O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2176 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

da França com a Allemanha na questão do Zaire; e que aggravou a oposição do tratado de 20 de fevereiro dando-lhe por chefe o príncipe de Bismarck, apesar d'elle se ter mostrado disposto a chagar a um accordo com o nosso governo, e porventura a dar-nos um apoio similhante ao que depois concedeu á associação internacional.
Sr. presidente, estas considerações referem-se ao segundo periodo das negociações; mas tambem houve n'elle um episodio, por causa do qual não posso deixar de incommodar o sr. ministro dos negócios estrangeiros. O meu illustre amigo, o sr. Barros Gomes, perguntou ao governo qual tinha sido a missão incumbida ao sr. Serpa e por elle desempenhada em diversas côrtes da Europa, e o sr. Bocage declarou que o sr. Antonio de Serpa não tinha tido senão uma missão official, a de representar Portugal na conferencia de Berlim, e que ácerca de qualquer outra missão d'aquelle cavalheiro não podia dar explicações.
Ora eu não me posso conformar com esta resposta do illustre ministro.
Se o sr. Antonio de Serpa, na sua digressão, que creio que se realisou pelo meiado do anno passado, não levou caracter official em relação aos governos estrangeiros, viajou incontestavelmente com caracter official em relação a nós: pois o seu serviço não foi retribuido?
Por consequencia, insisto com o sr. ministro dos negocios estrangeiros para que nos dê algumas explicações ácerca das viagens desse diplomata, que de mais a mais são notáveis porque não deixaram o mais leve vestigio nos documentos das negociações; o governo tem obrigação de satisfazer o desejo, ou antes de acatar o direito, que tem a camara de averiguar similhante facto, (Apoiados.) tanto mais que a reserva, que o segredo, póde fazer suppôr cousas menos gratas á dignidade do sr. Serpa ou á dignidade do paiz. (Apoiados.)
Pois, realmente, o que houve, o que se passou, de tão extraordinário, de tão vergonhoso, que seja preciso pôr-lhe em cima uma parra tão espessa? (Apoiados.)
Faço minha a pergunta que o sr. Barros Gomes formulou, e espero que ella seja respondida pelo sr. ministro dos negócios estrangeiros.
Comprehendo que houvesse na missão do sr. Antonio de Serpa alguma occorrencia que não convenha revelar, para se não offenderem melindres de Portugal ou melindres de governos estrangeiros; mas, não admitto que se occulte o que foi fazer o sr. António de Serpa a diversas côrtes da Europa e que resultados tiveram os seus trabalhos.
Isso é que é preciso que se saiba. (Apoiados.) A camara tem o direito de conhecer, pelo menos, os fins geraes da missão do sr. Antonio de Serpa, para apreciar as responsabilidades d'elle, que a desempenhou, e do governo, que lha incumbiu. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu tenho ido seguindo os diversos periodos das negociações do Zaire, e indicando o que me parece terem sido os erros capitães commettidos pelo governo em cada um d'elles.
Notei que no primeiro periodo o governo fez mudar as disposições das potencias para comnosco, negociando um tratado com a Inglaterra em condições que haviam de ser forçosamente, desagradaveis a essas potências.
No segundo periodo, mostrei os inconvenientes e os resultados da suggestão de uma conferencia diplomatica, feita pelo governo isoladamente, e lastimei que elle não tivesse sabido aproveitar as disposições que a Allemanha pareceu ter para se entender comnosco ácerca das questões do Zaire.
Chegado agora ao terceiro periodo, pouquissimo direi ácerca d'elle.
Creada uma liga de potencias de primeira ordem para resolver a questão do Zaire, segundo as suas conveniências e segundo os seus interesses, essa liga havia de fazer de nós, pouco mais ou menos o que quizesse.
Faço justiça ao governo; faço justiça ao nosso representante na conferencia de Berlim: salvaram o que poderam.
Mas não os felicito pelo que salvaram, nem os censuro pelo que perderam, porque não tiveram a mínima liberdade de acção.
Por isso tambem não estranho que em Berlim acceitassem ou proclamassem doutrinas económicas a que sempre se haviam mostrado adversos.
Comprehendendo a impossibilidade de resistir, abandonaram-se.
Esta consequencia dos erros accumulados durante as negociações foi cruel, mas inevitavel.
Não me alongarei, pois, repito, no exame deste período, e não discuto as clausulas do acto geral da conferencia e do tratado com o estado do Congo, por isso que não podemos modificai as; mas preciso fazer uma observação.
Ha nas clausulas do acto geral da conferencia de Berlim uma disposição que mo parece que não póde harmonisar-se de modo nenhum com o artigo 6.° da carta constitucional.
É a seguinte, que faz parte do artigo 6.°:
«A liberdade de consciencia e a soberania religiosa são expressamente garantidas aos indigenas, como aos nacionaes e estrangeiros.
«O livre e publico exercício de todos os cultos, o direito de erigir edifícios religiosos e de organisar missões que pertençam a esses cultos, não serão submettidos a estorvo nem restricção alguma.»
Evidentemente este artigo briga com a carta. E não briga sómente por consentir que os estrangeiros residentes no Zaire, território portuguez que não póde dar uma legislação constitucional peculiar, exerçam cultos não catholicos em edifícios com fórma exterior de tempos, o que a carta lhes prohibe; briga tambem porque assegura aos proprios nacionaes, aos portuguezes, inteira licerdade de consciencia e culto n'esse. territorio. Pergunto, pois: coroo tenciona o governo sanar esta flagrante contradicção? V. exa. comprehende, sr. presidente, que a minha intenção, ao formular a pergunta, não é pugnar pelo artigo 6.° da carta; não lhe tenho outro amor senão o que me merecem todas as leis, que desejo ver cumpridas emquanto são leis, sendo revogadas quando se não podem cumprir. Se o governo entende que é preciso ampliar as liberdades religiosas nas colonias, proponha a revogação ou a alteração do artigo 6.°; desacatai o em tratados diplomaticos, sob a pressão de estrangeiros, é uma indignidade.
E estas reflexões trouxeram-me agora ao espirito a recordação de um facto realmente estranho. O tratado anglo-portuguez de 26 de fevereiro já assegurava liberdade de cultos, não aos portuguezes, mas aos estrangeiros residentes, no Zaire, e o conde de Granville não quizera admittir essa liberdade nem a restricção da fórma exterior dos edificios religiosos, apesar do sr. Serpa lhe objectar que essa restricção era constitucional: por causa disso trocaram-se até muitas notas entre Londres e Lisboa. Ora, o tratado de 26 de fevereiro já estava negociado e assignado, quando, no anno passado, o parlamento indicou os artigos da carta que haviam de ser reformados; e, todavia, o sr. Fontes oppoz-se a que um d'elles fosse o artigo 6.°, apesar de já se ter visto forcado a admittir que uma das suas disposições não vigorasse numa dada região de Portugal. Preferiu, pois, auctorisar a sua transgressão a consentir na sua modificação, e o artigo 6.° ficou vigorando para receber agora novo e mais serio desacato! Parece incrivel isto! E verdade que ha outra cousa mais incrivel ainda: é que uma nação colonial conserve no seu codigo fundamental disposições como a do artigo 6.° (Apoiados.)
Sr. presidente: eu estou cansado, e a camara deve estar enfadada; todavia, depois de ter notado os grandes desacertos praticados pelo governo nos diversos periodos das negociações, desejava ainda chamar a attenção de s.