dos actuaes e que o rendimento collectavel cresceu consideravelmente em todos os districtos, cerca de um terço na totalidade das matrizes revistas.

Satisfeito com estes resultados e particularmente com o ultimo, que era o que anciosamente aguardava, não inquiriu de mais cousa alguma e nem sequer procurou certificar-se da legitimidade d'elles. Pois vamos nós aprecial-a á lei do raciocinio, por inducção dos elementos que temos, visto como nos falta todo o meio de averiguação directa.

Cresceu o numero dos predios nas matrizes, e cresceu tanto, que nas 233 freguezias revistas do districto de Bragança quasi triplicou, passando de 310:126 a 811:211!

Um augmento de 501:085 para todas ou de 2:150 em media para cada uma! Um verdadeiro prodigio, que por um triz não era o milagre da multiplicação dos peixes! (Riso.)

Mas este facto é verosimil? (Apoiados.) Póde a critica admittil-o ou o bom senso acceital-o? (Apoiados.)

Que predios são esses, que se diz acrescidos em tão grande numero? Urbanos, recentemente construidos? Impossivel, que tantos não ha, entre antigos e modernos, já não digo no districto de Bragança, mas em todos os districtos das duas provincias do norte.

São predios sonegados? Moralmente impossivel tambem. Pois andavam sonegados nas matrizes no districto de Bragança cerca de dois terços dos predios; fazia-se annualmente uma revisão para os incluir n'ella; havia nas freguezias regedores e informadores, encarregados de os descobrir e denunciar ao fisco; havia nos concelhos escrivães de fazenda, incumbidos de os addicionar ás matrizes; mudam regedores, informadores e escrivães de Fazenda, passam-se annos e annos; accumulam-se revisões sobre revisões; os sonegados eram tantos que se mettiam pelos olhos dentro; e ninguem os viu nem enxergou! E apparecem agora todos de subito, surgindo miraculosamente dos seus esconderijos ao clangor da trombeta das commissões, que os chama a reunirem-se no valle de Josaphat das cadernetas (Riso) para se arrolarem nas novas matrizes!

Pois isto não é mais assombroso do que as Viagens maravilhosas de Julio Verne, e tão phantastico como os contos das Mil e uma noites! (Riso. - Apoiados.)

E o governo, sem a menor averiguação nem exame, sem o minimo reparo, acredita logo no achado estupendo, consigna-o no seu relatorio, com a simplicidade e firmeza de um facto apurado e certo, e não procede severamente contra os responsavis por esta fraude colossal e inaudita em prejuizo do estado e dos demais contribuintes, parecendo querer tornar-se suspeito de connivente com os defraudadores da fazenda publica!

Pois isto não é por igual assombroso e incrivel? (Apoiados.)

Se entros indicios não houvesse, não bastava só a monstruosidade dos taes 501:082 predios acrescidos nas matrizes de Bragança para evidenciar a inexactidão manifesta d'essas matrizes e o nenhum credito que devem merecer-nos todas as outras, fabricadas por commissões similhantes é processos analogos? (Apoiados.)

O governo não se illudiu nem podia illudir-se com essa mystificação, mas acceitou-a benevolo e complacente como pia fraude, para colorir o anhelado augmento do tributo predial.

Elle sabia e sabe muito bem que, exceptuando 2:000 ou 3:000 predios novamente edificados, se tanto, e algumas dezenas de milhares de artigos, correspondentes a terrenos baldios e safaros ou insignificantes, de que nenhum caso se fez nas revisões anteriores, por se lhes não encontrar valor apreciavel, os 400:000 restantes, se não demoram unicamente na phantasia das commissões, correspondem apenas a divisões, parcellas ou accessorios de predios já incluidos nas matrizes actuaes.

E para isto se gastam em cadernetas e matrizes montanhas e montanhas de papel! E para isto se levanta um exercito de 12:000 commissarios largamente estipendiados á custa d'aquelles que, em grande parte, nem pão têem para comer! Optima revisão! Excellente serviço prestado ao paiz!

Mas vamos ao segundo resultado.

Elevou se de um terço, nas matrizes revistas, o rendimento predial collectavel.

Mas esse augmento é real e effectivo no paiz, ou simplesmente figurado e simulado nas matrizes pelos agentes do fisco?

O governo não sabe, mas acceita-o como verdadeiro para basear n'elle os seus calculos sobre o quantitativo do acrescimo do imposto predial.

Acceita-o como verdadeiro?!

Pois o rendimento da propriedade rustica cresce de um terço quando a agricultura mais soffre, quando ella atravessa uma crise prolongada e dolorosissima, quando os fructos do campo se vendem por preços ínfimos e as terras ao desbarato? (Apoiados.)

Pois elle sobe de um terço, quando dois dos ramos mais importantes da nossa lavoura - a creação e engorda do gado bovino - definham e quasi se extinguem (Apoiados.), e os prados e pastagens perdem por esse motivo quasi todo o seu valor?!

E cresce precisamente mais e quasi dobra nos districtos do Minho e nos de Aveiro e Coimbra, aonde essas industrias eram mais relevantes e constituiam o principal recurso dos lavradores (Apoiados.), augmentando assim na rasão directa dos prejuízos soffridos?! (Apoiados.)

Pois não é tudo isto mais que paradoxal, perfeitamente contrario á verdade conhecida e notoria?

Atravez d'esse supposto augmento, não se vêem bem distinctamente as garras do fisco a puxar e estirar os magros proventos da lavoura, para os fazerem attingir o limite fatidico, em que a contribuição predial se transforma e eleva, do mesmo modo que o celebre e lendario salteador de Attica usava com os desgraçados que lhe caíam nas mãos, distendendo-os e esticando-os até chegarem ás paredes do leito fatal? (Apoiados.)

E o estiramento, operado pelos Procustos fiscaes, foi ao menos igual e afferido pelo mesmo leito para todas as victimas? Foi uniforme de districto para districto, de concelho para concelho, de freguezia para freguezia, de povoação para povoação, de predio para predio, a estimativa do rendimento tributavel?

O governo tambem não sabe, nem financeiramente lhe interessava saber, que esse facto só tem valor aos olhos da justiça!

Mas, conforme a letra e o espirito da lei, devia ser essa igualdade e uniformidade a alma das novas matrizes (Apoiados.) e por isso, emquanto o governo, por algum modo, se não assegurar de que este preceito foi cumprido, não póde continuar com o serviço de revisão, que as leis não se guardam e executam só com apparencias e solemnidades externas, mas principalmente e sobretudo no seu pensamento e intuitos. (Apoiados.)

E tanto menos o póde fazer, que elle proprio, se o não diz claramente, deixa entrever bem por differentes factos, que tambem não confia nas suas matrizes.

Deixa-o entrever, quando as manda reformar pela segunda e mesmo pela terceira vez em muitas freguezias e até em concelhos inteiros; e mormente quando reconhece de viciosa a organisação das commissões de inspecção, lavrando assim a condemnação d'ellas e a das inspecções, que são a base fundamental das matrizes.

E realmente, basta attentar na qualidade do pessoal

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1844 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

d'essas commissões, para se conhecer a priori que o seu trabalho deve ser pessimo. Qualis arbor, talis fructus, e a sentença evangelica não mente. (Apoiados.)

A camara recorda-se de que n'uma das sessões do principio do mez de março, na do dia 2, se me não engano, o meu collega e amigo, o sr. Teixeira de Vasconcellos, se queixou aqui amargamente do facciosismo que tinha presidido á escolha das commissões para o serviço das matrizes no concelho de Amarante; e tambem se recorda de que o nobre ministro da fazenda, reconhecendo a procedencia e justiça das observações do distincto deputado, prometteu pôr cobro em tal abuso, mandando formar commissões mixtas, aonde houvesse mais de uma parcilidade politica, para que as commissões a todos dessem garantias e podessem inspirar confiança.

Mas essa providencia, tão judiciosa e sensata, não foi ainda applicada em parte alguma. Pois é preciso que o seja, não só no concelho de Amarante, mas em todos os mais, aonde se procede á revisão das matrizes. (Apoiados.)

O caso do Amarante não é singular nem esporadico, porém, sim epidemico. O flagello grassa por toda a parte e talvez com maior intensidade no districto de Braga, (Apoiados.) e designadamente nos concelhos de Cabeceiras de Basto e Vieira.

No de Cabeceiras de Basto, segundo informações que tenho dos cavalheiros mais respeitaveis da localidade, as commissões foram escolhidas unica e esclusivamente na parcialidade politica dominante, compondo-se de individuos, na sua maioria inteiramente incompetentes, e que apenas se recommendavam para a escolha pela qualidade ou prenda de galopins eleitoraes emeritos, como a camara póde facilmente avaliar pelas categorias e classes em que foram apurados e que eu vou indicar.

São regedores de parochia effectivos e substitutos, que nem sequer podiam ser nomeados, porque o código administrativo lhes veda que accumulem com as funcções do seu cargo quaesquer outras que não sejam as de juiz de paz, e ainda porque o regulamento da contribuição predial os chama para, na qualidade de regedores, esclarecerem as juntas fiscaes na decisão das reclamações sobre as matrizes. (Apoiados.)

É o official de diligencias da administração do concelho, que o administrador destaca para aquelle serviço, desobrigando-o arbitrariamente do cumprimento dos deveres do seu officio, com prejuizo do serviço administrativo, que não póde preterir. (Apoiados.)

São padeiros, mesteiraes, cabaneiros e filhos familias; e peço agora, especialmente, a attenção da camara para os figurões que vão seguir-se e que são os mais graduados das commissões cabeceirenses.

Primeiramente, os magarefes, (Riso.) personagens característicos, e, pelo mister que exercem na sociedade, incontestavelmente os mais idoneos para esfoladores das reges tributarias! (Riso.)

Depois, os ferradores, tambem caracteristicos, quer do juizo e sabedoria das commissões, a quem prestam os seus serviços, (Riso.) quer da paciencia dos pobres contribuintes que lhes soffrem os tratos brutaes.

Finalmente, os funileiros, os mais caracteristicos de todos, e que na verdade não podiam deixar de fazer parte d'estas commissões, para lhes fabricarem e fornecerem os moldes, em que havia de ser vasada a sua justiça de ... funil, larga e ampla para uns, estreita e apertada para outros. (Apoiados.)

Ora veja v. exa. que pessoal tão selecto! (Riso.) que artistas de cadernetas prediaes descriptivas! (Riso.) e como devem sair primorosas na essencia e na fórma as matrizes bordadas sobre tão precioso mosaico! (Riso. - Apoiados.)

Veja v. exa. tambem como se cumprem as instrucções de 1884, que exigem aos nomeados idoneidade, probidade e aptidão reconhecida para o serviço, recommendando que na escolha d'elles se proceda com o maximo escrupulo e sem outra consideração que não seja a do bom serviço! (Apoiados.)

E veja v. exa., finalmente, que bases se prepararão para a distribuição do imposto fundiario, e como é justificado o alarme sobresalto que lavra nas povoações d'aquelle concelho e de todos os mais em circumstancias analogas ao simples annuncio de taes commissões! (Apoiados.)

E não querem que o povo se agite, e não querem que elle tumultue quando se vê assim ameaçado por um bando de sarrafaçaes! (Apoiados.)

No concelho de Vieira ainda a feição politica das commissões é mais accentuada é retinta.

É secretario de uma d'ellas o administrador substituto de um concelho limitrophe; e fazem parte de outra o pae do actual administrador do concelho e o administrador que no periodo eleitoral de 1879 percorreu todas as povoações do mesmo concelho, ameaçando com os recrutamentos dos quinze annos anteriores e com o augmento de contribuições os cidadãos, que não votassem na lista progressista! Agrada isto aos srs. ministros? (Apoiados.)

Eu sei perfeitamente que não é o governo quem nomeia estas commissões, mas tambem sei que, perante a representação nacional e perante o paiz, é elle, e só elle, o responsavel pelos abusos e demasias dos seus subordinados e agentes, se claramente e por modo efficaz as não desapprova, renega e cohibe. (Vozes: - Muito bem.)

Segundo o regulamento e instrucções, propõe o escrivão de fazenda, e nomeia o inspector do districto ou das matrizes as commissões; mas, em verdade, nem um propõe nem o outro nomeia, quem de facto propõe e nomeia é simplesmente a auctoridade administrativa local, que impõe aos escrivães de fazenda a sua lista, fazendo-lhes perceber, quando muito nitidamente lh'o não diz, que a sua annuencia ou a sua recusa será superiormente considerada, como bom ou mau serviço, para os effeitos devidos, que são os do artigo 134.° do regulamento citado. (Apoiados.)

E o escrivão de fazenda, que tantas vezes tem visto realisarem-se ameaças analogas, de certo por mera coincidencia d'ellas com as conveniencias do serviço (Riso); o escrivão de fazenda, que não quer arriscar-se a correr as sete partidas do mundo portuguez, ou a receber guia de marcha para os ergastulos districtaes, submette se transformando humildemente a lista em proposta. (Apoiados.)

E se algum, conscio dos seus deveres e responsabilidades, tem a coragem heroica de resistir ao neto do capitão mór concelhio, é logo officialmente admoestado para só propor de accordo com elle! (Apoiados.)

E para prevenir qualquer representação do officiado, fundada no artigo 2.° das instrucções, que não reconhece a intervenção do administrador do concelho na escolha das commissões, acrescenta-se ao preceito este commentario ou escolio: sem embargo do disposto do artigo 2° das instrucções! (Apoiados.) D'onde parece inferir-se que quem officiou estava superiormente auctorisado, senão insinuado, para o fazer n'esses termos; porque não é de presumir que quizesse tomar sobre si a responsabilidade de dispensar nas instrucções.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - V. exa. tem a bondade de me dizer quem é que fez isso, porque eu desejo saber.

O Orador: - Eu não denuncio ninguem; mas v. exa. póde sabel-o facilmente e mesmo em poucas horas, perguntando pelo telegrapho aos inspectores das matrizes, se deram instrucções aos escrivães de fazenda para fazerem as suas propostas de accordo com os administradores do concelho. Os que as deram por escripto não poderão negar.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Mas em que districto ao menos?

Vozes: - Em toda a parte se faz.

O Orador: - E fazem-no ou consentem-no os que pela lei de 17 de maio de 1880 excluiram os administradores de concelho das juntas dos repartidores e de toda a inge-

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rencia no serviço de contribuição predial, (Apoiados) porque a sua influencia e intervenção era damninha e nefasta, pervertia e deturpava tudo!

Agora não: agora essa influencia é salutar e benefica, porque os actuaes administradores de concelho são, na sua generalidade, mesmo umas pombinhas... de bico amarello! (Riso. - Apoiados.)

E fazem-no ou consentem-no os que para collaborarem nas reformas politicas, exigiram que as execuções fiscaes administrativas passassem dos administradores do concelho para os tribunaes judiciaes, porque nas mãos d'aquelles eram uma arma temerosa, contra a qual não podia prevalecer a liberdade do suffragio! (Apoiados.)

Agora, no serviço das novas matrizes, incomparavelmente mais importante para os contribuintes, do que o das execuções fiscaes, já essa arma não prejudica a genuidade do voto, nem póde ferir a isenção dos eleitores, servindo apenas, como a espada generosa de Murat nos campos de batalha, para cainhar e enthusiasmar os esquadrões progressistas junto da urna! (Riso. - Apoiados.)

Oh, sr. presidente, como os pensamentos mudam com as situações! (Apoiados.) Como o que ainda hontem era preto, visto dos baixios da opposição, já hoje parece branco como a neve, olhado das cumiadas do poder! (Apoiados.)

Mas não são os inspectores e escrivães de fazenda os unicos que se submettem aos administradores do concelho, tambem, infelizmente, o governo se submette, para que a derrocada do poder reja completa e os regulos municipaes triumphem em toda a linha!

Procurando desempenhar-se do compromisso tomado com o meu illustre amigo, o sr. Teixeira de Vasconcellos, mandou o nobre ministro da fazenda formar commissões mixtas no concelho do Amarante; porém, o administrador oppoz-lhe o seu voto, e as commissões não se fizeram! O serviço das matrizes parou ali, ha muito, e o sol da governação publica ainda aguarda ás portas da villa que o Josué amarantino lhe outorgue o beneplacito para transitar pelos seus estados! (Riso.-Apoiados.)

Como e aonde ficam, depois d'isto, a auctoridade e o prestigio do governo? Esfacelados aos pés dos administradores de concelho! (Apoiados.)

E para que querem elles, os potentados concelhios, eleger as commissões de inspecção? Para que querem metter n'ellas os seus regedores, officiaes de diligencias, parentes proximos e servos mais dedicados?

Para que querem dominar o serviço das matrizes e interferir em um assumpto, de que a lei os excluiu muito intencionalmente e por completo?

Para que querem sobrecarregar-se, por devoção, com mais trabalhos, quando não cumprem os que, por dever, lhes cabem e tão atrazado deixam andar o serviço das suas repartições?

Ninguem o ignora. É para consolidar e radicar o seu poderio local, servindo os amigos e desservindo os adversarios na partilha dos encargos tributarios, galardoando subserviencias politicas e castigando rebeldias eleitoraes á custa do thesouro ou da justiça. (Apoiados.)

Isto que digo dos administradores do concelho é referido á generalidade e resalvadas excepções muito honrosas, porque as ha, posto que raras.

É longe de mim a supposição de que o nobre ministro da fazenda approve ou auctorise taes desmandos. Creio antes que os reprova. Nenhum estadista serio, nenhum ministro digno d'este nome e muito menos da elevada estatura do sr. Marianno de Carvalho, podia assentir a politica tão mesquinha e ignobil e mesmo tão nociva aos interesses da fazenda publica. (Apoiados.)

Mas não basta desapprovar platonicamente, é preciso reprimir, que a não repressão induz acquiescencia tacita. E se o nobre ministro quer deveras cohibir similhantes abusos, como presumo, carece de ser muito claro e muito explicito, muito terminante e decisivo nas instrucções que der aos seus subordidados; porque os inspectores e escrivães de fazenda difficilmente se convencerão de que as auctoridades administrativas districtaes e concelhias não revelem e traduzam o pensamento secreto e intimo do governo, e de que as recommendações em contrario não sejam para conversa ou visualidades para entreter os ingenuos. (Apoiados.)

E n'este ponto pergunto ao nobre ministro da fazenda se s. exa. mantem e sustenta o principio das commissões mixtas e se está resolvido a fazel-o observar e cumprir lealmente pelos seus subordinados.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Para toda a parte tenho ordenado que as commissões sejam mixtas, porque não entendo que se possa fazer a revisão das matrizes sem isso; e em toda a parte onde tem havido queixumes por não serem mixtas as commissões, tenho mandado dissolvel-as, e nomear outras. A rasão é sabida. Agora, visto que o illustre deputado não quer ser denunciante, não posso dar remedio.

O sr. Franco Castello Branco: - V. exa. ordena e elles não cumprem. (Apoiados da esquerda.)

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - V. exa. informa-me d'isso e eu procederei então.

O Orador: - Se v. exa. mantem o principio das commissões mixtas, peço-lhe que o faça cumprir e executar quanto antes; porque muitas das commissões actuaes, e nomeadamente as de Cabeceiras de Basto e Vieira, que citei e descrevi, são alçadas politicas; o que póde trazer desagradaveis occorrencias e serios conflictos.

Nas de Cabeceiras de Basto não ha um só nome, que não seja de progressista enragé; e nas de Vieira apenas dois ou tres nomes, politicamente neutros e que nenhuma influencia exercem nas commissões, segundo as informações que tenho.

V. exa. já declarou, ha tres mezes, que tinha dado as suas ordens; mas ellas ainda não foram cumpridas em parte alguma. (Apoiados.) É por isso que eu disse e repito: se v. exa. não for muito claro e explicito, muito decisivo e terminante nas instrucções que expedir, de modo que os agentes fiscaes comprehendam que quer ser obedecido, as suas ordens continuarão a ser letra morta, como até aqui.

Visto que deu a hora peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram mais de seis horas da tarde.

Proposta de lei apresentada n'esta sessão pelos srs. ministros da marinha e da guerra

Proposta de lei n.° 59-H

Senhores. - Pela carta de lei de 22 de agosto de 1887, que mereceu a vossa approvação foi melhorada a tarifa dos vencimentos dos officiaes reformados do exercito e da armada, augmentando-a em harmonia com as difficuldades crescentes da vida; as circumstancias do thesouro não permittiram o estender-se este beneficio aos officiaes reformados antes da publicação da dita lei, e ainda hoje o não permittem, mas, por equidade e satisfazendo os desejos formulados nas duas casas do parlamento, procura a seguinte proposta de lei melhorar successivamente e no limite dos recursos do thesouro, a situação dos mencionados officiaes.

Artigo 1.° O governo inscreverá no orçamento do estado a quantia de 12:000$000 réis annuaes para melhorar os vencimentos dos officiaes reformados anteriormente á publicação da carta de lei de 22 de agosto de 1887.

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Art. 2.º Nos limitem da verba fixada no artigo anterior será abonada a estes officiaes a differença entre os vencimentos segundo as tarifas de 1814 e a de 1865, não podendo em caso algum o vencimento total recebido por estes officiaes ser superior ao estabelecido pela carta de lei de 22 de agosto de 1887 para os officiaes reformados de igual posto.

§ unico. Os officiaes gosarão a vantagem de que trata este artigo a começar pelos que ha mais tempo estão reformados.

Art. 3.° É o governo auctorisado a contratar com o banco de Portugal ou com outro qualquer estabelecimento de credito, de modo a estender o beneficio da presente lei a um maior numero de officiaes, applicando para o pagamento de juros e amortisação a verba de que trata o artigo 1.º

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 2 de junho de 1888. = Marianno Cyrillo de Carvalho = Visconde de S. Januario = Henrique de Macedo.

A commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Proposta de lei n.° 59-I

Senhores. - A escola do exercito creada em 1837 foi reorganizada em 1863, consignando se n'este plano de reorganisação umas disposições que o tempo aconselhara, e outras de que só a experiencia poderia mostrar o valor e o alcance.

Vae passado depois de 1863 um periodo quasi igual ao decorrido desde 1837 até áquella data, podendo bem dizer-se que, sem soffreguidão nem impaciencia, vem de molde operar-se uma reforma que adapte aquelle estabelecimento de instrucção militar superior aos progressos do tempo, melhore o que carece de aperfeiçoamento, e substitua, o que dever pôr se de parte.

É este o intento da proposta de lei que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame.

Sem alterar nos seus principaes traços a ultima reorganisação que já consignára o que, sob fórma diversa, fôra estatuido em 1837, julgo que, concedida a approvação legislativa a esta proposta, de lei, poderá ella satisfazer as necessidades do ensino, quando seja convenientemente desenvolvida em regulamentos ulteriores, como se praticou com a organisação de 1863.

É orçado um curso para engenheiros de minas, aproveitando-se muitas das disciplinas já professadas n'aquella escola, completando-se assim a instrucção do pessoal technico do ministerio das obras publicas.

Qualquer que seja a organisação, que haja do ter o serviço de estado maior, o pensamento da creação de um curso de guerra, que habilite para aquelle serviço e generalise em todas as armas do exercito uma instrucção militar desenvolvida, afigura-se-me tão fecundo que me abstenho de o encarecer, porque encontrará facil acolhimento em todos os espiritas devotados aos progressos militares do nosso paiz.

Como compensação do trabalho exigido aos officiaes que se habilitam com o curso de guerra, que deverão ser dos mais distinctos do exercito, e a fim do estado aproveitar a sua competencia, accelera-se-lhe um pouco a sua carreira, propondo a sua promoção a capitão quando tenham quatro annos de tenente, como o finado estadista Fontes Pereira de Mello estabelecia na proposta de lei n.° 18-C, apresentada á camara dos senhores deputados na sessão de 1874, para os officiaes que se destinavam ao corpo de estado maior.

O pessoal docente da escola do exercito, achar-se-ha nas condições em que, com tão grande vantagem da instrucção, o collocou a grande reforma de 1837.

A innovação que se pretendera introduzir em 1863, durante largos annos mostrou não corresponder aos fins que se tiveram em mente, nem amoldar-se ás necessidades do ensino, porque affastava, em vez de captar, talentos e intelligencias que tanto convem manter n'este importante serviço do estado. A recente reorganisação da escola naval não justificaria que se legislasse de modo diverso para o magisterio da escola do exercito.

O aquartelamento dos alumnos na escola permittirá o desenvolvimento da sua instrucção, augmentando-lhes ao mesmo tempo o seu bem estar. Esta disposição existe na actual lei organica da escola e só considerações financeiras tem impedido a sua execução.

A reforma proposta obrigará um pequeno augmento de despeza, mas as vantagens do desenvolvimento da instrucção compensam largamente esse dispendio.

Com toda a confiança submetto, pois, á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º O ensino na escola do exercito continuará a dividir-se pelos actuaes cursos, sendo estabelecido mais o curso de engenheiros de minas, e substituido o do estado maior pelo curso de guerra destinado a habilitar officiaes para o corpo de estado maior e a generalisar em todas as armas uma instrucção militar desenvolvida.

Art. 2.º Será de dois annos a duração do curso de guerra e de tres annos a do curso de engenheiros de minas.

Art. 3.° A distribuição das disciplinas pelas cadeiras que constituem os diversos cursos sei á feita sobre consulta do conselho de instrucção da escola, em regulamento approvado pelo governo.

Art. 4.° Para satisfazer ás necessidades do ensino nos novos cursos, ao desenvolvimento dos actuaes e desdobramento de cadeiras, o numero de lentes proprietarios e substitutos não excederá a trinta.

§ unico. Ficam supprimidos os logares de repetidores. O serviço d'estes passará a ser desempenhado pelos lentes, conforme for determinado no regulamento.

Art. 5.° O provimento das cadeiras será feito segundo as disposições do artigo 12.° do decreto com força de lei de 12 de janeiro de 1837, e aos lentes é applicavel a doutrina consignada no artigo 9.° do mesmo decreto. O vencimento dos lentes militares é o que segundo as disposições vigentes pertence aos que se acharem n'aquellas condições.

§ 1.º Os lentes civis, para os effeitos do vencimento, são considerados como tendo a mesma patente que os militares que tiverem a mesma antiguidade ou immediatamente superior no serviço do magisterio da escola, na posição de proprietarios ou substitutos em que se encontrem, devendo em toda a sua carreira como lentes, os seus vencimentos ser regulados pela situação que occupariam na escala de accesso, pertencendo á arma e tendo o posto e antiguidade do lente a que se equipararam no acto da admissão.

§ 2.° Os vencimentos dos lentes civis mais modernos não podem, em cada uma d'estas categorias, exceder os que competirem aos lentes civis de maior antiguidade no magisterio da escola.

Art. 6.° Haverá na escola:

Tres instructores, um de artilheria, um de cavallaria e outro de infantaria e até quatro subalternos para coadjuvar os instructores, tendo metade da gratificação que estes percebem:

Um cirurgião mór ou cirurgião ajudante, com a gratificação mensal de 20$000 réis;

Um veterinario e um picador, com a gratificação mensal de 10$000 réis;

Um conservador da bibliotheca, com a gratificação mensal de 15$000 réis;

Os mestres de linguas, de armas e de gymnastica, que se julgarem necessarios, e um preparador do laboratorio, todos com o vencimento fixado em contratos especiaes;

Um mestre da officina de modelos o um lithographo estampador e gravador, com o vencimento mensal de réis 36$000;

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Tres amanuenses de secretaria, com o vencimento mensal de 25$000 réis;

Um continuo, chefe dos guardas e serventes, um guarda portão, os guardas e serventes necessarios tendo respectivamente as gratificações mensaes de 10$000, 9$000, 7$000 e 6$000 réis.

Art. 7.° As condições para a matricula no curso de minas são as mesmas que para o curso de engenheria civil.

Art. 8.º O curso de guerra póde ser estudado pelos officiaes das diversas armas do exercito, quando tiverem:

1.° Menos de vinte e oito annos, os de engenharia e artilheria, e menos de vinte e cinco annos os de cavallaria e infanteria;

2.° O curso da sua arma com a media geral de todas as provas, não inferior a 15 valores;

3.° Dois annos de bom serviço effectivo, optimo comportamento e decidida aptidão como official, nos regimentos da suas armas.

§ unico. Os officiaes de engenharia e artilheria que satisfizerem ás condições d'este artigo, podem ser admittidos á matricula; os officiaes de cavallaria e infanteria nas mesmas condições, devem habilitar-se antes com o respectivo curso preparatorio.

Uns e outros d'estes officiaes seguem a promoção nas armas a que pertencerem e conservam o vencimento de serviço effectivo dos corpos.

Art. 9.° Para o curso de guerra, o numero de alumnos a admittir será fixado de dois em dois annos, e distribuido por armas de maneira que este curso se generalise em todas ellas.

§ unico. Se o numero de candidatos for superior ao fixado, a admissão será feita por meio de concurso documental perante o conselho de instrucção da escola do exercito.

Art. 10.° O jury dos exames de habilitação e classificação para o curso de minas, será constituido como o de engenheria civil. O do curso de guerra, será assim constituído: presidente, o commandante do corpo de estado maior; vogaes, tres officiaes do mesmo corpo nomeados pelo ministro da guerra, e tres lentes da escola do exercito, propostos pelo conselho de instrucção da mesma escola.

Art. 11.° Os officiaes que terminarem o curso de guerra continuam pertencendo ás suas armas fazendo quatro mezes de serviço nos regimentos e desempenhando as funcções de ajudante em cada uma das armas de artilheria, cavallaria e infanteria, findo o qual poderão ser admittidos no preenchimento das vacaturas no corpo de estado maior, segundo a fórma que for estabelecida pela reorganisação d'este corpo.

Art. 12.° O officiaes de qualquer arma habilitados com o curso de guerra, e tendo satisfeito ás prescripções do artigo anterior, serão promovidos a capitães na arma a que pertencem, quando completarem quatro annos do posto de tenente, se antes lhes não tiver competido por escala o referido posto.

Art. 13.° O regulamento designará as cadeiras que pertencera á secção de sciencias militares ou á secção de sciencias de construcções; e bem assim os grupos de cadeiras a que são destinados os subtitutos.

Art. 14.° O governo, sobre proposta do conselho de instrucção da escola do exercito, fará a collocação dos actuaes lentes proprietarios e provisorios nas cadeiras em que possam ser mais uteis, attendendo ás suas habilitações, estudos especiaes e conveniencias do ensino.

§ unico. Esta disposição não comprehende as cadeiras privativas dos novos cursos.

Art. 15.° Para que de prompto se possa ocorrer ás necessidades do ensino, o provimento dos logares que não forem preenchidos em virtude do disposto no artigo anterior, será feito em concurso documental na fórma do regulamento.

§ unico. Os candidatos admittidos em resultado d'este concurso serão nomeados provisoriamente, e, decorridos dois annos de tirocinio, collocados definitivamente, mediante consulta do conselho da escola sobre o seu zêlo e aptidão para o ensino.

Art. 16.° Aos actuaes lentes provisorios de 1.ª e 2.ª classe da escola do exercito, será contado para todos os effeitos o tempo de serviço no magisterio.

Art. 17.° O governo, ouvindo o conselho de instrucção da escola do exercito, adoptará os regulamentos e providencias necessarias para a execução d'esta lei, e as que devem regular durante o periodo de transição.

Art. 18.° É auctorisado o governo a reunir em um só diploma as disposições legislativas concernentes á escola do exercito.

Art. 19.° É o governo auctorisado a inserir no orçamento a verba necessaria para a construcção do edificio para o aquartelamento das praças de pret matriculadas nos differentes cursos da escola do exercito.

As disposições regulamentares serão igualmente codificadas.

Art. 20.° Ficam por este modo ampliadas as disposições do decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1863, alterados: § 1.º do artigo 1.°, os artigos 2.°, 4.º, 5.°, 22.°, 38.°, 39.° e § unico do artigo 44.°, e revogados os artigos 9.°, 10.°, 11.°, 12.°, 20.°, 21.° e 25.° do mesmo decreto, e toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, 2 de junho de 1888. = Visconde de S. Januario.

Proposta de lei n.° 59-K

Senhores. - A administração da fazenda publica das provincias ultramarinas é inquestionavelmente um dos serviços que reclama organisação mais cuidada e que melhor possa corresponder aos importantissimos interesses que é chamada a acautelar e a promover.

A actual organisação provem, na sua base essencial, dos regimentos publicados durante o governo do marquez de Pombal, e se ella não preenche hoje cabalmente os fins a que as necessidades do moderno systema de administração civil obrigam a attender, não é menos certo que representa, com relação áquella epocha, um documento valioso do empenho com que aquelle illustrado estadista se esforçava em regular do modo mais efficaz os differentes serviços. Mirava-se então a pôr cobro aos abusos enormes praticados pelos vedores ou provedores da fazenda, e procurava-se tirar das mãos de um só funccionario a gerencia das finanças de cada provincia, organisando corporações compostas de funccionarios, cuja alta collocação podesse ser garantia de imparcial e recta administração.

Não me parece necessario seguir, passo a passo, a historia das phases por que tem passado o serviço de fazenda das provincias ultramarinas; bastará observar que uma ou outra vez se hesitou entre o systema anterior á organisação das juntas de fazenda e o que era consequencia da creação d'estas corporações, e que grande numero de providencias as modificaram, alteraram, sem comtudo lhes tirarem o seu caracter fundamental, até que o decreto com força de lei de l de dezembro de 1869, que reorganisou as instituições administrativas do ultramar, fixou de modo mais seguro a legislação a este respeito.

Não modificou este decreto sensivelmente a organisação anterior; ainda assim reconheceu que era inconveniente a presença dos juizes nas juntas de fazenda, pelo facto pouco justificavel de terem de julgar processo em que antes haviam votado como vogaes d'aquellas corporações fiscaes.

Segundo as disposições d'aquelle decreto, compete ás juntas de fazenda a administração dos rendimentos publicos, tanto no que respeita á sua arrecadação, como ao pagamento das despezas; não podendo, sem ordem das mesmas juntas, ser paga nenhuma despeza, e não havendo recurso das suas decisões senão para o Rei.

As juntas são compostas do governador, presidente, do

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procurador da corôa e fazenda, onde ha relação, e nas outras provincias, do respectivo delegado na comarca da capital da provincia, de um secretario e de um thesoureiro geral.

Os treze artigos que compõem o capitulo VII do decreto de 1 de dezembro de 1869, deviam ser seguidos de diversos regulamentos que completassem o pensamento do legislador, e estabelecessem o caminho a seguir em um serviço tão importante como era o da fazenda publica nas provincias ultramarinas.

Infelizmente taes regulamentos nunca se publicaram, e apenas ordens ou resoluções especiaes vieram acudir a uma ou outra duvida, remover esta ou aquella difficuldade.

E para que maior confusão se viesse a estabelecer em serviço tão importante, não foi possivel sujeitar a apreciação e julgamento regular as contas dos responsaveis ultra marinos. Chegára a publicar-se o regimento do conselho ultramarino como tribunal de contas, approvado por decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1866, mas a extincção d'aquelle conselho por decreto de 23 de setembro de 1866 veiu addicionar mais um difficuldade ás que já embaraçavam a administração financeira do ultramar.

É certo que ao extinguir-se o conselho ultramarino se determinara, que passassem a ser desempenhadas pelo tribunal de contas, na conformidade de um regulamento especial, as funcções que lhe haviam sido atribuidas quanto ao julgamento das contas do ultramar; mas essas funcções mal definidas não conferiam poderes, nem davam jurisdicção propria e definida para o julgamento das contas dos responsaveis, que continuava a cargo das juntas de fazenda, ficando portanto aquelle tribunal, como já o estava o conselho ultramarino, limitado, em relação a essas contas, a um tribunal de recurso, e só tendo como attribuição definida e directa a apreciação das contas da administração das juntas de fazenda.

Esta situação não deixou desde logo de impressionar os governos, e desde 1870 encontram-se successivas provas do empenho que todos tiveram de dar á administração financeira das provincias ultramarinas uma organização regular e que offerecesse garantias de que haveria toda a fiscalisação na arrecadação e applicação das receitas ultramarinas.

Por portaria de 16 de fevereiro de 1870 foi determinado ao tribunal de contas que formulasse um projecto de regulamento para o ajustamento e julgamento das contas do ultramar. Desempenhou-se o tribunal d'esta commissão apresentando ao governo em consulta de 17 de maio de 1872, um projecto de regulamento que fôra elaborado pelo seu presidente; mas das considerações sensatas de que foi acompanhado este trabalho deduz-se que, limitadas as attribuições do tribunal de contas ás que lhe eram conferidas pelas leis anteriores, não seria aquelle projecto, nem a expressão dos principios mais acceitaveis, por que devia regular-se tão importante serviço nem o meio mais seguro de tornar proficua e real a fiscalisação que convinha exercer sobre as contas do ultramar.

As duvidas suscitadas quanto á conveniencia da adopção do projecto de regulamento mencionado, a necessidade, ou de restringir a intervenção do tribunal a limites muito acanhados, o que seria sem resultados praticos, ou de levar a reorganisação até onde ella deveria ir para ser proficua, o que dependia de uma remodelação completa da administração de fazenda, fizeram que ficasse sem resolução a consulta do tribunal de contas.

A necessidade de uma remodelação completa da administração de fazenda começou de accentuar-se cada vez mais. Reconhecia-se que não era possivel continuar um systema em que a fiscalização e a administração se confundiam nos mesmos funccionarios e nas mofinas corporações, e que nenhuma reforma lograria resultado importante quando não abrangesse nos seus elementos essenciaes o organismo de todos ou serviços financeiros. Em portaria de 12 de outubro de 1880 foi nomeada uma commissão encarregada de formular o projecto de reforma da organisação da fazenda do ultramar, estabelecendo as bases dos respectivos regulamentos de fazenda e de contabilidade.

O relatorio d'esta commissão, que tem a data de 12 de janeiro de 1881, expõe claramente os defeitos do systema actual, e o projecto que o acompanha, elaborado com o intuito de os remediar, deve ser considerado em alguns pontos como um dos elementos do trabalho que hoje submettemos á vossa approvação.

Com rasão lembrava a commissão a que nos referimos que as irregularidades do systema actual começavam logo no decretamento da despeza. É certo que desde então até hoje alguma cousa se tem feito para obter que os orçamentos representem tanto quanto possivel uma acertada previsão quanto ás receitas e a verdade dos factos quanto ás despezas. Mas estamos ainda longe de poder assegurar que o orçamento do ultramar, se não na sua generalidade, pelo menos em alguns dos seus pormenores não seja uma pura ficção, como de todo elle escrevia a commissão de 1880.

Mas então como hoje se póde dizer que as juntas de fazenda reunem em si attribuições incompativeis; propõem o orçamento, ordenam a despeza, julgam as contas dos exactores e ninguem as póde fiscalisar.

D'esta confusão de attribuições resulta, como já dissemos, a impossibilidade de organisar devidamente as contas de gerencia e de exercicio, e de se fixarem regras positivas e claras quanto ao julgamento das contas dos exactores.

Todas estas considerações levaram a commissão a propor a extincção das juntas de fazenda, substituindo estas repartições por outras que, exercendo uma rigorosa fiscalisação, offerecessem segura garantia de que os rendimentos publicos e os impostos pagos pelo povo teriam applicação legal, e com este intuito se propunha tornar a contabilidade independente da administração e distinguir a responsabilidade individual dos exactores de fazenda do exercicio das funcções governativas.

Iguaes rasões sem duvida e considerações de igual ordem inspiraram o illustre ministro da marinha o sr. marquez de Sabugosa na proposta de lei que apresentou ao parlamento em 17 de fevereiro de 1880. Por essa proposta eram tambem extinctas as juntas de fazenda, e creados em cada provincia delegados de fazenda, aos quaes se incumbia a inspecção de todos os ramos do serviço financeiro, cumprindo-lhes vigiar pelo cumprimento das leis e regulamentos, quer da receita quer da despeza, ministrar instrucções para a regular prestação de contas, e fornecer á administração superior na metropole todas as indicações convenientes para as resoluções que devessem ser tomadas superiormente para o bom andamento do serviço fiscal. Não chegou a discutir-se a proposta a que me retiro.

Continuou o assumpto a preoccupar os ministros que se seguiram, e um d'elles, o sr. Pinheiro Chagas, deixou traçados os principaes lineamentos de um projecto de reorganisação da fazenda ultramarina.

Todos estes projectos, todas estas tentativas de modificação do systema actual foram devidamente estudados e aproveitados; assim escudado, em alguns dos seus elementos essenciaes, por autoridades de tão grande valia, mais confiadamente se póde esperar que o projecto junto estará redigido de modo a merecer a approvação do poder legislativo.

Não nos demoraremos largamente a justificar o projecto que temos a honra de submetter á vossa apreciação. Dizendo-vos que procurámos colher na experiencia da execução do actual systema a lição dos seus inconvenientes e desvantagens, e dos abusos que elle não impedia ou antes facilitava, que nos aproveitámos dos trabalhos anteriores e das indicações dos que demoradamente estudaram o assumpto, e que procuramos moldar a nova organisação pelos principios que regem a administração financeira do reino, applicando,

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tanto quanto a diversidade das circumstancias o permittiam, os preceitos da legislação de contabilidade que rege na metropole, dar-vos-hemos, nos parece, a certeza de que nos esforçamos por formular um plano de reforma que correspondesse ás necessidades de melhorar um dos mais importantes serviços da nossa administração ultramarina.

Era indispensavel começar pela reforma da administração superior e adaptar ao novo organismo a direcção que na metropole devia imprimir lhe principalmente a acção regular e uniforme.

Cumpria não menos fixar de um modo claro as responsabilidades de todos os que superiormente, a começar pelo ministro, teriam de intervir na administração financeira do ultramar. N'esta parte o caminho estava traçado, e não havia a seguir outras normas que não fossem as que regulam iguaes responsabilidades na gerencia dos dinheiros publicos na metropole.

Na parte propriamente da administração de fazenda e da contabilidade nas provincias ultramarinas, a alteração do systema actual é radical e profunda. Se aos governadores se não tiram os meios de acção, se não se lhes cerceia a auctoridade para dentro da lei, e de prescripções definidas, occorrerem aos casos excepcionaes, se se lhes deixa mesmo a faculdade de contrariarem o voto d'aquelles aos quaes é incumbida especialmente a fiscalisação financeira, estabelecem-se todos os preceitos que pareceram conducentes a tornar effectiva a sua responsabilidade. Nem seria admissivel que a estes funccionarios se concedessem garantias, que a ninguem podem ser dadas em um systema regular de administração.

Entregando a administração superior da fazenda publica e a fiscalisação de todos os serviços financeiros a funccionarios especiaes, independentes dos governadores, e podendo funccionar sob sua propria responsabilidade, o projecto visa a separar tanto quanto possivel a administração da fazenda da administração civil, e a acabar com todas essas causas de abusos, com toda essa divisão e anniquilamento de responsabilidades, que são a causa principal do estado anormal em que se encontram os negocios financeiros no nosso ultramar.

Toda a economia do projecto se funda n'estes principios, e está, como fica dito, de harmonia com tudo quanto póde ser applicavel, com a organisação das repartições de fazenda do reino e com os principios da lei e regulamento da contabilidade publica.

Seria impossivel estabelecer esta nova organisação, sem augmento de despeza. Não se póde sustentar rasoavelmente que fosse facil encontrar funccionarios intelligentes, experimentados nos serviços de fazenda, que se prestassem a ir servir no ultramar, desde que não encontrassem compensação á sua deslocação temporaria.

O decreto com força de lei de 23 de julho de 1886 veiu facilitar n'esta parte o pensamento do projecto, dando vantagens especiaes aos inspectores de fazenda que fossem servir no ultramar.

Era porém indispensavel que elles encontrassem ali uma remuneração que lhes offerecesse mais larga compensação pelo desempenho de funcções, embora identicas ás que lhes competem na metropole, mas exercidas em condições muito menos favoraveis. Em proporção com os vencimentos dos inspectores foram regulados os dos outros funccionarios de fazenda, lendo-se em vista porém que nem as suas responsabilidades, nem os requisitos exigidos para a sua nomeação auctorisavam a mesma largueza de remuneração.

Eis em traços muito rapidos a justificação e a exposição do plano de reforma da administração financeira ultramarina que temos a honra de submetter ao vosso esclarecido exame.

Introduzindo n'elle as modificações que porventura vos pareçam melhor conduzir ao fim que temos em vista, prestareis á administração ultramarina um relevante serviço; contentando-nos, pela nossa parte com havermos cumprido um dever, que nos parecia inadiavel, e havermos concorrido, em assumpto que se nos afigura dos mais importantes, para melhorar a nossa administração ultramarina e dar portanto ás nossas colonias um elemento valioso para o seu desenvolvimento e progresso.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 2 de junho de 1888. = Henrique de Macedo.

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.º E approvado, na parte em que depende da sancção legislativa, o plano de reforma da administração da fazenda e da contabilidade publica das provincias ultramarinas, que vae annexo á presente lei e d'ella faz parte.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Plano de reforma da administração da fazenda publica nas provincias ultramarinas

CAPITULO I

Da administração da fazenda das provincias ultramarinas na metropole

Art. 1.° É creada no ministerio dos negocios da marinha e ultramar uma direcção geral da administração de fazenda e contabilidade colonial, composta de duas repartições.

§ 1.° Á primeira repartição incumbe a administração geral da fazenda das provincias ultramarinas, nos termos da actual legislação e do presente plano, comprehendendo tudo quanto se refira a impostos, quer directos, quer indirectos, aos bens nacionaes, ás operações financeiras que interessem directamente as provincias ultramarinas, ás concessões de terrenos no ultramar, e bem assim ao pessoal dos respectivos serviços.

§ 2.º Á segunda repartição incumbe a centralisação da contabilidade geral das provincias ultramarinas, segundo os mesmos preceitos e regras com que essa funcção é actualmente exercida, quanto ao reino, pela direcção geral de contabilidade publica, com excepção do que for modificado ou revogado pelo presente plano; e bem assim tudo quanto, em virtude das cartas de lei de 19 de setembro de 1878 e de 25 de junho de 1881, estava nas attribuições da repartição de contabilidade do ultramar.

Art. 2.° O orçamento das provincias ultramarinas relativo ao anno economico futuro deverá ser apresentado á camara dos senhores deputados até ao fim do mez de fevereiro.

No mesmo praso deverá ser apresentado o orçamento rectificado relativo ao anno economico corrente bem como as propostas que o devem acompanhar, fixando definitivamente as receitas e despezas das provincias ultramarinas n'esse anno.

Art. 3.° São consideradas despezas variaveis nos orçamentos das provincias ultramarinas as que provém da acquisição de material, do pagamento de ferias, de gratificações extraordinarias não especificadas nas leis, das rações e comedorias, ajudas de custo, passagens, duplicações de vencimentos, e de quaesquer outras despezas do expediente, eventuaes e extraordinarias.

Art. 4.° Nas tabellas de despeza das provincias ultramarinas determina o governo, em relação a cada provincia e por artigos de cada tabella, a parte do respectivo credito destinada a ser dispendida na metropole.

Art. 5.° O ministro e secretario d'estado dos negocios da marinha e ultramar ordena o pagamento das despezas publicas, cujo ordenamento lhe compete como ministro do ultramar:

1.° Directamente ou por intervenção de um ordenador secundario por delegação especial, competentemente auctorisado, quando essas despezas devam ser imputadas ás partes de credito do orçamento colonial destinadas a serem

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dispendidas na metropole, ou a quaesquer creditos inscriptos nas leis de despeza do reino, com destino ao pagamento de serviços coloniaes não considerados no orçamento e tabellas de despeza das provincias ultramarinas;

2.° Directamente por meio de ordem especial aos governadores de cada, provincia, quando a despeza correlativa seja legalmente imputavel aos creditos descriptos no orçamento das provincias reduzidos nos termos do artigo 1.°;

3.° Indirecta e virtualmente e por intermedio dos governadores das provincias ultramarinas, que por auctoridade inherente do proprio cargo têem nas respectivas provincias a qualidade de ordenadores secundarios, por delegação permanente do ministro, no tocante a despezas imputaveis á parte disponivel, segundo o artigo 4 °, dos creditos auctorisados para as provincias ultramarinas.

Art. 6.° O ministro dos negocios da marinha e ultramar é pessoalmente responsavel pelos pagamentos cujas ordens não satisfaçam a todos os requisitos legaes e que por elle tenham sido ordenados, directamente nos termos dos n.ºs l.° e 2.° do artigo antecedente, e ainda pelos que tenha ordenado indirecta e virtualmente nos termos do n.° 3.°. quando, sendo-lhe oficialmente conhecida a illegalidade do ordenamento, não tomar desde logo as providencias necessarias para tornar effectiva a responsabilidade do ordenador secundario.

Art. 7.º As ordens de pagamento a que se referem os n.ºs l.º e 2.° do artigo 5.° são processadas na segunda repartição da direcção geral de administração da fazenda e contabilidade colonial, e declaração sempre o exercicio, provincia, capitulo e artigo do credito que auctorisa, a despeza a que se referem.

§ unico. As ordens assim processadas serão levadas á conta correspondente, e depois de reconhecida a legalidade da despeza e o seu cabimento na auctorisação competente serão apresentadas ao ministro respectivo ou ao ordenador secundario por elle auctorisado.

Art. 8.° O director geral da administração de fazenda e contabilidade colonial e o ordenador secundario escolhido e competentemente auctorisado pelo ministro da marinha e ultramar para firmar as ordens a que se refere o artigo antecedente, são pessoalmente responsaveis por todos os pagamentos cujas ordens não satisfaçam a todos os requisitos legaes, se não tiverem previamente dirigido ao ministro uma representação por escripto indicativa da falta dos requisitos ou formalidades legaes.

§ 1.° Ao tribunal de contas compete, no caso das ordens a que se refere o n.° l.º do artigo 5.º, tornar effectiva a responsabilidade de que trata o presente artigo, e impor multas que não excedam metade do vencimento annual dos empregados e funccionarios responsaveis, os quaes serão sempre previamente ouvidos por escripto.

§ 2.° Nos casos de reincidencia ou de circumstancias extraordinarias, o tribunal representará ao governo propondo a suspensão ou demissão do responsavel.

Art. 9.° Os preceitos dos artigos 15.°, 18.° e 19.º do plano de reforma da contabilidade publica, approvado por carta de lei de 25 de junho de 1881 são applicaveis a todos os pagamentos ordenados pelo ministro da marinha e ultramar com exclusão dos que o forem nos termos dos n.ºs 2.º e 3.° do artigo 5.° do presente plano.

Art. 10.º Alem dos casos em que é permittido ao governo, pela legislação actual, abrir creditos extraordinarios e supplementares, é-lhe igualmente licito abril-os para confirmação dos creditos do igual natureza que tenham sido abertos pelos governadores das provincias ultramarinas, no uso da faculdade que lhes é concedida pelo § 2.° do artigo 15.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, faculdade regulada pelo artigo 15.° do decreto de l de dezembro de 1869, e pelo artigo 45.° do presente plano, e bem assim para occorrer á despeza já effectuado, nas provincias ultramarinas por conta de taes creditos, quando entenda não dever confirmal-os e mandar sustar os effeitos da providencia adoptada pelo governador.

§ unico. A abertura dos creditos a que se refere o presente artigo, fica sujeita a todos os preceitos dos artigos 23.º, 24.°, 25.º, 26.º 27.°, 28.° e 29.° do plano de reforma da contabilidade publica approvado por carta de lei de 25 de junho de 1881, com excepção da disposição não applicavel da ultima parte do artigo 26.° do referido plano.

Art. 11.° A direcção da administração da fazenda e contabilidade colonial, apresentará mensalmente ao ministro um mappa, indiciando por provincias, exercicios e capitulos, e quer em relação aos creditos inseridos na lei de despeza da metropole para determinadas despezas coloniaes não contempladas nos orçamentos das provincias, quer em relação ás partes de creditos ultramarinos a despender na metropole, aos quaes se refere o artigo 4.° d'esta lei: 1.°, a importancia total do credito; 2.°, a despeza effectuada por conta de cada credito ou parte de credito; 3.°, a despeza certa obrigatoria que ha ainda a realisar até ao fim do exercido; e outro mappa contendo, em harmonia com as ultimas communicações de cada provincia, as mesmas indicações no tocante ás partes de credito dos orçamentos provinciaes, cujo despendio pertence, por ordem ou delegação permanente, aos governadores.

Art. 12.° A conta geral das provincias ultramarinas está a cargo da direcção geral de administração da fazenda e contabilidade colonial, pela qual deve ser remettida em tempo opportuno á direcção geral de contabilidade publica do ministerio da fazenda, para ser convenientemente encorporada na conta geral do estado, sendo applicaveis á sua organisação e elaboração, os preceitos dos artigos 46.°, 47.°, 48.° e 49.° do plano de reforma da contabilidade publica, approvado por carta de lei de 25 de junho de 1881.

Art. 13.° As disposições dos artigos 50.º, 51.°, com excepção do seu § 2.°, 52.°, 53.°, 54.° e 55.º do plano de reforma da contabilidade publica, approvado por carta de lei de 25 de junho de 1881, são applicaveis á contabilidade do material das províncias ultramarinas, e dos estabelecimentos existentes na metropole, subsidiados pelos orçamentos d'ellas, competindo porem á primeira repartição da direcção geral de administrarão de fazenda e contabilidade colonial, no tocante ao ultramar, a incumbencia attribuida no citado artigo 52.° á direcção geral dos proprios nacionaes do ministerio da fazenda.

Art. 14.° O director geral da administração de fazenda e contabilidade colonial e o chefe da repartição de contabilidade colonial fazem parte da commissão permanente de contabilidade publica, a qual proporá directamente, pelo ministerio da marinha e ultramar, tudo quanto caiba nas suas attribuições e diga respeito á contabilidade ultramarina.

Art. 15.° A direcção geral da administração de fazenda e contabilidade colonial remetterá annualmente ao tribunal de contas, relações por cofres e responsaveis de toda as despezas ultramarinas pagas no anno economico anterior, devidamente distribuidas por provincias, exercicios e capitulos dos orçamentos a que pertencem, sendo estas relações acompanhadas, quanto ás despezas variaveis, dos titulos originaes comprovativos das mesmas despezas classificadas por igual modo, e bem assim de uma declaração assignada pelo director e pelo chefe da segunda repartição da direcção, certificando a sua concordancia com a escripturação do ministerio.

§ unico. Esses titulos originaes serão devolvidos á direcção logo que o tribunal os possa dispensar.

Art. 16.° As despezas com o serviço das contribuições pertencentes a exercicios futuros serão escripturadas em conta do exercicio corrente.

Art. 17.° São applicaveis aos artigos da lei de despeza de cada uma das provincias, ultramarinas as disposições

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do artigo 22.º do plano da reforma da contabilidade publica, approvado por carta de lei de 25 de junho de 1881.

§ unico. O ministro da marinha e ultramar póde igualmente transferir nos mesmos termos e condições para a tabella de uma provincia a totalidade ou a parte do saldo orçamental de outra provincia

Art. 18.º São applicaveis ás despezas, dividas e pagamentos das provincias ultramarinas, as disposições do artigo 33.° do plano de reforma da contabilidade publica, approvado por carta de lei de 25 de junho de 1881.

Art. 19.° Os contratos de compra e venda nas ou para as provincias ultramarinas, os de fornecimentos de materiaes ou generos para as mesmas provincias, e os de empreitadas de obras no ou para o ultramar, que em virtude da presente lei ou de outras leis em vigor, tenham de ser ordenados directamente pelo ministro da marinha e ultramar, sendo de valor ou preço superior a 10:000$000 réis, precisam para serem executados da approvação em conselho de ministros; sendo do valor inferior a 10:000$000 réis, e superior a 500$000 réis, serão submettidos á approvação do ministro; quando de valor inferior a 500$000 réis, serão celebrados mediante as formalidades prescriptas, e pelos funccionarios indicados nos regulamentos.

§ 1.° Os contratos cuja execução depender da approvação do conselho de ministros ou do ministro serão remettidos por extracto á direcção geral da administração de fazenda e contabilidade colonial para serem detidamente registados e enviados ao tribunal de contas. Os contratos de valor inferior a 500$000 réis serão registados na direcção, ficando esta responsavel por qualquer irregularidade praticada na celebração d'elles, quando do facto não tenha dado conta ao ministro.

§ 2.° O disposto no artigo 40 ° do plano da reforma da contabilidade publica, approvado por carta de lei de 25 de junho de 1881, é applicavel a estes contratos.

Art. 20.° As disposições dos artigos 37.° e 38.° do plano da reforma da contabilidade publica, approvado por carta de lei de 25 de junho de 1881, são applicaveis a todos os actos correlativos do ministro da marinha e ultramar praticados na qualidade de ministro do ultramar.

Art. 21.° Os direitos de mercê, emolumentos e sêllo devidos por mercês lucrativas concernentes a empregos exercidos nas provincias ultramarinas constituem receita d'aquella província em que forem cobrados, e quando, pagos na metropole, receita da provincia em que a funcção for exercida.

Os emolumentos e sellos devidos por diplomas firmados pelo ministro da marinha e ultramar e relativos a funccionarios do ultramar constituem receita da provincia em que o funccionario continua em serviço ou vae servir.

Art. 22.° O quadro e vencimentos dos empregados da direcção geral de administração de fazenda e contabilidade colonial e a sua distribuição pelas duas repartições que a compõem são os fixados nas tabellas n.ºs l e 2.

Art. 23.° É extincta a segunda repartição da direcção geral do ultramar, devendo os seus actuaes empregados ser collocados em logares de igual categoria na primeira repartição da direcção geral de fazenda e contabilidade colonial.

§ unico. A direcção geral do ultramar ficará composta das suas actuaes primeira, terceira, quarta e quinta repartições, com a numeração respectiva de 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª, e com as mesmas attribuições, organisação e quadros que hoje tem, exceptuando a primeira, para a qual passam os negocios relativos ás questões externas que se relacionam com o ultramar, e a segunda, á qual ficam pertencendo os negocios relativos á colonisação, á emigração, aos bancos e companhias á agricultura e subsistencias e ás mattas e minas.

Art. 24.° É extincta a setima repartição da direcção geral de contabilidade publica do ministerio da fazenda, devendo os actuaes empregados d'aquella repartição ser collocados em logares de igual categoria na segunda repartição da direcção geral da administração de fazenda e contabilidade colonial.

Art. 25.° A nomeação dos empregados do quadro da direcção geral de administração de fazenda, e contabilidade colonial fica sujeita ás seguintes regras:

1.ª O provimento dos legares de amanuenses é feito por concurso nos termos dos §§ 1.° e 5.° do artigo 41.° do plano de reforma da contabilidade publica, approvado por carta de lei de 25 de junho de 1881.

2.ª O provimento dos logares de segundo official é feito nos termos do § 2.° do mesmo artigo, mas só entre os empregados da direcção.

3.ª O provimento dos logares de primeiro official é feito alternadamente por concurso entre os segundos officiaes e por livre nomeação do ministro entre os inspectores de fazenda e os chefes das repartições de contabilidade provinciaes que o requeiram e tenham pelo menos cinco annos de serviço qualificado como distincto pela direcção geral, ou, não havendo requerentes n'este ultimo caso, por antiguidade entre os segundos officiaes;

4.ª O provimento dos logares de chefe de repartição é feito pelo respectivo ministro de entre os primeiros officiaes da repartição ou de entre os inspectores de fazenda e os chefes de repartição de contabilidade das provincias com oito annos, pelo menos, de serviço qualificado como distincto, sob proposta do director geral da administração de fazenda e contabilidade colonial.

§ 1.° Aos praticantes que forem admittidos no quadro serão applicaveis as disposições dos artigos 319.° e 320.° do regulamento geral de contabilidade publica, approvado por decreto de 31 de agosto de 1881.

§ 2.° O primeiro provimento dos logares de primeiro e segundo official, que ficarem por prover, depois da collocação a que se refere o artigo 24.°, será feito pelo governo em individuos de reconhecido merito e que tenham servido logares do reino ou de ultramar em que hajam demonstrado competencia para serviço de identica natureza.

§ 3.° Quando o provimento dos logares de chefe de repartição se não poder verificar nos termos do n.° 4.° d'este artigo, poderá o governo nomear para aquelles logares individuos de reconhecido merito, e que tenham servido logares no reino ou no ultramar, em que hajam demonstrado competencia para a direcção do serviços de identica natureza.

Art. 26.º O logar de director geral da administração de fazenda e contabilidade colonial é provido nos mesmos termos e condições geraes e tem a mesma categoria que os dos outros directores geraes do ministerio da marinha e ultramar.

CAPITULO II

Da administração da fazenda publica e da contabilidade nas provincias ultramarinas

Art. 27.° São extinctas as juntas de fazenda do ultramar e as suas contadorias, thesourarias, adjuntos e delegações.

Art. 28.° Pertence ao governador de cada provincia pelo que diz respeito ao ordenamento das despezas publicas d'ella:

1.° Ordenar secundariamente as que lhe forem directamente ordenadas pelo ministro da marinha e ultramar, e que tenham de ser effectuadas por via das estações publicas da provincia, e satisfeitas por conta das partes de credito auctorisadas e reservadas para serem dispendidas por intermedio d'essas estações, nos termos do artigo 4.° do presente plano.

2.° Ordenar secundariamente, por auctoridade propria, inherente ao cargo como delegação permanente do ministro da marinha e ultramar, todas as outras despezas publicas da província, cujo ordenamento não esteja reservado por lei ao ministro.

§ 1.° Nenhuma despeza póde ser determinada pelos

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governadores das provincias ultramarinas sem que previamente esteja auctorisada na lei geral de despeza ou na rectificada da provinda, em lei especial, ou por credito aberto nos termos do artigo 45.° do presente plano.

§ 2.° Os governadores das provincias ultramarinas são pessoalmente responsaveis por todos os pagamentos a que se refere o n.° 2.° do presente artigo, cujas ordens não satisfaçam a todos os requisitos legaes, e bem assim pelos pagamentos a que se refere o n.° 1.°, quando não tiverem previamente dirigido ao ministro uma communicação indicativa de igual falta nas respectivas ordens.

Art. 29.° Os governadores das provincias ultramarinas ordenarão tambem como ordenadores secundarios quaesquer despezas provenientes de providencias que lhes sejam mandadas tomar pelo ministro da marinha e ultramar em serviço e por conta dos creditos da lei de despeza de outra provincia. N'este caso, porém, occorrerão á despeza por meio de saque sobre o ministerio da marinha e ultramar.

Art. 30.° É creada em cada uma das provincias ultramarinas e junto da secretaria do respectivo governo, uma repartição de contabilidade provincial, independente d'essa secretaria, e cujo chefe despacha directamente com o governador.

§ l.° Ás repartições de contabilidade provinciaes incumbe a centralisação da contabilidade de toda a receita e despeza publica provincial, o ajustamento das contas dos diversos cofres, a primeira organisação do orçamento da receita e despeza provincial, a organisação das contas de gerencia e exercicio da provincia e dos seus exactores, o processo e expedição das ordens de pagamento do governador, e a remessa para a direcção geral da administração de fazenda e contabilidade, na fórma e dentro dos prasos especificados nos regulamentos, de todos os documentos e esclarecimentos necessarios para o completo desempenho das obrigações d'aquella direcção.

§ 2.° Os chefes das repartições de contabilidade provinciaes são responsaveis pelos pagamentos a cujas ordens falte algum dos requisitos legaes, se previamente não representarem por escripto ao respectivo governador ácerca de tal falta.

Art. 31.° As repartições, estabelecimentos e corporações de cada provincia ultramarina que arrecadarem receita provincial auctorisada com ou sem applicação especial deverão, sob responsabilidade dos respectivos chefes ou corpos gerentes, enviar por via da auctoridade competente, e sempre que tenham meio seguro de remessa, á repartição de contabilidade provincial as tabellas necessarias para se organisar a escripturação regular da cobrança e applicação dos dinheiros publicos, e á repartição de fazenda da provincia nota do movimento dos respectivos cofres especiaes.

Art. 32.° É creada em cada uma das provincias ultramarinas uma repartição directamente dependente da direcção da administração de fazenda e contabilidade colonial denominada «Repartição de fazenda provincial».

Ao chefe d'esta repartição o qual se denominará «Inspector de fazenda da província» pertence:

1.° A administração superior da fazenda publica da provincia e a direcção, a fiscalisação geral e a inspecção dos serviços respectivos, incluindo o das alfandegas, nos termos do presente plano e sob a immediata superintendencia do governador.

2.° A fiscalisação especial relativa ao cumprimento da lei de despeza da provincia e das de administração financeira colonial nos termos do presente plano, sob a immediata superintendencia do ministerio da marinha e ultramar.

Art. 33.° As ordens de pagamento a que se refere o artigo 30.° do presente plano, depois de processadas pelas repartições de contabilidade da provincia, são sempre remettidas ao inspector de fazenda o qual achando as comprehendidas dentro da auctorisação legal e conformes ao artigo da lei de despeza provincial ou ao credito especial a que vem referidas lhes põe o visto e as faz registar.

Art. 34.° O inspector de fazenda recusará o visto e o registo a qualquer ordem de pagamento em relação à qual entenda que a respectiva despeza não está auctorisada, excede a auctorisação legal ou está erradamente referida a algum artigo da lei de despeza provincial ou credito especial, expondo por escripto ao governador os motivos da recusa. N'este caso, porém, o governador póde manter a ordem que será então visada e registada pelo inspector com a devida resalva.

Art. 35.° As ordens de pagamento visadas e registadas na fórma de qualquer dos artigos antecedentes, serão logo remettidas pelo inspector de fazenda ao thesoureiro geral da provincia, que as fará pagar no cofre a que vierem referidas.

Art. 36.° São applicaveis ás despezas e transferencias de fundos das provincias ultramarinas os preceitos do artigo 14.° do plano de reforma da contabilidade publica approvado por carta de lei de 25 de junho de 1881.

Art. 37.º O inspector de fazenda enviará mensalmente á direcção geral de administração de fazenda e contabilidade provincial copias de todas as ordens de pagamento visadas e registadas na respectiva repartição de fazenda provincial no mez anterior, e das exposições de motivos de recusa de visto e registo relativos ás ordens visadas e registadas com resalva.

Art. 38.° Compete ao inspector de fazenda propor ao governo a imposição de multas não excedentes a metade do vencimento annual do responsavel, destinadas a tornar effectiva a responsabilidade a que se refere o artigo 30.° do presente plano, ou ainda nos casos de reincidencia ou circumstancias extraordinarias a demissão do responsavel, que em qualquer dos casos deve ser previamente ouvido por escripto.

Art. 39. O inspector de fazenda da provincia é solidariamente responsavel com o governador pelos pagamentos effectuados em virtude de ordens visadas e registadas sem resalva, faltando-lhes algum dos requisitos legaes.

§ unico. A responsabilidade de que trata este artigo e o artigo 30.° do presente plano, são applicaveis as disposições dos §§ 1.° e 2.° do artigo 13.° do plano de reforma da contabilidade publica, approvado pela carta de lei de 25 de junho de 1881.

Art. 40.° O inspector de fazenda dará regularmente conta á direcção geral de administração e contabilidade colonial do desempenho dos serviços que lhe incumbem, nos termos e pela fórma marcados nos regulamentos, e do mesmo modo enviará as contas organisadas e documentadas que têem de ser submettidas ao tribunal de contas como elemento essencial para o exercicio das attribuições conferidas ao mesmo tribunal pelo artigo 18.° do seu regimento e pelos artigos 119.° e 295.° do regulamento geral da contabilidade publica de 31 de agosto de 1881.

Art. 41.° As contas dos responsaveis e exactores da fazenda publica nas provincias ultramarinas serão ajustadas nas respectivas repartições de contabilidade, e julgadas pelo tribunal de contas na conformidade do seu regimento.

Art. 42.° Para o julgamento das contas dos responsaveis e exactores da fazenda publica nas provincias ultramarinas relativas ao anno economico de 1889-1890 acceitar-se-hão provisoriamente, como saldos das contas anteriores, que ainda estejam por ajustar e julgar, os resultantes das respectivas contas de cofre, sem prejuizo de quaesquer consequencias legaes que provenham do ulterior julgamento d'aquellas contas.

Art. 43.° Aos thesoureiros geraes das provincias compete a gerencia e responsabilidade dos fundos das respectivas juntas geraes, e n'essa conformidade deverão as contas especiaes d'essa gerencia ser submettidas á jurisdicção do tribunal de contas.

Art. 44.º O julgamento das contas das corporações mu-

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nicipaes e das misericordias, irmandades e outras instituições de piedade e beneficencia ultramarinas compete aos respectivos conselhos de provincia, com recurso para o tribunal de contas nos mesmos casos em que, segundo a legislação do reino, cabe tal recurso dos julgamentos proferidos sobre contas da mesma especie pelos tribunaes administrativos districtaes.

Art. 45.° Os governadores das provincias ultramarinas, sempre que usarem das faculdades que lhes são concedidas pelo § 2.° do artigo 15.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, e a execução da providencia adoptada importe immediata alteração na lei de despeza da provincia, occorrerão a essa despeza transferindo verbas de artigo para artigo dentro do mesmo capitulo da lei de despeza provincial, ou abrindo creditos extraordinarios ou supplementares nas mesmas condições e casos em que é licita aquella transferencia ou a abertura da mesma especie de creditos ao ministro da marinha e ultramar, e com precedencia das mesmas formalidades e dentro das mesmas regras legaes com que for permittida a providencia extraordinaria d'onde resultar a alteração da lei de despezas.

§ unico. Ao inspector de fazenda da provincia cumpre, nos casos de que trata este artigo, expor por sua parte ao governo, pela primeira mala que vier para o reino, o seu juizo ácerca da urgencia, legalidade, conveniencia e importancia da transferencia determinada ou do credito aberto pelo governador.

Art. 46.° É permittido aos governadores das provincias ultramarinas ordenar, pela fórma e nos casos determinados nos regulamentos, as antecipações compativeis com as verbas legaes que forem necessarias para o regular pagamento das despezas dos districtos e concelhos da provincia, cuja situação e mais condições assim o exijam. Os governadores de districto e chefes ou administradores d'esses concelhos e os residentes do districto do Congo são obrigados a prestar directamente, nos periodos compativeis com as circumstancias da localidade, contas documentadas á repartição de contabilidade provincial, de todas as despezas effectuadas com pessoal e material, e são pessoalmente responsaveis por qualquer infracção de lei que commettam.

§ unico. As contas da applicação d'estes adiantamentos serão, á medida que forem recebidas, submettidas ao visto do inspector de fazenda, ficando prohibido liquidar as despezas fóra do exercicio respectivo, salvo os casos de força maior ou os previstos no presente plano.

Art. 47.º Não é permittido aos governadores, nem póde por elles ser reputado urgente, celebrar contratos de compra e venda, de fornecimento de materiaes ou generos, ou de empreitadas de obras de valor ou preço excedente a 10:000$000 réis. Os de valor excedente a 1:000$000 réis e inferior a 10:000$000 réis carecem, para serem executados, de previa approvação em conselho do governo. Sendo de valor inferior a 1:000$000 réis e superior a 500$000 réis, serão submettidos á approvação do governador da provincia. Sendo de valor inferior a 500$000 réis poderão ser celebrados mediante as formalidades prescriptas nos regulamentos pelos governadores de districtos, chefes ou administradores de concelhos e residentes do districto do Congo.

§ unico. Os contratos cuja execução depende da approvação do conselho de governo ou do governador da provincia serão remettidos pela repartição de contabilidade provincial ao inspector de fazenda para os effeitos do visto e registo. Os contratos de valor inferior a 500$000 réis serão remettidos pela auctoridade que os celebrar e firmar á repartição de contabilidade provincial, ficando esta responsavel por qualquer irregularidade praticada na celebração d'elles, quando do facto não tenham dado immediata conta ao governador da provincia.

Art. 48.° Não é permittido aos governadores, nem póde ser considerado urgente, salvos os casos especificados em leis especiaes, celebrar contratos definitivos que tenham por fim dar ou tomar de arrendamento qualquer propriedade immobiliaria, quando a renda exceda 500$000 réis annuaes e o praso do arrendamento a tres annos. Os contratos da natureza d'aquelles a que se refere o presente artigo não poderão em caso algum ter execução sem previa audiencia do conselho de governo, e quando provisorios e no caso em que pelos governadores não podem ser celebrados como definitivos só podem tornar-se taes pela sanação do governo, pelos meios legaes.

Art. 49.° Os recursos, que pela legislação que actualmente regula o serviço das alfandegas eram auctorisados para as juntas de fazenda, serão resolvidos por uma commissão composta do inspector de fazenda, do procurador da corôa ou delegado da capital da provincia e de um negociante escolhido annualmente pelo governador sob proposta em lista triplice organisada pelo director da alfandega da mesma capital.

§ 1.° Quando fizer parte da commissão o procurador da corôa, será o presidente d'ella; em todos os demais casos competirá a presidencia ao inspector de fazenda.

§ 2.° Quando na capital da provincia houver mais de uma delegado, fará parte da commissão o mais velho.

Art. 50.° O quadro da repartição de fazenda de cada provincia compõe-se, alem do inspector chefe da repartição, de um official sub-chefe, de um thesoureiro geral da provincia, de um official do exercito da provincia, especialmente encarregado do serviço da fazenda militar e do numero de primeiros e segundos escripturarios fixado em decreto especial em harmonia com as necessidades do serviço de cada provincia.

Art. 51.° O quadro da repartição de contabilidade de cada provincia compõe-se, alem do chefe da repartição, de um official sub-chefe e do numero de primeiros e segundos escripturarios fixados em decreto especial em harmonia com as necessidades do serviço de cada provincia.

Art. 52.° O inspector de fazenda é substituido nos seus impedimentos, e ainda nos casos de vacatura, ou ausencia da capital da provincia em inspecção ordinaria, pelo official sub-chefe da repartição de fazenda, e no impedimento ou falta d'este, e até que o governo providenceie, por pessoa para esse effeito approvada pelo conselho de governo sob proposta do governador.

§ unico. Quando occorrer este ultimo caso, o governador dará d'elle communicação ao governo pela via mais rapida.

Art. 53.° O chefe da repartição de contabilidade provincial é substituido, nos casos de vacatura ou impedimento, pelo official sub chefe da repartição e no caso de impedimento ou falta d'este pelo empregado da repartição escolhido pelo governador.

Art. 54.° O thesoureiro geral da provincia é substituido no caso de impedimento sob sua responsabilidade por um seu proposto, approvado pelo governador sob informação do inspector de fazenda; no caso de vacatura por pessoa approvada pelo governador sob proposta do inspector.

§ unico. A responsabilidade do thesoureiro geral da provincia é garantida por caução, cujo valor será fixado pelo governo sob informação do governador, ouvido o conselho de governo.

Art. 55.° O inspector de fazenda e os chefes das repartições de contabilidade provinciaes só podem ser suspensos pelo governo. Os outros empregados das repartições de fazenda e de contabilidade provinciaes podem ser suspensos pelos respectivos chefes, quando o praso da suspensão não exceda um mez, pelo governador sob proposta dos respectivos chefes, quando a suspensão for por período maior mas não superior a tres mezes, e pelo governo por tempo superior a tres mezes sob proposta do governador, ouvido o chefe.

Art. 56.° O serviço de fazenda nos districtos em que se subdividem as províncias ultramarinas, ou ainda nos concelhos ou centros de população que pela sua importancia, distancia da séde do districto ou outras circumstancias es-

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peciaes assim o exijam, é exercido, na conformidade dos regulamentos, por escrivães de fazenda e recebedores de 1.ª e 2.ª classe.

§ unico. O modo de proceder á creação d'estes logares, e as attribuições e responsabilidades d'estes funccionarios serão especificadamente designadas nos regulamentos.

Art. 57.° As funcções de escrivão de fazenda e de recebedor serão respectivamente accumuladas, sempre que essa accumulação for possivel e convenha ao serviço, pelos escrivães e thesoureiros das alfandegas existentes na séde dos districtos ou concelhos das provincias ultramarinas.

Art. 58.° A responsabilidade dos recebedores será em todo o caso garantida por caução especial, prestada e fixada na fórma dos regulamentos.

Art. 59.º Os inspectores de fazenda e chefes das repartições de contabilidade são nomeados por um anno. A sua confirmação ou demissão, porém, depende de parecer, motivado da direcção geral da administração de fazenda e contabilidade colonial.

§ unico. Todos os outros empregados do administração de fazenda e de contabilidade das provincias ultramarinas são nomeados por um anno e deverão ser confirmados por decreto real, sob proposta do respectivo chefe immediato, informada pelo governador da provincia, podendo ser demittidos quando em dois annos successivos essa proposta for contraria á sua confirmação.

Art. 60.° Os inspectores de fazenda das provincias ultramarinas serão escolhidos pelo governo entre as seguintes classes de funccionarios:

1.ª Officiaes sub-chefes das repartições de fazenda provinciaes com cinco annos, pelo menos, de serviço no cargo, sendo esse serviço qualificado como distincto pela direcção geral de administração de fazenda e contabilidade colonial, em presença, não só das informações, como de quaesquer documentos que possam servir de base de apreciação;

2.ª Chefes das repartições de contabilidade provinciaes nas mesmas condições;

3.ª Primeiros officiaes da direcção geral da administração de fazenda e contabilidade colonial;

4.ª Segundos officiaes da mesma direcção, nas condições da classe 1.ª;

5.ª Inspectores de fazenda de 2.ª e 3.ª classe do reino, que tenham requerido a sua collocação no ultramar, nos termos do artigo 34.º do decreto com força de lei de 23 de julho de 1886, e tenham boas informações;

6.ª Primeiros officiaes das repartições de fazenda districtaes do reino, que reunam ás condições da classe anterior terem servido durante, pelo menos, cinco annos, com informações distinctas, nas repartições de fazenda do reino ou do ultramar.

Art. 61.° Os chefes das repartições de contabilidade provinciaes serão escolhidos pelo governo de entre as seguinte; classes de funccionarios:

1.ª Officiaes sub chefes das mesmas repartições com tres annos, pelo monos, de serviço no cargo, sendo esse serviço qualificado de distincto pela direcção geral de administração de fazenda e contabilidade colonial em presença das informações e de quaesquer outros documentos officiaes que possam servir de base a tal apreciação;

2.ª Segundos officiaes da direcção geral da administração de fazenda e contabilidade colonial com pelo menos, cinco annos de bom o effectivo serviço na referida direcção ou nas repartições de contabilidade ou fazenda do ultramar

Art. 62.º Os logares de officiaes sub-chefes das repartições de fazenda provinciaes serão providos em individuos pertencentes ás seguintes classes de funccionarios:

1.ª Escripturarios das mesmas repartições com, pelo menos, cinco annos de serviço nas repartições de fazenda provinciaes, sendo esse serviço qualificado de distincto pelos respectivos chefes;

2.ª Officiaes ou primeiros aspirantes das repartições de fazenda districtaes do reino com, pelo menos, cinco annos de bom e effectivo serviço nas repartições de fazenda do reino ou do ultramar, nos termos do artigo 34.° do decreto com força de lei de 23 de julho de 1886;

3.ª Amanuenses da direcção geral da administração de fazenda e contabilidade colonial com cinco annos de bom e effectivo serviço na direcção ou no ultramar.

Art. 63.° Os logares de officiaes sub-chefes das repartições de contabilidade provinciaes serão providos em individuos comprehendidos em alguma das seguintes classes:

1.ª Escripturarios das mesmas repartições nas condições da classe 1.ª do artigo antecedente;

2.ª Amanuenses da direcção geral da administração de fazenda e contabilidade colonial nas condições da classe 3.ª do mesmo artigo.

Art. 64.º Os logares de primeiros escripturarios das repartições de fazenda coloniaes serão providos em individuos pertencentes a alguma das seguintes classes:

1.ª Segundos escripturarios das mesmas repartições com, pelo menos, dois annos de serviço nas repartições de fazenda provinciaes qualificados pelos respectivos inspectores como dignos de promoção.

2.ª Segundos aspirantes das repartições de fazenda districtaes ou escripturarios das repartições de fazenda dos concelhos do reino com pelo menos, tres annos de bom serviço de fazenda no reino ou no ultramar.

Art. 65.° Os logares de primeiros escripturarios das repartições de contabilidade coloniaes serão providos em segundos escripturarios das mesmas repartições, que tenham, pelo menos, dois annos do serviço nas repartições de contabilidade provinciaes e sejam indicados como aptos para promoção pelos respectivos chefes, ou em aspirantes da direcção geral da administração de fazenda e contabilidade colonial com dois ou mais annos de bom e effectivo serviço na repartição ou no ultramar.

Art. 66.º Os logares de segundos escripturarios das repartições da fazenda e de contabilidade provinciaes serão providos por meio de concursos publicos documentaes e de provas publicas, abertos annualmente nas provincias ultramarinas perante os respectivos inspectores, ou ainda por nomeação, sem dependencia de concurso, de escripturarios das repartições de fazenda dos concelhos do reino, que tenham, pelo menos, dois annos de serviço n'ellas, com informações de serviço distincto.

§ unico. As condições de admissão e preferencia, a organisação dos jurys, fórma de classificação e natureza das provas d'estes concursos, serão objecto de regulamento.

Art. 67.º As funcções de escrivão de fazenda e de recebedor de 1.ª e 2.ª classe das provincias ultramarinas nos districtos, concelhos e localidades onde taes logares tenham de ser exercidos por funccionarios especiaes, são respectivamente exercidos por escripturarios de 1.ª e 2.ª classe do quadro da repartição de fazenda da provincia, livremente escolhidos para a commissão e exonerados d'ella pelo inspector.

§ unico. A duração d'estas commissões é em regra de tres annos e nunca superior a cinco. Quando a exoneração se realise antes de terminados os tres annos, deve ser motivada, e os motivos d'ella publicados no boletim official da provincia.

Art. 68.° Junto de cada escrivão de fazenda, e constituindo sob a sua direcção a respectiva repartição de fazenda local, haverá escripturarios da repartição de fazenda, cujo numero e vencimentos serão fixados em decreto especial em harmonia com as necessidades do serviço.

§ 1.° O escrivão de fazenda é substituido nos seus impedimentos, ou no caso de vacatura e até que o inspector providenceie, por um dos escripturarios da repartição local previamente designado pelo inspector.

§ 2.° Os escripturarios das repartições de fazenda locaes não têem confirmação regia e são nomeados e demittidos

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pelo inspector, sob proposta motivada e documentada escrivão de fazenda.

§ 3.° Junto dos escrivães das alfandegas que accumularem as funcções de escrivães de fazenda poderão as funcções de escripturarios ser exercidas por empregados especiaes ou tambem accumuladas por aspirantes das mesmas alfandegas.

Art. 69.° O logar de thesoureiro geral da provincia é de nomeação regia, provido por meio de concurso publico cujos termos e condições serão definidas em regulamento.

Art. 70.° O inspector de fazenda da provincia ou quem estiver exercendo as suas funcções faz parte do conselho do governo e da junta geral da provincia.

Art. 71.° Os inspectores de fazenda das provincias ultramarinas inspeccionarão ou mandarão inspeccionar annualmente pelos officiaes das respectivas repartições de fazenda algumas das repartições da provincia onde se lancem ou cobrem impostos, ou onde se arrecadem ou despendam fundos ou material da mesma provincia, no intuito do averiguar como é desempenhado o respectivo serviço; devendo enviar ao governo o relatorio circumstanciado d'essas visitas.

§ unico. Estas visitas não poderão durar em cada anno por mais de tres mezes fóra da capital da provincia.

Art. 72.° O ministro dos negocios da marinha e ultramar poderá ordenar, quando o julgar necessario, inspecções extraordinarias geraes ou especiaes da natureza d'aquellas a que se refere o artigo antecedente, nomeando para esse effeito em commissão temporaria de serviço inspectores extraordinarios encolhidos entre os empregados superiores da direcção geral da administração de fazenda e contabilidade colonial, ou da direcção geral de contabilidade publica do ministerio da fazenda, ou ainda entre os inspectores de fazenda do reino.

§ unico. O governo inserirá annualmente no orçamento de cada uma das provincias ultramarinas uma verba destinada a occorrer ás despezas provenientes d'estas inspecções extraordinarias.

Art. 73.° Os empregados das repartições de fazenda e de contabilidade provinciaes podem ser transferidos pelo ministro da marinha e ultramar de uma para outra provincia quando o exijam as conveniencias do serviço.

Art. 74.° O vencimento dos empregados das repartições de fazenda e de contabilidade provinciaes constam da tabella n.° 3 annexa ao presente plano e que d'elle faz parte.

Art. 75.° Os inspectores de fazenda e os officiaes das repartições de fazenda, durante as visitas a que se refere o artigo 71.º e quando fóra da capital da provincia, perceberão, alem do seu vencimento de categoria, a ajuda de custo de 9$000 réis nas provincias de Angola, Moçambique e India, e de 6$750 réis nas demais provincias.

Art. 76.° Os imprecados das repartições de fazenda provinciaes, durante o tempo que exercerem, no caso do artigo antecedente, os logares de inspectores ou de officiaes, receberão a diferença entre os vencimentos de exercicio que lhes competem e os que pertencem aos funccionarios a quem substituem.

Art. 77.° Os escripturarios das repartições de fazenda, durante o tempo que exercerem a commissão de escrivães de fazenda, perceberão, alem dos seus vencimentos de categoria e de exercicio: 1.° as quotas sobre a cobrança dos
impostos ou rendimentos publicos que forem annualmente fixadas pelo governador, em conselho do governo, e que deverão ser calculadas por fórma que não produzam gratificação inferior a 200$000 réis, nem superior a 600$000 réis; 2.° as multas que pelos regulamentos lhes forem attribuidas.

§ unico. As quotas e multas a que se refere este artigo constituirão sempre vencimento de exercicio e serão por isso abonadas, nos casos de impedimento dos escrivães, aos empregados que os substituirem.

Art. 78.° Os escripturarios das repartições de fazenda, durante o tempo que exercerem a commissão de recebedores, perceberão alem dos seus vencimentos de categoria e de exercicio as quotas sobre a cobrança dos impostos ou rendimentos publicos que forem annualmente fixados pelo governador, em conselho de governo, o que deverão ser calculados por fórma que não produzam gratificação inferior a 200$000 réis, nem superior a 500$000 réis.

Art. 79.° O primeiro provimento dos logares dos novos quadros de administração de fazenda e de contabilidade das provincias ultramarinas poderá ser feito pelo governo pela collocação n'elles dos empregados dos actuaes quadros a quem incumbem funcções analogas, que tenham nomeação definitiva ou provisoria e boas informações de serviço.

§ 1.° Os actuaes empregados de administração de fazenda e contabilidade das provincias ultramarinas, que não forem collocados nos novos quadros nos termos do presente artigo, ficam a elles addidos com os seus actuaes ordenados até que tenham outro destino.

§ 2.° Os empregados que forem collocados em logares de vencimento inferior conservarão os seus actuaes vencimentos.

§ 3.° As actuaes empregados que tenham mais de dois annos de bom serviço serão mantidos para os effeitos da aposentação, no que respeita ao vencimento, os direitos que até agora tinham.

Art. 80.° Feita a collocação dos empregados nos termos do artigo antecedente, o governo realisará os demais provimentos, em conformidade com as disposições, na parte em que forem applicaveis, dos artigos 58.° a 64.° d'este plano.

Art. 81.° Aos actuaes empregados da direcção geral de administração de fazenda e contabilidade colonial, cujo vencimento actual não é dividido em vencimento de categoria e exercicio não se applicará a divisão consignada na tabella n ° 2, emquanto não forem promovidos a logar de categoria superior.

§ unico. Exceptuam-se d'esta disposição os amanuenses da 2.ª repartição da direcção geral do ultramar que passarem para o quadro da direcção geral da administração de fazenda e contabilidade colonial.

Art. 82.° É o governo auctorisado a mandar applicar ás provincias ultramarinas com as modificações e alterações necessarias para as harmonisar com os preceitos do presente plano, e com as circumstancias especiaes de cada uma d'aquellas, e no intuito de garantir a plena execução do dito plano os regulamentos geraes de contabilidade e administração publica em vigor na metropole.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 2 de junho de 1888. = Marianno Cyrillo de Carvalho = Henrique de Macedo.

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TABELLA N.° 1

Quadro da direcção geral da administração de fazenda e contabilidade colonial

1 Director geral.

1.ª Repartição (administração de fazenda)

1 Chefe.

2 Segundos officiaes.

2 Amanuenses.

1 Praticante.

2.ª Repartição (contabilidade colonial)

1 Chefe.

2 Primeiros officiaes, chefes du secção,

6 Segundos officiaes.

6 Amanuenses.

3 Aspirantes.

TABELLA N.° 2

Vencimentos do pessoal da direcção geral da administração e contabilidade colonial

[ver tabela na imagem]

Vencimentos de categoria Vencimentos de exercicio Total

TABELLA N.° 3

Vencimentos dos empregados das repartições de fazenda e contabilidade provinciaes

[ver tabela na imagem]


Vencimentos de categoria Vencimentos de exercicio Total

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar em 2 de junho de 1888. = Marianno Cyrillo de Carvalho = Henrique de Macedo.

A commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

Redactor = S. Rego.

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