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Castello Branco, Miguel do Canto, Placido d'Abreu, Rodrigo de Menezes (D.), Nogueira Soares, Paiva Barreto, Thomaz Northon, Torquato Maximo de Almeida, Vicente Ferreira de Novaes, Visconde da Junqueira.
Rejeito — Os srs. Vasconcellos e Sá, Corrêa Caldeira, Cunha Sotto-Maior, Avila, Louzada, Basilio Alberto, Garcia Peres, Eugenio Ferreira Pinto Bastos, Bivar, Costa e Silva, Maia (Francisco), Castro e Lemos, José de Almeida Pessanha, Ferreira de Castro, Silvestre Ribeiro, Tavares de Macedo, José Xavier de Moraes Pinto, Cunha Paredes, Simão da Luz, e Visconde de Castro e Silva.
Ficou portanto approvado o projecto na sua generalidade por 67 votos contra 20.
O sr. Pinto d'Almeida — Mando para a mesa o seguinte
Requerimento. — Requeiro que se lance no Diario do Governo os nomes dos deputados que estando á primeira chamada não assistiram á votação. — Pinto d'Almeida.
(Continuando) É consequencia de uma deliberação que a camara já tomou em virtude d'uma proposta minha.
O sr. Rebello de Carvalho (Secretario): — A resolução da Camara foi para quando não houvesse numero para se poder votar; como agora o houve, parece-me que não tem logar. (Apoiados)
O sr. Presidente: — Não sei se o sr. deputado quer depois da explicação que acabou de dar o sr. secretario, que sujeite á decisão da camara o seu requerimento.
O sr. Pinto d'Almeida: — De certo, quando o mandei para mesa, foi para ser submettido á resolução da camara. É necessario que os srs. deputados não saiam pela porta fóra quando se tracta de votar;, porque o resultado é depois não haver numero.
Leu-se novamente o requerimento.
O sr. José Estevão: — Isso não é possivel. E pie-ciso respeitar a liberdade dos deputados (Apoiados) e deixar á sancção moral o facto de não votarem. (Apoiados)
Não foi admittido á discussão.
O sr. Presidente: — A hora está a dar. A ordem do dia para a sessão seguinte é o projecto n.º 32 na especialidade, e se houver tempo dividir-se a camara em commissões. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.
O 1.º REDACTOR
J. B. GASTÃO
N.º 15. SESSÃO DE 25 DE MAIO. 1855.
PRESIDEM DO SR. SILVA SANCHES.
Sendo uma hora da tarde disse:
O sr. Presidente — A hora está muito adiantada; não ha numero legal, nem ha esperanças de concorrerem mais srs. deputados, em consequencia do máo dia que está. Por isso convido os senhores presentes a irem trabalhar em commissões; e ainda que é irregular, não havendo sessão, dar ordem do dia, com tudo declaro que ámanhã se discutirá com preferencia o projecto n.º 34 sobre a fixação da fôrça armada.
O REDACTOR
José de Castro Freire de Macedo
N.º 16 SESSÃO DE 24 DE MAIO 1855.
PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES.
Chamada: — presentes 79 srs. deputados. Abertura: — Ao meio dia. Acta: — Approvada.
CORRESPONDENCIA
Declarações. — 1. Do sr. Palma, participando que o sr. Vasconcellos e Sá não comparecia á sessão por justo motivo. — Inteirada
2.ª Do sr. Lages participando que o sr. Rezende não comparecia á sessão por motivo de molestia. — Inteirada.
3.ª Do sr. Pegado participando que o sr. Julio Pimentel, por causa imprevista não comparecia á sessão. — Inteirada.
4.ª Do sr. Bivar, participando que não compareceu á sessão de hontem por incommodo de saude. — Inteirada.»
Officios. — 1.º Do sr. Jacinto Tavares, participando que por incommodo de saude não póde assistir á sessão de hoje e a mais algumas. — Inteirada.
2. Do sr. Cezar de Vasconcellos, participando que por incommodo de saude não póde assistir á sessão de hoje — Inteirada.
3. Do sr. Carlos Bento, participando que por incommodo desande não póde assistir á sessão de hoje. — Inteirada.
4. Do ministerio da guerra, devolvendo com as informações que lhe foram pedidas, o requerimento de D. Maria do Carmo de Barros e Vasconcellos, vima. do coronel graduado, João Cypriano de Barros e Vasconcellos. — A commissão de fazenda,
5.º Do ministerio da fazenda dando os esclareci, mentos, que lhe foram pedidos, ácerca do desenvolvimento da verba de 136:300$000 réis do artigo 14.º do capitulo 3. do orçamento do ministerio da fazenda para 1853 — 1354. — A commissão de fazendo.
6. Do ministerio dos negocios estrangeiros, acompanhando cinco copias das relações nominaes dos empregados daquella secretaria, das commissões mixtas, e outros dependentes daquelle ministerio. — Á commissão de fazenda.
7. Do ministerio da marinha e ultramar, acompanhando a cópia da portatil de 27 de setembro de 1841, em virtude da qual se tem feito até hoje o des-
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contos de 10 por conto nos vencimentos dos operarios do arsenal da marinha e cordoaria. — Á commissão de marinha.
SEGUNDAS LEITURAS.
Requerimento. — Requeiro que o governo remetta com urgencia a esta camara uma relação dos egressos, que ainda estão a cargo do thesouro publico. = Alves Martins.
Foi remettido ao governo.
Proposta. — Renovo a iniciativa do projecto de lei (n.º 47 D) apresentado na sessão passada pelo sr. deputado José de Mello Giraldes Sampaio Bourbon, para que não possa haver advogados de provisão nas comarcas do reino, onde estiverem pelo menos dois bachareis formados em direito pela universidade de Coimbra, que exerçam o officio de advogado. — Pinto de Almeida.
Sendo admittida foi o projecto enviado á commissão de legislação.
O projecto a que se refere a proposta supra é o seguinte:
Projecto de lei (n. 47 D.) — Artigo 1.º Não haverá advogados provisionaes naquellas comarcas do continente do reino, aonde existirem pelo menos dois bachareis formados em direito que advoguem.
Art. 2.º As provisões para advogar serão sempre concedidas por um anno sómente, e para certa e determinada comarca.
Art. 3.º O supremo tribunal de justiça unicamente concederá provisão para advogar depois de ler precedido o necessario exame, e sempre sobre informe dos respectivos juiz de direito e delegado do procurador regio.
Art. 4.º Todo aquelle que advogar a causa alheia, sem as precisas habilitações, incorrerá na multa de 20 a 200 mil réis.
Art. 5.º Todo o juiz que assignar ou despachar feito, em que for advogado pessoa que não seja o proprio interessado, e que não tenha as precisas habilitações, incorrerá na multa de 30 a 300 mil réis.
Art. 6.º As multas impostas por virtude desta lei serão sempre applicadas para a creação e educação dos expostos do respectivo districto administrativo.
Art. 7.º Ficam sem effeito todas as provisões para advogar, concedidas antes da publicação da presente lei.
Art. 8.º Fica modificado e ampliado o artigo 18.º e seus da lei de 19 de dezembro de 1813, e revogada toda a legislação em contrario. — Sala das sessões da camara dos deputados 16 de março de 1852. s José de Mello Giraldes Sampaio de Bourbon, deputado por Castello Branco.
Proposta. — Renovo a iniciativa do projecto n. 14.º, apresentado na camara dos srs. deputados de 12 de março de 1850, na parte que ainda não passou como lei nesta camara. = Pinto de Almeida.
Sendo admittido, foi enviado á commissão de instrucção publica.
O projecto a que se refere a proposta supra é o seguinte:
Projecto de lei (n.º 14 de 1850). — Senhores: A commissão de instrucção publica, tendo examinado a proposta de lei n.º 5 — E, que tem por fim augmentar os ordenados de dois amanuenses da secretaria da inspecção geral dos theatros; e sendo de opinião a commissão que este ordenado é diminuto em relação ao serviço prestado por estes amanuenses, serviço este que já occupou oito individuos; intende que a proposta é justa, e por conseguinte póde ser convertida no seguinte projecto de lei.
Artigo 1.º O ordenado de 180$000 réis, que actualmente percebe um dos amanuenses da secretaria da inspecção geral dos theatros, será de ora em diante de 240$000 réis; e o ordenado de 100$000 réis do outro amanuense da mesma secretaria, ficara sendo de 160$000 réis.
Art. 2.º A importancia do emolumento de 1 por cento, deduzido das quantias arrecadadas de matriculas e cartas de formatura, que pelo artigo 110.º do decreto de 5 de dezembro de 1836 se acha estabelecido a favor do thesoureiro dos fundos da universidade, será dividida em duas partes, ficando uma dellas a pertencer ao dicto thesoureiro, e sendo a outra concedida ao official da contabilidade da secretaria da mesma universidade.
Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala da commissão, em 12 de março de 1850. — Jeronymo José de Mello s Lourenço José Moniz João de Sande Magalhães Mexia Salema s Luiz Augusto Rebello da Silvas Francisco de Assis de Carvalhos D. José de Lacerda s Conde de Linhares (D. Rodrigo).
O sr. Maia (Francisco): — Alando para a mesa 6 pareceres da commissão de fazenda sobre negocios particulares. Como tenho a palavra para apresentar um projecto de lei, aproveito a occasião para o apresentar.
E o seguinte (Leu)
Ficou para segunda leitura.
O sr. Nogueira Soares: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Azoeira, na qual esta camara pede que seja desattendida uma outra representação de alguns habitantes das freguezias daquelle concelho, que antes da ultima divisão territorial formaram o concelho da Enxara, pedindo que este concelho se constitua de novo, desannexadas da Azoeira as freguezias que o formam. A camara da Azoeira sustenta a annexação com muitos argumentos, que a camara dos deputados apreciará quando fôr tempo, e em summa são as razões que em toda a parte militam a favor do augmento das nossas circumscripções territoriaes. As minhas opiniões a este respeito, e felizmente tambem as da camara, são conhecidas: todos estão convencidos da necessidade de augmentar os concelhos, para que possa ahi haver meios de governo. Por isso não receio que fosse attendida a representação dos habitantes da Enxara, e espero que o será a de Azoeira, que acabo de apresentar. (Apoiados.)
Aproveito a occasião para declarar á camara que não faltei á sessão de hontem em virtude do máo tempo, nem por ter licença de vir mais tarde, em consequencia de me achar empregado na repartição das obras publicas, mas sim porque tive de assistir a uma arrematação que durou das duas horas até ás tres.
O sr. Sarmento: — Mando para a mesa um parecer da commissão de petições, que é o seguinte. (Leu.)
Ficou sobre a mesa para ter discutido em occassião opportuna.
VOL. V — MAIO — 1853.
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O sr. Pegado: — Mando para a mesa a seguinte
Declaração de voto. — Declaro que por motivo de serviço não pude estar na camara até ao fim da sessão no sabbado 21 do corrente; mas se estivesse presente, votaria pelo projecto n.º 32, que propunha o restabelecimento dos jurados na India. — Pegado.
Declaro que se estivesse presente votaria pelo projecto n. 32, que propõe o estabelecimento de jurados nos Estados da India. — Sousa Pinto Basto = Gomes Corrêa.
Mandou-se lançar na acta.
O sr Silvestre Ribeiro: — Mando para a mesa a seguinte
Indicação. — «Senhores: Sua Magestade Alteza Imperatriz do Brasil, Viuva, e Duqueza de Bragança, fundou ultimamente na cidade do Funchal um estabelecimento pio, com o titulo de — Hospicio da Princeza Dona Maria Amelia — em beneficio de 24 pobres doentes de phtysica pulmonar.
Este singelo enunciado é mil vezes mais eloquente do que todos os encarecimentos rhetoricos, a que tão naturalmente se prestaria o facto, não só pelas singulares virtudes da Excelsa Fundadora, senão tambem pela excellencia e vantagens da fundação.
Renunciando pois a ostentosas galas do estylo, e a ponderações enthusiastica», que nada accrescentaram á vossa gratidão, limito-me a propôr-vos o seguinte:
II A camara dos srs. deputados da nação portugueza fará lançar na acta das suas sessões a respeitosa manifestação do seu profundo agradecimento á Fundadora Augusta do — Hospicio da Princeza Dona Maria Amelia — Sua Magestade a Imperatriz do Brasil, Viuva e Duqueza de Bragança,» — Silvestre Ribeiro.
Peço a v. ex.ª que queira ter a bondade de lhe dar o seguimento devido.
O sr. Presidente: — Os srs. deputados quererão que esta indicação seja desde já resolvida. (Apoiados.)
Foi logo approvada sem discussão.
O sr. Corrêa Caldeira; — Pedi a palavra para rogar a v. ex. que tivesse a bondade de me informar, se o sr. ministro da marinha, já declarou achar-se habilitado para responder á interpellação, que annunciei a respeito da venda do brigue Carvalho. Esle negocio é grave, e desejava que s. ex.ª respondesse a algumas perguntas que lhe tenciono fazer.
O sr. Presidente: — Ha dias o sr. ministro da marinha me disse que estava prompto para responder a uma interpellação, mas parece-me que é do sr. Silvestre Ribeiro; mas-em s. ex. chegando perguntar-lhe-hei, se está prompto para responder tambem á interpellação do sr. deputado.
O sr. Pinheiro Ozorio: — Mando para a mesa a seguinte
Declaração de voto. — Declaro que se estivesse presente á votação da generalidade do projecto n. 32.º approvava. — Pinheiro Ozorio.
Mandou-se lançar na acta.
O sr. Presidente: — Recordo novamente aos srs. deputados que tiverem a fazer declarações de voto, a bondade de pedirem a palavra apenas acabar de se lêr o acta, e dizerem que é para declarações de voto, a fim de se immediatamente dar a palavra antes de se passar á leitura da correspondencia, para maior regularidade dos trabalhos.
ORDEM DO DIA.
O sr Presidente; — Hontem não podia dar ordem do dia, porque não houve sessão; lembrei comtudo que se discutiria o projecto n.º 34, sobre a fixação da força de mar; por ser necessaria unia resolução sobre este projecto para a discussão do orçamento, porque mal se podem votar meios para a força de mar, sem ella se ter fixado. Agora perguntarei á camara se quer entrar já na discussão deste projecto, ou se depois do projecto que estava dado para ordem do dia, que é o n.º 32.
O sr. Palmeirim: — Parece-me que a camara não póde entrar na discussão deste projecto, em quanto não estiver presente o sr. ministro da marinha, por que póde acontecer apresentar-se alguma alteração ao projecto, e ella não póde ser admittida, sem ser ouvido primeiramente o sr. ministro.
O sr. Corrêa Caldeira: — Parece-me tambem que não podemos discutir este projecto sem estar presente o sr. ministro. Tracta-se da fixação da força de mar; o parecer que se discute, póde dar logar a algumas considerações, por tanto julgo conveniente que se espere pela presença do sr. ministro.
O sr. Presidente: — Advirto aos srs. deputados que este projecto não estava dado regularmente para ordem do dia. Vai entrar-se então na discussão especial do projecto n.º 32; e está em discussão o artigo 1.º
O sr. Maia (Francisco): — Eu tinha mandado para a mesa uma substituição ao projecto em geral; e agora apresento essa substituição ao artigo 1.º
O sr. Presidente: — Vai lêr se a substituição do sr. Maia.
É a seguinte:
Substituição: — É revogado o decreto de 16 de janeiro de 1837, que suspendeu o estabelecimento dos jurados nus provincias ultramarinas. — Maia (Francisco)..
Foi admittida, e ficou conjunctamente em discussão.
O sr. S. J. da Luz: — Sr. presidente, o projecto que se discute, parece á primeira vista tão simples, e o é no seu enunciado, que a sua generalidade quasi se confunde com a sua especialidade, e como me não chegasse a palavra quando se tractou daquella discussão, por isso>apresentarei agora as reflexões, que então tencionava fazer. Todavia serei breve, porque, fallo de disposição oratoria, e desejando evitar a repetição dos argumentos, que já aqui se expenderam, durante a discussão dos adiamentos, e da generalidade do projecto n.º 32, fugirei de enfadar a camara com essas repetições, que a ninguem agradariam, quando quizesse ser longo. Muito sinto que no pouco que vou dizer, tenha de arrostar com opinião de tantos, e tão illustres adversarios, que aliás sinceramente respeito. Entretanto o desejo que tenho de ser util ao meu paiz, dá-me a sufficiente coragem para emittir uma opinião franca, leal, e decidida sobre a materia essencial da importante questão que se discute, embora que esta minha opinião seja até certo ponto excêntrica; e por conseguinte despida da protecção e apoio dos differentes partidos, e partidistas, que muito longe estou de antepôr ao bem geral do paiz.
Todos os membros desta casa estão felizmente de accordo quanto á utilidade da instituição do jurado. Ninguem, que queira ter o nome de liberal, póde
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com bons fundamentos combater em these similhante
Instituição. Ninguem deste lucro da e.....ara impugnou ainda o projecto que se discute, negando a utilidade de uma tal instituição; mas a discrepancia que se tem notado, discrepancia que nada devia ter de politica, como desgraçadamente se me antolha que tem da parte de muitos dos que tem defendido o projecto; essa discrepancia, repilo, provém toda — 1.º de se não reputar o paiz, onde de novo se quer implantar esta instituição, em circumstancias de nelle poder ser util — 2.de ella se julgar consideravelmente viciada, organisada como presentemente está no reino, onde por similhante motivo se considera de perniciosos effeitos para a sociedade. Com estes fundamentos ha pois toda a probabilidade de ser um funesto presente aquelle, que por esta fórma se vai levar aos povos da India portugueza, povos por quem aliás tem apparecido nesta casa, e creio que com razão, tantas e tão notaveis simpatias. E será com effeito esta instituição um funesto presente, porque em fim sendo ella viciosa no reino, para onde a respectiva lei foi feita e accommodada, no reino onde a sua população é homogénea na origem, na lingoa, nos costumes, e crenças; no reino onde tambem é homogénea a sua educação civil e religiosa; com toda a razão deve haver receios que mais perniciosos effeitos produza ainda entre povos para quem essa lei não foi feita, nem accommodada; entre povos onde a origem, a lingoa, os costumes, o crenças, são tanto, e ião consideravelmente differentes dos nossos.
Que a organisação do jurado se acha consideravelmente viciosa entre nós, exuberantemente o provaram já dois illustres deputados, que sobre esta materia fallaram, como juizes que nella são muito competentes. O jury, quer nas causas de abuso de liberdade de imprensa, quer nas puramente criminaes, effectivamente nada mais tem sido entre nós, na grande maioria dos casos, do que um constante incentivo para o crime pela impunidade que lhe dá, do que um não interrompido valhacouto para todos, ou quasi todos os delinquentes e criminosos, que tem sido chamado a julgar, tanto sobre um, como sobre outro ponto. Longa e fastidiosa seria a enumeração dos muitissimos casos particulares, que aqui podia citar em apoio desta minha asserção. Deixo á intima consciencia de cada um dos senhores deputados o decidirem por ella esta, minha proposição; mas não posso resistir á tentação de chamar em meu auxilio o nome de um individuo, que muito respeito, e que apezar da amisade que lhe consagro, merece por outro lado, e julgo que com razão, o mais subido conceito na opinião dos mais decididos enthusiastas pelo progresso da liberdade. Este individuo, que respeito, e que foi um ornamento da camara dissolvida no anno passado, e que por outro lado é tambem um dos mais distinctos advogados dos auditorios deita capital, é o sr. Antonio Maria Ribeiro da Costa Holtreman. Consultado por mim este distincto advogado sobre se eu devia, ou não chamar ao jurado alguem que reputava, e ainda repillo, ler-me gravemente offendido por abuso de liberdade de imprensa, aconselhou-me a que desistisse de similhante meio, porque era tal (e repare-se bem) e tão irresistivel a tendencia do jurado para a absolvição, que elle tinha tomado a firme resolução de constantemente aconselhar a todos os seus clientes, que desistissem de similhante recurso, pela certeza, ou quasi certeza do seu nenhum resultado, e por conseguinte da inutilidade dos cuidado. e das despezas a que forçosamente se haviam de ir entregar. E será a idéa da impunidade a que leva algum, ou alguns dos illustres defensores ih) projecto a quererem implantar de novo esta instituição na India? Não sei: nada digo pela negativa, e muito menos pela affirmativa, para não ser taxado de injusto; mas se este é o facto do que entre nós se passa com a instituição do jurado para os abusos da liberdade da imprensa; jurado que aliás tem por si muitas mais garantias de illustração e independencia, do que o jurado das causas puramente criminaes, o que não succederá então com este, que além do seu pouco ou nenhum capricho pelo credito da instituição, e acerto das decisões do tribunaes, a que de facto se reputa estranho, e de mais a mais intimidado, fóra das glandes cidades, pelos punhaes dos assassinos e malvados?!
Eis-aqui pois provado por uma auctoridade insuspeita e irrecusavel para ambos os lados da camara, que o jury nada mais tem sido entre nos, na grande maioria dos casos, do que um incentivo para o crime, pela impunidade que lhe da, uma ampla garantia para todos os projectos da insurreição, que por ventura possam apparecer entre nós, e em relação á liberdade da imprensa, a mais inteira segurança para a calumnia, e para todas essas immoralidades, que á sombra de tal liberdade, transformada na mais ampla licença, se commettem geralmente em muitos desses escriptorios das redacções de varios jornaes politicos, onde, por assim dizer, se apunhala pelas costas a vida moral, e a honra dos cidadãos benemeritos; onde infamemente se deturpam, e injustamente se vilipendeiam os mais distinctos caracteres do paiz; onde se devassa, e se arrasta para a praça publica o recato da vida domestica; e onde finalmente tudo se affere, e tudo se decide na pedra do loque das affeições, e desaffeições dos partidos, sem peso, nem attenção nenhuma para a moral publica, nem para as mais rudimentares noções da justiça, e do decoro! Aqui pudera eu perguntar agora aos homens imparciaes, amantes do seu paiz, e inteiramente estranhos a partidos e a facções, que com a mão na sua consciencia me digam, que ganha a sociedade em geral, que aproveita a esta desgraçada nação essa especie de privilegio, esse quanto de monopolio, que tem meia duzia de homens, de impunemente dizerem mal de tudo quanto bem lhes apraz, sem respeito algum para com Deos, nem consideração para com os homens? E é essa meia duzia de homens a que, á sombra de fianças, muitas vezes chimericas, e de hypothecas ordinariamente alheias, graciosamente se arrogam a alta missão de orgãos da opinião publica, sem nos exhibirem os titulos de similhante missão, e nem se quer a mais pequena prova pelos actos da sua vida, de moralmente habilitados para ella! Desde já antevejo essa apotheosis, que me espera, esse montão de injurias e de aleives, com que amanhã mesmo cairão sobre mim esses senhores, interpretando as minhas justas censuras, que aliás só faço contra a licença, e não contra o uso da liberdade da imprensa, que só faço contra a sua organisação do jurado, como dictadas por um espirito retrogrado, sectario da chamada lei das rolhas, e altamente inimigo da liberdade; mas da liberdade de dizer mal, dessa torpe e immoralissima licença, é que esses meus senhores deviam acrescentar. Não imporia: só tenho em vista a verdade, e o bem do
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meu paiz. Vergando debaixo do peso desse supposto oppiobrio, a que me condemnarem, eu hei-de, no centro do meu retiro, dizer, que a moral ha de triunfar, com a mesma convicção, com que o grande Galileo, sectario illustre do systema de Copérnico, batendo o pé no chão, disse para a terra — mas tu moves-te. — Para todos esses aleives e calumnias sobra-me ainda a coragem de dizer, para o? que assim attentarem contra a minha vida moral e politica, essas mesmas notaveis palavras, que com despreso da sua vida física proferiu no seu derradeiro suspiro o valente e anojado cavalheiro Alvaro Vaz de Almeida, quando na desgraçada batalha da Alfarrobeira, militando debaixo do estandarte do infeliz infante D. Pedro, disse para os seus assassinos, fartar, fartar villanagem!
Sr. Presidente! Diga-se muito embora o que contra mim se quizer; mas eu tenho a intima consciencia de não merecer ser suspeito na opinião dos mais pronunciados no seu amor pela liberdade; dessa liberdade que abracei desde criança, e quasi desde criança defendi, tanto quanto em mim cabia, sacrificando-lhe a minha vida, e queimando lhe em pobre e humilde holocausto diante dos seus altares a minha pequena fortuna. Ainda mais: honrei-me em ser por essa pudica e formosa dama (que ninguem mais pura julgava do que ella) um dos seus mais zelosos e denododos cavalheiros. Que mais lhe podia eu fazer?! Mas essa romantica e encantadora liberdade, que no primeiro alvorocer da minha vida politica se me antolhava como o unico elemento de prosperidade publica; essa romantica e encantadora liberdade tem hoje para mim uma significação, e um valor muito differentes do que então tinha, por ser toto cactoo, diversa na practica, do que eu cuidava que ella devia ser na practica, onde a tenho visto despida dessas bellas e coloridas imagens, com que na minha cabeça ella se me fantasiava nesses primeiros annos da minha inexperiente vida, tão alheia, como então era, aos embales dos partidos. Serei réo de lesa-liberdade, serei altamente criminoso, se de crime póde ser taxada esta minha confissão; mas francamente declaro, que não só não sympathiso, mas até detesto um jurado, que só serve para incentivo do crime, confundindo o perverso com o cidadão innocente, e que como tal deixa a sociedade ao desamparo, entregando-se assim á mercê dos assassinos, e malvados. Cubram-me de injurias, repilo, chovam contra mim os vituperios, e se mais quizerem fazer, ponham-me muito embora na frente e na retaguarda o rotulo da maior infamia; mas eu nunca hei de fallar á verdade. Com ella na bocca, e no coração, não mudo a côr do rosto: irei para o meu obscuro retiro, levando a consciencia de que o triunfo da moral e da justiça ha de algum dia apparecer, e com tal esplendor, que se coroará de immarcesciveis louros quem hoje lhes tributa incensos. Seja porém como fôr, é certo que a instituição do jurado tem sido dos mais perniciosos effeitos para o paiz, mesmo debaixo das vistas do governo. Se por tanto ella não póde ser outra cousa; se não póde organisar-se por maneira tal, que silva de constante apoio á justiça, e de salutar garantia para a sociedade; se para fugir, ou para cohibir o arbitrio do poder e dos magistrados vamos com ella cair na constante, ou quasi constante impunidade, e protecção para todos os calumniadores e perversos, e por conseguinte na anarchia social, e na desordem, então peço que desde já me risquem de entre os defensores e amadores desta instituição, que não quero para defeza, mas sim para justo castigo dos criminosos. O que é, ou tenha sido entre nós a instituição do jurado, está exuberantemente provado no significativo facto de não ler ainda havido até hoje uma só causa civel, que se saiba, em que os litigantes recorressem a este meio que a lei lhes dá, para decidirem pela adopção delle a contenda que os agita.
Se este é desgraçadamente entre nós o verdadeiro quadro do que tem sido o jurado, mesmo debaixo dos olhos e das vistas do governo, o que não será elle na India portugueza, ião fóra dessas mesmas vistas, e entre povos de tão diversas origens, lingoa, costumes, e ritos? Entre povos que, geralmente estranhos á mais pequena noção de politica, se odeiam pela diversidade das crenças, se detestam pela rivalidade das castas, e finalmente que olham para a auctoridade que os governa, como para um jugo, mais ou menos pesado, que os força a uma harmonia de communidade, com que máo grado seu, tem de conformar-se? Olhada agora a questão debaixo de um outro ponto de vista, que garantia poderá dar esta instituição na India, onde ha todos os dado» de ser limitadissimo o numero dos cidadãos, que estão no caso de desempenhar as funcções do jurado? Num paiz, onde, segundo os dados estatisticos, fornecidos ao governo por um dos illustres deputados, que defendem o projecto, a população europea, e a della descendente, estão para a nativa, como I para 284? Já se vê que uma tal garantia não poderá ser mais do que o apanagio de meia duzia de individuos, que hão de forçosamente ser la o mesmo que em todas as outras partes, isto é sujeitos a paixões, e accessiveis aos meios de corrupção e suborno.
Um illustre deputado, que aliás respeito, e que apesar de não estar presente, não lhe falla por certo quem aqui o defenda, referindo-se a uma outra estatistica, differente daquella que elle proprio forneceu ao governo, pois quando o sr. vi-conde de Castellões era ministro do ultramar, era s. ex. o governador geral da India: referindo-se, digo, a uma outra estatistica, por ella nos fez vêr o grande numero de alumnos de ambos os sexos, que na India portugueza frequentam as aulas de instrucção primaria; mas infelizmente eu, apesar disso, não fiquei ainda sabendo qual era o numero de individuos do sexo masculino, que fallavam, liam, e escreviam correntemente a lingua portugueza; não fiquei sabendo qual era o numero daquelles individuos, que com aquellas circumstancias reuniam os mais quesitos da lei, quanto ao censo, e quanto á idade, para adequadamente poderem funccionar como j irados, a não se querer que o sejam quem tem duas ou tres palmeiras, ou algum interesse nas communidades agrarias, isto é, a não se querer que na India seja a lei executada por um modo differente, por que o é no reino. Admira-me que tendo o illustre deputado, a quem me refiro, desempenhado um alto cargo de suprema auctoridade na India, não tivesse reclamado para a metropoli, durante a sua gerencia, o restabelecimento dessa instituição dos jurados, que agora tão urgente lhe parece, e com tanto calor defende. E não me admira menos que, sendo hoje s. ex. um dos dignos vogaes de um tribunal superior no reino (tribunal o mais competente que ha para os negocios
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Desta natureza) e que estando mesmo ao presente presidindo a elle, não tenha ainda formulado alguma consulta, para levar o governo á adopção de uma medida, que Ião util se lhe figura hoje para os estados da India.
Muito sinto que um outro sr. deputado, argumentando igualmente em favor do projecto, nos perguntasse com aquella ascendencia que lhe dava a convicção das suas crenças o sublime e a excellencia das suas idéas, «pois os indios não hão-de intendei portuguez para gozar da instituição do jurado, o hão de intender esta lingoa para o pagamento de tributos. — Ora, sr. presidente, esta idéa, apesar de muito applaudida pela camara, é uma falsa noção da materia, apresentada aqui para provocar ao sentimentalismo. Pois que similhança tem a imposição, e a recepção dos tributos com os quesitos, que o juiz formula, ou propõe ao jurado? Surprehendeu-me por certo este modo de argumentar, que na realidade não é mais do que um meio decente de abandonara questão, por não dizer outra cousa.
Sr. presidente, deixemo-nos de utopias, diga-me V. ex.ª que valor poderá ter no ultramar uma garantia constitucional entre povos, que na sua lingoa não tem um só termo, e na sua cabeça uma só idéa, que adequadamente correspondam a essa mesma garantia, que tanto á força se lhes quer dar? Ajuizar da illustração desses povos, das suas idéas politicas, das suas crenças, e cosi umes pelo que se passa entre nós, é dar aos parlamentos das nações mais civilisadas da Europa, ornais solemne documento de irrisão para este nosso parlamento, ainda mesmo na opinião dos mais exaltados utopistas. Perdõem-me os illustres deputados a quem me refiro; mas peço-lhes com a maior instancia, que não façam a este lado da camara a gravissima injustiça de lhe suppôr intenção de querer offender castas, o recusar direitos, pois que a divergencia da questão só versa sobre a conveniencia, e opportunidade do projecto, que se discute.
E grande, consideravelmente grande o peso da auctoridade de s. ex.ªs; mas permittam que alguem sustente, que uma medida da importancia, e da magnitude desta, devia vir acompanhada demais informações, e dados estatisticos do que realmente veiu. Pois qual é na secretaria de estado do ultramar a representação dos povos da India, que pediu a instituição do jurado Que numero, e cathegoria é o das suas assignaturas? Apenas se fez aqui referencia a uma representação, ou sollicitação de uma junta geral de districto, composta de 5 ou 6 individuos, que podiam ter sido levadas a este pasto por motivos particulares, entre outros o de serem elles e os da sua casta os mesmos que para si proprios queiram o privilegio de jurado n'um paiz, onde de mais a mais as intrigas pessoaes tem um imperio de tal ordem, que só ellas por sí são capazes de fazer desta instituição a mais terrivel alavanca para saciar odios, e realisar vinganças. E é sobre este fundamento que a camara ha de decidir pela affirmativa uma questão ião transcendente como esta, e apresentada aqui-quasi por surpreza, invocando-se o accordo do governo, quando lai accordo não existe, na vigorosa accessão da palavra.
E não se diga que Portugal tem pelas suas provincias ultramarinas manos consideração e deferencia politica do que qualquer nação da Europa tem pelas suas, quando por ventura se julgue improcedente transplantar para a India o jurado, lai e qual se acha entre nós: não se diga que isto e tirar ás nossas possessões do ultramar direitos, que uma vez se lhes deram, apesar de ser para mim um ponto de historia, ainda controverso, o saber se a concessão irreflectida desses direitos, feita em 1820 aos nossos dominios ultramarinos, foi ou não uma das causas, que accelerou a emancipação da mais importante dessas possessões, que então havia. Seja como fôr, nação alguma da Europa de que eu tenha noticia, da ás suas provincias do ultramar representação nacional, como nós damos ás nossas, e a mesma Hespanha a negou, ainda não ha muitos annos, á sua populosa e liguissima ilha de Cuba, apesar da sua grande civilisação, e importancia politica. Para mostrar que esta garantia não é uma simples. concessão no papel, como disse um dos illustres deputados pela India, perguntarei eu a s. ex.ª que com a mão na sua consciencia me diga, que, se Gôa pertencesse hoje aos dominios britannicos da governança de Bombaim, teria por ventura s. ex.ª a honra de fazer parte da camara dos communs em Londres, assim como faz do parlamento portuguez em Lisboa, ou mesmo se os inglezes recusariam, ou não sentar se em qualquer tribunal de que s. ex. fosse vogal? Se esta não fosse mais alguma cousa do que uma simples concessão no papel, por certo s. ex. e os seus collegas pela India, não estariam hoje advogando entre nós os interesses dos compatriotas do sr. deputado a quem me refiro.
E da maior anomalia possivel a idéa que presidiu á redacção do projecto, no qual se concede ao governador geral dos estados da India uma auctorisação, que se não concede ao governo. Pois o governador geral em conselho póde, e ha de lá modificai a legislação do jurado, sem que. expressamente seja obrigado a participar previamente ao sr. ministro do ultramar o que intende de fazer sobre este objecto, para ao menos ser o governo habilitado, ou a trazer ás côrtes a medida que a tal respeito intender necessaria, ou a responder a qualquer interpellação, que nellas se lhe dirija sobre tal assumpto? Ninguem ha que possa approvar similhante disposição, quando tenha na sua cabeça a mais pequena idéa de ordem, e de governo. Eu duvido mesmo que a camara lenha auctoridade para fazer uma similhante concessão, em vista do art. 15.º da acto addicional. Se fossem exactas as doutrinas que aqui ouvi expender a um dos srs. deputados para India, e se as suas censuras colhessem, a camara transacta, cujas idéas politicas parece lerem muita analogia com as do sr. deputado a que alludo, devia por certo ter incorrido nessas mesmas censuras, por ter estatuido nesse artigo que as provincias ultramarinas fossem reguladas por leis especiaes. E todavia eu, que não estava de accordo com as tendencias politicas dessa camara, confesso que ella obrou muito politicamente, consignando similhante disposição no acto addicional, porque em fim a diversidade de origens, a disparidade das lingoas, usos, costumes, ritos, e crenças, que aquelles povos tem em relação a nós, a rivalidade tias castas, e as intrigas pessoaes, que no ultramar dominam no unis alto gráo, foram os verdadeiros motivos que levaram aquella camara a adoptar uma tal disposição. Além disso segundo o que prescreve o § 2.º do mesmo art. 15.º do acto addicional não pode ser concedida ao governador do estado da India a auctorisação que se lhe quer dar, por não ler esta medida a urgencia que no sobredicto paragrafo se marca
VOL. V — MAIO — 1853.
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para as medidas que elle póde adoptar, auctorisação que em tal caso e um verdadeiro attentado-contra o acto addicional.
Sr. presidente, é a diversidade das origens a que já me referi, a disparidade das lingoas, usos, costumes, ritos e crença», que os povos do ultramar tem em relação a nós; e é não menos o imperio que entre elles tem as indisposições pessoaes, o grupo dos motivos que tenho para julgai por ora intempestiva a adopção do jurado entre elles, tendo altas por aquelles povos tanta, ou mais consideração e deferencia do que tenho pelos do continente europeo, por isso que a elles, e particular mente aos povos de Angola, devo eu a alta missão com que me honraram de seu representante em côrtes. Eis-aqui pois em resumo as razões que tenho para rejeitar o projecto na especialidade, tendo-o já rejeitado na generalidade, fazendo isto sem consideração alguma para com popularidades mais, ou menos bem intendidas,; que desprezo, nem para com ideas de reelegibilidade, I que me não seduzem diante do bem geral do paiz, que é o que tenho, e unicamente terei sempre em vista.
O sr. C. M. Gomes. — Sr. presidente, eu pedi a palavra principalmente para fazer uma declaração, de que eu não partilho a opinião, erronea quanto a mim, que sustentou o meu illustre collega o sr. deputado Jeremias Mascarenhas, de que a commissão do ultramar não carece de ouvir as outras commissões. Peço perdão ao illustre deputado, mas parece-me que me ha-de fazer justiça. Eu estou de accôrdo com a opinião do si. Avila de que não só a commissão do ultramar, mas todas os outras commissões têem necessidade de illustrar-me sobre as especialidades que pertencem a cada uma dellas, quando tem de apresentar algum parecer acêrca de um objecto, que lhes seja submettido, e que involva materia que diga respeito a outra commissão. Por consequencia todas as vezes que se apresentar na commissão do ultramar um projecto, que lenha relação com a commissão de legislação ou com a commissão de fazenda, esse projecto deve lá ir; mas accrescentarei, que no caso presente não é necessario; ao menos é essa a minha opinião de que este projecto não deve ir á commissão de legislação, porque aqui não se tracta de saber se é ou não conveniente a instituição do jury, porque isso é preceito da carta constitucional; o que se tracta é de saber se haveria algum impedimento nos estados da India, para se adoptar ali a instituição do jury, e não era a commissão de legislação de certo a competente para informar sobre as circunstancias locaes de Gôa.
O illustre orador que me precedeu, declarou que renunciava a repetir os argumentos já produzidos;; mas sem querer insistiu, como outros oradores ha ] viam feito, em demonstrar que o jury tem defeitos aqui em Portugal, e prova aqui mal pela sua má organisação. Esle argumento tem sido trazido em quanto a mim menos competentemente, porque não se tracta de reformar a instituição do jury, mas de vêr se ha algum motivo, que obste a que a India goze de uma boa garantia para os direitos individuaes, como é o jury. Se elle aqui prova bem ou mal, é questão para depois, quando se apesentar um projecto sobre a reforma da instituição do jury, o que o auctor do projecto pediu, e aquillo a que a commissão Annuiu, foi que esta bem ou mal montada instituição do jury que existe em Portugal, e que a carta tem como uma grande vantagem para o povo portuguez, exista na India.
S. ex. repetindo um dado estatistico já produzido, disse que a população europea estava em Gôa para a indigena como 1 para 284. Eu tenho presente a estatistica de 1852, que é a mais moderna, onde essa proporção está em detalhe por parochias, e n'um resumo especial ve-se que ella está como 1 para 195.
Note-se bem que os trabalhos estatisticos começaram a ter regularidade e desenvolvimento desde o tempo não distante, em que o sr. Lagrange desempenhou ali com tanta illustração (Apoiados) o logar de secretario do governo geral; mas todo o mundo sabe, com quanto eu faça a maior justiça ao zelo e illustração daquelle respeitavel e digno secretario, que trabalhos taes nem se criam de repente, nem podem ser desempenhados pelo trabalho e sciencia de um só individuo; e por isso successivamente têem sido melhorados, a ponto de chegarem a um resultado pelo menos brilhante em relação aos trabalhos que ha em Portugal. E se eu quizesse servir-me de mais um argumento a favor, sobre se a India está ou não em circunstancias de ter um jury, parece-me que era apresentar á camara esta estatistica que aqui tenho. (O Orador desdobrou um mappa de mui lar. gás dimensões e accrescentou) O mappa que mostro á camara, é de certo um valioso argumento em favor do jury em Gôa. Não será perfeitissima esta estatistica, mas ella prova que la ha quem se occupe com mais algum cuidado, com mais trabalho pelo menos das estatisticas, que em Portugal, porque cá não vejo uma cousa tão trabalhosa, pelo menos, como esta estatistica que eu tenho aqui, a qual tem por titulo — mappa estatistico da população e territorio de Gôa, referido ao dia 31 de outubro de 1852; collegido de documentos officiaes, e confeccionado por determinação do ex.mo governador geral Barão de Ourem. Não respondo pela estricta exactidão de todos os algarismos deste mappa; mas não se póde negar que se deu em Gôa importancia a este assumpto; e que houve um grande trabalho para obter esta estatistica; e além desta que só diz respeito á população, ha outras mais de producção movimento das! aulas, importação, exportação etc.
O sr. S. J. da Luz: — O que queria era que me dissesse, se por esse mappa o illustre deputado me póde dizer qual é o numero de individuos do sexo masculino que pelo censo e idade estão no caso de poderem funccionar como jurados.
O Orador. — Parece-me que poderei responder com uma pergunta — mostre-me s. ex.ª algum mappa estatistico em Portugal, donde conste os individuos que pelo censo o idade estão no caso de ser jurados.
O sr. S. J. da Lux. — Não ha; mas se se exigisse, apresentava-se.
O Orador — Ah! Mas então os governadores geraes não adivinhavam que nós haviamos de ler hoje esta discussão, e o illustre deputado havia de exigir isso; quando não estou capacitado de que s. ex.ª linha aqui uma estatistica pelo menos bem organisada; não respondo pela exactidão absoluta, mas pelo menos havia de haver lauto trabalho quanto fosse possivel para apresentar aqui uma resposta satisfactoria.
Voltando ao assumpto principal direi que, ou a relação dos indigenas seja representada pelo numero 284-, como se disse; ou pelo desta estatistica 195, o
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certo é que da parte dos europeus muita da população é de empregados publicos idos da Europa, e por conseguinte maiores e com rendimentos, em quanto que nos indigenas ha homens, mulheres, creanças, gente pobre e mendigos; e isto altera muito os termos da proporção para o caso do jury.
(O Orador foi interrompido pelo sr. Silvestre Ribeiro, e começava a responder á interrupção quando disse:
O sr. Presidente: — Assim não se póde discutir. Faça o sr. Custodio Manoel Gomes o lavor de se dirigir para a mesa. Cada um dos srs. deputados que queira fazer observações ao que se está dizendo, tem livre o direito de inscripção. (Apoiados)
O Orador: — Se v. ex. me dá licença, direi que sou fraquissimo orador, e por consequencia as interrupções fazem-me mal; mas a observação....
O sr. Presidente: — Não é porque façam mal, ou bem, é porque fazem muitissimo mal á regularidade da discussão, á dignidade mesmo da discussão. (Apoiados)
O Orador: — Mas permitta-me v. ex. que eu diga que eu tirei_ vantagem da observação que se me fez, porque posso repetir melhor o meu argumento, que de certo não foi apresentado com clareza. A população europea que existe em Gôa é pela maior parte composta dos empregados que vão para lá, dos militares que alli se acham, e por consequencia de homens adultos, e que teem um certo meio de vida; entretanto que a população filha de Gôa, que se apresenta alli naquelle mappa, entram nella individuos que estão em paridade com estes, mas entram tambem as pessoas do sexo feminino, menores, mendigos, uma infinidade de classes, que são eliminadas da proporção, quando se tractar do estabelecimento do jury; por consequencia não só não são os 195 para 1, mas é uma quantidade muitissimo inferior a 195.
O illustre deputado que me precedeu, serviu-se do seguinte argumento: se tanto convem á India o jury, porque o não propoz para lá um orador que fallou a favor do projecto, e que desempenhou lá um alto cargo do estado? Se tanto convem, porque o não tem proposto o conselho ultramarino, onde o mesmo sr. deputado funccionou? Eu sinto que o cavalheiro a que se alludiu, não esteja presente, porque se o estivesse por certo responderia elle triunfantemente; mas na sua ausencia farei porque a cansa não corra á revelia.
Já se disse nesta casa, e com documentos á vista, que a junta geral de districto insta pelo estabelecimento do jury em Gôa desde a sua primeira sessão em 1840, e incessantemente. Esta circumstancia dispensava o governador de propôr esta medida.
Não me arvorarei em defensor do conselho ultra-marino; mas todos sabem que é uma instituição nova; que tem lido muito de que se occupar, porque affluiram a elle negocios que alli se accumularam, e que não podem ser resolvidos todos promptamente, lendo-se aliás occupado de certas cousas talvez de menos importancia á primeira vista, mas que não podem deixar de ter preferencia. O regulamento do conselho ultramarino, assim á primeira vista, não é talvez uma, cousa tão importante como e a instituição do jury; no entanto póde funccionar o conselho ultramarino, sem ter um regulamento? Por consequencia era um trabalho indispensavel. Sei que o conselho ultramarino se deve occupar dos orçamento? das provincias ultramarinas; sei que se deve occupar, e não podia deixar de ser desde logo, do processo eleitoral; por consequencia parece-me que não póde ser estranhado ao conselho ultramarino, que não apresentasse alguma indicação sobre esta necessidade apesar della ser valiosa e importante, e apesar do conselho ultramarino ter os melhores desejos a este respeito.
Tambem se estranhou ao mesmo illustre deputado que elle fizesse, quanto a mim, um trecho de eloquencia dizendo — que se os povos da India não sabiam ser portuguezes para o jury, tambem o não deviam saber ser para os tributos — Eu creio que quando s. ex.ª soltou esta expressão, não quiz dizer, que todo o individuo que paga tributos, deva ser jurado; as mulheres pagam tributos, e não podem ser jurados; os menores ás vezes pagam tributos e não podem ser jurados; o que eu creio que s. ex.ª quiz dizer, se intendi bem o seu argumento, é — que se um povo é portuguez para ser tributado, esse povo deve ter as garantias que a caria constitucional dá aos portuguezes — creio que foi este o pensamento de s. ex.ª apresentado n'uma fórma brilhante e accommodado ao argumento especial, que então se apresentava ácerca da lingoa que se fallava naquelle paiz.
Allegou-se que Portugal dava muitas garantias politicas ás suas possessões ultramarinas, e eu estou de accôrdo nesse ponto; mas accrescentou-se uma observação com a qual não concordo. Disse-se — que talvez das demasiadas garantias que se deram ás nossas possessões, é que viesse, pelo menos em grande parte, a perda que tivemos da mais importante que possuiamos. — Eu não tracto de historiar agora esse negocio, mas parece-me que a camara estará bem convencida de que quer o Brazil tivesse jurados ou não tivesse, quer mandasse deputados ás côrtes, quer não mandasse, as circumstancias em que se achava o Brazil, os factos que tinham acontecido, haviam de trazer necessariamente a separação, porque lendo estado alli a côrte, tendo o Brazil sido de facto a capital da monarchia, não podia passar depois a estado de colonia ou possessão de Portugal.
Tambem tenho visto pintar aqui as raças e castas na India como inimigos figadaes, como n'uma lucta permanente. Eu estive alli, vi que effectivamente ha essa distincção de castas, que em certos casos inhibe juncção, mas nunca vi as castas baterem-se, hostilisarem-se por serem differentes; não vi nada disso, e se me dão licença, apresentarei um simile que existe exactamente entre nós, e que tambem não produz essas luctas continuadas. Quem duvida que entre nós ha uma casta chamada plebêa e outra chamada fidalga? Quem duvida que a casta fidalga leva muitissimo a mal que seus filhos se liguem com os plebeos, que tem nisso -um desdouro? No entanto no tracto geral da vida, nas associações, nos proprios jurys concorrem na melhor harmonia com os plebeos, e estes com aquelles. Pois é exactamente o que acontece com as castas na India.
O illustre deputado que me precedeu a fallar, tractou do artigo 1.º, que creio que é o que está em discussão, mas fez tambem algumas ponderações sobre a doutrina do artigo 2.º, e eu, sem desejar estar fóra da ordem, não posso deixar de lhe responder ainda que em muito poucas palavras. Disse-se que o acto addicional estabeleceu que os governadores das provincias ultramarinas não possam tomar medidas fóra das suas attribuições regulares, senão em casos de uma
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urgencia tal, que perigasse o estado, se as não tomassem; e que estabelecendo o artigo 2., que o governador em conselho póde modificar a lei, quando tractar de estabelecer de facto a instituição do jury em Gôa, falla-se ao preceito do acto addicional, porque esta lei não é da urgencia daquellas, de que tracta o mesmo acto addicional. Parece-me que ha aqui um equivoco. Eu creio que pelo artigo 2.º deste projecto não se tracta de dar poderes illimitados ao governador da India, para poder derrogar a lei, mas só para remover quaesquer obstaculos, filhos de circumstancias locaes, que impeçam o bom andamento desta instituição, e creio que esta auctorisação não e uma novidade, porque no decreto eleitoral que ha pouco se fez, lá se acha uma disposição inteiramente analoga, para que os governadores em conselho podessem remover os obstaculos que impedissem o andamento das eleições. Parece-me por consequencia que o argumento não colhe.
O sr. Silvestre Ribeiro: — Sr. presidente, tendo eu rejeitado este projecto na sua generalidade, poderá alguem estranhar que eu, filho da liberdade, e tendo constantemente militado nas fileiras como um dos seus defensores, rejeite a instituição do jury; mas não ha contradicção alguma entre o meu voto, e os meus sentimentos liberaes, porque estes continuam do mesmo modo.
Sr. presidente, eu considero esta questão como uma questão de conveniencia, como questão de opportunidade, como uma questão de tempo. (Apoiados) Se se tractasse d'uma these, relativamente ao jury; se se tractasse da questão especulativamente, diria, como disse Napoleão aos plenipotenciarios de Leoben: «A republica é como o sol; quem a não vê, é cego» Quem não vê as bellezas da instituição do jury, especulativamente fallando, é cego; mas a sua applicação ao nosso paiz está muito longe de produzir sazonados fructos. Peço á camara que note e avalie o que se escreveu em 1843, ácerca do jury: — O jury que devêra ser a incorruptivel consciencia da sociedade; o jury que devera tornar quasi infalliveis as sentenças humanas. Oh! Quantas vezes o ouro da seducção, a influencia dos poderosos, as perfidas suggestões dos partidos, o medo, a ignorancia, e a má fé tem manchado seus verídictos!
Ainda hoje, sr. presidente, depois de lerem passado 10 annos, depois de longa e bem triste experiencia, estou convencido da verdade desta asserção. Podia citar milhares de factos para comprovar o que digo; mas só referirei alguns, em additamento ao que na sessão passada foram adduzidos por outros srs. deputados.
Na ilha Terceira, um homem, ou antes uma féra, assassinou uma rapariga, e cortando depois em pedaços o ensanguentado cadaver da infeliz victima, os queimou em um forno! O perpetrador do crime foi conhecido, foi preso, todos os habitantes de Angra linham cabal convicção de que o indicado fôra o barbam assassino; as pedras das ruas se levantariam para o declarar... e com tudo os jurados, a despeito da evidencia das provas, e não obstante o testemunho de suas consciencias, absolveram o criminoso e assassinaram a justiça! Na sessão passada um sr. deputado, que ao mesmo tempo é um digno juiz, por occasião de demonstrar os inconvenientes da actual constituição do jury, observou, que talvez nenhum dos seus collegas tivesse ainda sido jurado. Pois eu que já fui jurado uma só vez, contarei o seguinte: sendo jurado na cidade de Castello-Branco, quando alli servi o logar de secretario do governo civil, succedeu um facto, que mais tarde concorreu para me fazer gostar da lei que me eximiu de tão penoso o arriscado encargo. Tratava-se d'um grande attentado; os perpetradores estavam a ser julgados, e um filho e parentes destes, assistiam á audiencia, mostrando aos jurados os punhaes que traziam. O jury de que eu fazia parte, cumpriu com o seu dever, executou a sua consciencia, e deu uma decisão justa, apezar das significativas e temerosas ameaças; mas, mais tarde a minha vida correu perigo, pois que, saindo a passeio nos arredores da cidade, o filho d'um dos malfeitores lançou a mão ás redeas do meu cavallo e só devi a minha salvação ao soccorro que me sobreveiu.
Poderia citar milhares de factos, mas só me limito a estes: não para combater a instituição do jury em principio; mas para demonstrar quão ruins fructos tem produzido no nosso paiz; e se em Portugal onde ha uma só religião, onde se falla a mesma lingoa, onde ha os mesmos costumes, os mesmos habitos, onde finalmente ha uma completa uniformidade na vida e modo de vêr dos povos, na parte religiosa, moral, civil e politica; a instituição do jury tem provado mal, como havemos de applica-la aos estados da India, onde ha diversas castas, diversas religiões e costumes diversos? Na India ha portuguezes europeos, portuguezes mestiços, portuguezes indios, indios christãos (canarins, mouros e gentios) Ainda não estive na India, mas procurei informar-se com pessoas que alli residiram por longos annos, e uma dellas me deu noticia do seguinte facto, sobre o qual chamo a attenção da camara, porque revela bem claramente a especialidade das coisas na India.
Pelo regimento das communidades agricolas na India, é prohibida a admissão de brancos nas mesmas communidades; e ainda quando alguns brancos são effectivamente interessados em taes associações, não podem todavia figurar de per si, nem tomar parte, nem ter a menor ingerencia directa nas deliberações que nellas se tomam. E sendo tal o estado das cousas na India, quer-se applicar áquelles povos uma instituição, que mesmo em Portugal não tem ainda produzido os bons resultados que a theoria promette?
Passarei agora a responder a algumas das observações feilas pelo sr. deputado, que acaba de fallar. Disse o sr. deputado que tambem em Portugal temos distincção de castas, pois que temos fidalgos e plebeos. Peço licença para ponderar que não ha paridade alguma na comparação adduzida. entre nós não ha a casta dos fidalgos, e a casta dos plebeos; ambas estas classes constituem a universalidade dos cidadãos, iguaes perante a lei, do mesmo modo que são irmãos perante Deos: ao passo que na India se dá a pronunciada distincção que já notei, e que alguns outros srs. deputados já caracterisaram. O trabalho estatistico que o nobre deputado apresentou, e que disse estar muito bem elaborado, o que acredito, não prova senão a habilidade do individuo que o fez; e já disse, quando tomei a liberdade de interromper o sr. deputado, pelo que peço perdão a v. ex. que o argumento da proporção de 1 europeo para 195 indios, em quanto o sr. deputado notava, que nos 195 indios entravam mulheres e menores, tambem era applicavel aos europeos, porque tambem no numero destes entraram pessoas do sexo femenino e me
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nores, por isso que a maior parte das pessoas, que passam á India, levam suas familias.
O mesmo sr. deputado tomou a defesa do sr. Pestana (e honra lhe seja feita) por isso que se notou, que tendo sido o sr. Pestana governador geral da India, e tendo governado com aquella proficiencia, zelo e habilidade, que todos lhe reconhecem, não u-vesse s. ex.ª proposto ao governo a applicação do jury para a India. O sr. Gomes respondendo a esta observação disse — que desde 1840 as juntas geraes de districto teem constantemente pedido ao governo a applicação do jury para a India, e que por esse motivo o governador geral vendo que as representações não sortiam effeito, deixou de as apoiar...
O sr. Gomes — Não fez conhecer essa necessidade, porque já as juntas geraes o linham feito.
O Orador: — Mas se o sr. Pestana estava convencido de que a applicação do jury na India era util, devia ter apoiado designadamente as representações das juntas geraes de districto. (Apoiados) E peço ao nobre deputado que reflicta, que não se tracta de accusar o conselho ultramarino; é verdade que já funcciona ha dois annos, e se se tractasse de uma medida importantissima, urgente e indispensavel para as provincias ultramarinas, já a deveria ler proposto ou consultado; mas não se tracta, não se pretende fazer o processo do conselho ultramarino.
Sr. presidente, os meus desejos são que não se va muito depressa, porque desgraçadamente desde 1834, ou antes desde 1820, não temos edificado cousa alguma. Acode-me neste momento á memoria o famoso dicto de Talleyrand: a Nunca tive pressa, e sempre cheguei a tempo.
Tambem sou progressista como o maior progressista, mas o meu progresso é regulado pelo principio do festina lente. Lembro-me da parabola do homem que edificou a Casa sobre a areia: veiu a chuva, e transbordaram os rios, e assopraram os ventos, combateram a casa, e ella caiu, e foi bem grande a sua ruina.
Terminarei dizendo que regeito o projecto por intender que a instituição-do jury na India, longe de ser vantajosa, seria muito-inconveniente. (Apoiados)
O sr. Presidente: — Como o sr. deputado acaba de alludir á advertencia que eu fiz sobre as interrupções, devo declarar que não foi porque o sr. deputado fizesse então uma observação ao orador que fallava, que fiz essa advertencia; mas sim porque já anteriormente linha havido outra interrupção, e ainda outras se podiam seguir; e a experiencia tem-me mostrado que sempre que ha interrupções, a discussão degenera em conversação; perde a sua importancia; allonga-se muito mais; e as vezes resultam scenas desagradaveis. (Muitos apoiados) Foi pois por este motivo que fiz a advertencia; e não porque a interrupção fosse feita pelo sr. deputado; pelo contrario, se soube-se que se não seguiria nenhuma ou Ira, nada diria.
O sr. Jeremias Mascarenhas: — Sr. presidente, observo com magoa que os illustres oradores que me precederam e falla iam contra o projecto, não fizeram mais que repetir os argumentos que tinham sido já adduzidos na discussão da generalidade do projecto, e contra a organisação do jury em Portugal; e, não obstante isto não ser regular e regimental depois de a camara ter já approvado o projecto na sua generalidade, comtudo peço licença á camara para tambem dizer algumas palavras a fim de responder aos illustres deputados, com o unico intuito de fazer-lhes vêr que os seus argumentos não são irrespondiveis, que não foram tão victoriosos e triunfantes que taparam a bôca aos defensores do projecto.
O sr. deputado Simão José da Luz no seu brilhante discurso, entre muitas cousas que não vinham ao caso, fallou com demasiado calor e com grande enthusiasmo na generosidade da nação portugueza, declarando que foi a primeira em conceder aos habitantes das -nas provincias ultramarinas direitos que nenhuma outra havia concedido aos das suas; s. ex., peço perdão para dizer, não disse n'isto novidade alguma, pois eu quando fallei na generalidade do projecto, fui o primeiro que confessei e. reconheci esta generosidade, e votei por esta occasião agradecimentos sinceros em meu nome e no dos habitantes do Ultramar, por esta nação generosa haver concedido aos seus filhos do ultramar os mesmos direitos que gozam os do reino, principalmente o de terem quem os represente neste parlamento, e commungaram com elles na importante prerogativa da soberania popular: e desta concessão deduzo um argumento contraproducente de que a nação, depois de ter sido generosa com os portuguezes do ultramar em um ponto de tanta importancia, qual é a participação da soberania popular, seria sem duvida uma mesquinhez ridicula e reprehensivel querer negar lhes uma garantia de ordem secundaria qual a do jury.
Permitta-me o sr. Simão José da Luz que diga que por mais que s. ex. quiz dissimulai os seus verdadeiras sentimentos, por mais que quiz alardear o seu liberalismo já muito longo e bem provado; por mais habilidade que empregou para encapotal-os, elles se tornaram visiveis e palpaveis para quem tem senso commum para intender perfeitamente que s. ex.ª o que não quer, é conceder aos portuguezes da India a garantia do jury, pelo unico motivo de os não ver igualados aos seus irmãos do reino; que esta arrependido de que se lhes lenha concedido a igualdade dos direitos politicos e civis, e nutre receios de que os portuguezes da India algum dia se tornem independentes: a não ser isto não vinha ao caso o fallar s. ex. na igualdade de direitos concedidos ao Brazil, e na sua independencia. Aqui, sr. presidente, devo fazer justiça á nação portugueza, e declarai que estou convencido que estes sentimentos são particulares do sr. deputado, que não da nação; (Apoiados) esta se actualmente é pequena pelo seu territorio, população, sua força e riqueza, torna-se grande por sua generosidade, por seu liberalismo, por sua filantropia (Apoiados) com que a todos os membros da familia portugueza, habitantes quer no reino, quer na» provincias ultramarinas, seja desta ou daquella côr, os considera iguaes perante a lei, e não admitte entre elles outra differença que a dos seus talentos e merecimentos.
Aqui, sr. presidente, não posso deixai de dizei que foi bom fado dos portuguezes das provincias ultramarinas o ter-lhes outorgado o Immortal Dador da carta por si os mesmos direitos que aos seus irmãos do reino; porque se tivesse reservado fazer-lhes esta concessão n'uma camara julgo, e com fundamento, que havia de haver grandes difficuldades, como observo na concessão do jury; o nunca assás chorado Imperador, apesar da sua elevada e soberana jerarchia, e os illustres ministros do seu conselho foram mais
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liberaes e filantropicos que o são certos senhores, que vindo representar a nação, querem pugnar pelas prerogativas, que intendem proprias dos portuguezes do reino, e julgam não poderem, sem se ferir o seu amor proprio, o seu igoismo, ser outorgadas aos que aliás chamam seus irmãos do ultramar; desejam ainda que estes sejam considerados como conquistados, e exercerem sobre elles o direito de conquistadores. Receiam a independencia! Allegam para corroborar este receio a independencia do Brazil 1!! Independencia, senhores!.. O amor della é um direito inherente ao dom da liberdade, e companheiro da convicção da propria força e poder para viver por si, sem necessidade da tutella, quando della se não carece; indigno seria um povo que tivesse a força e intelligencia necessarias para viver independente e a não desejasse, não empregasse todos os meios para a lograr; daria documento da sua estupidez, da sua pouca illustração; não, senhores, a India portugueza, se estivesse nas circumstancias de poder ser independente, ninguem devia estranhar se ella o quizesse ser, assim como ninguem estranha que um filho que deve a seu pai o seu ser, a sua educação, e muitas vezes tudo quanto tem, se emancipe de seu pai. Esta é a marcha natural, commum aos individuos e ás colonias; chegam estas ao tempo da sua virilidade, emancipam-se da sua mai-patria; mas a esta resta a ufania e gloria de ser auctora da civilisação de um povo e de o ter elevado ao gráo de illustração necessaria para viver como unia nação independente; resulta mesmo á mai-patria desta emancipação interesses politicos e commerciaes, como além de ser um principio incontestavel de sciencia, a experiencia mostra relativamente a Inglaterra com a America do norte, a Portugal com o Brazil. Eu, sr. presidente, confesso com toda a franqueza e ingenuidade que se a provincia que eu tenho a honra de representar e ao mesmo minha patria, estivesse em circumstancias propria, desejai ia do coração a sua independencia; mas sei que não se dão nella estas circumstancias, estou convencido de que, querendo saír da dependencia portugueza, é foiça caír na de outra nação; e nesta alternativa eu e os meus patricios queremos viver unidos antes a Portugal que á Inglaterra. (Apoiados)
Estamos-lhe ligados por laços fortes e indissoluveis, que espero hão de durar por muitos e longos annos. (Apoiados) Eu sei, sr. presidente, que o vastissimo imperio asiatico britannico, os seus dominantes, não obstante datar de não muito longe as suas conquistas e dominação, o têem dotado de uma rede de estradas; sei que os seus mares, e rios grandes e pequenos são navegados por vapores; sei mesmo que hoje as estradas vão ser convertidas em caminhos de ferro, e que se vai estabelecer mesmo telégrafos electricos, vantagens que não tem ainda os portuguezes do continente do reino. Sei que ha nesse imperio asiatico britannico instituições de instrucção, não só primaria, mas secundaria e superior em collegios, e uma especie de academias instituidas exclusivamente em beneficio dos indigenas, ha bibliothecas publicas como em Bombaim. É incontestavel que o resultado de tudo isto é o melhoramento material moral dos seus habitantes. Os povos de Gôa, apezar de sujei-los a Portugal ha mais de 350 annos, não possuem as mesmas vantagens de viação, navegação, e commercio; este tiveram-no muito florescente antes da conquista, ainda muito mais florescente depois della; mas hoje desgraçadamente é nenhum, o que ha é pobreza e miseria. Comtudo isto os seus habitantes querem continuar a ser antes portuguezes que inglezes, e hão de sel-o, porque os laços que os prendem são fortes, são quasi indissoluveis; donde não é rasoavel, não é provavel, antes é fantástico o ciume e o receio da sua independencia; não é a concessão do jury que póde produzir a sua independencia; (Apoiados) é a denegação delle que a póde trazer; (Apoiados) póde dissolver os laços que os prendem a Portugal; (Apoiados) póde abbreviar esta dissolução (Apoiados) para se entregarem á nação visinha pelo engodo das vantagens materiaes. (Apoiados)
Sr. Presidente, o que vejo é, que os illustres deputados que fallaram contra o projecto, tem empregado a maior parte de seus discursos, aliás brilhantes, em pertenderem mostrar a má organisação do jury em Portugal, em combate-la atroz e cruelmente; mas desejaria saber delles, se estão sinceramente convencidos desta pintura feia, hedionda, e até horrorosa, que della fizeram; se intendem conscienciosamente, que é tão prejudicial, e fatalmente funesta á nação, porque nenhum dos srs. oradores, dos quaes muitos foram deputados nas legislaturas transactas, e alguns tem sido até membros de gabinetes, porque, repito, não apresentaram até hoje um projecto para a reforma desta organisação (Apoiados) e o sr. Silvestre Ribeiro, que foi governador civil da Madeira por tantos annos, quantas vezes expoz ao governo a má organisação desta instituição, e a necessidade de a reformar! Parece-me, que nunca fallou officialmente sobre esta necessidade dos povos, se o fosse, tão urgente.
Mas disse um illustre deputado, que não queria jury na India, porque cá está mal organisado; que seria para os portuguezes de Gôa um presente funesto que esta camara lhe faria. Maravilho-me deveras deste amor dos illustres deputados para com seus irmãos da India, amor tão generoso, e tão fóra da ordem natural; não posso mesmo comprehende-lo: o que vejo que nelle, a ser sincero, não se segue senão a ordem inversa da caridade bem ordenada; porque esta principia por si (Riso, e vozes: — Muito bem) e por conseguinte o amor dos illustres deputados de que fazem tanta galla, devia começar por Portugal (Uma voz: — São mandriões). Mandriões! Pois não sejam tão activos e tão sollicitos sobre o ultramar; ninguem acreditará nesta sollicitude improvisada; peço perdão aos illustres collegas, não é com a intenção de Os offender, que fiz esta ultima reflexão.
Argumentaram tambem, perguntando; se a instituição do jury é applicavel na India, é-lhe proveitosa, como assegurou o sr. Pestana, porque este illustre cavalheiro a não propoz quando governador geral da India, porque até hoje a não consultou ao governo desde 2 annos, que é membro, e vice-presidente do conselho ultramarino A este argumento respondo eu, sr. presidente, retorquindo-o, como se diz na logica: tendo sido alguns dos senhores, que combatem o projecto, desde muitos annos-deputados, tendo sido o sr. Avila deputado, e membro do gabinete ultimo; porque nem um, nem outros requerem a reforma do jury; porque não propuzeram um projecto para isso. Seria, porque são mandriões. Senhores! Se sois mandriões, não accuseis ao illustre cavalheiro, o sr. Ferreira Pestana; o unico crime a
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existir, de que poderíeis accusar, cia o de ser mandrião, como vós; mas não, senhores, não podeis gozar a consolação de o lerdes para vosso companheiro. Dizeis vós, que o sr. Pestana não pediu jury para a India, não precisava elle pedir-lhe, porque o tinha já um seu antecessor; e esta conta estava pendente da resolução do governo, tinha-o pedido repetidas vezes a junta geral daquelle districto nas suas consultas desde 1010; o sr. Pestana esperava a resolução do governo sobre este objecto, sobre estas consultas, esperava a resolução de grande numero das suas propostas de reconhecido interesse publico daquelle estado, pendentes na secretaria da malinha, propostas, que, pois maior parte, desgraçadamente não tiveram ainda resolução; eis o motivo porque julgou, e com razão, que não devia repelir, a que um dos seus antecessores havia proposto, e que as juntas geraes tinha tantas vezes supplicado, referindo-se áquella proposta,
Mas dizem, que devia propol-a o sr. Pestana, como vice-presidente do conselho ultramarino, e não a propoz até hoje!! Podia tel-a proposto, eu tambem concordo; mas da falta desta proposta se não póde argumentar contra a proficuidade e vantagem do jury em Gôa; se não póde argumentar, digo, porque o conselho ultramarino, com quanto creado em outubro de 1851, foi instalado quasi 4 mezes depois; leve de organisar o seu regimento, teve logo de formular os orçamentos do ultramar; intendeu dever acudir ao ultramar, começando pelas provincias, que tinham mais urgentes necessidades, como Angola, Moçambique, ele. Mas, se querem os illustres deputados aproveitar deste ensejo para reprovar o conselho ultramarino, para dizerem que elle não presta, não fazem nada; não é a mim que incumbe defendel-o; é ao governo, é a outros cavalheiros, que compete tomar a sua defeza, que de certo hão-de -fazer melhor do que eu: mas este não é o objecto da discussão.
Permitta-me v. ex. que conteste a doutrina, que dois illustres oradores do lado direito, avançaram, intendendo que tudo quanto é conveniente, é urgente; eu não admitto esta doutrina, não concordo nisto com os illustres deputados, ella não é verdadeira; só é verdadeira a proposição, feita sua conversão, como se diz na logica — tudo quanto é urgente, é conveniente, e não viceversa.
O sr. Silvestre Ribeiro, entre outros casos, coutou um, que não vem ao caso; e mesmo me maravilha, que s. ex.ª que é homem de tanta erudição, e sisudeza, não percebesse que n sua narração não affectava o jury, não provaria contra a sua organisação em Portugal; não demonstrava os seus funestos effeitos: esta narração consistiu, em que, em certo anno quando s. ex. era secretario do governo civil de Castello-Branco, e serviu n'uma audiencia de jurado, appareceram nella homens armados de punhaes, que os jurados foram atemorisados, que não tinham liberdade, e independencia necessaria, mas que se deveu á providencia do chefe do districto o desassombraram-se e cumprirem com seu dever — Desta historia o que se póde concluir logicamente, é que em algumas das provincias do continente de Portugal não ha administração, não ha ordem (Apoiados) que reina a foiça, a anarchia (Apoiados) que o poder judicial não está livre, e independente (Apoiados); mas eu posso assegurar a v. ex.ª, e á camara que nunca na India tinham apparecido homens armados de punhaes na audiencia, e nunca os juizes haviam sido intimidados, alli ha ordem, administração, o governo, cada um dos poderes exercia com toda a independencia, ao menos da parte dos povos, as suas funcções; donde era um motivo mais para esperar, que o jury alli désse muito melhores resultados, que em Portugal (Muitos apoiados).
O unico argumento que a ser verdade, podia ser procedente, ter força, é a falla na India, da necessaria instrução e illustração; mas depois dos valiosos, testimunhos dos srs. Pestana, e Gomes, depois de tão claras e incontestaveis provas collegidas dos documentos officiaes, e auctoridades insuspeitas, que selem apresentado nesta discussão, se depois de tantas provas, os illustres deputados senão convencem, nada haverá, que os convença. Estes senhores estão encasquetados desta maxima = Fóra da Europa não ha illustração = Ella é filha, senão do egoismo, daquelle amor proprio, que alguma nação europea tem a respeitosas outras mesmo da Europa, e tinham noutro tempo os romanos, que se persuadiam, em seu orgulho, que fóra de Roma não havia civilisação; a todos, que não fossem elles, chamavam barbaros; incluindo neste numero os proprios gregos, que eram seus mestres, e a quem deviam a sua illustração. Não querem despir-se deste seu preconceito, por mais que lhes clamem seus irmãos mesmo europeos, por mais que lhes digam, que este preconceito é falso, accrescentando = «nós tambem somos europeos como «vós, tinhamos o mesmo preconceito; mas estivemos «no paiz que chamais -barbaro, examinamos cuidadosamente e pensadamente os seus usos e costumes, «a sua instrucção, e illustração; e deste exame denudo e reflectido o resultado foi o convencermo-nos, que alli ha instrucção, ha-todos os elementos «necessarios para alli se applicar o jury.» Apesar de tudo isto não crêem, e obstinam-se do dito preconceito. —
Não esqueceu tambem aos illustres oradores que combatem o projecto, trazerem á discussão as castas de Gôa; lembrança certamente digna da illustração do seculo 19!! A este ridiculo argumento já tem respondido convenientemente o sr. Pestana; devia despresar um similhante argumento, produzido n'um parlamento que compõe-se da maioria dos progressistas; comtudo direi algumas palavras, para mostrar a sua futilidade. Quer saber a camara, querem saber os illustres oradores que nisto fallaram, o que são castas na India? Este modo de organisação social é do tempo do gentilismo, e barbarie; mas não significa e importa differença de raças; sim diversidade de misteres, officios, e occupações: bragmanes eram a classe dos sacerdotes, e homens de letras; charoddos a dos homens d'armas; e os ladros a dos que se empregavam em agricultura, artes, e outros officios. Isto tudo desappareceu com o christianismo, e ainda mais em presença da actual illustração; porque onde ha illustração, não são despresadas as artes, a agricultura, e o trabalho; antes todos reconhecem-nos como profissões nobres. Esta distincção em castas e classes não era exclusiva da India; era commum a outras nações do mundo, como a Grecia, a Roma, que encarregavam aos escravos e illotas a cultura das terras, das artes, e outros officios, mesmo liberaes, por os reputarem occupações vis, baixas, e infames, hoje nenhuma influencia tem na India a differença das castas, e para prova vou lêr um periodo da consulta da
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junta geral do districto de Gôa, de 1845, em que se expõe, que a distincção das castas hoje na India não existe, senão nas allianças matrimoniaes, e nas irmandades e confrarias; (Leu) mas nas primeiras vai tambem desapparecendo, pelos casamentos entre differentes castas e côres, mesmo nas familias mais illustres do paiz: o sr. Gomes sabe do casamento dos srs J. F. Lopes e Manoel Xavier Osorio O sr. Gomes: — Apoiado) e se existe ainda nos casamentos e nas irmandades, não é devido aos habitantes illustrados de Gôa, que bem diligencias tem feito e continuam a fazer para a sua extincção. Em 1823 foram 4 porfia apresentados projectos para a sua extincção, propondo-se premios avultados, para os que, por meio de casamentos em differentes castas, concorressem para a sua extincção; quanto ás irmandades, as juntas geraes nas suas muitas consultas tem instantemente pedido ao governo de Sua Magestade, se sirva de declarar nullos e de nenhum effeito, em presença da carta, todos os estatutos em que se sancciona a differença das castas e côres Mas dirão, que ainda
existe lá a influencia das castas nas allianças matrimoniaes! Mas que se segue daqui? Não existe esta differença em Portugal na classe da antiga nobreza; celebram-se os casamentos, entre ella a moderna aristocracia? Entre ella, e a classe de parvenus, por mais ricos que sejam? E que direi de certos portuguezes e christãos, os senhores judeos; (permitta-me que não falte á devida cortezia, dando-lb.es um senhores; póde ser que entre nós, na camara, haja algum, ou alguns, que pertencem a esta classe) e casam-se elles fóra da sua classe ou casta? Sr. presidente, tanto não influe em Gôa na causa publica a differença das castas, que eu, que pertenço a uma casta, que se diz inferior ás outras, fui honrado pela maioria dos votos para deputado, n'um collegio que se compunha de 129 eleitores, e não comprehendia em seu seio só 3 eleitores da minha casta', sendo os restantes europeos, descendentes, e individuos das outras castas. Reuni sim o suffragio deste numeroso collegio, não por ser da minha casta, mas porque se compunha dos homens, que sabem distinguir o merecimento e zelo pelo bem publico, os quaes intenderam que a minha humilde pessoa reunia em si. (Apoiados — Vozes: — Não se enganaram.)
Sr. presidente, o mesmo sr. deputado Silvestre Ribeiro apresentou como uma grande descoberta a disposição dos regimentos das communidades, que não admittem europeo algum para deliberar nu gavearia, ainda que seja interessado, mas esta informação que lhe deu um seu amigo, como asseverou, não prova nada. Esle regimento foi organisado em 1600 e tantos, sendo vedor da fazenda um europeo, foi approvado pelo respectivo vice-rei, e confirmado pelo soberano; logo, se ha nisto alguma differença, fizeram-na os proprios europeos, o governador, e o soberano. Mas querem saber o motivo desta disposição? E porque nesse tempo os europeos na India eram prepotentes, dictavam, mesmo os particulares leis aos indigenas; dos quaes 50, ainda que robustos, fugiam quando viam ir pela sua povoação um europeo, mesmo soldado raso. E não se admirem desta disposição do regimento das communidades, porque um conego europeo testou a favor dos pobres do palmar barangalem, que era sua propriedade; mas com a expressa condição, de que nem o capellão da capella publica, que instituiu, nem o administrador do palmar fossem portuguezes; declarou que assim o queria, para que aquelles povos não fossem opprimidos.
Mas dizem, que o jury está mal organisado; e continua a ser funesto em Portugal; e comtudo ninguem apresenta um projecto para reformar a sua organisação. Dizei o que quizerdes, senhores; clamai quanto puderdes, as vossas palavras estão em contradicção com os vossos factos. Quereis que eu vos acredite pelo que dizeis? Não; heide acreditar-vos pelo que fazeis. Vós continuais a ler o jury assim mui organisado, como está; e não vos atrevei a propôr a sua reforma? O que devo concluir é — que o jury assim mal organisado é melhor que a falta delle. (Apoiados) Sendo isto assim, eu quero-o na India, no estado em que está; e quando cá fôr reformado, quando fôr expurgado dos vicios, que nelle descobris, então se ainda continuara ter assento nesta casa, o que não espero, pedirei que estes melhoramentos tambem sejam transportados para a India. (Repetidos apoiados — Vozes: — Muito bem.)
O sr. Themudo: — Eu já. na sessão de sabbado expuz as razões, pelas quaes votava contra o parecer, apresentado pela illustre commissão; repelir agora as mesmas razões, seria cançar a camara; eu acho as ainda firmes e inabalaveis, não obstante os longos discursos que.se tem proferido em contrario; e por isso limito-me a mandar para a mesa a seguinte
Substituição: — As leis e mais disposições vigentes no reino, relativas á instituição do jury, são applicadas ás 3 comarcas das ilhas, de Salsete e Bardez do estado da índia, excepto nos crimes contra a segurança interna e externa do estado. — Themudo. Foi admittida, e ficou tambem em discussão, O sr. Alves Martins: — Havia duas razões para eu não fallar nesta materia; a primeira porque o artigo 1.º é o pensamento geral do projecto, e o pensamento geral do projecto já foi largamente discutido, e a camara votou-o; por conseguinte era escusado dizer mais nada: e em segundo logar o sr. Jeremias tractou a questão exuberantemente, e por conseguinte parecia-me tambem por isso escusado dizer mais nada. Entretanto como a occasião é opportuna para expor a minha opinião sobre esta questão, limito-me a expôl-a, e a fazer algumas considerações relativas ao que disseram os dois illustres deputados da direita, os srs. Simão José da Luz, e José Silvestre Ribeiro.
Eu declaro que fiquei espantado ao ouvir os nobres deputados a respeito do jury, tanto em relação a Portugal como em relação a Gôa; pasmei quando vi o que acarretaram para esta discussão; tomei apontamentos de algumas cousas, que disseram, e direi o que me parece a esse respeito.,. A minha opinião o respeito do jury exponho-a com franqueza e lealdade, assim como costumo em todas as materias: intendo que não é possivel governo nenhum constitucional sem jury. A instituição do, jury é a caracteristica das verdadeiras instituições constitucionaes; sem ella não ha instituições liberaes; o desde o momento em que as imaginam sem jury, essas instituições são pseudo liberaes, são falsamente chamadas liberaes: esta é a minha crença.
O que se argumenta contra isto é o seguinte: o jury em Portugal tem sido máo, as experiencias tem sido más, e apresentam se varios abusos, varios exemplos do modo como funcciona o jury em Portugal, e da sua má organisação. Segundo estes exemplos diz-se: o jury entre nós, prova mal. Eu tenho presenciado
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muitos exemplos «lestes, e tenho ouvido contar muitos e creio que não lia um só deputado na camara que não tenha presenciado como funcciona o jury em Portugal, e como se (em absolvido homens que não devem ser absolvidos; creio que não ha ninguem que o ignore; e esperava que todos conviessem nis-o; mas o que não esperava, era ouvir ao sr. Silvestre Ribeiro apontar um facto da maneira porque o apontou; apontar o facto não me admirava; mas não esperava ouvi-lo apontar pelo sr. Silvestre Ribeiro da maneira como o apontou. Disse s. ex.ª: para a India não deve ir o jury, porque d unia offerta fatal. — E porque é uma offerta fatal? — Porque em Portugal tem dado pessimas provas, e para o mostrar digo que sendo ou secretario do governo civil de Castello Branco...
O sr. Silvestre Ribeiro: — Dá-me licença...
O Orador: — Toda a licença, por isso que se tracta de uma rectificação.
O Sr. Silvestre Ribeiro: — Quando eu citei o facto, não foi para demonstrar unia asserção, porque para se demonstrar uma asserção, não se ella um facto isolado. Eu poderia citar milhares de factos, mas limitei-me a um que tinha uma certa ligação com a pergunta que na sessão passada tinha feito um sr. deputado. Dizia esse sr. deputado na sessão passada — a maior parte dos srs deputados que estão aqui, nunca têem sido jurados; e isto para demonstrar que o jury não estava bem constituido. Disse eu, e isto para responder nessa occasião, que o fui uma vez, e nessa conheci o perigo da instituição no estado em que está o paiz, dividido em facções, em parcialidades e em odios politicos. Nessa occasião em que fui jurado, não podia ser secretario do governo civil de Castello Branco e ao mesmo tempo jurado, e quando citei o facto, alludi a mim como jurado. Eslava em Castello Branco no exercicio de um cargo publico de commissão, e nessa occasião ainda a lei permittia que os empregados publicos de commissão fossem jurados, e eu fui ao jury como jurado, ali não era mais nada do que jurado, não era ao mesmo tempo secretario do governo civil — non polest simul esse et non esse.
Por conseguinte, repito para que se intenda bem — a auctoridade que eu tinha ali, não servia de nada, eu era simplesmente jurado, como os outros jurados meus collegas, e a nossa vida correu perigo. Se eu com este facto quizesse demonstrar uma asserção, a asserção de que o jury provava mal, caia n'um absurdo; não o citei para isso, foi só para responder ao sr. deputado Themudo, quando disse que nesta camara a maior parte dos deputados nunca tinham sido jurados
O Orador (proseguindo). — estou satisfeito com a explicação do nobre deputado, e é justamente o apontamento que eu tomei. O sr. deputado era secretario do governo civil de Castello Branco; a lei permittia que os empregados de commissão fossem jurados, o sr. deputado foi sorteado jurado e foi jurado; é justamente esse o facto; e admira-me que o illustre deputado o apresentasse: o que eu percebi das suas reflexões, foi, que sendo secretario do governo civil de Castello Branco, e sendo jurado, porque a lei nesse tempo ainda permittia, que os empregados publicos fossem jurados; mas o que me me admira, sr. presidente, e que sendo o illustre deputado secretario do governo civil, e sendo jurado ao mesmo tempo visse os punhaes na mão dos assassinos, e não procurasse prende-los, a fim de serem entregues á justiça! Eu não esperava que o illustre deputado dissesse isto. Que um particular viesse ao parlamento denunciar os punhaes, não admirava; mas que a propria auctoridade o viesse fazer, que a auctoridade venha denunciar os punhaes no seu proprio districto, é na realidade para estranhar! Agora que tenha havido punhaes, que tenha havido abusos; que se tenham commettido excessos, concordo; assim como concordo em que se lenha absolvido muita gente, que não devia ser absolvida; mas não posso concluir daqui, que a instituição não seja boa, saneia e liberal; (Apoiados) nem o illustre deputado póde concluir outra cousa; porque dos abusos nunca se argumenta contra as instituições.
Eu intendo que é muito lisongeiro para uma nação o dizer-se, que os jurados tem mais tendencia para absolver, do que para condemnar; e oxalá que essa tendencia não mude. Um illustre deputado julgou que isto era um mal, e eu pelo contrario julgo que é um bem; porque essa tendencia, o que mostra é, que o coração portuguez é summamente humano. Antes quero essas tendencias para a absolvição, do que para a condemnação. Além de que o illustre deputado sabe, que todos os abusos não provêm dos jurados, provêm da má organisação, em que elle está; (Apoiados) e provêm ainda de outra causa, qual é o jurado estar convencido de que, ainda que dê o crime por provado, os juizes ponham na rua o réo, e elle se vingue no outro dia da sentença que contra elle se proferiu. (Apoiados) Esle é, que é o facto; o mal vem dos proprios juizes; o que se receia, é que depois da sentença, o juiz o ponha na rua, e o réo realisa as ameaças que fez antecedentemente. Por consequencia modifiquem a instituição do jurado, que é o essencial. Já aqui houve um juiz o sr. Santa Anna que propoz uma modificação no jurado, isto é, para que o julgamento fosse na propria sala da audiencia: eu intendo que o jurado deve dar o seu veredictum ali mesmo sentado, tenho reflectido e meditado muito nisto, e creio que póde concorrer bastante para modificar os abusos, que se commettem. A instituição é sancta, é justa, é liberal,; nós somos livres; queremos as instituições livres: esta é uma das condições dos governos livres; vamos extendel-as, dão nos limitemos a Portugal, levemo-la a todas as nossas possessões, onde se possa convenientemente estabelecer; porque são nossos irmãos, e devem gosar dos mesmos beneficios.
O nobre deputado fallou das castas! Admiro-me, que em 1853 se falle ainda em similhante cousa! O nobre deputado, que tem exercido tão dignamente os altos empregos do estado, não vê que não fica bem a um homem da sua cathegoria procurar esses argumentos, porque não lhe estão bem na sua bocca? Pois um homem por ser branco ou preto, por seguir -esta ou aquella religião, deixa de ser cidadão portuguez? Pois se não deixa, para que havemos de ir procurar estes argumentos mesquinhos? Quanto a dizer-se, que a India não está bem moralisada para ler o jury, que não tem aquelles elementos necessarios para o jury, ainda concedo; mas o trazer-se como fundamento as castas e as cores para não poder estabelecer-se a instituição do jury na India, isso é que me parece impossivel que se apresentasse.
E não deve haver receio-que se emancipem as colonias, concedenda-lhe a garantia do jury; o jury é uma instituição de uma ordem subalterna; não in-
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fine nisso cousa nenhuma'. A these é o artigo 1.º: a camara devia levantar-se toda para o approvar; isto o, se sim ou não o jury se deve applicar tal como está em Portugal á India; e a discussão que tem havido, devia guardar-se para o artigo 2.; mas quanto ao principio geral as rasões que se apresentaram, nada colhem contra o artigo 1.º
Ha uma especie de contradicção entre nós; nós não dotámos ainda até hoje as nossas colonias com o jury, mas desde o principio dotámo-las com a liberdade politica de terem deputados na representação nacional. Pergunto — qual é mais, o jury, ou a faculdade de lerem parte na representação nacional? É a entrada que têem na representação nacional. Pois se achamos as nossas colonias no estado de darem representantes rio povo, devemos dar-lhe à fortiori a garantia do jury. Nem vejo perigo nenhum nisto.
Ha um argumento muito saliente a favor da instituição do jury na India, e simplesmente pelo qual eu votaria que se estabelecesse o jury na India, que é a distancia em que está essa colonia da mãi patria. É ou não o jury uma especie de restricção ou modificação no poder absoluto do juiz? Creio que todos concordam em que é. Logo os juizes quanto mais distantes estiverem da metropoli, mais precisam do correctivo do jury; e se o jury produz alguns resultados bons, deve ser certamente quanto mais distante estiver da metropoli o local em que elle fôr estabelecido; porque é ahi que o poder dos juizes não póde ser equilibrado e compensado de maneira alguma, por muitos meios que aqui o equilibram e compensam; o então é o jury que ha-de equilibrar lá esse poder. O jury lá póde produzir abusos, póde não ser per feito; mas tambem perfeita não ha instituição humana nenhuma. Póde causar alguns males, mas ha-de cansar alguns bens; e esses bens por pequenos (pae sejam, hão-de compensar os males, assim como em Portugal acontece. A instituição do jury aqui está viciosa. pois eu amo-a assim mesmo, e não a quero suspensa; desejo que se melhore, trababalharei para isso, mas não convindo por ora fazer-se essa refórma, pugno pelo jury lai qual está; antes o quero assim que não ler nenhum. Os srs. deputados recordam os crimes que se absolvem, mas remontem mais longe, o vejam os abusos que se commetteram, e aquelles crimes que se absolveram por juizes sem jurados; vejam isso, e façam uma confrontação, e dahi é que hão de deduzir o termo de comparação para avaliarem a bondade ou a maldade da instituição. Reparem nos inales que provinham da magistratura antes de haver jurados. São quero mais senão que reparem nos seis annos que dominou a usurpação em Portugal, nos grandes males que vieram ao paiz só-pela magistratura nesses seis annos. A classe que mais concorreu para desgraçar este paiz, foi a da magistratura — é a minha convicção.
Por conseguinte quando tractarmos do artigo 2.º, nós veremos se a instituição do jury tal qual está, deve Transplantar-se a todas as nossas colonias, ou ao ponto A ou B: quanto á these geral, voto por ella, e já se votou quando se votou a generalidade, está incluida no artigo 1., e julgo que não podia haver questão nenhuma a este respeito: por conseguinte sendo o artigo 1.º a these geral, e tendo a camara approvado esta these, intendo que toda esta discussão se deve guardar, para quando se tractar do artigo 2., e a camara deve passar a votar o artigo 1.º
O sr. Maia (Francisco): — Muito largas dimensões tem tomado esta discussão, e muito calor lêem os illustres deputados que tomaram parte nella, manifestado n'uma questão, que eu encaro de maneira diversa daquella porque tem sido encarada até aqui.
E esta uma questão que se devia ler tractado muito pacificamente, e que apparece na camara como mostrando um aspecto, não direi de partido, mas de desejo de triunfarem uns ou outros membros desta camara; e eu que, quando entro nas discussões, não tenho a presumpção nem 0 desejo de triunfar, mas unicamente de expor á camara as minhas reflexões, hei-de de ser pacifico na discussão deste objecto, hei de separar inteiramente argumentos pessoaes, que na verdade molestam a todo o homem pacifico; porque todo o homem pacifico se afflige, quando vê invectivas pessoaes entre membros d'uma camara que tem de legislar.
A questão que agora está em discussão é o artigo 1.: e sinto muito que o illustre deputado que acabou de fallar, dissesse que estava já votado; eu intendo que não está, e não está votado; porque é agora no artigo 1.º que havemos de votar, ou vêr se convém ou não transplantar para os estados da India a legisgislação que regula o jury em Portugal. Convirá que as leis e as mais disposições vigentes no reino sobre o jurado (é como intendo o artigo 1.º) sejam applicadas ás tres comarcas de Goa? Esta é a questão: é se a legislação actual sobre o jurado deve plantar-se nos estados da India, não é o jurado. O jurado ha-de plantar-se, o jurado é a carta, não se póde recusar, mas o que se póde recusar é que a legislação do jury na India seja a de Portugal. Esta é a questão; <: peço aos illustres deputados que venham a ella.
Agora não sei o que a illustre commissão quiz propôr neste projecto, por quanto quiz pelo artigo 1.º que fossem para lá as leis que estão em vigor em Portugal; e depois diz logo — mas possam suspender-se a arbitrio do governador da India. — Parece incrivel isto! E por este motivo que eu rejeitei o projecto na sua generalidade, mas não recebo a imputação de que eu não quero o jury para a India; quero o jury para n India, mas quero-o por leis adequadas ao estado da India. Por ventura não tivemos nós em Portugal já um jury instituido de uma maneira que foi e completamente alterada? Não conhecermos que foi preciso fazer um jury especial de liberdade de imprensa, e que esse assim mesmo já foi alterado? Não tivemos um jury criminal, (pro para certos crimes nós alterámos com um censo mais elevado? E não estamos nós reunidos para fazer leis? Em quanto as cortes estão abertas, ninguem legisla, ninguem póde legislar, nem para a India, nem para parte nenhuma, senão ellas. Veja v. ex.ª o que diz o acto addicional. (Leu) a Não estando reunidas as côrtes, o governo ouvidas e consultadas as estações competentes, poderá decretar em conselho as providencias que forem julgadas urgentes.» Diz expressamente — não estando reunidas as côrtes. — Não abdiquemos o poder legislativo; durante a reunião das côrtes ninguem póde legislar.
O artigo 2.º é peior. O governador da India em conselho não legisla; quem fez o acto addicional, meditou bem, e discutiu-o; o governador da India nunca póde legislar, nem em conselho. Diz o acto addicional a este respeito: (Leu) a Igualmente po-
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dera o governador geral da provincia ultramarina tomar providencias para acudira alguma necessidade ião urgente, que não possa esperar pela decisão das côrtes e do governo.»
Ora, pergunto eu, havemos de dar attribuições ao governador e ao governo, com as côrtes reunidas, para legislar ou alterar a lei geral, porque no primeiro artigo se quiz que fosse para a India a legislação vigente?... E haverá alguem que acredite, que a legislação vigente em Portugal póde ir inteira como está para os estados da India? Pergunto ao> illustres deputados que representam aquelle estado, se intendem que ella póde transplantar-se, como está, para a India? Creio que não dirão que póde; pois então não se póde approvar o primeiro artigo do projecto.
Argumentou-se, e eu não sigo essa opinião, contra o estado do jurado em Portugal; eu quero o jurado menino como elle está, porque ainda que se não possa dizer que está bom, é susceptivel de aperfeiçoamento; mas não soltarei invectivas, nem contra as córtes passadas, nem contra os governos que o não tem melhorado; intendo que esse melhoramento deve-se fazer sempre pausadamente; a experiencia é que demonstra a inutilidade de uma lei, ou as alterações que ella exige.
Eu mandei para a mesa uma substituição a este artigo, porque quero ser mais liberal na instituição do jury, pela qual sou fanatico, do que os illustres membros da commissão do ultramar.
Parece-me que se não houvesse o desejo de dar uma protecção especial para esta colonia, a illustre commissão do ultramar acharia mais uma provincia para onde podesse applicar o jury; mas não foi assim; quiz fazer uma excepção especial para aquelle estado. Mas no artigo 1.º, para logo existir uma contradicção, diz-se o seguinte. (Leu).Não intendo Isto. é objecto legislativo, e eu não concedo, nem delego o poder legislativo, senão na fórma do acto addicional; e por consequencia não é possivel admittir a disposição que está no artigo. A substituição que eu mandei para a mesa, é muito mais liberal, do que o artigo proposto pela commissão do ultramar, porque tende a annullar a disposição que prohibe que haja jurados nas nossas provincias ultra-marinas. Depois disto é que compele no poder legislativo fazer a lei, pela qual se deve regular o jury na India, e sem esta lei nós não podemos decretar, e o governo não a pode fazer, em quanto as côrtes estiverem abertas, e depois só dada a urgente necessidade é que póde tomar alguma medida legislativa.
Portanto, se nós transplantarmos para a India uma lei inconstitucionalmente feita, aquelles povos podem suspeitar, que d'alia um anno ella póde ser revogada, e nenhuma fé haverá na instituição (Apoiados).
Ora, os nobres deputados que tanto pugnam pela instituição do jury, devem tambem pugnar pela execução da carta constitucional, que é mais alguma cousa, do que o jury. Intendo que o artigo 1.º não diz nada, porque as disposições vigentes em Portugal sobre o jurado não podem ser applicadas taes quaes para a India: por consequencia repito, que a camara não póde delegar o poder de legislar, senão na fórma do acto addicional; porque nos corpo; colegislativos com a sancção regia é que compele fazer as leis, interpreta-las, suspende-las, ou revoga-las.
Quando se tractar do artigo 2.º, eu direi o mais que tenho a dizer; e voto contra o artigo I,º
O sr. Pinto Basto (Eugenio). — Sr. presidente, hoje está muito em moda magnetisar as massas com palavrões, estrondosos sim, mas varios de sentido, taes como liberdade, civilisação e patriotismo; mas eu sou um tanto sceptico, e por isso intendo que a liberdade não consiste em cada um fazer o que quer, mas sim o que póde, sem prejuizo dos seus concidadãos. A civilisação não consiste na simples acquisição dos meios materiaes, mas sim na conjuncta de meios moraes; e o patriotismo não consiste no alardeamento de um falso zelo pelo bem publico, mas sim no constante e judicioso emprego dos meios mais aptos para conseguir esse bem publico, o qual de certo se não obtem com a introducção de leis, a torto e a direito, de outros paizes em circumstancias muito especiaes, e muito diversas do estado, uso, costumes e preconceitos do povo portuguez.
Eu tenho ouvido durante esta discussão, que a instituição do jury é uma verdade inconcussa, como a luz do sol, apregoada por escriptores muito distinctos, e posta em practica com muitas vantagens em Inglaterra. Porem, notarei, que posto a luz do sol ser muito clara, comtudo está neste momento bastante obscurecida pelas nuvens que se lhe interpuzeram. Em quanto a muitos escriptores distinctos terem apregoado essa circumstancia, não me convence, porque os principios em these são muito seductores, muito brilhantes, mas na practica quasi sempre falham: os principios imprimem-se no papel que tudo comporia; mas a practica desses principios é mais espinhosa, porque tem de se verificar, não em campo vasio, mas cheio de instituições, habitos e preconceitos já creados, aos quaes é forçoso attender.
Quanto a dizer-se, que a instituição provava bem em Inglaterra, não se póde concluir daqui, cómodo facto tem acontecido, a provar bem em Portugal: em Inglaterra ha muita moralidade e bastante força publica para garantir aos jurados a acção livre de julgar segundo a sua consciencia; mas em Portugal não ha moralidade, como por muitas vezes o tem confessado todos os partidos, e de mais não ha segurança alguma individual contra a vingança dos scelerados.
Sr. presidente, disse-se tambem que a não punição dos malvados e criminosos era uma garantia social; porém eu, como o mais ignorante desta camara, intendo perfeitamente o contrario. Pelas nossas leis patrias é prohibido a um juiz de direito, homem de conhecimentos juridicos, homem da profissão de julgador, homem independente, mas responsavel pelos seus julgamento?, o decidir qualquer causa pela sua consciencia, e só pela verdade sabida dos autos: como poderão uniformisar-se tão prudentes previsões, com a faculdade dada a juizes leigos, sem o cargo de julgadores permanentes, sem moralidade, e sem responsabilidade pelos seus julgados, julgando conforme só a sua consciencia, consciencia a mais das vezes viciada pelos effeitos da desmoralisação das paixões de partidos, da amisade, da mal intendida commiseração, do terror, do medo, e da manifesta coacção dos criminosos?
Mas tem-se argumentado com o; defeitos da instituição; tem-se dicto que a instituição é má, mas que se é má, não é por sua natureza, mas pelos abusos que nella se teem introduzido, porque Os homens honestos, serios e respeitaveis procuram isentar-se de similhante encargo, preenchendo-o unicamente os menos competentes e os ignorantes. Mas porventura ha
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meios laceis de remediar esses males? Quaes são elles? Uma nova organisação de jury mais bem intendida e proporcionada ao estado do paiz!
Sr. presidente, eu digo que actualmente em Portugal lia muita desmoralisação, e falta de garantias aos jurados; e que em quanto a força publica não garantir a livre acção dos jurados, é inutil obrigar o, cidadãos a exercer esse cargo, porque os jurado, e os juizes mesmo não podem julgar livremente; por força hão de ser victimas da sua convicção e da sua consciencia. Se se obrigarem os homens probos e rectos a serem juizes, a julgarem como jurados, e não se lhes garantir a sua vida, ha de acontecer o que é natural de todos os homens, quando collocados na alternativa, ou de sacrificar as suas convicções, ou do perigo de perder a vida, o optar pelo que lhes é mais favoravel, e ir, compellidos por força maior ao sacrificio da sua consciencia, deixando-se ir atraz da corrente da desmoralisação, e, por consequencia, os crimes, longe de evitar-se, hão de multiplicar-se.
Ora, sendo tudo isto exacto, embora eu commetta o sacrilegio de fallar contra a instituição.do jury, não posso deixar de dizer que a desejo por ora banida de Portugal, e de nenhum modo applicada aos nossos estados da India.
Talvez se diga, que não ha grande inconveniente em dotar a India com esta instituição, pela faculdade que se dá no projecto ao governador geral da India, de modificar a nossa legislação vigente sobre o jury, dando depois parte ás côrtes. Eu intendo que tal arbitrio é indecoroso para o corpo legislativo, que deve ser muito cauteloso na confecção das leis. Nós desde 1834 para cá temos feito montões de leis, modificado, alterado, annullado e destruido essas mesmas leis, fazendo leis como quem faz obra para a feira, e atirando com ellas á execução, sem nos embaraçarem os graves inconvenientes que resultam de tão pernicioso systema, — e apesar de tantas leis que se teem feito, alterado e destruido, ainda não ha uma organisação completa sobre o jury! De maneira que o que os parlamentos teem feito em Portugal, é parodiar a construcção da celebre torre de Babel — uma confusão completa e uma anarchia.
Por consequencia concluo votando contra o artigo 1 do projecto em dicussão.
O sr. Alves Martins: — Sr. presidente, eu estou admirado do que acabo de ouvir! Já desconfiava, já sabia que quando se quizesse atacar uma instituição, se havia de recorrer logo aos abusos. Isto é tactica velha, e muito uzada não só entre nós, mas em toda a parte. Não me d mirava dos srs. Silvestre Ribeiro, e Simão José da Luz, porque emfim estes senhores tinham feito a sua profissão de fé a favor do principio da instituição, mas que estavam convencidos que não se podia transplantar para a India; mas o sr. Eugenio Ferreira Pinto Basto foi ainda mais adiante, pronunciou-se abertamente contra a instituição, não a quer, e diz que os livros são papel, onde se escreve á vontade; que os parlamentos não têem feito nada, e a final quê estavamos n'uma completa desorganisação e anarchia como a da celebre torre de Babel! Ora isto é que me obrigou a tomar de novo a palavra.
Sr. presidente, é verdade que nós temos feito muitas revoluções; temos conquistado a liberdade, e com ella temos a imprensa e muitas garantias; o parlamento tem feito muitas leis, alterado umas e revogado outras; é esta a nossa vida, hade sela sempre; e em toda a parte, onde ha instituições liberaes, acontece o mesmo. (Apoiados) Por consequencia fazemos uma cousa que é do nosso dever e do nosso officio. Mas apesar de todas essas revoluções, de todas essas guerras de partido, de todas essas reformas, dessas muitas leis promulgadas, alteradas, e revogadas; apezar de tudo isso o povo portuguez de 1853 não é o mesmo que o povo portuguez de 1828 — o seu progresso é muito consideravel, a sua fortuna é muito maior do que a de então, — e eu até me envergonharia, se a este respeito se entrasse em comparações entre uma e outra época. (O sr. E. F. Pinto Basto: — eu não me envergonho,.
Sr. presidente, o illustre deputado queixou-se da immoralidade do povo portuguez, e de muitas outras cousas que imaginou. Ora vejamos qual é a maneira de levar o povo portuguez á moralidade. Não sei que haja senão dois meios —. ou a força ou a illustração-e a illustração e o ensino donde provem senão dos livros? (O sr. E. F. Pinto Basto: — Tambem os erros vem dos livros). O Orador: — E que tem que venham? Não está nelles o correctivo? (Apoiado) Se a calumnia e a diffamação vem da imprensa, como diz o sr. Simão José da Luz, não está na mesma imprensa o correctivo para esses abusos í (Apoiado) E por isso que eu amo a imprensa, e quero a maxima liberdade á imprensa; (Muitos apoiados) deixem a liberdade á imprensa, e as restricções para a lei das rolhas. (Apoiados)
Ora diz o nobre deputado — não ha senão dois meios de fazer progredir a moralidade ou pela força ou pela civilisação. Creio que o nobre deputado não queria dizer que se moralisasse o povo portuguez a foiça. (O sr. E. F. Pinto Basto; — Por ora não). Mas se é pela civilisação, a civilisação vem da verdade, e a verdade vem dos livros; não se argumente pois que os livros são de papel. (Apoiados)
Eu lastimo que se diga em 1853 que os livros são de papel. Quer o nobre deputado moralisar o povo portuguez á foiça, quer sustentar essa força pelo exercito. quer que se imponha ao povo portuguez com todo esse apparato dos tempos antigos para moralisar o povo portuguez? Não quer de certo; hade ser por meio dos livros que hade saír a sua illustração e moralidade, hade saír da imprensa, porque assim como nella correm os erros, tambem a imprensa é onde corre abundantemente a verdade. (Apoiados)
Eu sinto, sr. presidente, irrita-me até, que em 1853 se contestem verdades que devem estar no coração de todos os portuguezes, e que são verdades axiomáticas. Por isso nada mais direi a favor do projecto; vote a camara como quizer; eu heide votar pelo projecto da commissão. O sr. Tavares de Macedo: — Sr. presidente, a instituição do jury é muito sancta, e muito importante na ordem social, mas por isso é necessario executal-a com grande cautela. Permitta-se-me dizer, já, que se locou na liberdade de imprensa, que eu sou o primeiro respeitador della, e ainda que della me visse atacado, ou fosse sua victima, pugnaria sempre por ella. (Apoiados)
Mas, sr. presidente, aquillo que eu poso soffrer para mim, e que intendo mesmo que é bom que soffram os outros, tem menos inconvenientes do que a má administração da justiça. Os srs. deputados parece que não fazem verdadeiro juizo do que é a ad-
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ministração da justiça; pois os mais eminentes jurisconsultos tem chegado a servir-se da expressão — que a jurisprudencias a sociedade. — Não me metterá medo soffrer uma injustiça da parte do governo; mas tenho horrendo temor de vir a soffrer uma injustiça da parte dos tribunaes porque os tribunaes são exactamente creados para dar a, cada um o que é seu, para punir os crimimosos e para absolver os innocentes. Debaixo deste ponto é necessario considerar-se qual é a melhor administração de justiça, se é por jurados, ou não por jurados. Eu não tenho combatido nem combato a instituição do jurado, nem no reino nem em parte alguma; eu não disse mal; dessa instituição, só disse aquillo que ninguem póde negar, isto é, que nas causas civeis, desde que se permittiu que podessem deixar de intervir os jurados, deixou de os haver; e só os ha na parte-criminal. Tem-se notado defeitos nessa: instituição, e effectivamente os tem; o que é necessario e corregi-los; mas concluir como concluem os srs. — deputados, que a instituição assim defeituosa se applique á India, nisso e que eu não posso concordar, porque seria um tristissimo presente que lhe iriamos fazer.
Eu intendo que já se votou o principio do jury, e ainda-quando haja necessidade de rejeitar o artigo 1.º, — já está determinado que haja jurados na India, o que é necessario agora é fazer uma boa lei de jurados para a India; e quem ha de fazer essa lei? A commissão diz que seja a mesma legislação do reino aquella que se applique á India. Pois isto é possivel? Segundo essa legislação e jurado quem sabe lêr e escrever, e quem paga 6$000 réis de decima; pois na India ha decima? Eis-aqui como a lei cae logo no primeiro artigo, porque não se póde applicar. E necessario, pois, fazer uma lei nova, e quem ha de fazer essa lei? Intende a commissão que se deve dar um voto de confiança ao governador da India. Eu não gosto de votos de confiança. Pela carta constitucional as côrtes é que fazem as leis; (Apoiados) por consequencia não há razão nenhuma para que as côrtes deixem de fazer esta. Não se tracta mesmo de um caso urgente; não se tracta de salvar a patria; não está Catilina ás portas de Roma; tracta-se de uma cousa, porque se tem esperado ha muitos annos, e póde-se esperar mais algumas semanas. Não percebo como é possivel dar um voto de confiança ao governador da India. Eu não sei quem seja o governador da India, mas geralmente costuma ser um militar. Quem é o conselho do governo? É o escrivão de fazenda, para o que se procura um homem habil neste ramo, é o chefe da repartição militar, é um ecclesiastico de alta cathegoria, e é o presidente da. relação; pois havemos de suppôr que estas entidades são capazes de fazer uma boa lei de jurados para a India, quando os mais eminentes jurisconsultos do reino até agora não a tem sabido fazer? O meu pensamento na emenda que vou mandar para a mesa, é que seja convidada a commissão do ultramar, ouvida a commissão de legislação, se o sr. Jeremias der licença (Riso) a apresentar um projecto de organisação do jurado para a India.
Eu tinha tomado muitas notas a respeito do que disse o sr. Jeremias, mas reconheço que estou fallando por uma excessiva benignidade da camara, e não quero incommodada; mas sempre direi alguma cousa para mostrar a differença social daquelles estados. S. s.ª disse que na India não havia castas, ou que as castas só se distinguiam na» allianças matrimoniaes e nas irmandades. Pois como é que se conserva uma raça pura, senão pelas allianças matrimoniaes? Isto não só prova que as raças existem, mas que não tendem de sorte alguma a confundir-se umas com as outras. O sr. deputado, querendo attribuir todos os males ao governo, disse que era culpa do governo se havia castas.,
Sr. presidente, a questão das castas não vem agora para aqui; é facto que todos somos christãos, todos somos catholicos, mas tambem é facto, por não dizer mais nada, que ha homens branco» e homens prelos, e os brancos não são pretos nem os prelos são brancos; as raças effectivamente existem, e o governo portuguez longe de tender a perpetua-las, tem feito altissimas diligencias para extinguir essas denominações, além do tempo do senhor D. José, impondo-se mesmo penas a quem fallasse em castas na India, a quem denominasse a lai ou lai individuo como desta ou daquella casta, porque era da vontade do governo portuguez fazer desapparecer taes differenças; mas apesar de todas as diligencias do governo da metropole essas castas nunca se quizeram misturar umas com as outras.
Disse o sr. deputado que as castas desejam acabar; é o contrario, não só não querem acabar, mas nem mesmo querem o contacto umas das outras. O sr. deputado citou aqui o facto de haver umas confrarias, a que se tinham querido reunir outras castas, mas que não se tinha consentido isso. O caso estabelecido em toda a sua verdade é o seguinte. Havia uma ou mais irmandades estabelecidas unicamente para europeos ou filhos de europeos, e algumas das castas quizeram entrar para estas confrarias. Em primeiro logar tractava-se de uma associação particular, o nessas associações ninguem tem direito a entrar, senão aquelles a que as mesmas associações o permittem.
Sr. presidente, tudo tende a mostrar, que a legislação actual da India é muito differente da de Portugal: e já que toquei nisto, permitta a camara que eu lhe leia algumas palavras que vem num jornal... (Leu) Isto é o que diz este jornal ácerca da administração da justiça na India. Ora conhecida a difficuldade de estabelecer um bom systema de jurados, seria melhor não se ler proposto o estabelecimento do jury na India; mas depois que se votou o principio, eu acceito-o; mas o que desejo e peço, é que se faça um regimento para a sua boa execução, e não appliquemos para a India a jurisprudencia da Europa; e por isso mando para a mesa esta
Proposta: — Proponho que a commissão do ultramar, ouvida a de legislação, seja convidada a apresentar um projecto de lei adequado ao processo por jurados para a India. — Tavares de Macedo.
Considerada como adiamento, foi apoiado, e entrou em discussão.
O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, eu fallo contra o adiamento pela mesma razão, porque n'uma das sessões anteriores, fallei tambem contra: nesta questão que vós declarais governamental, eu não admitto que o governo esteja calado nella, porque o governo deve dar a sua opinião, sobre tudo de pois que o sr. ministro da marinha disse que não estava de accordo com a commissão.
Sr. presidente, o assumpto é ponderoso, e a camara deve saber que, se eu quizer, posso explicar-me sobre I o objecto cabal, perfeita r completamente bem.
VOL. V — MAIO — 1853.
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Sr. presidente, na sessão passada, quando o illustre deputado o sr. Avila propoz que a votação fosse nominal, eu dei o meu voto contra, o houve alguem que disse, que eu tinha desandado nesta questão. Não dc-andei; desandar, desandam os srs. deputados, que estando na camara, e sendo chamados a votar, sáem pela porta fóra: eu desandar? Nunca. Dei o meu voto, como sempre, com desassombro, com clareza, com independencia.
Sr. Presidente, para a camara formar uma idea da mesquinhez desta discussão, e necessario que saiba, que ainda que este projecto depois de passar nesta camara, depois de passar na camara dos pares, e depois de estar sujeito ás velleidades e caprichos do governador da India, ainda assim este projecto não ha de ser posto em execução na India, senão passados tres annos! E como o systema metrico que foi votado pelo governo em dictadura, para ser executado dez annos depois! E desta fórma, discutindo e votando projectos, que só hão de ser postos em execução tres e dez annos depois, que nos estão os illustres deputados aturdindo com Os seus grandes principios de liberdade: e no meio de tudo isto, sr. presidente, levantou-se o sr. ministro do reino, que eu sinto não estar presente, e (pondo de parte a candura do seu caracter, e a amabilidade das suas maneiras) disse, que eu vinha divertir-me com o ministerio. Eu declaro, que não venho divertir-me com o ministerio, porque se tenho algum defeito, e tractar estes assumptos que aqui se debatem, com seriedade de mais.
Já se deu uma circumstancia, que faz que tenha muito pouca fé nas promessas do governo: é a seguinte.
Na sessão de 14 deste mez disse eu que os 570 contos que vinham no orçamento, eram para o caminho de ferro de leste; mas o sr. ministro das obras publicas disse que não era exacto, porque se eu tivesse lido o orçamento, devia ver, que os 570 contos pertenciam ao caminho de ferro do norte; e s. ex.ª depois apresenta uma proposta de lei, que diz — que os 570 contos de réis passam para o caminho de ferro de leste! — E isto tendo-me desmentido na vespera! Ora quando os deputados são assim desmentidos, sr. presidente, de certo que eu não posso ter confiança nas declarações do governo. Isto envergonha o paiz, a camara e todo o mundo.
Ora os srs. deputados vem aqui, e no seu prurido de ministeriaes até esquecem a grande ou pequena intelligencia que Deos lhes deu, e dizem disparates. Outro dia disse o sr. ministro do reino, em resposta a uma observação minha — que o que eu dizia, não tinha o menor fundamento, era nada, menos que nada, e menos que o ar, se era possivel. — Como se o ar não fosse nada! E não sabem que o ar é um elemento em o qual se não póde viver!
Chega-se ao parlamento e tem-se o arrojo de dizer que sobre a questão suscitada entre o governo portuguez e o governo do Brazil não ha nada tractado e nada feito! Quando se procede assim, sr. presidente, quando se querem tapar os olhos á verdade de similhante modo, o unico partido a tomar é o despreso completo por todas estas cousas; é a compaixão sincera por todos estes desabafos dos srs. ministros.
Eu voto contra o adiamento, não porque queira transplantar para a India a instituição dos jurados tal qual se acha entre nós, mas porque desejo que o governo declare, se está d'accordo com todas as disposições deste projecto de lei. Se a instituição dos jurados promette grande resultado, se offerece immensas garantias, qual é o motivo porque tendes procedido contra ella! Não elevastes o censo? Não excluistes os empregados publicos de serem jurados? Se o jurado é uma garantia contra o abuso e o arbitrio do juiz togado; se o jurado é um artigo essencia! da carta, como é que tendes restringido e contrariado os seus principios?
Alas ha mais: o sr. Paredes já disse que nas causas civeis o povo não quer jurados. Já se disse, que o jurado absolve o criminoso, porque tem medo, que, condemnando-o, o juiz o absolva, e que elle depois se vingue da decisão que contra elle tomaram; mas que me importa que o povo queira jurados, se desconfia delles! Que me importa que haja jurados, se elles não procedem conforme a sua consciencia, só porque teem medo que o juiz dê liberdade ao criminoso, quando elles o consideram culpado? O que vejo em tudo isto é um defeito de instituição, e isto está dicto pelo sr. Paredes, e confirmado pelo sr. Alves Marlins. Ora se a instituição é defeituosa, como podia eu seriamente querer transplantal-a para a India?
É necessario tambem que a camara não confunda castas com raças; (Apoiados) nós somos todos da mesma raça, mas não da mesma casta. Na India ha raça, mas esta raça está subdividida em castas, e a casta que mais prepondera é a canarim Por conseguinte, sendo esta a casta que mais prepondera, segue-se que ella ha de absolver o canarim que é da sua casta, e ha de condemnar o europeu que o não é.
Eu declaro francamente, que a minha opinião é pela mais ampla liberdade de imprensa, porque aquillo que sou, muito ou pouco, devo-o á liberdade de imprensa; mas este amor que tenho por ella, não me cega a ponto de não ver que a imprensa abusa, e abusa muito. Não é o vehiculo da verdade, mas sim o da infamia, porque a imprensa quasi sempre é dirigida pelo odio e pelo rancor, e neste caso então digo eu, podemos desconfiar dos seus beneficios, porque, se propaga a verdade como cinco, propaga a infamia como vinte... (Vozes: — Deu a hora) Sira! Pois então peço que a palavra me fique reservada para ámanhã.
O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje, o projecto n.º 34 sobre a fixação da fôrça de mar, e na ultima hora interpellações. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.
O redactor
José de Castro Freire de Macedo.