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SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1885 2173

(Interrupção do sr. ministro dos negocios estrangeiros.)
Peco perdão, só bem me recordo a historia das negociações n'esta parte é a seguinte. A primeira base indicada pelo governo inglez foi a fixação de um maximo dos direitos pautaes sobre a importação. O governo portuguez respondeu que acceitava o maximo de 10 por cento, mas ao mesmo tempo o sr. Antonio de Serpa, n'uma nota em que alardeava as tendencias liberaes da nossa legislação aduaneira colonial, fallou da pauta de Moçambique. Então o governo inglez aproveitou a referencia e pediu a applicação d'essa pauta ao Zaire.
O governo portuguez conformou-se com o pedido, mas como uma concessão, porque nunca mostrou desejo de deixar livres as exportações. Para o nosso caso, a questão é esta: a Inglaterra teria acaso feito opposição a que nós estabelecessemos a liberdade commercial na bacia do Zaire?
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Mas v. exa. não propunha isso.
O Orador: - Isso é outra cousa. Vamos á historia das causas da rejeição do tratado. Insisto em que as potencias não se queixariam da pauta de Moçambique se nus quizessemos estabelecer no Zaire liberdade de importação, e que não foi por culpa da Inglaterra que essa liberdade se não estabeleceu ou pactuou. A segunda causa de resistência foi a commissão anglo-portugueaa.
A camara conhece a historia da clausula relativa a essa commissão; sabe que o conde de Granville propoz, mais ou menos sinceramente, que a navegação do Zaire ficasse sobre a superintendência de uma commissão internacional; o governo portuguez, porém, rejeitou a commissão assim constituida e preferiu outra exclusivamente anglo-portugueza; e lord Granville afinal declarou que só a acceitava n'essas condições por lhe dizerem de Portugal que era inteiramente inacceitavel, por óbvios motivos políticos, a commissão internacional. Por consequencia, esta segunda causa da resistência das potencias ao tratado foi unica e exclusivamente da responsabilidade do governo portuguez.
Resta a terceira causa, as vantagens concedidas ao commercio britannico. Essas vantagens apressou-se o governo portuguez, e creio que o governo inglez, em declarar que seriam igualmente concedidas aos subditos das outras nações, por consequencia, deixaram de ser um motivo para descontentamento e irritações, e por isso póde dizer-se affoutamente que o tratado de 26 de fevereiro foi hostilisado e mallogrou-se, não por causa das disposições exigidas pela Inglaterra, mas sim das clausulas propostas e defendidas por Portugal, cujos negociadores não estudaram nem comprehenderam as concessões que forçosamente teriam de fazer aos interesses commerciaes creados no Zaire. E o mais singular de tudo, sr. presidente, é que a clausula que principalmente assustou esses interesses, que foi considerada como estipulação de uma espécie de protectorado britannico, a da commissão anglo-portugueza, mereceu ao sr. António de Serpa uma defeza excepcionalmente enérgica, como nunca a tiveram os interesses mais capitães da nossa soberania! Inexplicavel cegueira!
E vem aqui dizer que nunca ninguem condemnou, nem accusou, o governo, por ter negociado com a Inglaterra; e accusam-no, e eu accuso-o também, unicamente por ter negociado com um determinado governo, e não com todos ao mesmo tempo, e ainda mais por haver feito concessões á Inglaterra, que forçosamente haviam de desgostar e contrariar as outras potencias. O governo procedeu de certo modo como se diz às vezes que procedem alguns chefes politico?, que fazem aos inimigos toda a casta de concessão para os desarmar, e tratam mal os amigos por já estarem seguros. Para a Inglaterra, que era inimiga, todos os favores ; para as outras potências, todas as desconsidera coes; (Apoiados.) á Inglaterra, que não tinha interesses no Zaire, offereceram-se vantagens enormes, lá, e em todas as nossas possessões africanas, em troca do reconhecimento da nossa soberania; e ao mesmo tempo esperou-se que as outras nações, que commerciavam livremente nos territorios cuja posse reivindicávamos, se resignassem, não só a perder os beneficios da liberdade de commercio, senão tambem a soffrer a concorrencia dos inglezes, collocados por nós numa situação privilegiada! O resultado havia de ser forçosamente o que foi!
O governo não póde, pois, allegar - e cá estou a contas com o terceiro ponto da sua defeza -, que era impossivel prever a mudança que se operou na attitude das potencias.
Em primeiro logar, devemos lembrar-nos de que os diplomatas precisam ter faculdades que se não exigem ao commum dos mortaes; á palavra diplomata andam ligadas na linguagem portugueza todas as idéas possíveis de perspicácia, de previsão, de habilidade; e por isso vi com admiração que o sr. Bocage, no seu discurso, constantemente se empenhou em mostrar que taes factos, que deveriam servir de norma ao procedimento do governo, não se caracterisaram com inteira clareza, que este ou aquelle aviso não foi bastante explicito, pretendendo assim desligar-se, e desobrigar os nossos agentes diplomáticos de verem mais do que as cousas que se lhes mettem pelos olhos, e de preverem alem do que já succedeu.
Pois seria realmente muito difficil, a quem conhecia as clausulas do tratado de 26 de fevereiro, prever a tal decantada mudança das potencias, com que se pretende desculpar os erros do governo?
Não era, sr. presidente.
Se é certo que, como asseverou o sr. Bocage, nenhuma potência, á parte a Inglaterra, deu indícios, a não ser de certa epocha em diante, de querer contestar os direitos de Portugal no Zaire, tambem é verdade que o governo encontrou em todas as curtes da Europa muito zelo pelas conveniencias dos seus súbditos estabelecidos nos territorios que reclamavamos para a nossa posse, e muita vigilancia sobre todos os negocios da Africa occidental. Quasi todas ellas fizeram sentir que não acceitariam que Portugal supprimisse as liberdades commerciaes gosadas até agora nas margens do grande rio africano, e o governo hollandez, por exemplo, chegou a observar que o estabelecimento de feitorias n'essas margens era um facto preexistente ao exercício da soberania portugueza, que ella, portanto, não podia prejudicar.
Foi ainda mais longe, esse governo amigo, deu-nos um bom conselho.
N'uma nota, que está publicada no primeiro volume do Livro branco, conta o sr. Augusto de Andrade que o sr. Rochussen lhe fez notar que, da parte de Portugal, seria um grave erro occupar os vastos territorios do Zaire, porque da cccupação não lho adviriam senão encargos e complicações, sem compensação possível.
De toda a parte, em summa, recebeu o governo advertências de que a questão do Congo e a sua solução estava sendo vigiada pelos interesses commerciaes de muitas nações; e se esses interesses reagiam claramente contra qualquer legislação aduaneira que lhes impozesse sacrificios sensíveis, era de prever que mais energicamente reagiriam ainda contra quaesquer privilégios ou sombra de privilegios que concedêssemos á Inglaterra, cuja preponderância mercantil tantos ciumes inspira.
Ora, o tratado de 26 de fevereiro foi considerado em toda a parte, e com rasão, como diploma do estabelecimento de um protectorado no Zaire.
As vantagens commerciaes concedidas aos súbditos e ás mercadorias inglezas pareceram assegurar-lhes os vastos mercados a que dá accesso o grande rio, em detrimento das outras nações; e quando posteriormente se declarou que iguaes vantagens seriam concedidas a todos os outros estrangeiros, a clausula da commissão anglo-portugueza ficou ainda a inspirar graves receios e desconfianças, entendendo-se que a Inglaterra saberia aproveitar-se dessa commissão, em que os seus delegados estariam a sós com os