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SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita
Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno

Têem segunda leitura os projectos apresentados na sessão anterior pelos srs. Lamare, Guilherme de Abreu, conde de Villa Real (assignado tambem pelos srs. Eduardo José Coelho e Guilhermino de Barros) e Avila (assignado tambem pelos srs. Lopo Vaz, Manuel d'Assumpção, Lopes Navarro, Azevedo Castello Branco e Adolpho Pimentel). - Apresentam representações os srs. Santos Vingas, uma da mesa da veneravel ordem terceira de S. Francisco da cidade, outra da veneravel ordem terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo: Arouca, da camara municipal da Azambuja; José Borges, uma dos officiaes da administração do concelho de Braga, e outra dos distribuidores do correio de Braga; barão do Ramalho, dos empregadas subalternos do lyceu nacional de Angra do Heroismo: Ernesto Pinto Basto, da junta de parochia, parocho e regedor da freguezia da Silva Escura, concelho de Sever do Vouga; Fuschini, do conselho escolar do instituto geral de agricultura. - O sr. Avellar Machado apresenta um projecto de lei elevando da 3.ª á 2.ª classe a comarca de S. Thiago do Cacem, e uma nota renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 64 de 1884. - É aggregado á commissão de marinha e do ultramar o sr. Julio de Vilhena. - É desanojado o sr. Luciano Cordeiro. - Justificam faltas os srs. Borges de Faria, Pouces de Carvalho, José Frederico, Cardoso Valente e Pedro Roberto. - Antes da ordem do dia dispensa-se o regimento, é declarado urgente, entra em discussão e é approvado, depois de algumas reflexões nomeadas entre os srs. Beirão, Simões Ferreira e Carrilho, o projecto n.º 126 apresentado na sessão antecedente, declarando em vigor as disposições das cartas de lei de 10 de janeiro de 1854 e de 5 de julho de 1855, até ao fim do anno economico futuro (providencias com respeito á cholera morbus asiatica, sendo rejeitada uma proposta de substituição apresentada pelo sr. Veiga Beirão.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.º 87 (tratado do Zaire). - Conclue o sr. Antonio Ennes o seu discurso começado na sessão antecedente. - Falla o sr. Carlos Bocage, que apresenta uma moção de ordem, e fica-lhe a palavra reservada.

Abertura - Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada - 38 srs. debutados.

São os seguintes: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Silva Cardoso, Garcia Lobo, A. J. d'Avila, Antonio Ennes, Pereira Borges, Santos Viegas, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Barão do Ramalho, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Elvino de Brito, Sousa, Pinto Basto, Francisco Beirão, Francisco de Campos, Frederico Arouca, João Arrojo, Sousa Machado, J. J. Alves, Simões Ferreira, Ferreira de Almeida, José Borges, Luciano Cordeiro, Luiz Ferreira, Bivar, Luiz Dias, Manuel de Medeiros, Pinheiro Chagas. Guimarães Camões, Sebastião Centeno, Vicente Pinheiro e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Garcia de Lima, A. da Rocha Peixoto, Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Antonio Candido, Cunha Bellem, Carrilho, Sousa Pavão, Seguier, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde de Villa Real, Emygdio Navarro, Goes Pinto. E. Hintze Ribeiro, Fernando Geraldes, Vieira das Neves, Correia Barata, Guilherme de Abreu, Costa Pinto, Baima de Bastos, J. C. Valente, Searnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Ribeiro dos Santos, Ferra o de Castello Branco, Coelho de Carvalho, Avellar Machado, Correia de Barros, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, M. J. Vieira Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Tito do Carvalho. Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Agostinho Fevereiro, Moraes Carvalho, Albino Montenegro, Pereira Côrte Real, Antonio Centeno, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Pinto de Magalhães, Urbano de Castro, Augusto Poppe,
Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Cypriano Jardim, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Mouta e Vasconcellos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Melicio, Teixeira de Vasconcellos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branco, José Frederico, Pereira dos Santos, José Luciano, Ferreira Freire. J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lourenço Malheiro, Reis Torgal, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Visconde de Alentem. Visconde de Balsemão, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A camara municipal de Cabeceiras do Basto, vendo amplamente dotada e quasi concluida a ultima estrada da sua rede de viação concelhia, e não podendo por isso applicar ao fim especial a que a lei os destina, os fundos que do corrente anno em diante derem entrada no cofre de viação municipal, pretende ser auctorisada a desviar d'elles a quantia de 1:000$000 réis para subsidiar, na construcção dos respectivos cemiterios, as juntas de parochia das freguesias mais pobres do seu concelho que sem esse auxilio os não poderiam construir pela sua reconhecida falta de meios; e
Attendendo a que o intuito a que visaram as leis de 15 de julho de 1662 e 6 de junho de 1804, creando uma receita privativa para viação municipal, se acha já preenchido n'aquelle concelho:
Attendendo a que o fim, a que se deseja consagrar uma parte dessa receita disponível, importa a realisação de um melhoramento necessario e inadiavel, urgentemente reclamado pelas mais elevadas considerações de religião e hygiene, e cuja urgencia ainda mais se recommenda pelo perigo da invasão do terrivel flagello do cholera asiatico, que infelizmente recrudesce no paiz vizinho;
Tenho a honra do submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E auctorisada a camara municipal do concelho de Cabeceiras de Basto a desviar dos fundos, que entrarem no cofre de viação municipal do corrente anno em diante, a quantia de 1:000:000 réis para subsidios ás jun-

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tas de parochia do mesmo concelho na construcção dos respectivos cemiterios.
Art. 2.° Fica revogada, a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, 8 de junho de 1885. = O deputado pelo circulo de Cabeceiras de Basto, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu.
Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões de obras publicas e de administração publica.

Projecto de lei

Artigo 1.° Os generaes do exercito e os da armada que desempenhem as funcções de vogaes no tribunal superior de guerra e marinha vencerão nesta qualidade as gratificações correspondentes ás suas respectivas patentes no desempenho de commissões de serviço activo.
Art. 2.° Fica assim alterada a parte da tabella a que se refere o artigo 125.° do codigo de justiça militar, approvado pela carta de lei de 9 de abril de 1875, e revogada a legislação em contrario.
Lisboa, 8 de junho de 1885. = José da Gama Lobo Lamare.
Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões de marinha, guerra e fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - Na sessão de 1 de março de 1875 os deputados representantes do districto de Villa Real e naturaes d'aquelle districto tiveram a honra de apresentar um projecto de lei, auctorisando o governo a proceder á construcção e exploração, por conta do estado, de uma linha férrea subsidiaria da linha do Porto ao Pinhão, que parta da Regua e que siga por Villa Real, Villa Pouca de Aguiar até Chaves.
Allegaram os signatarios do projecto, que o caminho de ferro do Porto a Barca de Alva, que é um dos mais importantes melhoramentos, que se toem realisado em Portugal, precisava ser completado por algumas linhas regio-naes, que dessem fácil transporte às producções de Traz os Montes e da Beira; d'estas linhas, uma das mais remuneradoras e das mais justas é incontestavelmente aquella de que trata este projecto de lei.
Uma das mais remuneradoras, porque aproveita:
1.° Á fertilissima zona das margens do rio Corgo, a toda a região vinícola da Ribeira de Oura, e em geral á dos concelhos de Villa Real, Régua, Santa Martha de Penaguião, Villa Pouca de Aguiar é Chaves.
2.° Á região do Barroso, que comprehende os concelhos de Boticas e de Montalegre, notável pela creação e engorda de uma das melhores raças de gado bovino do paiz, industria que se desenvolve consideravelmente e que de certo será um dos mais poderosos elementos de riqueza d'aquelles povos, logo que se conclua esta linha.
3.° Aos importantissimos estabelecimentos de aguas mineraes de Vidago e das Pedras Salgadas, que têem um grande movimento annual de exportação e que são frequentadas por grande numero de doentes.
4.° Aos concelhos de Chaves e Valle Passos tão ricos em productos agricolas, que são actualmente consumidos por preços que mal compensam o custo da producção e que certamente virão procurar novos mercados com grande vantagem dos productores.
5.° Finalmente a todos os centros de população que esta linha liga e atravessa, os quaes hoje limitam a sua actividade industrial a produzir apenas o que consomem, e que por isso se encontram nas mais precárias circumstancias, como o resto daquella fertilissima provincia.
Uma das mais justas, porque um dos districtos que mais especialmente merece á attenção dos poderes públicos é o districto de Villa Real, que tem sido tão cruelmente flagellado pela phylloxera e que por circumstancias independentes dos governos tem sido o menos favorecido na partilha dos melhoramentos materiaes.
Por estas rasões temos a honra de renovar a iniciativa do projecto de lei de 1875, com as modificações que submettemos á vossa illustrada consideração no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar em hasta publica na conformidade das bases, que fazem parte da presente lei, a construcção e exploração de um caminho de ferro subsidiario da linha férrea do Douro, que parta da Régua e que por Villa Real e Villa Pouca de Aguiar siga até Chaves.
§ unico. O governo não será obrigado a fazer a adjudicação, quando entender que ella não é conveniente aos interesses públicos em vista das propostas apresentadas nos respectivos concursos.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Bases da auctorisação concedida ao governo para a adjudicação da construcção e exploração do caminho de ferro, que parta da Regua, e que por Villa Real e Villa Pouca de Aguiar, siga até Chaves.

1.ª A exploração será concedida pelo espaço de noventa e nove annos a contar das datas da assignatura dos respectivos contratos definitivos;
2.ª A linha ferrea será construida e explorada com todas as clausulas e condições technicas, que foram estipuladas para o caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella.
Sala das sessões, 8 de junho de 1885. = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Manuel d'Assumpção = António José Lopes Navarro = José de Azevedo Castello Branco = Adolpho da Cunha Pimentel = Antonio José d'Ávila.
Lido na mesa, foi admittido e enviado às commissões de fazenda e de obras publicas.

Projecto de lei

Senhores. - Varias vezes se tem demonstrado a utilidade, e proposto ao governo e ao parlamento a construcção, da linha férrea do Valle do Corgo. E comquanto geralmente tenha sido approvada essa via, como conveniente aos interesses geraes do paiz, indispensavel ao districto de Villa Real, e promettedora de bom rendimento, tem-se-lhe dilatado e postergado a realisação sob pretextos mais ou menos especiosos.
Se o districto de Villa Real não póde dizer-se completamente privado dos benefícios de viação accelerada, pois que na orla inferior lhe corre o caminho de ferro do Douro, é certo que esse só aproveita completamente aos concelhos meridionaes, e não só os septentrionaes, inquestionavelmente os mais ricos hoje, mas ainda os centraes, luctam com graves difficuldades de distancia e carestia para affluirem áquella arteria da circulação, o que notavelmente lhes amesquinha o trafego e a producção.
Alem do detrimento e descommodo dos povos, cumpre attender ao importante desfalque no rendimento d'aquella linha do estado, que está urgentemente a reclamar o seu maior valioso confluente, n'este caminho de ferro que proponho do Valle do Corgo.
Em todas as tentativas do plano geral para a nossa rede ferroviaria vem incluída essa linha, já como de primeira, já como de segunda ordem. É unanime a favor d'ella o parecer dos technicos e entendidos.
E, por occasião de ser proposta a linha do Tua, pelo governo foi expressamente reconhecido haver a província de Traz os Montes mister de outro affluente pelo Valle do Corgo á linha do Douro.
Com effeito, demorando a estação da Regua a tal distancia dos principaes centros do districto de Villa Real, que a exportação se torna quasi impossível á conta da carestia de transporte, a linha do Tua em nada modifica essas condições.
Como do Porto e para o Porto corre toda a importação e exportação do districto, o movimento nada ganha em apartar-se do seu curso natural para demandar aquella li-

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nha, pois que tão longo e mais difficil seria o trajecto nas estradas ordinarias, caso as houvesse, e incontestavelmente mais extenso o percurso pelas vias ferreas.
Conspiram as condições technicas com as económicas em impor uma unica directriz ao caminho de ferro, que se propõe aproveitar as consideráveis riquezas do districto de Villa Real.
Vencidas as agruras e escabrosidades com que de toda a parte a provincia de Traz os Montes cae abruptamente sobre o Douro, aconselha a arte procurar a serie de bacias que o terreno apresenta separadas apenas por portei-las faceis de transpor. É exactamente por ahi que se alastra a zona mais populosa e cultivada, é ahi que toem assento as principaes povoações do districto.
Assim a via férrea que, entestando com a do Douro, na estação da Regua, seguisse o Valle do Corgo, continuando pelas superiores até entrar na veiga de Chaves, em cuja villa terminasse, ao passo que aproveitava para o traçado as melhores condições technicas, rasgava todo o districto de Viíla Real em duas partes quasi iguaes, cortava os importantes concelhos de Santa Martha de Penaguino, Villa Real, Villa Pouca de Aguiar e Chaves, e apresentaria estações intermediarias tão valiosas como Villa Real, Villa Pouca, Pedras Salgadas e Vidago.
E não só d'aquelles concelhos, mas ainda todo o trafego dos de Ribeira da Pena. Boticas, Mont'Alegre, grande parte dos de Mondim de Basto, Valle Passos, Alijo e Sabrosa, viria procurar esta linha, cujo percurso total foi calculado era 74 kilometros pela companhia da Povoa de Varzim, quando depois de reconhecido o terreno pediu a concessão.
Como atravessa as principaes povoações do districto, vae esta linha encontrar o systema de estradas que para leste e oeste o cortam.
Em Villa Real se cruzam as estradas que levam da Regua a Chaves com as que conduzem de Amarante a Bragança, Porto de Villa Real desemboca n'esta ultima a estrada de Freixo de Empada á Cinta. De Villa Pouca parte para oeste a estrada de Cavez, para leste a de Mirandella. Das Pedras Salgadas sae a de Boticas. Á Regua, de um lado vem para a estrada do Porto, do outro defrontam-se-lhe as de Lamego e marginal do Douro.
A muitos districtos se tem feito concessão de caminhos de ferro, na persuasão de que com esse poderoso transformador se desbravam terrenos, se adensa a população, nasce a industria, surje actividade commercial, onde jaziam largos tratos de terra inculta, onde mal desabrochava a mais rudimentar industria, onde população rara e pouco emprehendedora a custo aproveitava região fraca e depauperada. Sem negar nenhum dos benéficos influxos da viação accelerada, observo que financeiramente póde sair muito caro o encargo quando para o attenuar ou remunerar só confiâmos em transformação radical, e portanto lenta.
Tal não é o caso da linha que proponho. Sem que deixe de produzir os naturaes effeitos como agente transformador, é principalmente como collector de riquezas já creadas e em activa exploração, que desempenha desde já serviço indispensavel.
Ninguem desconhece a feracidade e intensidade de producção das veigas de Chaves, dos valles de Sabroso, Villa Pouca e Corgo. A todos é notorio a excellencia das afamadas raças que a região de Barroso cria. Com a via férrea acrescerá naturalmente a essa industria a de engorda, cujos óptimos resultados a provincia do Minho testemunha. E facil é de considerar que importante movimento trazem á linha as estações hydro therapeuticas das Pedras Salgadas e Vidago, e como com elle desenvolverão a benefica industria.
Apesar de todos esses, não só promettimentos, mas já realidades, para diminuir o custo da construcção, e portanto o encargo para o estado, adopto modestamente o typo da via estreita, já iniciado no outro districto da provincia. Não reclamo grandezas, luxo, dispendio escusaveis. Peço strictamente o indispensavel, e de que aquelles povos difficilmente prescindirão.
Adopto tambem o systema hoje seguido de garantia de juro e iguaes bases para a adjudicação às que a lei marcou, com respeito á linha do Tua. E como n'essa linha o concurso fez baixar a um pouco menos de 20:000$000 réis a cifra de 23:000$000 réis, que estava fixada para o máximo preço kilometrico, contento-me com fixal-o em 20:000$000 réis.
Não phantasio calculos com que é praxe avolumar o rendimento inicial para concluir que mais nominal do que effectiva será a garantia do estado.
Todos sabem a quantos devaneios se prestam as formulas costumadas, riem-se os entendidos, mas o grosso do publico póde illudir-se.
Entendo que uma optima causa dispensa taes subterfugios e muito pensadamente me abstenho de qualquer exagero em advogal-a.
Observarei só, que a companhia da Povoa de Varzim, quando pedia para esta linha subvenção do estado, e portanto não tinha interesse, antes pelo contrario, em avultar-lhe o rendimento provável, o calculou em 1:500$000 réis por kilometro.
Quero pôr-me a coberto de qualquer decepção possível, admittir as peiores hypotheses, contar com todas as fraquezas dos primeiros annos e reduzo a 1:200.0000 réis. Esta cifra á larga, se póde asseverar, ficará áquem da realidade.
Quero tambem suppor que os 74 kilometros pela mesma companhia calculada se estenderão a 80 por indispensaveis desenvolvimentos.
Temos que o encargo maximo eventual, durante os primeiros annos, será na peior hypothese de 48:000$000 réis.
Esse encargo, tendendo sempre a diminuir, será n'um futuro mais ou menos proximo, não só extincto, senão que reembolsado, pois simples adiantamento é.
Evidentemente a maior actividade da producção e trafego corresponderá importante acrescimo em todos os rendimentos do estado, com que é justo compensar o encargo calculado.
Muito mais importante é a consideração de que o estado com garantir esses 80 kilometros, obtem para si e por mais outros 100 o trafego d'elles.
De facto, como, segundo já referi, o movimento do districto vae todo demandar o Porto, seu natural mercado e centro de consumo, terá de percorrer a linha do Douro desde a Regua até áquella cidade.
De modo que, approvando a linha que proponho, os poderes publicos cumprem a um tempo dois deveres essenciaes.
Como iguaes repartidores dos benefícios da administração por todo o paiz solvem o atrazo de justiça ou equidade para com o districto de Villa Real.
Como possuidores e exploradores de um caminho de ferro, concluem tão bom negocio que em toda a parte do mundo emprezas particulares só movidas pelos seus interesses materiaes não têem duvidado effectual-a, quando nas condições d'estes se lhes apresenta.
Em taes termos cáe por terra qualquer opposição que no precario estado da fazenda publica se pretenda estribar. Se alguém ha que desconheça quanto elle é grave e melindroso, não é por certo o partido a que me honro de pertencer.
A mim pessoalmente, o que me não soffre o animo, é que o que não serve de obstaculo a obras apparatosas, que exigem milhares de contos, haja de ser invocado, como pretexto para evitar modestíssimo encargo, largamente aproveitado, e que porventura se traduzirá em economia effectiva.
Está na consciencia de todos que a apertada severidade com que se afasta cata pequena e utilíssima despeza breve

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será afogada em prodigas larguezas para emprehendimentos que mais tiram os olhos, e que de certo lesam outra influencia no nosso porvir financeiro.
Por todos estes fundamentos tenho a honra do sujeitar á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de sessenta dias, aberto na conformidade das bases especiaes que formam parte integrante d'esta lei, a construcção e exploração de um caminho de ferro de via estreita, que, partindo da linha do Douro, nas immediações da Regua, passe junto a Villa Real e Villa Pouca de Aguiar o termine em Chaves.
S unico. O governo não será obrigado a fazer a adjudicação quando entender que ella não é conveniente aos interesses publicos, á vista das propostas apresentadas.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da sessões, 8 de junho de 1885. = Conde de Villa [...] = Eduardo José Coelho = Guilhermino Augusto de Barros.

Bases da auctorisação concedida ao governo para adjudicar a construcção e a exploração do caminho de ferro da Regua a Chaves

1.ª A exploração gera concedida pelo espaço de noventa e nove amos, a contar da data da assignatura do contrato definitivo.
2.ª A linha ferrea será construida e explorada com todas as clausulas e condições que foram estipuladas para o caminho de ferro da Beira Alta, no contrato de 3 de agosto de 1878, auctorisado por lei de 23 de março do mesmo anuo, clausulas e condições que farão parte do contrato que houver de se assignar, com excepção das que são expressamente modificadas n'estas bases, e do disposto no artigo 28.º do mesmo contrato.
3.ª A linha ferrea será construida com leito e obras de arte para uma só via, á excepção das estações em que haverá as necessarias vias de resguardo e serviço.
4.ª A largura da via será de 1 metro entre as prestas interiores dos carris. O maximo dos declives será de 0,018 e os raios das curvas de concorrencia não serão inferiores a 130 metros, podendo com tudo nas vias de resguardo e de serviço descer a 100 metros. A largura dos subterraneos e obras de arte será a que se determinar no projecto que o governo approvar.
5.º Os carris serão de aço com o peso mínimo de 20 kilogramas por metro corrente.
6.º O numero e a classe das estações e suas dependencias serão determinadas no projecto definitivo. Nas estações de entroncamento as ampliações e melhoramentos que forem reclamados pelo maior desenvolvimento que ao serviço resultar da exploração da nova linha e para a facilidade das baldeações serão fritas por conta da empreza adjudicataria, devendo em todo o caso haver uma estação principal com as accomodações necessarias para passageiros mercadorias e empregados; officinas, machinas e apparelhos para a feitura e concerto do material da exploração: armazens, telheiros e depositos para a arrecadação e pintura de locomotivas, lenders, carruagens e wagons; fossos para pisar o fogo; apparelhos e reservatorios para a alimentação das machinas.
7.ª Os estudos e trabalhos technicos do traçado e obras de arte serão feitos bela empreza adjudicataria e submettidos á approvação do governo no praso de seis mezes a contar da data do contrato. O projecto das obras não será approvado em que seja previamente ouvido o ministerio da guerra.
8.ª A construcção da linha começará dentro do praso de sessenta dias a contar da data da approvação do projecto pelo governo, e devem estar concluidas todas as obras, e a linha ferrea em estado de circulação, com todo o material fixo e circulante e dependencias, dentro do praso de tres annos a contar da mesma data.
9.ª A empreza adjudicataria, se não apresentar os estudos ou não começar os trabalhos nos prasos fixados, perderá o deposito que tiver effectuado.
10.ª Se chegado o praso marcado para a conclusão das obras ellas não estiverem terminadas, nem a linha ferrea em estado de circulação, pagará a empreza adjudicataria por cada mez de demora uma multa fixada pelo governo, ouvido o engenheiro encarregado da fiscalisação dos trabalhos e a junta consultiva de obras publicas e minas, a qual não poderá exceder 2:000$000 réis.
Exceptuam-se os casos de força maior.
11.º O governo garanto á empreza adjudicataria o complemento do rendimento liquido annual até 5,5 por cento em relação ao custo de cada kilometro que se construir, comprehendendo o juro e amortisação do capital.
12.ª Para os effeitos d'esta garantia de juro o preço kilometrico não será computado em mais de 20:000$000 réis; e as despegas de exploração sel-o hão em 50 por cento do producto bruto kilometrico com o minimo de 700$000 réis e o maximo de 1:200$000 réis.
13.ª A garantia do juro será liquidada e pagas as sommas correspondentes no fim de cada semestre.
14.ª A empreza adjudicataria terá direito á garantia de juro em relação ás secções approvadas e abertas á exploração publica desde o começo da mesma exploração. Para este effeito não poderá a linha ser dividida em mais de tres secções, a saber: do ponto da partida na Régua a Villa Real; de Villa Real a Villa Pouca de Aguiar; de Villa Pouca a Chaves.
15.ª Logo que o producto liquido da linha exceder 5,5 por cento ao anno, metade do excesso pertencerá ao estado até completo rembolso das sommas adiantadas pelo governo em virtude da garantia de juro de que tratam as condições antecedentes, bem como dos juros d'essas sommas na rasão de 5,5 por cento ao anno.
Á empreza adjudicataria fica salvo o direito de reembolsar o estado das quantias que elle tiver adiantado por virtude da garantia de juro e amortisação de que tratam as condições antecedentes, podendo usar d'esse direito na epocha ou epochas que julgar convenientes.
16.ª O governo publicará os regulamentos e usará dos meios apropriados para verificar as receitas e despezas da exploração, sendo a empreza obrigada a franquear-lhe toda a sua escripturação e correspondencia.
17.ª Emquanto durar a garantia de juro o governo decretará as tarifas de passageiros, gados e mercadorias.
a) Logo que o governo estiver embolsado das quantias que houver adiantado em virtude da garantia de juro e amortisação, e dos juros correspondentes a essas quantias, serão as tarifas estabelecidas por accordo entre o governo e a empreza em harmonia com as que vigorarem n'outras lindas portuguesas que lhes sejam comparaveis.
b) Ficam prohibidos contratos particulares destinados a reduzir o preço das tarifas. Exceptuam-se os transportes que digam respeito aos serviços do estado e as concessões feitas a indigente.
c) Nenhuma alteração nas tarifas, horarios ou condições de serviço poderá, antes da approvação do governo, ser annunciada ao publico pela imprensa, nas estações, ou por qualquer meio de publicidade.
18.ª O estado cederá gratuitamente á empreza adjudicataria os terrenos que possuir e ferem necessarios para a construção e exploração da linha.
19.ª Durante o praso de cinco anno s a contar a data do contrato a empreza ficará isenta do pagamento de direitos de importação para as materias destinadas á construcção e exploração que não possam ser produzidas no paiz.
§ unico. O governo fará expressamente declarar no programma do concurso quaes são esses materiaes e a quantidade total de cada uma das especies d'esses materiaes que póde ser importada livre de direitos.
20.ª Durante o tempo da exploração terá o catado direi-

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to, alem dos serviços gratuitos estabelecidos na lei de 7 de julho de 1880, ao transporte da tropa e materia! de guerra por metade dos preços das tarifas geraes.
21.ª A licitação versará sobre o preço kilometrico.
a) Ninguem será admittido a concurso sem ter previamente depositado na caixa geral de depositos á ordem do governo, em dinheiro, ou em titulos do divida publica pelo seu valor no mercado, a quantia de 50:000$000 réis.
b) O deposito definitivo que será effectuado pela empresa adjudicataria antes da assignatura, do contrato, e como garantia da sua execução, será de 100:000$000 réis, e só poderá ser levantado quando a empreza tenha feito obras em valor equivalente ao dobro d'essa quantia, passando essas obras a servir de caução.
c) Se o deposito definitivo for em titulos de divida publica terá a empreza adjudicataria o direito de receber os juros d'esses titulos. Se for em dinheiro ser-lhe-ha abonado o juro de 5 por cento ao anno.
22.ª Ficam sujeitos á approvação do governo os estatutos da empreza adjudicataria sem embargo da lei de 22 de junho de 1867.
23.ª A empreza adjudicataria depositará, á ordem do governo, o producto liquido das obrigações que emittiu; os saldos depositados ser-lhe-hão restituidos na proporção dos trabalhos executados e vencerão o juro de 5 por cento ao anno em conta corrente.
24.ª A empreza adjudicataria será considerada portugueza para todos os effeitos. Quanto á composição da direcção no conselho de administração da companhia que construir ou explorar, guardar-se-ha a clausula imposta pela lei de 20 de maio de 1884.
25.ª As contestações que se suscitarem entre a empreza e o estado serão decididas por árbitros, da quaes dois serão nomeados pelo governo e dois pela empreza. No caso de empate sobre o objecto em questão, será nomeado quinto arbitro a aprazimento de ambas as partes, e, não concordando estas, pelo supremo tribunal de justiça.
26.ª Em qualquer epocha depois de terminados os quinze primeiros annos, a datar do praso estabelecido para a conclusão da linha, terá o governo a faculdade de resgatar a concessão inteira.
Para determinar o preço da remissão, toma-se o producto liquido obtido pela empreza durante os sete annos que tiverem precedido aquelle em que a reducção deva effectuar-se, deduz-se d'esta somma o producto liquido que corresponde aos dois annos annos productivos, e tire-se a média dos outros annos, a qual constitue a importancia de uma annuidade, que o governo pagará á empreza durante cada um dos annos que faltarem para terminar o praso da concessão, não podendo esta annuidade ser inferior ao rendimento liquido do ultimo anno, nem a 5,5 por cento do capital desembolsado, na rasão do preço por que se effectuar a adjudicação.
N'este preço da remissão não é incluido o valor do carvão, coke, ou outros abastecimentos, que serão avaliados em separado e pagos pelo governo, pelo preço da avaliação, na occasião de serem entregues.
Foi admittido e enviado na commissões de fazenda e de obras publicas.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal do concelho de Azambuja, fazendo varias considerações ácerca da crise cerealifera e pedindo para ella providencias.
Apresentada pelo sr. deputado Arouca, enviada á commissão especial de inquerito sobre a crise agrícola e mandada publicar no Diario do governo.

2.º Da mesa da ordem terceira do S. Francisco da cidade, freguezia dos Martyres, pedindo que lhe não seja applicavel o disposto no n.° 7.º do artigo 103.° da proposta do governo que reforma o município do Lisboa.
Apresentada pelo sr. deputado Santos Viegas, enviada á commissão de administração publica e mandara publicar no Diario do governo.

3.ª Da nossa da ordem terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, sobre assumpto igual ao da antecedente.

Apresentada pelo mesmo sr. deputado, tendo identico destino.
4.ª De officiaes de diligencias, da administração de Braga, pedindo para que sejam attendidos no serviço das execuções fiscaes, uma vez que a lei em vigor do 21 de maio de 1884 não determina por quem aquelles serviços devem de ser feitos.
Apresentada pelo sr. deputado José Borges, enviada á commissão de legislação civil e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª Da junta de parochia, parocho e regedor da freguezia de Silva escura, districto de Aveiro, pedindo a concessão do edificio da residencia parochial, do terreno inculto contigno, e de 230 metros quadrados do terreno inculto contigno, para n'esta area edificar nova residencia, estabelecer cemiterio, fundar essas para escolas primarias e habitações para os professores.
Apresentada pelo sr. deputado Pinto Basto e enviada ás commissões de administração publica e de fazenda.

7.ª De empregados menores do lyceu nacional de Angra do Heroismo, pedindo uma medida legislativa que lhes garanta a aposentação ou a reforma.
Apresentada pelo sr. deputado Barão do Ramalho e envia-la ás commissões de instrucção primaria, secundaria e de fazenda.

8.ª Do concelho escolar do instituto geral de agricultura, fazendo algumas considerações com relação á organização do serviço de policia sanitaria veterinaria no novo municipio de Lisboa.
Apresentada pelo sr. deputado Augusto Fuschini, enviada ás commissões de administração publica e de fazenda e mandada publicar no Diario do governo com urgencia.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam remettidos com urgencia á camara dos senhores deputados os relatorios que o governador civil de Lisboa tenha apresentado ao governo ácerca das occorrencias havidas na noite de 4 do corrente mez, na avenida da Liberdade; e bem assim, quaesquer das informações das auctoridades administrativas que servissem de fundamento á prohibição do espectaculo no theatro dos Recreios, na refende noite. = Elvino de Brito.

2.° Requeiro que seja remettida com urgencia a esta camara copia dos accordãos da commssão executiva da junta geral do districto, approvando os orçamentos da camara municipal de Lisboa nos ultimos tres annos. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.
Mandaram-se expedir.

3.° Declaro a v. exa. e á camara, que hontem cumpri a missão de que fôra encarregado desanojando o nosso collega e meu illustre amigo, o sr. Luciano Cordeiro. = Ferreira de Mesquita.
Para a acta.

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2166 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro a v. exa. e á camara que tenho faltado às sessões por motivo justificado. = José Borges de Faria, deputado por Braga.

2.ª Participo a v. e exa. e á camara, que o sr. deputado Joaquim Augusto Ponces de Carvalho não tem comparecido ás sessões e faltará a mais algumas por motivo justificado. = Barbosa Centeno.

3.ª O illustre deputado e meu amigo o sr. José Frederico Pereira da Cosia encarrega-me de participar a v. exa. e á camara que por incommodo de saude tem faltado às ultimas sessões, assim como por igual motivo faltará a mais algumas. = E. Pinto Bastos.

4.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara, que faltei a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado por Gaya, João Cardoso Valente.

5.ª Participo a v. exa. e á camara que por motivo justificado não compareci á sessão de hontem e pelo mesmo motivo tenho faltado às sessões nocturnas. = O deputado, Pedro Roberto Dias da Silva.
Para a acta.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° De Simão dos Santos, dono de um bote de pesca, pedindo para lhe serem pagas as avarias causadas no seu navio pelo abalroamento com a barca russa Auto, em 7 de outubro de 1884.
Apresentado pelo sr. deputado J. J. Alves e enviado às commissões de marinha e fazenda.

2.° Do barão de Sabroso, capitão reformado, pedindo melhoria de reforma.
Apresentado pelo sr. deputado Cosia Pinto e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Sendo urgente a approvação do projecto que hontem tive a honra de apresentar nesta casa, e desejando que passe para a outra casa do parlamento o mais depressa possível, peço a v. exa. que, dispensando o regimento, consulte a camara para que entre desde já em discussão.
O sr. Santos Viegas: - Tenho a honra de enviar para a mesa duas representações; uma da mesa da veneravel ordem terceira de S. Francisco da cidade; e outra da mesa da veneravel ordem terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo.
Ambas estas representações são contra o n.° 7.° do artigo 103.° da proposta do sr. ministro do reino, apresentada em sessão de 10 de abril deste anno, e que se refere ao alargamento do município de Lisboa.
A primeira d'estas representações é assignada pela irmandade da ordem terceira de S. Francisco da cidade, que se encontra nos limites da minha parochia.
Estas representações são na minha opinião bem justas e bem fundamentadas, pedindo que não seja approvado o n.° 7.° do artigo 103.° do projecto, que em sessões nocturnas se está discutindo.
O n.° 7.° refere-se á contribuição lançada nas irmandades e confrarias, numa certa e determinada proporção aliás exagerada, e que, é meu juizo, no caso de ser convertido em lei, não merecerá todo o respeito e obediência, que deve ter toda e qualquer lei, quando justa.
É esta ordem terceira a primeira corporação de beneficência de Lisboa, é mesmo no districto de Lisboa a primeira, porque exerce beneficência em larga escala; tem duas enfermarias, uma para homens, e outra para mulheres, e alem d'isso o sen serviço é por tal fórma notavel, que, peio ministerio do reino, foi enviada a esta corporação uma portaria em 20 de novembro de 1875, em que se dirigem á mesma administração palavras de louvor incitando-a a continuar na obra meritoria que até ali tem ella praticado.
A lei do importo do rendimento apresentada pelo ministerio progressista foi votada sendo mais tarde como se demonstrou appellidada e tida por vexatoria.
Não entro agora n'esta questão, mas o facto é que foi revogada.
Isentou-se no entanto por esta lei, e isto é o que convém saber, esta casa de caridade do respectivo imposto, isentou-se, porque o seu fim era simplesmente de beneficencia.
Instituições d'esta ordem devem ser protegidas pelo governo e não obrigadas a qualquer contribuição, e quando procedam por fórma diversa não podem ser cumpridas, porque offendem corporações, que relevantes serviços prestam á humanidade enferma
As largas contribuições que possam ser lançadas em prol do municipio de Lisboa não terno, ouso affrmal-o, a applicação santa, que lhes é dada por aquella e por outras irmandades. Serão lançadas no immenso sorvedouro em que realmente estão sendo lançadas muitas verbas importantes com prejuizo da salubridade publica, da beneficencia bem ordenada.
Dizia eu, sr. presidente, que o imposto de rendimento, não foi lançado sobre estas instituições de beneficencia e caridade, e terá porventura o municipio de Lisboa o raro condão de alcançar que sobre instituições d'esta ordem seja lançado um imposto tão vexatorio?
Eu hei de em occasião opportuna entrar no debato, hei de dizer então, o que julgar opportuno, ou isso agrade ou não agrade, porque a minha posição n'esta casa é dizer a verdade tal como a entendo; poderei mesmo ir melindrar esta ou aquella entidade, que em um assumpto tão grave não terá mais empenho do que eu no sentido de resolver bem e acertadamente questões d'esta natureza.
A camara ha de julgar d'estas representações, ha de julgar da proposta de lei, e nessa occasião attenderá às rasões, que tenho para que me empenhe, em que a mesma proposição de lei não possa ser votada.
Classifico este imposto, como um dos impostos mais vexatorios, que podem ser lançados sobre instituições, que prestam serviços relevantissimos, no exercício de uma das primeiras virtudes, que o christianismo proclama.
Eu não conseguirei alcançar o que desejo, mas hei de deixar bem consignado o meu voto nos annaes parlamentares e prevenir de que a lei como está, e como já disse, não póde merecer o respeito que á lei é devido. A este proposito mando para a mesa as duas representações a que já me referi.
V. exa. dignar-se-ha dar-lhes o devido destino, enviando-as ás commissões respectivas, para que na occasião do debate sejam presentes, por isso que entendo serem precisas para elucidar o debate.
Peço tambem que v. exa. consulte a camara sobre se permitte que as representações sejam publicadas no Diario do governo.
Já que estou com a palavra requeiro a v. exa., se houver numero na sala, se digne consultar a camara para que entre desde já em discussão o projecto n.° 105.
O assumpto é de importancia, mas a camara julgará como entender.
Foi auctorisada a publicação das representações no Diario do governo.
O sr. Frederico Arouca: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Azambuja, a respeito da questão cerealifera, não obstante esta questão estar affecta á commissão de inquérito parlamentar.

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SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1885 2167

Esta representação está redigida em termos muito regulares, por isso peco a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que seja publicada no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação.
O sr. Joaquim José Alves: - Mando para a mesa um requerimento de Simões dos Santos, dono do barco de pesca Restaurador, em que declara que tendo tido um prejuizo calculado em 437$782 réis, em consequência do abalroamento que o seu barco soffreu na noite de 7 de outubro, de 1884 com a barca russa Anto na altura de Cascaes, pede para ser indemnisado d'esta quantia.
Diz o requerente que tem empregado todos os meios ao seu alcance para poder obter justiça, e não o tendo conseguido em nenhuma das estações a que recorreu, pede á camara dos senhores, deputados tome o seu requerimento na devida consideração e lhe faça a justiça que merece.
Peço, portanto, a v. exa. tenha a bondade de o remetter á commissão respectiva, esperando que ella não deixará de attender o requerente, que sendo pobre tem todo o direito á justiça.
Peço igualmente que seja enviada a esta camara, com urgencia, copia dos accordãos da commissão executiva da junta geral do districto, approvando os orçamentos da camara municipal de Lisboa nos ultimos tres annos, esperando de v. exa. a bondade de dar andamento a este requerimento com a brevidade possivel, a fim de ver se sou mais feliz no resultado d'elle, do que tenho sido com todos aquelles em que me tenho esforçado para obter documentos, que não sei se por falta do ministerio do reino, se da repartição que tem de fornecel-os, ainda não recebi, o que me inhibe de entrar desenvolvidamente na discussão de assumptos que vão breve ser tratados n'esta casa.
O sr. Borges de Faria: - Mando para a mesa uma representação dos quartos distribuidores dá estação telegrapho-postal de Braga.
Sr. presidente, está tão bem elaborada esta representação, que eu, na minha consciencia, julgo-me escuso de apresentar rasões justificativas do seu pedido, e se n'este momento alguma cousa cabe dizer em seu favor, e para apenas com o meu testemunho presencial dizer que de certo sei que neste paiz trabalham mais e com menor retribuição. Porventura poderá comparar-se o movimento da distribuição do correio na cidade de Braga com as restantes terras do paiz onde, como em Braga, não ha quartos distribuidores? Ninguém de boa fé o póde dizer. Associo, portanto, ao pedido d'aquelles distribuidores o meu, para que seja creada em Braga a classe de terceiros distribuidores, ficando os actuaes quartos distribuidores considerados como pertencendo á terceira classe, é os actuaes carteiros supranumerarios considerados como quartos distribuidores.
A cidade de Braga, pela sua importancia, merece isto, pois não póde continuar a estar com uma distribuição de correio e telegrapho tão tardia, devida ao pequeno pessoal que para este effeito tem a respectiva repartição. Nada a este respeito mais digo, pois confio que um pedido tão justo como este será attendido.
Mando para a mesa tambem uma representação dos officiaes da administração do concelho de Braga, e que pedem seja tomada em consideração a sua actual e precaria situação desde que às administrações do concelho foram tiradas as execuções fiscaes.
É tambem de toda a justiça este pedido, e por isso espero que será tomado na devida consideração.
Sr. presidente, peco a v. exa. consulte a camara se permitte que estas duas representações sejam publicadas no Diario do governo.
Finalmente, sr. presidente, mando para a mesa a declaração de que tenho faltado á camara por motivo justificado.
Tanto esta declaração como aquellas representações quiz eu hontem que fossem mandadas para a mesa; porém, apesar de ter podido a palavra, v. exa. não ma concedeu por ter de se entrar na ordem do dia por estar adiantada a hora. Termino aqui o que tinha a dizer, pois não quero roubar tempo á camara, quando se vae tratar de um objecto tão importante como é auctorisar o governo a poder desviar por todos os modos, e a fazer todas as despezas para ver se consegue affastar do paiz a terrivel epidemia do cholera.
Foi auctorisada a publicação no Diario do governo.
O sr. Vicente Pinheiro: - Pedi a palavra para chamar a attenção de v. exa. e da camara para a representação dos carteiros de Braga, apresentada pelo meu amigo e collega o sr. José Borges.
Esta representação é de toda a justiça, porque a cidade de Braga tem hoje um grande serviço de correio, e portanto a creação de uma outra classe de distribuidores torna-se indispensável, E de toda a conveniencia que os do quarta classe passem para a terceira, e a quarta seja composta de empregados menores.
O sr. Elvino de Brito: - Mando para a mesa o seguinte requerimento.
(Leu.)
Por esta occasião tenho a dizer a v. exa. que eu, neste requerimento, e no procedimento que tenha a tomar sobre o assumpto, não duvido separar-me dos meus correligionarios, declarando desde já que procederei muito livremente.
O sr. Barão de Ramalho: - Mando para a mesa uma representação dos empregados menores do lyceu de Angra do Heroísmo, pedindo uma medida legislativa que lhes garanta a aposentação ou a reforma.
Peço a v. exa. envie esta representação ás commissões competentes.
Peço tambem a v. exa. consulte a camara sobre se permitte que entre desde já em discussão o projecto de lei n.º 100, que já está dado para ordem do dia.
O Adriano Cavalheiro: - Peco a v. exa., consulte a camara sobre se permitte que dispensando-se o regimento entre desde já em discussão o projecto n.° 119 que está dado para ordem do dia.
O sr. Pinto Basto: - Mando para a mesa uma representação da junta de parochia, parocho e regedor da freguezia de Silva a Escura, concelho de Sever do Vouga, districto de Aveiro, pedindo a concessão do edificio da residencia parochial, do terreno inculto contigno, e de 250 metros quadrados de terreno culto, para n'esta area edificar nova residencia, estabelecer um cemitério e fundar casa de escola e habitação para Os professores.
Peço a v. exa. envie esta representação ás commissões respectivas.
Por parte do meu collega e amigo, o sr. José Frederico, mando para a mesa uma justificação de faltas.
O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o projecto apresentado pelo sr. ministro do reino.
Leu-se na mesa o projecto n.° 126.
É o seguinte:.

PROJECTO DE LEI N.° 126

Senhores. - As commissões de fazenda e de saúde publica examinaram a proposta do governo, declarando em vigor, até ao fim do anno economico futuro, as disposições das cortas de lei de 10 de janeiro de 1754 e de 5 de junho de 1855; e sendo notorio que os receios da invasão do cholera morbus, que motivaram aquellas leis, se renovam actualmente, são por isso ás mesmas commissões de parecer que a proposta do governo seja approvada e convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° São declaradas em vigor as disposições dás cartas de lei de 10 de janeiro de 1804 e 5 de julho de 1855 até ao fim do anno económico futuro.
Art. 2.° O governo dará conta às cortes do uso que fizer das auctorisações que lhes são concedidas.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

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2168 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sala das sessões das commissões, aos 8 de junho de 1885. = Marçal Pacheco = Correia Barata = M. de Assumpção = A. M. da Cunha Bellem = A. C. Ferreira de Mesquita = Ribeiro Cabral = Lopes Navarro = João Arroyo = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Pedro Roberto Dias da Silva = Pedro de Carvalho = Vieira das Neves = Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso = Antonio Mendes Pedroso = A. X. Lopes Vieira = Adolpho Pimentel = Moraes Carvalho = Franco Castello Branco = Filippe de Carvalho = Joaquim José Alves = Luiz Ferreira = Augusto Poppe = Arthur Hintze Ribeiro = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.

Proposta de lei n.º 125 - E

Artigo 1.º São declaradas em vigor as disposições das cartas de lei de 10 de janeiro de 1854 e 5 de julho de 1854 até ao fim do anno economico futuro.
Art. 2.º O governo dará conta ás côrte do uso que fizer das auctorisações que lhe são concedidas.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 8 de junho de 1885. = Augusto Cesar Barjona de Freitas = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

O sr. Francisco Beirão: - Creio poder começar, declarando, que, da parte da opposição, não ha o minimo proposito de negar, nem de sequer regatear, ao governo, os meios necessarios, a fim de preservar o paiz da choleramorbus, e, não sendo possivel, de a debellar.
Para esse fim a opposição acceita a idéa do governo: no emtanto, o que não póde acceitar, é o projecto, tal qual, foi apresentado pelo sr. ministro do reino, e approvado pelas commissões de saude publica e de fazenda, por isso que contraria, diametralmente, o que, a tal respeito, entende dever conceder-se.
O projecto é, quasi, a copia do decreto dictatorial de 3 de julho de 1884.
Limita-se a declarar em vigor as disposições das leis de 10 de janeiro de 1854 e de 5 de julho de 1855, até ao fim do anno economico futuro.
A lei de 1854 auctorisava o governo a despender até á quantia de 30:000$000 réis, com o serviço extraordinario de saúdo publica, que fosse indispensavel para preservar o paiz da invasão da cholera morbus, ou para a debellar, se não podesse evitar a sua invasão, a occupar temporariamente as casas ou edificios de propriedade particular que fossem necessarios para o estabelecimento dos hospitaes de cholericos, postos médicos, boticas e outras officinas indispensaveis para este serviço de saúdo, a satisfazer as rendas restituindo afinal, os predios como os recebera; e a tomar emfim todas as providencias administrativas extraordinarias, indispensaveis para o bom serviço sanitario contra a invasão e marcha do flagello.
A lei de 1855, prorogando as faculdades conferidas na de 1854, auctorisava o governo a abrir credito supplementar para pagamento das despezas extraordinarias do serviço de saude designado na lei anterior, que podessem vir a exceder a quantia já votada de 30:000$000 réis; auctorisando-o mais a decretar os regulamentos de administração publica, relativos ás condições da fundação, conservação e policia dos estabelecimentos industriaes, perigosos, insalubres ou incommodos, permittindo ainda outras providencias tendentes a combater a cholera.
Esta ultima lei, pois, como se vê, auctorisa o governo a abrir credito supplementar.
N'este ponto sou mais ministerial do que o sr. ministro do reino.
Com effeito acha-se apresentada ao parlamento uma proposta de lei, prohibindo, no futuro exercicio, os créditos supplementares: como é, pois, que agora, se vem apresentar um projecto auctorisando a abertura de créditos supplementares?
Mais ainda.
O sr. ministro do reino vem apresentar um projecto de lei pelo qual se manda abrir credito supplementar para prevenir o debellar uma epidemia, quando este caso não fundamenta, hoje, nos termos do nosso systema de contabilidade publica, a abertura de taes creditos.
Se estivesse fechado o parlamento, e o governo precisasse occorrer a serviços; indispensaveis e urgentes, para prevenir ou debellar a cholera, o que teria a fazer era abrir creditos extraordinarios, nos termos preceituados no artigo 23 ° do plano de reforma da contabilidade publica.
Estando, como está, o parlamento aberto, o governo não podia recorrer a creditos supplementares ou extraordinarios, e devia vir solicitar, das cortes, a auctorisação necessaria, para empregar as providencias administrativas, e fazer as despezas que parecessem sufficientes a prevenir e, caso seja mister, debellar a invasão da cholera, que, segundo consta, já appareceu em alguns pontos de Hespanha.
Em harmonia com estar, idéas, não tenho duvida em conceder, ao governo, os meios necessários para esse fim, comtanto que o faca nos termos das leis, para que não se repitam, n'este anno, os factos abusivos e illegaes, que se commetteram no anno passado.
N'esse sentido vou mandar para a mesa uma proposta em substituição á do governo, na parte em que se refere á auctorisação para fazer despezas: devendo declarar que quanto á outra parte, relativa às providencias administrativas, que cumpre pôr em pratica, acceito o projecto ministerial para que fiquem em vigor as respectivas disposições das leis de 1854 e de 1855.
«É auctorisado o governo a despender até á quantia de 100:000$000 réis com o serviço extraordinario de saude publica que for indispensavel para preservar o paiz da invasão da cholera morbus, ou para a debellar, se não poder evitar a sua invasão.»
Este artigo está, exactamente, redigido como o da lei de 1854, com a differença de que esta auctorisava, apenas, o despenderem-se 30:000$000 réis, e a minha proposta auctorisa 100:000$000 réis. Esta quantia, para se começarem os serviços respectivos, não me parece que seja moderada.
Em 1856 e 1857 com as providencias tomadas, não só para prevenir mas até para debellar a cholera, e a febre amarella, o maximo que se despendeu foi quantia inferior a 60:000$000 réis; 100:000$000 réis, pois, repito, não é, nas circumstancias actuaes, quantia moderada. Póde ser que estes 100:000$000 réis não cheguem; para esse caso, como naturalmente o parlamento estará encerrado, acautelo a insufïicieneia possível de tal verba, pelo modo seguinte:
«Se para occorrer aos serviços, a taes fins indispensaveis e urgentes, se tornar necessario despender maior quantia, o governo abrirá créditos extraordinários na fórma da legislação de contabilidade publica.»
Para terminar, direi que, mandando esta proposta para a mesa, creio ter interpretado as idéas da opposição parlamentar. (Apoiados.)
O sr. Carrilho: - Não posso acceitar a proposta que mandou para a mesa o sr. Beirão porque ella já está prevenida na legislação.
Não é preciso auctorisar o governo a abrir creditos extraordinarios aos termos da legislação em vigor para occorrer a uma epidemia, e evitar a sua introducção no reino. Isto está prevenido na legislação existente, não é necessario fazer nova lei. Portanto é um pleonasmo a proposta de s. exa.
Mas o governo não trata d'isto só; o governo trata de ficar auctorisado para decretar certas e determinadas providencias administrativas, e extraordinarias, para que não tem auctorisação, e ao mesmo tempo para despender o que for necessario para combater o cholera e evitar que penetre no nosso paiz.

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SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1885 2169

Ora n'estes termos fixar quantia para que?
Isto é uma questão de confiança. A opposição não tem confiança no governo; nós temos, e estamos persuadidos de que o governo ha de gastar o que for indispensavel, nem mais nem menos. (Apoiados.)
E devemos dar nos por muito felizes se com essas providencias conseguirmos ficar incólumes do cholera, como ficámos o anno passado.
Este anno já temos muitas cousas em que não é preciso gastar dinheiro, porque nos ficaram do anno anterior, portanto a despeza hade ser pequena relativamente á de 1884.
Parece-me, pois, que não temos necessidade de acceitar a proposta do illustre deputado, porque o seu pensamento só está na lei e se o governo precisasse abrir creditos extraordinarios tinha para isso faculdade.
Em vista das circumstancias que se dão, entendo que a camara deve approvar o parecer da commissão em harmonia com a proposta do governo.
O sr. Francisco Beirão: - De modo algum levantei a questão de desconfiança: o que quiz, simplesmente, foi fazer com que se cumpra a lei.
O illustre relator da commissão notou que não se tratava só de despender quaesquer sommas, tratava-se tambem de auctorisar o governo a tomar certas medidas administrativas para que não tinha auctorisação.
De accordo, mas quanto ás providencias administrativas declarei eu que acceitava, nessa parte, a proposta do governo.
Quanto, porém, ás sommas a despender, entendo que se deve fixar um limite maximo, como fiz na substituição que nesta parte proponho.
Até este limite na o propuz a abertura de creditos extraordinarios ou supplementares - permitta-me o sr. relator que lho diga, se acaso não ouviu bem a minha proposta auctoriso o governo a despender, desde já, 100:000$000 réis.
Se for necessario exceder esse limite, então, lembro ao governo, que deve abrir creditos extraordinarios nos termos de legislação de contabilidade.
Diz porém o sr. relator:
«Para abrir creditos extraordinarios não carece o governo de auctorisação, porque o póde fazer pela legislação em vigor, e por isso lhe parecia a minha proposta um pleonasmo.»
O sr. presidente, no anno passado, tambem havia lei, e o governo não abriu um só d'esses creditos! Fez todas as despezas sem cumprir um só artigo do regulamento de contabilidade! Quero por isso deixar, desde já, consignado - o parecer da opposição de que - para levantar mais da quantia auctorisada pelo parlamento, é necessario abrir creditos extraordinarios, na forma da lei.
O governo, repito, tem pendente da discussão do parlamento uma proposta de lei em que acaba, em todos os casos, com os creditos supplementares, no próximo exercicio, e hoje vem pedir auctorisação para abrir creditos supplementares, com a circumstancia aggravante de não ser, nos termos do nosso systema de contabilidade, caso disso: o que mostra que o ministro não tem opinião fixa e assente a este respeito.
Feitas estas considerações, e apresentada a minha proposta, fica lavrado o protesto da opposição parlamentar. Nada mais.
O sr. Carrilho: - Li a proposta do meu illustre collega o sr. Beirão, era que s. exa. quer determinar a quantia que o governo tem de levantar para occorrer ás despezas com o cholera.
A commissão não fixa quantia, e dá ao governo a faculdade para gastar o que for absolutamente indispensável.
As cousas são o que são e não aquillo que se lhes quer chamar.
O governo, em harmonia com o regulamento de contabilidade, não podia no anno passado pôr em execução as leis de 10 de janeiro de 1854 e 5 de julho de 1850, e por isso tinha necessidade do decreto dictatorial visto que as cortes estavam encerradas.
Se s. exas. estão de accordo em que esta lei deve ficar em vigor, e que se devem dar ao governo os meios necessarios para poder adoptar essas providencias, votem o projecto.
É uma questão de confiança.
A maioria dá ao governo os meios necessários para tomar essas providencias. Se os illustres deputados querem fixar a despeza estão no seu direito.
Mas para que havemos de pôr á disposição do governo 100:000$000 réis?
Póde ser que não haja necessidade de gastar essa somma. Deus queira que não haja; e n'esse caso para que havemos de ir avolumar as verbas das despezas com esses 100:000$000 réis? (Apoiados.)
Repito. O governo fica legalmente auctorisado, por quem lhe póde dar essa auctorisação, a tomar providencias extraordinárias, e ao mesmo tempo a gastar as sommas indispensaveis.
Não precisâmos recorrer ao regulamento de contabilidade, visto que o parlamento está fazendo uma lei especial para este fim.
O sr. Simões Ferreira: - Não alongarei o debate. Direi apenas que sinto que o sr. relator do projecto dissesse que nós queríamos coarctar ao governo a faculdade de gastar as sommas que forem indispensáveis. É exactamente o contrario.
Disse s. exa., e de certo com muita verdade, que o anno passado se fizera uma larga despeza, e que ha muita cousa feita quê se póde aproveitar este anno no caso de ser preciso; e assim o governo não precisa fazer uma despeza tamanha.
Se nós votarmos 100:000$000 réis, e for preciso gastar mais, o governo tem meio de que lançar mão para occorrer á despeza, e esse meio está no levantamento de creditos snpplementares.
Não vejo, portanto, rasão para não se acceitar a proposta que o sr. Beirão apresentou.
Pergunto. Os 100:000$000 réis são de mais ou são de menos?
Se são de mais, tanto melhor, porque lucramos com isso.
O governo vem depois declarar ao parlamento que gastou menos do que a verba votada, e eu, pela minha parte, estou prompto a dar o meu assentimento a que se lhe ponha na cabeça uma corôa civica. (Riso.) Se teve de gastar mais póde levantar creditos supplementares para occorrer a essa despeza.
Parece-me, pois, que é rasoavel a proposta do sr. Beirão. Entretanto, façam os meus collegas o que entenderem, visto que têem do seu lado a maioria e nós temos apenas a nossa opinião.
O sr. Presidente: - Está exgotada a inscripção. Vae ler-se o projecto, se elle for approvado considera-se prejudicada a proposta do sr. Beirão, que a mesa considera como substituição, e se o projecto for rejeitado consultarei a camara sobre se approva ou não a proposta do illustre deputado.
Foi o projecto approvado na generalidade e na especialidade.
A proposta do sr. Buirão foi rejeitada.
O sr. Barbosa Centeno: - Mando para a mesa um requerimento e peço a v. exa. que o submetia á approvação da camara.
É o seguinte:

Requerimento

Requeiro, por parte das commissões de marinha e ultra-

100 *

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mar, que seja aggregado ás mesmas commissões o sr. conselheiro Julio de Vilhena. = Barbosa Centeno.
Foi approvado.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto n.° 87 (tratado do Zaire)

O sr. Antonio Ennes: - Nos poucos minutos que hontem usei da palavra demonstrei, com documentos insuspeitos, que ao contrario do que se tem dito aqui, que o governo encetou negociações com a Inglaterra para o reconhecimento da soberania portugueza no Zaire, por não haver indicio de que nenhuma outra potencia contestasse os nossos direitos, o sr. Antonio de Serpa entabolou essas negociações receiando que a França usurpasse o nosso domínio.
Eu sei que se póde tentar defender o governo dizendo que o sr. Serpa recorreu a uma espécie de estratagema para de algum modo assustar o governo inglez, a quem não conviria que os francezes se dilatassem na Africa occidental, e assim obter d'elle a resolução immediata da questão do Zaire, mas que realmente nada se suspeitava das resoluções da França. Já vi até esse argumento num jornal de hoje; mas realmente não posso admittil-o, porque não só um mas muitos documentos do Lirro branco mostram que o governo se assustou sinceramente com a exploração Brazza, e tanto que instantemente pediu para Paris informações e explicações ácerca dos propomos do governo francez, ao mesmo tempo que dirigia circulares sobre circulares ás diversas côrtes da Europa affirmando os direitos de Portugal á posse dos territorios em cuja visinhança se ía estabelecendo aquelle explorador.
No ministerio dos negocios estrangeiros houve evidentemente um panico, que mais se aggravou com a linguagem do Temps e outros periodicos parisienses, contra a qual o sr. Serpa julgou conveniente reclamar e protestar em mais de uma occasião, como se vê pelos documentos que foram presentes á camara.
Mas ha aqui uma circumstancia curiosa a notar: a asserção do sr. Bocage, de que nenhuma potência dava indicio de querer contestar os nossos direitos, é verdadeira; o que não é verdade é que fosse por esse motivo que o sr. Serpa entabolou negociações com a Inglaterra e só com ella. O principio das negociações foi tão desastrado que faz lembrar uma comedia burgueza de medo, medo nocturno, medo de ladrões, em que um dono da casa, pacato e assustadiço, suspeitando de que lhe estão a arrombar a porta do quintal, manda observar se a suspeita tem fundamento, mas ao mesmo tempo, perdendo a cabeça, põe-se a apitar á janella sem saber ainda se tem motivo para apitar. Foi exactamente o que fez o sr. Serpa. Temeu-se da França, mandou a toda a pressa verificar se era justificado o temor, mas antes de receber a resposta pediu o auxilio da Inglaterra sob a fórma de reconhecimento da nossa soberania.
Esta leviandade, sr. presidente, ficou documentada, em todas as suas peripecias, com uma clareza que honra a boa fé de quem coordenou o Livro branco. Eu li hontem á camara um trecho do officio em que o governo apitou para chamar a policia ingleza; volta-se a folha, e encontra-se uma serie de documentos em que se prova que o governo apitou sem rasão.
O officio do sr. Serpa mandando carpir junto do governo britannico por causa dos perigos que ameaçavam os territórios portuguezes do Zaire tem a data de 8 de novembro; pois, no dia seguinte, 9, o nosso encarregado de negocios em Paris escrevia de lá, dizendo:
«Confirmando tudo quanto tive a honra de participar a v. exa. no meu telegramma de hontem, cumpre-me insistir no que já communiquei, e é que da conversa puramente particular (pois a mais não estava eu auctorisado tive com o sr. Decrais, director politico dos negócios estrangeiros, o qual tratara especialmente da questão com o sr. Duelerc, pude deprehender que o governo francez está, nesta questão, animado das melhores disposições para com Portugal, e que de modo nenhum quereria offender os nossos direitos, nem mesmo mais tarde estender a sua acção sobre a região do Alto Congo sem previamente se haver entendido amigavelmente com o governo portuguez. Acrescentou s. exa. que em breve serão enviadas instrucções n'este sentido ao sr. de Méneval.»
A este documento seguem-se muitos outros, em que o nosso agente diplomatico continua a asseverar serem excellentes as disposições do governo francez para comnosco, sendo um d'elles aquelle em que o sr. Fernando de Azevedo repete as palavras que ouviu ou julgou ter ouvido ao sr. Duclerc, palavras affirmativas do nosso direito, e que posteriormente occasionaram um incidente a que logo me referirei.
Por consequencia, o governo sobresaltou-se; sem motivo, é certo, mas sobresaltou-se, e foi esse sobresalto que o levou a ir pedir o reconhecimento da Inglaterra. Já outros governos o tinham procurado obter, é certo; mas o sr. Serpa, e esta circumstancia considero-a eu como muito importante, pediu-o menos como uma homenagem ao nosso direito, como um simples reconhecimento, do que como uma protecção e uma defeza moral, o que lhe augmentava o valor, e portanto devia elevar-lhe o preço.
Foi este o primeiro erro das negociações; logo, porém, se lhe seguiu outro.
Tendo o governo encontrado na França as melhores disposições para reconhecer o nosso direito, pergunto eu: porque não tratou de tornar mmediatamente effectivo esse reconhecimento?
Tendo encontrado em quem suppunha um inimigo, em logar de hostilidade, sentimentos perfeitamente amigaveis, porque não aproveitou esses sentimentos em beneficio da causa que se propozera a pleitear perante as cortes estrangeiras, antes rompeu logo todas as negociações com a Franca, continuando a tratar unicamente com a Inglaterra? (Apoiados.)
É uma pergunta a que eu não sei responder satisfactoriamente para o governo.
Tanto mais que circumstancias e precedentes, que elle não podia ignorar, deviam-no levar a crer que acharia mais benignidade e condições menos onerosas na potência que considerara inimiga do que naquella de quem ia valer-se como protectora.
Estou profundamente convencido, sr. presidente, de que se poderia ter negociado em melhores termos com a França do que posteriormente se negociou com a Inglaterra.
Estas considerações referem-se á primeira das tres allegações que eu notei serem a base do systema de defeza do governo, e que consiste em asseverar que o governo tratou com a Inglaterra, porque as outras potencias não punham duvida ao reconhecimento do nosso direito; a segunda, é que as potencias mudaram de attitude; e a terceira, que o governo não podia ter previsto essa mudança.
Vamos á segunda.
É verdade que as potencias mudaram; mas vou provar que mudaram única e exclusivamente em consequencia do tratado que celebrámos com a Inglaterra. (Apoiados.)
Não posso acompanhar as negociações tão minuciosamente como o fez o sr. Arroyo; estudal-as-hei principalmente em relação á Franca, porque ácerca da Allemanha não se póde dizer bem que mudasse, porque se havia conservado retrahida.
É certo que da sua parte, como da França e de outros paizes, tinham-se dado uns certos factos que denotavam que essas potências não contestavam a nossa soberania; esses factos eram valiosos para serem allegados, como foram, nas instancias em favor do reconhecimento definitivo, official, dessa soberania; mas não bastavam para se fazer

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obra por elles, isto é, para servirem de pontos fixos ao traçado de uma linha de proceder diplomático.
Se os proprios tratados, feitos com todas as formalidades da etiqueta internacional, nem sempre seguram a justiça e o direito contra os interesses e as paixões dos contratantes, as taes ou quaes demonstrações que algumas potências haviam dado de reconhecerem Portugal, quando assim lhes convinha, como exercendo certa jurisdicção no Zaire, não tinham senão um precario valor moral que não devia inspirar confiança, como inspirou, ao governo portuguez. Não o dispensavam, pelo menos, de promover actos mais explicitos, mais obrigatórios, de reconhecimento, e elle proprio o comprehendeu algumas vezes, embora n'outras conjuncturas parecesse convencido de que, por exemplo, bastava o caso tão fallado da corveta Hero para forcar o governo allemão a prestar homenagem aos nossos direitos.
Vamos, porém, aos motivos por que se modificaram tão completamente as disposições das potencias para comnosco.
As da Franca foram constantemente benévolas; não vejo, era todo o decurso das negociações, que o seu governo nos desse um motivo de desgosto antes de nós lho termos dado a elle.
Vem aqui a pêllo o fallar do incidente occasionado pelas palavras do sr. Duclere, que o sr. Fernando de Azevedo transmittiu de uma maneira que o ministro francez achou inexacta; mas não me demorarei com similhante assumpto.
Realmente é difficil, entre asserções contrarias, de dois homens respeitaveis, relativas a uma conversação a que elles só assistiram, pronunciar juizo que não seja aventuroso; devo notar, porém, que o sr. Arroyo, apesar da sua habilidade de jurisconsulto, poz a questão em termos que não me parecem favoraveis à causa que s. exa. defende, porque entre suppor que o sr. Fernando de Azevedo interpretou mal as palavras que ouviu ao sr. Duclere, e suppor que um documento publicado no Livro amarello pelo governo francez não é authentico, o que presuppoe a cumplicidade de tres homens como o sr. Duclere, o sr. Júlio Ferry e o sr. de Laboulaye numa fraude cuja necessidade ou conveniência não se comprehende bem; entre estas duas supposições, digo, a opção do bom senso não póde ser duvidosa. (Apoiados.} Mas eu não insisto n'este incidente, porque, se é certo que tem uma grande importância para quem deseja averiguar as responsabilidades da nossa diplomacia, tambem é certo que pouco ou nada influiu nas negociações.
As negociações com a Inglaterra e só com ella estavam entabuladas antes da conferencia do sr. Duclere com o sr. Azevedo, continuaram sem modificação depois d'ella; e prosseguiram nos mesmos termos quando o nosso governo se desenganou de que o governo francez não estava tão disposto, como elle julgou n'um dado momento, a reconhecer incondicionalmente a soberania portugueza.
Emquanto a outro episódio a que alludiu o sr. Arroyo, o das negociações com a França encetadas em julho de 1884 e logo abandonadas, esse nada prova contra a correcção e lealdade do governo francez.
Note a camara uma circumstancia, que devia ter prevenido o sr. Arroyo de que a verdadeira significação d'esse episodio não favorece os nossos negociadores: se temos conhecimento d'elle, é pelo Livro amarello, porque os coordenadores do Livro branco omittiram-no, esconderam-n'o, e não de certo para maior honra e gloria da diplomacia franceza.
Effectivamente, o principio de negociações, que o orador que me precedeu adduziu como prova da má fé ou má vontade do gabinete de Paris, só dá testemunho, na realidade, da obstinação cega com que o governo sacrificou ao tratado com a Inglaterra todos os apoios, todas as amisades, que podíamos ter obtido e até se nos offereceram, sem ver sequer, que essas forças moraes, bem aproveitadas, deveriam contribuir para facilitar e tornar menos oneroso aquelle tratado. E se não, julgue-o a camara.
Em julho de 1883, o sr. De Laboulaye officiou ao lord Challemel-Lacour dizendo-lhe que o sr. Serpa lhe tinha enviado uma nota em que, alludindo a certas contendas que se haviam levantado entre as auctoridades portuguezas e as auctoridades francezas na Guiné, fazia sentir quanto seria conveniente que as duas potencias procedessem á delimitação dos seus territorios n'aquella região.
A nota continha, porém, phrases que certamente se referiam a assumpto mais importante do que essa delimitação, porque o sr. Serpa dizia:
«Ao vivo desejo que anima o governo de Sua Magestade de manter e estreitar com o governo da Republica franceza os laços de amisade, que unem os dois paizes, corresponde completamente a idéa de uma perfeita harmonia e de uma cooperação scientifica entre os dois governos em tudo o que diz respeito á colonisação e civilisação da Africa nos territórios em que somos vizinhos».
Mais adiante acrescentava:
«A civilisação do continente africano é um dos problemas que hoje se impõem ao estudo e á acção dos povos europeus que, como o povo francez e o portuguez, foram, ha séculos, os iniciadores dos primeiros trabalhos de colonisação nessa parte do mundo; só tem a lucrar com a boa harmonia e cooperação franca dos governos que possuem territórios contignos nas vastissimas costas d'esse continente.»
Para se poder avaliar bem o alcance d'estas palavras do sr. Serpa, é necessario conhecer qual era neste momento o estado das negociações com a Inglaterra.
O governo portuguez devia ter pelo menos a suspeita de que o gabinete britanico queria romper as negociações. Depois de exigencias formuladas na camara dos communs por Jacob Bright, depois do commercio de Manchester haver rompido as hostilidades contra qualquer accordo com Portugal ácerca do Zaire, o governo inglez havia posto de parte todas as bases das negociações que antes tinha acceitado, e numa nota datada de 1 do junho exigira novas concessões que difficilmente podiam ser acceites. O governo portuguez respondera resignando-se a uma parte d'essas exigencias; mas durante algum tempo, tempo em quanto durava em Inglaterra a opposição do tratado, em Portugal não se soube, não se podia saber, quaes eram as verdadeiras intenções, e qual seria a deliberação definitiva do gabinete Gladstone. Ora, foi justamente neste periodo que appareceu a nota do sr. Serpa; essa nota significa, pois, no meu entender, que o governo portuguez, desanimado com o estado das cousas em Inglaterra, procurara voltar-se para a França. Foi tambem assim, que o entendeu o sr. Challemel-Lacour, e este estadista caminhando direito ao fim com que suppoz, e muito bem, que o sr. Serpa se tinha dirigido ao sr. de Laboulaye, declarou que o governo francez acceitava a proposta da delimitação das possessões da Guiné como muito conveniente, e que estava prompto a tratar tambem com Portugal ácerca da demarcação de todos os territórios da África occidental, em que as duas nações fossem vizinhas, o que significava que se propunha a tratar da delimitação dos dominios portuguezes no Zaire.
(Interrupção do sr. Luciano Cordeiro, relator.)
Não se tratou da mais cousa nenhuma. O sr. de Challemel Lacour propoz immediatamente a nomeação de commissarios. Repare bem a camara que o governo francez prestou-se a tratar comnosco uma delimitação dos territorios do Zaire, e não se póde por em duvida que, desde que a França concordasse nessa delimitação, reconheceria ipso facto a nossa soberania no territorio que nos ficasse pertencendo. (Apoiados.)
Vamos a ver, porém, como respondeu o governo portuguez. Com um verdadeiro fin de non recevoir. Depois de ter trazido a Franca a estas negociações, de repente põe a mão na ilharga e responde: «Acceito as negociações para

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a delimitação do territorio na Africa Occidental, mas com a condição de que a França ha de reconhecer a nossa soberania até 5° 12 como base de qualquer accordo». Ora esta resposta é singularissima!
Portugal exigia á França, quando ela se tinha declarado disposta a fazer comnosco um tratado de limites, e por consequência a reconhecer a nossa soberania; Portugal, digo, exigia como base das negociações, e antes de tudo, o reconhecimento da nossa soberania, quando alguns meses antes admittira que o governo inglez declarasse que não queria saber absolutamente do nosso direito tradicional, que não o reconhecia para cousa nenhuma, e apenas se prestaria, a dar-nos licença para tomarmos posse do que era nosso, uma vez que fizessemos concessões valiosas aos seus interesses mercantis! Negociando com a Inglaterra, o governo consentiu que lord Granville pozesse a questão n'estes termos desforaveis e desairosos para nós; negociando com a Franca, exigiu que ella admittisse antes de tudo a legitimidade e valia de todos os nossos direitos a até de todas as nossas pretensões!
Como se explica esta differença? Evidentemente o sr. Serpa quiz apenas romper as negociações com o gabinete de Paris, e quiz rompel-as porque haviam mudado as circumstancias que o haviam induzido a inicial-as ou provocal-as.
Esta minha hypothese é tanto mais certa, quanto a ultima nota do sr. Serpa, de 13 de agosto, corresponde á data em que já se tinha restabelecido o accordo com o governo inglez. Por isso as disposições do governo portuguez haviam mudado. Julgando em perigo o tratado com a Inglaterra, voltou-se para a França; vendo depois que podia continuar a esperar a protecção cara e humilhante da Inglaterra, não fez caso do reconhecimento da Franca nem tratou de o assegurar!
Apesar d'isso, as disposições do gabinete de Paris para comnosco continuaram a ser benévolas; o primeiro documento em que transparece uma mudança n'essas disposições tem a data de 29 de dezembro de 1883: vem no Livro amarello, e é um officio em que o sr. Ferry, já então ministro dos negócios estrangeiros de Franca, diz que o caso do Hero de maneira nenhuma podia ser interpretado como significando que o governo francez reconhecia a nossa soberania.
Evidentemente, esta declaração, um tanto tardia, revelava que o governo francez se collocára n'uma attitude reservada; mas a explicação d'essa attitude está já no tratado anglo-luso, a que attribui e attribuo todas as mudanças no proceder das potencias, de que o governo tanto se queixa para se desculpar. O officio do sr. Ferry é de 29 de dezembro de 1883, como já disse; ora, n'esse momento a Inglaterra tinha dado como terminadas as negociações do tratado, e a diplomacia franceza sabia-o.
No Livro branco existe uma nota, de 7 do janeiro de 1884, que não lerei para não cançar a attenção da camara com repetidas leituras, em que o conde de Granville envia ao governo portuguez o texto do tratado, cuja assignatura Ficava dependente apenas de facil accordo ácerca de algumas disposições de secundaria importância. Por consequência, como sempre affirmei, o reviramento da Franca principiou no momento em que os seus diplomatas souberam que Portugal se havia definitivamente ligado á Inglaterra na questão do Zaire, e porventura tiveram conhecimento de algumas das clausulas do convenio.
E agora me recordo de que o sr. Arroyo, no seu empenho de explicar todas as desventuras dos negociadores portuguezes pela má vontade e até deslealdade dos estrangeiros, attribuiu a mudança de attitude da França ao facto d'ella ter negociado com a associação internacional para que esta entidade, quando porventura se resolvesse a vender os seus territórios, lhe concedesse o direito de perempção.
Permitta-me s. exa. que lhe diga que n'esta attribuição ha um equivoco evidente. A causa do reviramento da França não póde de modo nenhum ter sido essa, por isso que o tratado com a associação internacional é bastante posterior á nota em que o sr. Ferry declara abertamente que ião podia acceitar o tratado anglo-portuguez de 26 de fevereiro. O illustre deputado caiu, pois, n'uma especie do anachronismo...
O sr. Arroyo: - Que data tem o convénio com a associação?
O tratado com a associação internacional é de 13 de março de 1884, a nota do sr. Ferry é de 23 de abril.
A verdade é que a França foi tratar com a associação internacional, quando se convenceu de que não queriamos tratar com ella; e aqui começaram os erros dos nossos negociadores a dar importância e fortuna a essa extravagante creação commercial e politica, que a final vem a ser um estado soberano!
Se eu não temesse que nos viessem a faltar a paciencia á camara e a mim o fôlego, demonstraria agora pelo mesmo processo, pela analyse dos documentos, que a má vontade da Allemanha, dos Estados Unidos, dos diversos governos, que a final nos impozeram a conferencia de Berlim.
os seus resultados, toda provém igualmente do mofino tratado de 26 de fevereiro, que o sr. Serpa tão ingenuamente acreditara que bastaria para que logo o mundo inteiro nos prestasse homenagem no Zaire; tenho, porém, de sacrificar algum tanto o rigor da argumentação às medidas de tempo, e por isso pergunto desde já: se mudaram para comnosco as disposições dos governos estrangeiros, depois de conhecido o tratado anglo-portuguez, por culpa de quem se deu essa mudança?
Seria por culpa da Inglaterra?
Seria em resultado de exigências que ella nos fizesse, em prejuizo de qualquer outra nação, e a que nós não podessemos resistir?
Para estudar este ponto, para averiguar estas responsabilidades, servir-me-hei da propria opinião do sr. conselheiro Bocage.
N'um officio dirigido pelo sr. ministro dos negócios estrangeiros, em 29 de maio de 1884, ao nosso representante na corte de Londres, s. exa., depois de ter confessado a opposição que da parte de diversas potências se havia levantado contra o tratado, explicava as causas d'essa opposição, dizendo (pag. 42 do Livro branco) o seguinte:
«Embora não estejam ainda claramente formuladas todas as objecções que se fazem ao tratado, as principaes e que se podem melhor fundamentar parece-me serem as seguintes:
«1.ª A exclusão das outras potencias da commissão que tem de fazer os regulamentos para a navegação e livre transito no Zaire;
«2.ª As vantagens exclusivamente concedidas á Inglaterra pelo artigo 12.°;
«3.ª As tarifas exageradas da pauta de Moçambique com relação a alguns, poucos, artigos de commercio.
Eram portanto tres as causas principaes que o sr. Bocage indicava como explicando as resistencias dos diversos governos ao reconhecimento do tratado; ora, d'essas tres, duas eram exclusivamente de responsabilidade do governo, portuguez, e a terceira foi considerada por esse mesmo governo como não subsistente! O tratado de 26 de fevereiro desagradou e mallogrou-se, repito, por três causas: a commissão anglo-portugueza, as vantagens concedidas ao commercio britannico, e as tarifas exageradas da pauta de Moçambique. Começarei pela ultima.
É claro que o governo britannico teria acceitado com muito gosto todas as liberdades commerciaes que nós quizessemos outorgar, e que as pautas foram uma exigencia do mesmo governo, muito bem entendida...
(Interrupção ao sr. ministro aos negocios estrangeiros.)
A pauta de Moçambique foi proposta, é verdade, ao governo portuguez pelo britannico, mas foi-lhe proposta porque elle desejára tarifas ainda muito mais elevadas.

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(Interrupção do sr. ministro dos negocios estrangeiros.)
Peco perdão, só bem me recordo a historia das negociações n'esta parte é a seguinte. A primeira base indicada pelo governo inglez foi a fixação de um maximo dos direitos pautaes sobre a importação. O governo portuguez respondeu que acceitava o maximo de 10 por cento, mas ao mesmo tempo o sr. Antonio de Serpa, n'uma nota em que alardeava as tendencias liberaes da nossa legislação aduaneira colonial, fallou da pauta de Moçambique. Então o governo inglez aproveitou a referencia e pediu a applicação d'essa pauta ao Zaire.
O governo portuguez conformou-se com o pedido, mas como uma concessão, porque nunca mostrou desejo de deixar livres as exportações. Para o nosso caso, a questão é esta: a Inglaterra teria acaso feito opposição a que nós estabelecessemos a liberdade commercial na bacia do Zaire?
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Mas v. exa. não propunha isso.
O Orador: - Isso é outra cousa. Vamos á historia das causas da rejeição do tratado. Insisto em que as potencias não se queixariam da pauta de Moçambique se nus quizessemos estabelecer no Zaire liberdade de importação, e que não foi por culpa da Inglaterra que essa liberdade se não estabeleceu ou pactuou. A segunda causa de resistência foi a commissão anglo-portugueaa.
A camara conhece a historia da clausula relativa a essa commissão; sabe que o conde de Granville propoz, mais ou menos sinceramente, que a navegação do Zaire ficasse sobre a superintendência de uma commissão internacional; o governo portuguez, porém, rejeitou a commissão assim constituida e preferiu outra exclusivamente anglo-portugueza; e lord Granville afinal declarou que só a acceitava n'essas condições por lhe dizerem de Portugal que era inteiramente inacceitavel, por óbvios motivos políticos, a commissão internacional. Por consequencia, esta segunda causa da resistência das potencias ao tratado foi unica e exclusivamente da responsabilidade do governo portuguez.
Resta a terceira causa, as vantagens concedidas ao commercio britannico. Essas vantagens apressou-se o governo portuguez, e creio que o governo inglez, em declarar que seriam igualmente concedidas aos subditos das outras nações, por consequencia, deixaram de ser um motivo para descontentamento e irritações, e por isso póde dizer-se affoutamente que o tratado de 26 de fevereiro foi hostilisado e mallogrou-se, não por causa das disposições exigidas pela Inglaterra, mas sim das clausulas propostas e defendidas por Portugal, cujos negociadores não estudaram nem comprehenderam as concessões que forçosamente teriam de fazer aos interesses commerciaes creados no Zaire. E o mais singular de tudo, sr. presidente, é que a clausula que principalmente assustou esses interesses, que foi considerada como estipulação de uma espécie de protectorado britannico, a da commissão anglo-portugueza, mereceu ao sr. António de Serpa uma defeza excepcionalmente enérgica, como nunca a tiveram os interesses mais capitães da nossa soberania! Inexplicavel cegueira!
E vem aqui dizer que nunca ninguem condemnou, nem accusou, o governo, por ter negociado com a Inglaterra; e accusam-no, e eu accuso-o também, unicamente por ter negociado com um determinado governo, e não com todos ao mesmo tempo, e ainda mais por haver feito concessões á Inglaterra, que forçosamente haviam de desgostar e contrariar as outras potencias. O governo procedeu de certo modo como se diz às vezes que procedem alguns chefes politico?, que fazem aos inimigos toda a casta de concessão para os desarmar, e tratam mal os amigos por já estarem seguros. Para a Inglaterra, que era inimiga, todos os favores ; para as outras potências, todas as desconsidera coes; (Apoiados.) á Inglaterra, que não tinha interesses no Zaire, offereceram-se vantagens enormes, lá, e em todas as nossas possessões africanas, em troca do reconhecimento da nossa soberania; e ao mesmo tempo esperou-se que as outras nações, que commerciavam livremente nos territorios cuja posse reivindicávamos, se resignassem, não só a perder os beneficios da liberdade de commercio, senão tambem a soffrer a concorrencia dos inglezes, collocados por nós numa situação privilegiada! O resultado havia de ser forçosamente o que foi!
O governo não póde, pois, allegar - e cá estou a contas com o terceiro ponto da sua defeza -, que era impossivel prever a mudança que se operou na attitude das potencias.
Em primeiro logar, devemos lembrar-nos de que os diplomatas precisam ter faculdades que se não exigem ao commum dos mortaes; á palavra diplomata andam ligadas na linguagem portugueza todas as idéas possíveis de perspicácia, de previsão, de habilidade; e por isso vi com admiração que o sr. Bocage, no seu discurso, constantemente se empenhou em mostrar que taes factos, que deveriam servir de norma ao procedimento do governo, não se caracterisaram com inteira clareza, que este ou aquelle aviso não foi bastante explicito, pretendendo assim desligar-se, e desobrigar os nossos agentes diplomáticos de verem mais do que as cousas que se lhes mettem pelos olhos, e de preverem alem do que já succedeu.
Pois seria realmente muito difficil, a quem conhecia as clausulas do tratado de 26 de fevereiro, prever a tal decantada mudança das potencias, com que se pretende desculpar os erros do governo?
Não era, sr. presidente.
Se é certo que, como asseverou o sr. Bocage, nenhuma potência, á parte a Inglaterra, deu indícios, a não ser de certa epocha em diante, de querer contestar os direitos de Portugal no Zaire, tambem é verdade que o governo encontrou em todas as curtes da Europa muito zelo pelas conveniencias dos seus súbditos estabelecidos nos territorios que reclamavamos para a nossa posse, e muita vigilancia sobre todos os negocios da Africa occidental. Quasi todas ellas fizeram sentir que não acceitariam que Portugal supprimisse as liberdades commerciaes gosadas até agora nas margens do grande rio africano, e o governo hollandez, por exemplo, chegou a observar que o estabelecimento de feitorias n'essas margens era um facto preexistente ao exercício da soberania portugueza, que ella, portanto, não podia prejudicar.
Foi ainda mais longe, esse governo amigo, deu-nos um bom conselho.
N'uma nota, que está publicada no primeiro volume do Livro branco, conta o sr. Augusto de Andrade que o sr. Rochussen lhe fez notar que, da parte de Portugal, seria um grave erro occupar os vastos territorios do Zaire, porque da cccupação não lho adviriam senão encargos e complicações, sem compensação possível.
De toda a parte, em summa, recebeu o governo advertências de que a questão do Congo e a sua solução estava sendo vigiada pelos interesses commerciaes de muitas nações; e se esses interesses reagiam claramente contra qualquer legislação aduaneira que lhes impozesse sacrificios sensíveis, era de prever que mais energicamente reagiriam ainda contra quaesquer privilégios ou sombra de privilegios que concedêssemos á Inglaterra, cuja preponderância mercantil tantos ciumes inspira.
Ora, o tratado de 26 de fevereiro foi considerado em toda a parte, e com rasão, como diploma do estabelecimento de um protectorado no Zaire.
As vantagens commerciaes concedidas aos súbditos e ás mercadorias inglezas pareceram assegurar-lhes os vastos mercados a que dá accesso o grande rio, em detrimento das outras nações; e quando posteriormente se declarou que iguaes vantagens seriam concedidas a todos os outros estrangeiros, a clausula da commissão anglo-portugueza ficou ainda a inspirar graves receios e desconfianças, entendendo-se que a Inglaterra saberia aproveitar-se dessa commissão, em que os seus delegados estariam a sós com os

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nossos, para favorecer os subditos em prejuizo dos estranhos.
Estes sentimentos transparecem claramente na nota de 6 do março, aqui citada pelo sr. Barros Gomes, dirigida pelo conde do Munstor ao seu governo; o diplomata germânico diz nessa nota que, apesar de todas as declarações de que o commercio seria tratado com igualdade e sem differença nenhuma para todas as nacionalidades, a commissão mixta dava uma posição privilegiada á Inglaterra, de que haviam de resultar concessões e favores especiaes para es seus subditos.
E ao passo que no mundo diplomatico se manifestavam e transmittiam essas aprehensões, a opinião e a imprensa do quasi todos os paizes accusava a Inglaterra de se ter servido dos direitos históricos de Portugal para á sombra d'elles firmar a sua preponderancia, no Zaire, e porventura na Africa occidental.
Era, pois, inacceitavel que o tratado suscitasse reclamações o resistencias, dirigidas mais contra a Inglaterra do que realmentre contra nós, e o governo devia contar com ellas. Estava, porém, tão cego, tão aferrado á rotina da alliança ingleza, e tão ignorante da situação política da Europa, que até supponho que fez concessões ao governo britannico com a intenção de o interessar bem no tratado, esperando que elle o impozesse, se preciso fosse, às reluctancias dos outros governos.
Por isso o sr. Serpa disse tão confiadamente ao conde do Granville, que, obtido o reconhecimento da Inglaterra, o das outras potencias estava seguro, quando, afinal, o contrario é que era a verdade. Feito o reconhecimento pela Inglaterra, em condições só para ella vantajosas, estava certo o não reconhecimento do resto do mundo.
Foi isso o que succedeu, e o que succedeu faz só por si a critica das negociações dirigidas pelo nosso governo no primeiro dos tres periodos em que as dividi.
Repare bem a camara. Quando o sr. Serpa só propõe a tornar effectiva a nossa soberania no Zaire, só um governo se lho oppunha; ao cabo de mais de anno e meio do trabalhos e combinações, todos os governos a contrariavam a não ser o do Londros, e nem d'este tinhamos conseguido segurar o apoio moral o material! (Apoiados.)
A simples exposição d'este resultado das habilidades diplomaticas do governo dispensa mais commentarios.
Vamos ao segundo periodo das negociações.
Manifestada a opinião de quasi todas as potências da Europa, vamos a ver como o governo procedeu para a debellar.
O sr. ministro dos negócios estrangeiros empenhou-se muito em mostrar que essa opposição se apresentou com um caracter benigno e não reclamou a annullação do tratado, mas apenas a reforma do uma ou outra das suas clausulas. Assim foi, do facto, ao principio; mas porque o foi, é licito perguntar-lhe como é que não soube vencer reluctancias tão pouco accentuadas, satisfazer pretensões tão comedidas, o deixou que um sopro se convertesse n'um tufão, que nos arrastou até Berlim, o depois nos arrebatou toda a parte util da soberania do Zaire?
Porque a opposição ao tratado teve duas epochas e dois modos de ser. No primeiro, foi realmente mansa, discutiu esta ou aquella clausula do tratado, e principalmente a commissão anglo portugueza e as pautas, não produziu colligação entro diversas potencias. O segundo período, porém, tem outro caracter. Começam as colligações, lançou-se na circulação a idéa da conferencia de Berlim, foi contestada a nossa soberania, condemnou se em absoluto o tratado de 26 de fevereiro, e o accordo da França com a Allemanha tirou-nos de todo a iniciativa e a liberdade de acção.
Ora, parece que a opposição do primeiro período devia ter sido debellada facilmente, porque o governo portuguez offerecou com muita franqueza, é justo dizer-se, uma plena reparação a todos os aggravos das potencias. Offereceu acceitar a commissão internacional, apesar de ter antes declarado que de modo nenhum a acceitaria.
Sr. presidente, quem quizesse fazer um longo discurso sobre esta questão, sem dispender uma idéa sua, não tinha mais do que abrir os dois volumes do Livro branco do Zaire e ler o que disseram os negociadores portuguezes ácerca de cada uma das clausulas dos tratados que depois assignaram. Disseram, por exemplo, cousas horrorosas...
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - E no Livro azul e no Encarnado e no Amarello?
O Orador: - Nada tenho que ver com elles; deixo-os á critica das opposições dos parlamentos a que foram apresentados.
Dizia eu que os negociadores portuguezes disseram cousas horrorosas da commissão internacional, o por dm acceitaram-n'a; isto prova, porem, que se empenharam em fazer a vontade aos governos estrangeiros, e por isso pergunto: porque foi que apesar d'esse empenho se azedou tanto a opposição ao tratado?
Como é que a opposição das potencias, que a principio só manifestou com um caracter benévolo, só tornou depois tão acrimoniosa e acerba? Foi por culpa da Inglaterra? Não foi. A Inglaterra, n'esse momento, fez-nos o maior serviço que nos podia fazer; a Inglaterra cruzou os braços, poz-se á espera dos acontecimentos, não quiz ratificar o tratado. E fez muito bem. Se a Inglaterra tem tomado uma attitude energica para defender o tratado, e assim acaba de convencer as potencias de que eram grandes os interesses que d'elle contava tirar, creio que ainda peior sorte teríamos tido; se a Inglaterra se mostrasse disposta a defender o tratado contra a opposição do toda a Europa, é possivel que saissemos da lucta, tendo perdido todas as nossas possessões de Africa. Não se póde, pois, azcusar a Inglaterra de ter excitado as iras das potencias; o seu governo não deu um passo para aggravar a situação. O que foi então, repito, que na realidade a aggravou?
Sr. presidente, este estudo é difficil, mas é interessante; diz respeito ao nó, á chave, de todos os acontecimentos.
Das negociações do Zaire ficou um documento que me chamou muito a attenção, desde que tive conhecimento d'elle por uma citação do sr. Barros Gomes, refiro-me ao celebre officio de 16 de abril do 1884, dirigido pelo conde de Hatzfeldt ao representante da Allemanha em Portugal, orneio que já aqui occasionou larga discussão, tratando-se do saber se foi ou não communicado ao nosso governo.
Não entrarei n'essa questão; peço, porém, licença á camara para fazer alguns commentarios, que julgo importantes, a osso importantissimo documento.
A 16 de abril, o governo allemão communicou ao seu representante em Portugal que não estava disposto por forma nenhuma a reconhecer o tratado anglo-portuguez, entendendo que esse tratado, feito entro duas potencias sem accordo com as outras, não podia ter a pretensão de se fazer applicar aos subditos allemães.
Este officio, ou antes o seu conteúdo, foi communicado, embora com um tom menos accentuado, segundo declarou o ar. Bocage, ao governo portuguez; e o sr. ministro dos negocios estrangeiros acrescentou que, n'essa mesma occasião, o sr. barão Rex lhe fez saber, que da parte do seu governo teria muito gosto em que Portugal fizesse certas concessões ao commercio allemão nas possessões portuguezas. Creio que é isto o sentido exacto das palavras do sr. ministro.
O governo, porém, respondeu que estava animado das melhores disposições para com a Allemanha, na questão do tratado do Zaire se considerava ligado á Inglaterra, e não queria nem podia desligar-se d'ella. Efectivamente, foi esta a resposta que o sr. barão de Rex communicou para Allemanha.
Eis o episodio, resumidamente exposto, A meu ver, tem

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uma importancia capital na historia das negociações. A significação, o valor, do officio de 16 de abril, deve ter sido o seguinte: O governo allemão, resolvido a emprehender uma campanha contra a Inglaterra no terreno colonial, dirigiu-se ao governo portuguez para verificar se elle estava insoluvelmente ligado e subordinado aos interesses inglezes, e para isso offereceu-lhe, não um accordo, mas uma occasião para se entabular um accordo. Fel-o, porém, com as reservas que a importancia do passo requeria, o que os nossos estadistas, ou não entenderam ou não quizeram entender o offerecimento, e repelliram a mão poderosa que assim se lhe estendia. Em vista d'isto, a Allemanha convenceu-se de que nada tinha a esperar de Portugal na questão de que ia occupar-se, e tratou de procurar, para os problemas do Zaire, uma solução que mo fosse a da soberania portugueza.
Com esta nota de 16 de abril relaciona-se, a meu ver. a vinda a Portugal do cônsul aliem ao na Africa occidental, o dr. Nachtigal. Por mais que se diga, não posso crer que esse funccionario viesse a Lisboa e se demorasse em Lisboa unicamente para receber algumas cartas de recommendação, e não basta para provar que era esta a sua unica incumbencia, o facto narrado pelo sr. Bocage, d'elle lhe não ter dado nunca uma só palavra ácerca das questões do Zaire. Nada disse, mas é muito provavel que esperasse ouvir. A sua reserva, a reserva do governo allemão, comprehende-se e explica-se facilmente. O grande chanceller nunca foi muito communicativo em relação aos projectos que traz em mente, e menos o poderia ser tendo concebido projectos hostis á Inglaterra para com um governo suspeito, e com rasão de ser demasiadamente docil ás influencias britannicas. Ainda não encontrei, pois, um unico motivo para deixar de acreditar que tanto a conferencia do barão Rex com o sr. Bocage, motivada pelo officio de 16 de abril, como a vinda a Lisboa do dr. Nachtigal, tiveram por fim, da parte da chancellaria britannica, auctorisar, animar o nosso governo a procurar entender-se com a Allemanha, renunciando para isso ao tratado de 26 de fevereiro. O sr. Bocage, porém, e os seus collegas deram de mão ao apoio, que se lhes proporcionava, da potencia preponderante da Europa, provavelmente para não sairem da rotina da alliança ingleza. Talvez mereçam que por isso se louve a sua lealdade, para com quem não foi leal comnosco, mas não assignalaram a sua habilidade. Tendo sido repellida, ou, se quizerem, não tendo sido procurada por nós, a Allemanha constituiu-se padroeira da associação internacional.
Estou, pois, convencido de que, n'este ponto, o governo commetteu um grande erro, e não me parece que o commettesse por não comprehender as verdadeiras intenções ou disposições de Berlim. Pelo menos, por ahi fallou-se muito de um certo conselho de ministros, em que se discutiu, ao que se diz, se conviria acceitar ou provocar uma approximação da Allemanha, resolvendo se afinal optar pelo apoio dos nossos fieis alliados.
Não sei se o facto é verdadeiro; sei que andou por ahi de boca em bôca.
Para affervorar e organisar a opposição ao tratado de 26 de fevereiro, essa opposição ao principio tão benigna, deve ter concorrido tambem outro facto, a que attribuo principalmente a colligação da França com a Allemanha, para dictarem a solução do problema do Zaire; quero alludir á sugestão de uma conferencia.
E aqui, permitta-me o sr. Bocage uma observação.
Quando o governo portuguez viu desencadear-se uma tempestade contra a convenção com a Inglaterra, que elle suppunha uma grande conquista, sobresatou-se, o que não me admira, e procedeu com tanta hesitação, de uma maneira tão pouco coherente, que pode muito bem ter induzido, por um lado a Inglaterra a suppor que nos tinhamos combinado com os seus adversários, por outro lado as
outras potencias a acreditarem que estávamos perfeitamente jungidos e enfeudados á Inglaterra.
Como prova d'isto apontarei alguns factos. Por exemplo. O governo portuguez, apenas teve conhecimento das causas da opposição das potencias, propoz-lhe diversas concessões, e propoz, pelo menos, duas d'ellas sem accordo com o governo inglez.
Mas, e esta incoherencia e realmente indesculpavel, ao mesmo tempo que propunha essas concessões, que só podiam ter por fim fazer acceitar o tratado, punha em circulação a idéa, a suggestão da conferencia que devia importar o abandono d'esse tratado...
(Interrupção do sr. ministro dos negocios estrangeiros.)
S. exa., apenas teve conhecimento das resistencias, officiou aos nossos representantes junto das côrtes estrangeiras, communicando-lhes que estava prompto a acceitar a commissão internacional, a fazer reducções na pauta de Moçambique e a conceder aos subditos de quaesquer nações os privilegios concedidos á Inglaterra.
(Interrupção do sr. ministro dos negocios estrangeiros.)
Supponhamos que seja assim; isso nada tem com o meu argumento. O que eu não sei, o que eu pergunto, é como foi que s. exa., tendo feito concessões que pareciam ter por fim fazer acceitar o tratado, poz ao mesmo tempo em circulação a idéa da conferencia? Evidentemente, a conferencia prejudicava todas as outras negociações entabuladas ácerca do tratado!
Mas ainda ha mais.
O governo propoz ou suggeriu a conferencia sem o accordo com o gabinete britannico, por isso que no Livro branco encontram-se dois officios da mesma data em um dos quaes o sr. Bocage lembra ao embaixador de Inglaterra em Portugal a idéa da conferencia, ao passo que no outro do mesmo dia, e que é uma circular dirigida a todos os nossos agentes nas diversas côrtes da Europa, lhes suggere essa mesma idéa; é claro, pois, que fez a suggestão sem consentimento do governo inglez.
Os inconvenientes e perigos d'esta iniciativa isolada e precipitada são obvios.
Em primeiro logar, sr. presidente, eu entendo que não se propõe uma conferencia sem se ter a probabilidade do poder dirigil-a e encaminhal-a para as soluções que se desejam.
Em segundo logar, o governo devia prever que a diplomacia estrangeira, encontrando-se com a idéa da conferencia, não havia de imaginar que o sr. Bocage a suggerira platonicamente, mas sim que Portugal não tinha dado um passo tão arriscado senão induzido a isso pela Inglaterra; e desde que a conferencia fosse alvitrada pela Inglaterra, devia crer se que esta potencia procuraria dirigil-a, para se servir d'ella como de um meio de defender o tratado de 20 de fevereiro e os interesses que elle favorecia.
Posto isto, acreditado, isto, qual seria naturalmente o procedimento das potências que se oppunham a esse tratado, senão tomar as precauções necessarias para, da melhor maneira possivel, fazerem gorar o plano da Inglaterra?
Foi precisamente o que ellas fizeram. A Allemanha tratou - deixem-me servir de uma expressão plebéa - de empalmar o projecto da conferencia, que parecia um estratagema do governo britannico, quando era só uma innocente suggettão do sr. Bocage, e para assegurar o exito d'esse projecto combinou-se com a França.
A propria Allemanha, repare-se bem, não se abalançou á arriscada empreza da conferencia sem ir bem acompanhada e bem apoiada; o governo portuguez, pelo contrario, propul-a ou suggeriu-a - para não fazer questão de palavras - sem nenhum concerto previo! Admiremos-lhe o tino diplomatico!
Estou, pois, convencido, sr. presidente, que foi realmente o sr. Bocage quem promoveu, embora indirectamente, a conferencia de Berlim; que determinou o accordo

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da França com a Allemanha na questão do Zaire; e que aggravou a oposição do tratado de 20 de fevereiro dando-lhe por chefe o príncipe de Bismarck, apesar d'elle se ter mostrado disposto a chagar a um accordo com o nosso governo, e porventura a dar-nos um apoio similhante ao que depois concedeu á associação internacional.
Sr. presidente, estas considerações referem-se ao segundo periodo das negociações; mas tambem houve n'elle um episodio, por causa do qual não posso deixar de incommodar o sr. ministro dos negócios estrangeiros. O meu illustre amigo, o sr. Barros Gomes, perguntou ao governo qual tinha sido a missão incumbida ao sr. Serpa e por elle desempenhada em diversas côrtes da Europa, e o sr. Bocage declarou que o sr. Antonio de Serpa não tinha tido senão uma missão official, a de representar Portugal na conferencia de Berlim, e que ácerca de qualquer outra missão d'aquelle cavalheiro não podia dar explicações.
Ora eu não me posso conformar com esta resposta do illustre ministro.
Se o sr. Antonio de Serpa, na sua digressão, que creio que se realisou pelo meiado do anno passado, não levou caracter official em relação aos governos estrangeiros, viajou incontestavelmente com caracter official em relação a nós: pois o seu serviço não foi retribuido?
Por consequencia, insisto com o sr. ministro dos negocios estrangeiros para que nos dê algumas explicações ácerca das viagens desse diplomata, que de mais a mais são notáveis porque não deixaram o mais leve vestigio nos documentos das negociações; o governo tem obrigação de satisfazer o desejo, ou antes de acatar o direito, que tem a camara de averiguar similhante facto, (Apoiados.) tanto mais que a reserva, que o segredo, póde fazer suppôr cousas menos gratas á dignidade do sr. Serpa ou á dignidade do paiz. (Apoiados.)
Pois, realmente, o que houve, o que se passou, de tão extraordinário, de tão vergonhoso, que seja preciso pôr-lhe em cima uma parra tão espessa? (Apoiados.)
Faço minha a pergunta que o sr. Barros Gomes formulou, e espero que ella seja respondida pelo sr. ministro dos negócios estrangeiros.
Comprehendo que houvesse na missão do sr. Antonio de Serpa alguma occorrencia que não convenha revelar, para se não offenderem melindres de Portugal ou melindres de governos estrangeiros; mas, não admitto que se occulte o que foi fazer o sr. António de Serpa a diversas côrtes da Europa e que resultados tiveram os seus trabalhos.
Isso é que é preciso que se saiba. (Apoiados.) A camara tem o direito de conhecer, pelo menos, os fins geraes da missão do sr. Antonio de Serpa, para apreciar as responsabilidades d'elle, que a desempenhou, e do governo, que lha incumbiu. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu tenho ido seguindo os diversos periodos das negociações do Zaire, e indicando o que me parece terem sido os erros capitães commettidos pelo governo em cada um d'elles.
Notei que no primeiro periodo o governo fez mudar as disposições das potencias para comnosco, negociando um tratado com a Inglaterra em condições que haviam de ser forçosamente, desagradaveis a essas potências.
No segundo periodo, mostrei os inconvenientes e os resultados da suggestão de uma conferencia diplomatica, feita pelo governo isoladamente, e lastimei que elle não tivesse sabido aproveitar as disposições que a Allemanha pareceu ter para se entender comnosco ácerca das questões do Zaire.
Chegado agora ao terceiro periodo, pouquissimo direi ácerca d'elle.
Creada uma liga de potencias de primeira ordem para resolver a questão do Zaire, segundo as suas conveniências e segundo os seus interesses, essa liga havia de fazer de nós, pouco mais ou menos o que quizesse.
Faço justiça ao governo; faço justiça ao nosso representante na conferencia de Berlim: salvaram o que poderam.
Mas não os felicito pelo que salvaram, nem os censuro pelo que perderam, porque não tiveram a mínima liberdade de acção.
Por isso tambem não estranho que em Berlim acceitassem ou proclamassem doutrinas económicas a que sempre se haviam mostrado adversos.
Comprehendendo a impossibilidade de resistir, abandonaram-se.
Esta consequencia dos erros accumulados durante as negociações foi cruel, mas inevitavel.
Não me alongarei, pois, repito, no exame deste período, e não discuto as clausulas do acto geral da conferencia e do tratado com o estado do Congo, por isso que não podemos modificai as; mas preciso fazer uma observação.
Ha nas clausulas do acto geral da conferencia de Berlim uma disposição que mo parece que não póde harmonisar-se de modo nenhum com o artigo 6.° da carta constitucional.
É a seguinte, que faz parte do artigo 6.°:
«A liberdade de consciencia e a soberania religiosa são expressamente garantidas aos indigenas, como aos nacionaes e estrangeiros.
«O livre e publico exercício de todos os cultos, o direito de erigir edifícios religiosos e de organisar missões que pertençam a esses cultos, não serão submettidos a estorvo nem restricção alguma.»
Evidentemente este artigo briga com a carta. E não briga sómente por consentir que os estrangeiros residentes no Zaire, território portuguez que não póde dar uma legislação constitucional peculiar, exerçam cultos não catholicos em edifícios com fórma exterior de tempos, o que a carta lhes prohibe; briga tambem porque assegura aos proprios nacionaes, aos portuguezes, inteira licerdade de consciencia e culto n'esse. territorio. Pergunto, pois: coroo tenciona o governo sanar esta flagrante contradicção? V. exa. comprehende, sr. presidente, que a minha intenção, ao formular a pergunta, não é pugnar pelo artigo 6.° da carta; não lhe tenho outro amor senão o que me merecem todas as leis, que desejo ver cumpridas emquanto são leis, sendo revogadas quando se não podem cumprir. Se o governo entende que é preciso ampliar as liberdades religiosas nas colonias, proponha a revogação ou a alteração do artigo 6.°; desacatai o em tratados diplomaticos, sob a pressão de estrangeiros, é uma indignidade.
E estas reflexões trouxeram-me agora ao espirito a recordação de um facto realmente estranho. O tratado anglo-portuguez de 26 de fevereiro já assegurava liberdade de cultos, não aos portuguezes, mas aos estrangeiros residentes, no Zaire, e o conde de Granville não quizera admittir essa liberdade nem a restricção da fórma exterior dos edificios religiosos, apesar do sr. Serpa lhe objectar que essa restricção era constitucional: por causa disso trocaram-se até muitas notas entre Londres e Lisboa. Ora, o tratado de 26 de fevereiro já estava negociado e assignado, quando, no anno passado, o parlamento indicou os artigos da carta que haviam de ser reformados; e, todavia, o sr. Fontes oppoz-se a que um d'elles fosse o artigo 6.°, apesar de já se ter visto forcado a admittir que uma das suas disposições não vigorasse numa dada região de Portugal. Preferiu, pois, auctorisar a sua transgressão a consentir na sua modificação, e o artigo 6.° ficou vigorando para receber agora novo e mais serio desacato! Parece incrivel isto! E verdade que ha outra cousa mais incrivel ainda: é que uma nação colonial conserve no seu codigo fundamental disposições como a do artigo 6.° (Apoiados.)
Sr. presidente: eu estou cansado, e a camara deve estar enfadada; todavia, depois de ter notado os grandes desacertos praticados pelo governo nos diversos periodos das negociações, desejava ainda chamar a attenção de s.

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exa. para um outro desacerto que acompanhou essas negociações em todo o seu decurso, influindo n'ellas desastrosamente.
O governo não devia lisongear-se com a esperança de obter o reconhecimento da soberania portugueza do Zaire incondicionalmente; e as condições haviam de ser concessões aos interesses commerciaes dos estrangeiros, e porventura cessões territoriaes aos emprezarios, deixem-me dizer assim, dos Stanley e do Brazza. Cumpria-lhe, pois, ao governo: - estudar de antemão quaes cessões e concessões lhe conviria fazer, e para isso determinar com rigor quaes as utilidades que pretendia tirar da posse do Zaire; devia saber, em summa, para que queria o Zaire, e em que condições lhe convinha possuil-o. Mas o governo não pensou em tal, não lixou idéas sobre similhante assumpto, e por isso perdeu a iniciativa nas negociações logo depois de as iniciar, tomando uma attitude passiva e ficando reduzido a descutir as propostas que lhe faziam, em vez de as fazer elle; em harmonia com um plano reflectido.
A prova d'isto, sr. presidente, é a historia do que se passou ácerca das clausulas do tratado de 26 de fevereiro e do acto geral da conferencia de Berlim, concernentes ao regimen pautal a estabelecer no Zaire. Essa historia incoherente revela que o governo não tinha, não chegou nunca a ter opinião assente ácerca d'esse regimen, e se não veja-se.
Principiadas as negociações, o governo inglez incluiu nas condições que exigia para nos deixar occupar o Zaire a fixação d'um maximum dos direitos, de importação que lá se cobrassem; o sr. Serpa conformou-se com a exigencia, e propoz que esse maximum fosse de 10 por cento. Devia suppor-se que a proposta não era feita ao acaso, mas resultava dum certo calculo fundado em interesses fiscaes ou commerciaes; entretanto, o sr. Serpa abandonou-a logo depois, e, comprometteu-se a fazer vigorar no Zaire a pauta de Moçambique. Assim ficaram as cousas reguladas no tratado anglo-portuguez; mas tanto que se suscitou opposição a esse tratado, o sr. Bocage offereceu-se logo para modificar a pauta convencionada e chegou a indicar diversas modificações.
Já aqui temos, pois. umas poucas de variantes; mas ainda houve outras mais importantes. Emquanto tratou com a Inglaterra e quando, posteriormente, diligenciou fazer acceitar pelas outras potencias a convenção de 26 de fevereiro, o nosso governo nunca se mostrou resolvido a prescindir dos direitos de importação; pelo contrario. Apesar de ter tido muitas indicações de que a liberdade de importação seria grata a todas as nações commerciaes e facilitaria a solução das questões em que andava empenhado, nunca deu uma esperança, sequer, de que a concederia, e no segundo volume do Livro branco ha até um documento em que o sr. Bocage declarou terminantemente que estava prompto a fazer muitas concessões, mas nunca essa. Portugal, dizia o sr. ministro a um dos nossos agentes diplomáticos, tendo de occorrer às despezas da administração do Zaire, não póde em caso nenhum sujeitar-se a que o inhibam de cobrar o mínimo imposto; ora, o imposto a que s. exa. se referia eram forçosamente os direitos sobre a importação, porque desses é que se tratava, e era contra esses que alguns governos reclamavam.
(Interrupção.}
N'este momento, pois, pouco antes da conferencia de Berlim, o sr. ministro dos negócios estrangeiros entendia que não podiamos dispensar-nos de lançar direitos de importação.
(Interrupção.)
Os direitos sobre a importação? Mas com esses não se podia nem se póde contar para nada; não se póde esperar d'elles receita apreciável, porque, se forem pesados, o commercio fugirá para os territorios do estado livre do Congo.
O governo, repito; entendeu sempre que não podia proclama; nos dominios portuguezes do Zaire, a liberdade commercial como a antecedeu e impoz a conferencia do Berlim; e, todavia, acabou por declarar, por orgão do sr. marquez de Penafiel, que nunca tinha desejado outra cousa!
Foi a sua ultima variação relativamente ao regimen commercial a estabelecer nos nossos reivindicados territorios; e só é certo que se póde sustentar com menos maus argumentos que essa variação foi justificada e prudente, tambem e verdade que se os nossos estadistas tivessem descoberto dois annos mais cedo que eram partidarios da absoluta liberdade de commercio, é muito provável que não tivessem tido os trabalhos nem passado pelos desgostos que lhes deram as negociações de Zaire.
A mesma vacilação que só observa no procedimento do governo relativamente a este grave assumpto, nota-se igualmente nas suas deliberações ácerca da outros pontos das negociações, e por isso é que os tratados que estamos discutindo, é que a nossa soberania rio Zaire nas condições em que nol-a deixaram, não preenche nenhum dos fins não satisfaz nenhum dos interesses valiosos, que podíamos ter em vista ao reivindical-a.
Para que nos servem em os territorios que conservámos, nos termos em que podemos conserval-os?
Sr. presidente, tem se dito e repetido que a posse dos terrenos marginaes do Zaire era indispensável á defeza commercial da provincia de Angola; conseguiu-se porventura assegurar essa defeza? Duvido, e fallo assim, porque me parece que nem os nossos representantes em Berlim, nem o governo, nem ninguém, póde ajuizar com segurança qual será a influencia que exercerá sobre a vida commercial de Angola a ordem de cousas creadas no Zaire. Essa importante província, sr. presidente, ficou contornada a norte e leste pea zona da liberdade commercial, que apanha ainda uma parte do seu territorio; o tratado com o estado do Congo limita-se pelo Cuango, deixando a margem direita d'esse rio aberta á occupação ou á exploração de vizinhos emprehendedores e ambiciosos; n'estas circumstancias, poderá alguem asseverar conscienciosamente que lográmos defendel-a de competições e rivalidades perigosas?
Não me parece; e receio principalmente que venha a prejudical-a a vizinhança do novo estado do Congo que evidentemente se propõe a dilatar-se pelo interior, onde são os mananciaes do commercio; que se prepara para absorver a vida commercial na região em que se estabeleceu. E quem creou a Angola esse inimigo poderoso foi incontestavelmente o nosso governo; foi elle que preparou á modesta associação internacional uma fortuna que ella propria esperava tão pouco que chegou a pensar em vender os seus estabelecimentos: foi elle que lhe assegurou os protectores omnipotentes que, na opinião do sr. Serpa, já aqui citada pelo sr. Barros Gomes, prepararam a conferencia de Berlim de proposito para lhe darem foros de estado soberano. (Apoiados.) Eis como b governo defendeu o futuro da provincia de Angola!
É verdade que os tratados deixaram-nos muitas terras; mas terras no ultramar temos nós de sobra. E valerão realmente muito as que nos ficaram? Lembremo-nos de que as condições de algumas d'ellas mudaram muito. Cabinda, Molembo e Landana, por exemplo, têem agora um commercio importante; mas e duvidoso que continuem a tel-o desde que pelo seu serão se dilate o estado do Congo. A margem esquerda do Zaire, essa é inhospita, povoada por um gentio bravo, e sempre foi desprezada pelo commercio; além d'isso só conseguimos possuil a com o encargo de permittirmos a construcção de um caminho de ferro...
(Interrupção.)
Já estava á espera da observação do illustre deputado; mas a verdade é que tomámos um compromisso moral a que não poderemos faltar. A historia é conhecida. Quando já estava ajustada a convenção com a internacional, saiu-se ella á ultima hora com duas exigencias novas; que Portu-

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gal lhe deixasse construir na margem esquerda uma linha ferrea limitada por um porto franco, e que lhe permitisse contratar serviçaes em território portuguez.
O nosso governo repelliu estas exigencias, é certo, e acceitou que ellas fossem incluídas no tratado ; mas, a convite do sr. barão de Courcel, prometteu satisfazel-as. Havemos, pois, de consentir que o estado do Congo faça um caminho de ferro em uma terra nossa, e naturalmente essa linha irá buscar ao interior os productos que sem ella podiam e deviam affluir ao nosso littoral: a concessão é, pois, um encargo oneroso, que diminue as já reduzidas esperanças, que poderíamos ter de tirar productos da margem esquerda do Zaire.
O que portanto nos ha de resultar, seguramente, do domínio que conseguimos salvar das ambições dos estrangeiros, são despezas enormes, para que não vejo compensação possivel. Que receita se poderá realisar para lhes fazer face? Direitos de exportação, só poderemos cobrar os que permittirem os nossos vizinhos; os costumes, que hoje pagam as casas commerciaes aos negros, não hão de render para pagar as luctas que havemos de empenhar para os tirar a quem está no caso de recebei os 5 outros impostos directos, são precario recurso ate em possessões muito mais adiantadas em civilisação. Por isso disse logo no principio das minhas considerações, que dos tratados que estamos discutindo não nos resultam vantagens; por isso os approvo unicamente como uma necessidade, necessidade do brio e do decoro nacional. (Apoiados.)
No posso mais, sr. presidente. Termino agradecendo á camara a sua benevola attenção, e fazendo votos para que das amarguras que nos custaram as negociações do Zaire e das difficuldades que ainda nos hão crear os seus resultados, tiremos lição para abandonarmos a rotina diplomática que tantas vezes nos tem já humilhado e prejudicado, e para ao mesmo tempo estudarmos seria e conscienciosamente os problemas da administração e economia colonial, que tanto nos interessam e que nos encontram sempre desprevenidos.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos dos seus collegas.)
O sr. CArlos du Bocage (sobre a ordem): - Cumprindo os preceitos que me impõe o regimento começarei por ler a minha moção.
«A camara dos deputados reconhece que a attitude de Portugal na conferencia de Berlim, conciliando os direitos da soberania portugueza com os interesses das outras potencias, manifestou claramente o firme empenho, em que a nação presiste, de abrir ao commercio e á civilisação as vastissimas regiões africanas, que por gloriosos titulos lhe pertencem e continua na ordem do dia.»
Cabe-me, pela ordem que tem seguido a discussão, responder ao discurso que a camara acaba de ouvir com o apreço e a attenção que elle merecia; discurso que eu não tenho auctoridade para elogiar. Respondendo ao sr. António Ennes terei de seguir, pelo menos na primeira parte das considerações que apresentarei á camará, a ordem da sua exposição, e procurarei quanto era mim couber e quanto seja compativel com a minha inexperiência nos debates parlamentares rebater os seus argumentos.
Ainda peia mesma rasão e porque é a ordem logica e natural, terei de dividir a minha argumentação em quatro períodos distinctos: o que vae desde a iniciação das negociações de onde resultou o tratado de 26 de fevereiro de 1884 com a Inglaterra até á sua assignatura; o período que decorre desde a assignatura do tratado até á dissolução dos laços moraes que ligavam entre si as duas nações cujos plenipotenciarios o tinham firmado; aquelle era que se preparou e foi convocada a conferencia de Berlim; por ultimo o da própria conferencia durante o qual tiveram logar duas negociações distinctas.
Uma é de alta importancia internacional pelos numerosas potencias que tomaram parte n'ella e pelas modificações que introduziu no direito internacional o acto geral em que se resumem as suas conclusões finaes. Conduziu a outra a uma convenção que nós fizemos com um estado creado mediante uma evolução inteiramente nova na sua fórma, na idéa que a ella presidia e em todos os processos seguidos para a realisar; evolução completamente sem precedentes na historia politica das nações civilisadas.
Uma associação, que nem mesmo tinha constituição legal, e cujo nucleo de cristallisação estava na Bélgica, segundo a phrase conceituosa do chanceller do império da Allemanha, transformou-se num estado que foi reconhecido por quasi todas as potências europeas, e com este negociámos nós sendo medianeira a França.
O resultado final de todas estas longas negociações, longas e trabalhosas para nós, sobre o qual a camara terá de emittir o seu voto, ha de ser apreciado em presença do conjuncto das nossas relações com as outras potencias e com a associação internacional.
Começou o sr. Ennes a sua argumentação, affirmando que era falsa a allegação de que no momento, em que foi iniciada pelo sr. Antonio de Serpa, então ministro dos negocios estrangeiros, a nossa negociação com a Inglaterra nenhuma outra potência se oppozesse ao reconhecimento dos nossos direitos...
(Interrupção do sr. Ennes.)
S. exa. dizia que não era verdadeira a allegação de que nenhuma outra potencia se oppunha á nossa soberania.
O sr. Antonio Ennes: - Eu disse que o governo se assustou.
O Orador: - S. exa. para bem demonstrar que se o governo portuguez tinha iniciado as negociações com a Inglaterra não era pelo mesmo motivo por que as iniciara o marquez de Sá, nem pelo mesmo motivo por que as iniciara o sr. Andrade Corvo, nem pelo motivo por que as iniciara o sr. Braamcamp, disse que o tinha feito por um susto.
Disse s. exa. que o governo, vendo que a França tinha estabelecido o seu domínio na região dos batekes, receiava que esta soberania, embora exercida em territórios que estavam ao norte d'aquelles que reclamavamos, podesse estender-se mais tarde para o sul; e observava s. exa. que a França occupava unia parte da costa de Loango até Ponta Negra.
Suppoz o sr. Ennes que era deste perigo, originado nas ambições possiveis da França, que o governo partira para renovar as suas negociações.
Ora o governo portuguez tinha feito já frequentes instancias, que de annos em annos se repetiam conservando porém uma fórma constante, dirigindo-se á Inglaterra.
Desde 1846 que a miudo renovavamos as negociações, e em novembro do 1882 reatámolas ainda uma vez do mesmo modo e pelo mesmo motivo por que o havíamos feito sempre, e ainda com maior fundamento pelo facto de se ter manifestado uma corrente de ambições coloniaes, que não podia ser ignorada em parte alguma e muito menos em Portugal, onde temos as vistas constantemente voltadas para estes vastos territorios africanos, que nós em epochas successivas temos conhecido melhor do que ninguem, e percorrido mais do que todos.
Para destruir a hypothese estabelecida pelo illustre deputado basta a propria nota a que s. exa. se referiu e de cujas primeiras palavras concluiu que o motivo das negociações tinha sido um susto.
Vejamos o que diz a pag. 12 o Livro branco de 1884 de que essa nota é o primeiro documento:
«As explorações do sr. Brazza e os artigos dos jornaes francezes não fazem receiar ao governo de Sua Magestade que a Franca, potência amiga de Portugal, respeitadora dos direitos das outras nações, e a Portugal ligada por tratados, que expressamente reconhecem a nossa soberania nos territórios de que se trata, nos queira usurpar o

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que nos pertence. Mas é perigosa sempre a continuação de um estado de cousas que, peio apparente abandono de Portugal n'aquellas regiões, filho da sua falta de occupação effectiva, póde fazer desvairar a opinião publica de uma grande nação e actuar sobre o seu governo num sentido contrario á justiça e ao direito internacional.
Este era realmente o perigo que tornava insustentável a situação que a Gran-Bretanha nos impozera desde que em 1846 ali aprehenderamos um navio brazileiro e negreiro.
De então para cá tinha crescido muitissimo a importancia do commercio, n'aquella região, reclamando imperiosamente uma administração regular, mais benefica sem duvida do que as intervenções que por vezes nós tinhamos realisado acudindo ao commercio estrangeiro, cuja segurança era frequentemente ameaçada.
Nenhuma nação podia emprehender a acquisição dos territorios contestados, em menosprezo do nosso direito, que, embora fosse respeitado, PÓ podia servir de titulo de gloria para Portuga!, porque lhe não permittia a Inglatera que o exercesse. Ao mesmo tempo é certo que ninguém deve obstar, n'aquella como em outra qualquer região, a que se organise o systema de administração indispensavel para garantir os progressos do commercio e o augmento da civilisação. Comtudo a reserva dos nossos direitos, sem o seu exercicio, impedia-o; e por uma fórma cada dia mais perigosa desde que acima de nós, a montante, se creava e progredia assombrosamente uma entidade nebulosa, de essencia desconhecida, e de vez em quando, vinham a publico uns tratados, feitos por ella, que pareciam querer reconhecer lhe soberania em territorios, para chegar aos quaes era necessario atravessar aquelles que nós pretendiamos serem nossos. Já em Vivi, pouco acima do padrão de Yelála, apparecia um estabelecimento da mysteriosa sociedade internacional, e que ella dizia ser unicamente seu.
Não era possivel esperar mais; a questão do Zaire tinha de resolver-se depressa, e para isso faltava-nos unicamente remover um obstaculo: a opposição da Inglaterra.
Para isso haviamos de nos dirigir á potencia que nos pozera o veto, invocando as rasões que tinhamos para que fosse levantado, e ás outras potências pedindo que nos fossem favoraveis, ou pelo menos neutraes.
Foi o que se fez.
Perguntou-se á França quaes eram as suas intenções relativamente ao desenvolvimento dos territorios africanos que ella acabava de occupar; a França respondeu que não tinha a intenção de passar para o sul de 5° 12'.
Não quero discutir agora o equivoco do sr. visconde de Azevedo, em relação às palavras do sr. Duclere, nem se o sr. Duclere teria ou não ao pronuncial-as a intenção que o nosso encarregado de negocios lhe attribuia com a maxima boa fé.
Mas em todos os documentos escriptos pelo sr. Duclere, em qualquer epocha, quer seja como ministro dos negocios estrangeiros da França, quer não, sempre se affirma que a França não desce abaixo de 5º 12'; quer dizer que a França não transpõe o paralleio que foi marcado no congresso de Vienna como limite septentrional dos territorios a que tínhamos direitos reservados.
Por este lado pois estavamos seguros de que a republica respeitava os nossos direitos, porque o affirmavam declarações, que ella nunca desmentiu.
Tinhamos tambem de informar-nos das disposições em que estaria para comnosco uma potencia, que hoje assume attitude preeminente, graças a um exercito numeroso e a uma administração perfeitissima cujo chefe é tão forte, tão energico, tão grande, que a sua politica já não domina só a Europa domina o mundo inteiro.
D'essa potencia é que poderiamos ter que receiar, se a tivessemos deixado de parte, porém não nos esquecêramos d'ella; a cada momento lhe iamos dando circumstanciada communicação de todos os factos que se passavam, para que não podesse allegar ignorancia; a cada momento perguntavamos ao governo allemão se queria entrar tambem activamente na politica africana.
O ministerio de negocios estrangeiros do imperio respondia sempre aos nossos representantes que tomava nota dos factos que lhe cmmunicavam, que os archivava, mas que por emquanto o governo imperial não queria occupar-se do que se passava no continente negro.
Seguros de que a Allemanha não intervinha, tinhamos ainda a considerar os interesses das outras nações, que por serem de segunda ordem nem por isso deixavam de estar tambem interessados no commercio do Congo, e de quem tínhamos sido sempre amigos: os Paizes Baixos e a Bélgica. Ao indagarmos da Hollanda se ella estava disposta a reconhecer a nossa reclamada soberania no Zaize perguntou-nos apenas se nós manteriamos para o seu commercio as necessarias garantias. Foi satisfactoria a resposta, ficámos tranquillos d'esse lado, e a Hollanda segura com as categoricas declarações do nosso governo.
Trago aqui os documentos d'estes factos, mas não os leio para não tomar mais tempo á camara.
O que é certo é que a Hollanda confiára em nós e essa confiança sempre se manteve com lealdade perfeitamente inalteravel desde a iniciação das negociações, em 1882, até ao seu termo em 1885. Devemos-nos orgulhar de ver que nós, nação pequena, temos sido sempre respeitados, e nunca abandonados como colonial, pelas outras que sem serem grandes potencias nem por isso deixam de ter importancia como nações colonisadoras.
Ao mesmo tempo a Belgica, como governo e como estado, dizia-nos que não conhecia a Africa nem queria saber de assumptos coloniaes.
Posto isto n'estes termos, nós fomos luctar de frente contra a Inglaterra e contra os seus preconceitos que ella mais tarde confessou solemnemente serem injustos por declarações perante o parlamento como em notas diplomaticas.
Perguntamos-lhe quaes eram as condições mediante as que occupassemos o que era nosso.
Dizia ha pouco o sr. Antonio Ennes que nós não tinhamos tido uma politica definida, que não tinhamos pensado desde logo do que precisavamos ceder, e que foramos ao acaso cedendo pouco a pouco; na opinião do illustre deputado, este erro nos acompanhára do principio ao fim das negociações.
Não sabiamos o que haviamos de resolver, não sabiamos qual era o systema economico a estabelecer e quaes os sacrificios que precisavamos fazer para administrar o que era nosso!
Pois eu creio que era completamente impossivel fosse a quem fosse, tosse ao político mais previdente, ao espirito mais elevado, á intelligencia mais extraordinaria, adivinhar em novembro de 1882 a profunda revolução que havia de realisar-se em pouco mais de dois annos na politica colonial; o modo como de então para cá se transformariam as relações entre as grandes potencias; as idéas absolutamente novas que se tornariam em leia e leis internacionalmente promulgadas.
Estranha-se que nós, simples convidados da conferencia de Berlim, não adivinhassemos dois annos antes o que ella havia de resolver, o sr. Antonio Ennes accusa por isso o governo, e comtudo o illustre deputado não ignora que para as possessões novamente adquiridas por uma das grandes potências que fizeram os convites para a conferencia de Berlim, á porta mesmo da conferencia, decretavam-se pautas de systema proteccionista, e pouco depois, em presença da corrente que se manifestou ali, rasgava-se o programma de hontem e acceitava-se uma nova liberdade commercial, inteiramente diversa d'aquella que poucos mezes antes se havia definido.

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Era similhantes circumstancias o que fizemos nós? Fomos disputando passo a passo á Inglaterra o terreno que ella não consentia que fosse nosso embora não podesse afirmar que a outrem pertencesse.
Similhantes concessões faziam-se á Inglaterra, porquê? Porque a Inglaterra só, até áquelle momento, e posteriormente ainda, era a unica nação que se nos oppunha, a unica potencia que dizia ser inconveniente que nós fossemos áquelle território. Desde que ella só se oppunha entendemos que, satisfeito o que ella pretendia, que era necessario concedermos como garantia ao commercio, tirariamos resultado favoravel. Pois haviamos do perguntar quaes as condições que seriam necessárias para occuparmos o nosso reservado territorio áquelles que não nos faziam nenhuma opposição?
Perguntámos aos que se nos oppunham; aos outros não, soubemos d'elles mesmos tudo o que precisávamos saber pela propria indifferença que mostraram. Se a indifferença desappareceu e se transformou em interesse apaixonado é porque as circumstancias variaram, e não porque fosse um mal para todos, um perigo para o mundo, o nosso tratado do Zaire com a Inglaterra.
O tratado assignado em 26 de fevereiro não foi ratificado pela Inglaterra desde logo, como devia ser, nem o foi mais tarde. A causa principal, que levou a Inglaterra a não ratificar desde logo o tratado, foi a mesma que levou o governo britannico a leval-o ao parlamento antes de ratificado, porque ninguem ignora que em Inglaterra não se apresentam á discussão o approvação das camaras os actos internacionaes, salvo excepções, de que este tratado tinha de ser um exemplo raro.
Foi precisamente na mesma occasião que varias potencias manifestaram opposição ao tratado que contra elle se levantou uma parte da opinião na Inglaterra movida exclusivamente por certos interesses egoistas.
Esses interesses eram representados por um grande vulto, pela câmara de commercio de Manchester presidida pêlo sr. Hutton fallando em nome das casas commerciaes que negoceiam com o Zaire. Ora, é preciso saber que o commercio de todas essas casas converge para uma casa principal, a primeira casa ingleza, que é uma das primeiras no Zaire, a casa de Hatton & Cookson, de que são todas filiaes a não ser uma outra casa ingleza a Congo & Central African Co Lim, que succedeu á portugueza de Zagury.
Dado o isolamento em que se achavam aquellas duas firmas inglezas, e evidente o capital interesse que tinham em que se mantivesse o statu quo; como tinha um interesse da mesma ordem a casa hollandeza do sr. Muller, que a esse tempo nos fazia opposição, porque todos preferiam um estado de cousas mediante o qual não podiam ser acompanhados por mais ninguem, pois o estabelecimento de feitorias no Zaire demandava cabedaes avultadissimos.
Os unicos que podiam estabelecer-se ali sem usarem de uma grande força armada e poderosos meios de acção eram os portugueses, que tinham a seu favor uma outra força, que era a facilidade que havia no indigena para os receber e acceitar; fóra d'estes unicamente se sustentavam ali casas poderosissimas que têem exercitos e marinha e até mesmo fortes armados com artilheria; e nas condições d'estas casas não está ninguem. Por conseguinte era muito natural que ellas quizessem o statu quo que representava o beneficio de um privilegio para elles e contra os pequenos commerciantes que tinham de confiar-lhes fatalmente os seus productos.
Este privilegio, contrario aos verdadeiros interesses do commercio, foi apoiado no parlamento inglez, e por quem?
Pelo sr. Jacob Bright, representante de Manchester. Eram os interesses egoistas d'aquellas casas inglezas que levantavam na Inglaterra uma opinião contraria ao tratado de 26 de fevereiro, eram estas que não duvidavam exigir do governo que não ratificasse o tratado, como um anno antes já se haviam opposto a elle. Não queriam no Zaire mais dominio do que o seu, e a nós odiavam-nos porque lhes haviamos castigado os agentes por abusos vergonhosos, signal do mais estúpido e feroz despotismo.
Tanto assim é que, ao mesmo tempo que essa corrente da escola de Manchester dominava o governo, apparecia ao longe, quasi a medo, um pequeno numero de sociedades mais modestas que não partilhavam das mesmas idéas; apoiavam essas o tratado e afirmavam, que desde o momento em que houvesse no Zaire uma administração regular as circumstancias haviam de mudar, e o pequeno commercio, ao qual agora é vedado áquelle territorio, poderia com incontestavel vantagem estabelecer-se ali quando houvesse uma soberania exercida sem interrupção.
Apesar d'esta nota discordante a que se não dava ouvidos, a opinião de Manchester dominava e inquietava por tal forma o governo inglez, que elle hesitou e recuou. A esta prova de fraqueza dada pelo governo britannico corresponde o movimento das potencias que acodem todas em nome dos seus interesses commerciaes.
E o que dizem as outras nações? Dizem que o tratado de 26 de fevereiro dava vantagens á Inglaterra é estabelecia o seu protectorado n'aquelle territorio.
É notavel que este tratado foi atacado pelos seus detractores por tal fórma, que para responder ás objecções de uns não ha mais do que recambiar as objecções dos outros. As allegações dos negociantes de Manchester contesta-se com os argumentos das outras potencias, e a todas com as objecções que elle levanta em Portugal.
O certo é que por toda a parte se manifestava opposição.
A de Manchester, que a rebatesse o governo britannico, era o seu dever.
As outras potencias tinhamos tambem nós de responder, e para isso convinha indagar primeiro quaes os motivos da sua opposição, que artigos do tratado a despertavam, que direitos ou que interesses esses artigos lesavam.
Verificou-se que se reduziam a três pontos as queixas das nações:
1.° A exclusão da commissão que tinha de fazer os regulamentos para a navegação e livre transito do Zaire;
2.° As vantagens exclusivamente concedidas á Gran-Bretanha pelo artigo 12.° ;
3.° Ás tarifas exageradas da pauta de Moçambique, relativamente a alguns, poucos, artigos de commercio.
Ninguém se oppunha ao nosso direito, o que se pretendia era salvaguardar interesses; o que nos restava, pois, fazer, era ceder, afirmando que não se oppunha o nosso governo a remover os obstaculos, e essa affirmação apenas era limitada pela necessidade de que a nação que negociára comnosco annuisse a fazer igual concessão.
Esta resposta, dada por parte de Portugal, era logica e era digna.
Não se tratando de soberania, mas unicamente de interesses commerciaes, nós respondiamos ás potencias como antes tinhamos respondido á Inglaterra, que nos tinha pedido garantias para interesses commerciaes d'aquelles que se haviam estabelecido no Zaire durante o largo periodo em que ali não exerceramos soberania permanente e effectiva.
Era esta a unica resposta que podiamos dar, porque até este momento ninguém discutia os nossos direitos, nem se mostrava com a intenção de usurpal-os.
O periodo a que me estou referindo é o dos obstáculos postos pelo commercio, e durante elle quasi se occultou e desappareceu essa mysteriosa associação internacional, que tanto mudou de nome, que lhe chamarei simplesmente por este, pois não posso indicar pela ordem chronologica todos aquelles de que usou.
Durante as nossas negociações com a Inglaterra, a associação internacional appareceu apenas ostensivamente por

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um instante, ao findar o mez de fevereiro, nos dias de carnaval. Manifesta-se a sua existencia por uma fórma insolita, por um pedido de lord Granville a que o governo portuguez accedeu sem o apreciar.
N'aquella occasião era tarde para qualquer discussão, só havia uma de duas cousas a lazer, ceder e assignar o tratado ou romper as negociações, respondendo á Inglaterra com uma negativa formal.
Como ainda ninguém affirmou n'esta casa que se devessem romper as negociações n'aquelle momento, não preciso tratar d'esse ponto.
A associação desapparece, ou pelo menos não se sabe o que ella faz; e em quanto ella desapparece fallam as chancellarias em nome de interesses commerciaes.
Aqui podia fazer-se uma approximação que eu. não faço; faça-a quem quizer. O presidente da associação do commercio de Manchester era o sr. Huttou, consul da Bélgica. Ha quem o accuse, não sou eu de certo, porque o não quero fazer sem provas bastantes, de a J vogar os interesses da mysteriosa associação que o monarcha da Belgica protege.
Filia-se no movimento de Manchester, o que se desenvolve na Hollanda, em Hamburgo e. Bremen; promovem-no as casas commerciaes e é fácil descobrir quem o dirige e contra nus excita a maior opposição que póde.
A associação internacional via com pesar fugir lhe das mãos um territorio por meio do qual chegasse á beira do Oceano; territorio de que ella tanto precisava para com pletar a sua obra e para realisar os capitães necessarios para uma empreza que a Europa ia patrocinar no dia seguinte, mas que n'aquella occasião não era ainda apoiada como foi mais tarde; (Apoiados.)
E o que fez a associação internacional?
Tinha-se approximado da America, e a America encantada com a obra d'aquelle que mudara o nome do John Rowlands e a nacionalidade ingleza para acceitar o nome de Stanley e a nacionalidade americana, aquelle que atravessára a Africa onde perdêra sempre na travessia os companheiros europeus, que descobrira de novo o que já tantos seculos antes fôra descoberto por Duarte Lopes, (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.) do que a Europa se esquecêra; a America, encantada com a obra grandiosa do que ella considera seu compatriota, sauda a bandeira para quem se queria conquistar um imperio, e declára a associação o fundamento e o germen de um estado amigo. (Vozes: - Muito bem.)
Mas a Europa ainda a não tinha reconhecido; apesar de que se haviam estabelecido negociações com a França.
N'este ponto tenho de contestar uma phrase do sr. António Ennes; isto é, a sua allegação de que as relações entre a França e a associação internacional são posteriores ao tratado de 26 de fevereiro e tiveram a sua origem neste mesmo tratado.
Provam exactamente o contrario os dois primeiros documentos do Livro amarello.
São elles uma carta do sr. Duclere a Sua Magestade o Rei da Belgica, de 16 de outubro de 1882, e uma resposta de Sua Magestade ao sr. Duclere, que tem a data de 24 do mesmo mez.
(Leu.)
Pelos termos amigaveis d'estes documentos prova-se á evidencia que as relações entre a França e a associação internacional estavam, de ha muito, estabelecidas, quando se firmou o tratado de 26 de fevereiro. Nem este as determinou nem mesmo as precedeu: havemos de procurar noutra causa a explicação da sua crescente intimidade, e do facto apparentemente extraordinario de ter chegado a ponto da associação ceder á França o direito de preferencia sobre os seus territorios, caso fossem alienados por ella.
Um exame mais minucioso das circumstancias explica satisfactoriamente o que se passou por este tempo. É certo que a associação internacional se via sem meios de prosseguir na sua obra e pedia a todos protecção, muito particularmente á Inglaterra, que dava mostras de querer concedel-a; e a França, temendo que se estabelecesse no Alto Congo o protectorado inglez, adquiriu a preempção dos seus bens territoriaes.
Mas isto não quer dizer que a França tivesse intenção de entrar de parceria com a associação internacional, ou de lhe adquirir es estados desde logo.
A França apoiou a associação internacional por seu proprio interesse, porque precisava fazer cessar os embaraços que a sociedade dirigida por Stanley, com incessantes intrigas, levantava diante dos emprehendimentos de Brazza.
D'isto ha numerosas provas, com que eu não quero cançar a camara, tanto mais que, até pela nossa correspondencia diplomatica, podemos apreciar a guerra que a associação fazia á França, pela que moveu contra nós, e que se manifesta nos numerosos tratados com regulos indigenas, em que se vende por baixo preço a soberania territorial, e graças aos quaes a associação internacional pretendia dominar a Africa inteira, desfazendo em um dia o tratado feito na vespera para melhor o conformar com a intriga ou a calumnia do momento, e mudando de negociadores com tanta frequencia, como de titulo variava a sociedade.
Estes actos que ameaçavam o nosso dominio, punham tambem em perigo o da França e obrigavam-na a combatel-a a todo o transe para a destruir, ou a pactuar com cila e, em todo o caso, adquirir a certeza do ser sua herdeira e successora.
As relações entre a França e a internacional, n'esta epocha, devem examinar-se á luz da politica exclusivamente africana, a cujo quadro inteiramente pertencem.
Só mais tarde entraram em acção as malquerenças com a Inglaterra e a inesperada approximação entre a França e Allemanha; e para explicar este movimento das tres poderosas nações não basta um pequeno interesse como ellas têem no Congo; e preciso motivos mais altos e sómente um conjuncto geral de circumstancias que representara todo o movimento colonial da Europa, e se fundam nas poderosas causas sociaes que o determinam, para fazer com que o vencido e o vencedor de Sédan possam dar as mãos novamente depois da campanha do 1870.
Seria verdadeiramente pueril querer attribuir á pequena causa do nosso tratado todos os acontecimentos que representam as relações políticas da Europa durante um anno.
Seria preciso desconhecer o que se passa nos outros paizes; não vermos, e não querermos ver por forma alguma, o que succede no resto do mundo; para dar á força o caracter de causa determinante da approximação ou do afastamento das mais poderosas nações europeas entre si a um facto tão pequeno e de interesse tão mesquinho como o tratado de 26 de fevereiro.
Eu entendo que ao contrario devemos seguir o systema inverso e procurar ver se com as successivas phases das negociações do Zaire coincidiram acontecimentos da politica geral que as justificam e que as explicam. (Apoiados)
A maneira como a Allemanha se apresentou n'esta questão tem sido um assumpto aqui largamente discutido.
Ora parece que a Allemanha nos veiu offerecer uma alliança e que nós recusámos essa alliança; ora parece que a Allemanha nos faz urna ameaça e que a essa ameaça não a com prebendemos, ou não soubemos replicar lhe, nem eu sei como...
Francamente eu queria que me dissessem o que se possa oppor a uma ameaça feita pela Allemanha a não ser a resistencia energica e decidida de mais de uma potencia de primeira ordem.
Quando a Allemanha manifesta a vontade de praticar um acto determinado, quando essa manifestação sae dos arcanos da chancellaria imperial, ou rompe uma guerra na Europa, ou as outras potencias, contemporisam, disfarçam

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mas acabam por ceder, vencendo sempre a Allemanha, porque infelizmente, embora quizeramos todos que assim não fosse, a força triumpha quasi sempre do direito.
Com relação a nós, porém, é certo que a attitude da Allemanha n'aquelle momento foi muito diversa d'aquella que lhe tem sido attribuida.
A Allemanha perguntou-nos se queriamos dar garantias ao seu commercio.
A nossa resposta foi que não tinhamos duvida em dar essas garantias.
E não sou eu que digo o que respondemos. Eu não vou buscar a nenhum segredo do ministerio dos negócios estrangeiros a explicação que dou ao illustre deputado que me precedeu.
Dil-o ao proprio principe de Bismarck o sr. conde de Rex nos seguintes termos:
«O sr. du Bocage declarou-me repetidas vezes que o governo portuguez estava prompto para dar aos interesses do commercio allemão plena satisfação; sómente emquanto á região do Congo estava ligado pelo actual tratado com a Gran-Bretanha.»
Eu pergunto, sr. presidente, que outra resposta podiamos dar?
Pergunto se era nobre, se era digno, se estava de accordo com as tradições honradas do nosso paia, rasgarmos um tratado que havíamos assignado pouco antes. (Apoiados.)
Que outros o rasgassem, vá; nós e que o não deviamos fazer, e por isso respondemos á Allemanha: póde a Inglaterra abandonar Portugal, que Portugal é que não abandona a sua palavra. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
Correr aventuras atraz de uma sombra da alliança germânica, faltar á palavra honrada para ir buscar a protecção da Allemanha que nem sequer a tinha promettido, não o podiamos nós fazer. (Apoiados.)
Respondemos como podiamos, e fizemos mais ainda, respondemos como deviamos. (Apoiados.)
N'estas condições a politica da Allemanha variou, e eu vou mostrar porque, não uma vez, mas duas, porque a Allemanha não mudou uma vez só, como parece deprehender-se do que se tem dito nesta casa, mudou duas vezes.
A Allemanha tinha necessidade absoluta de estabelecer uma derivação colonial.
Vozes: - Deu a hora.
Previnem-me de que deu a hora. Como não posso dar ainda por terminadas as minhas considerações, se v. exa. mo permitte continuarei amanha.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)
Apresentou a seguinte

Moção de ordem

A camara dos deputados reconhece que a attitude de Portugal na conferencia de Berlim, conciliando os direitos da soberania portugueza com os interesses das outras potencias, manifestou claramente o firme empenho, em que a nação persiste, de abrir ao commercio e á civilisação as vastissimas regiões africanas, que por gloriosos titulos lhe pertencem, e continua na ordem do dia.
Camara dos deputados, 9 de junho de 1885. = Carlos Bocage.

O sr. Presidente: - Na sessão nocturna de hoje continua a discussão do projecto de lei n.° 109. E a ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Por não haverem entrado na sessão competente (6 de maio) os seguintes documentos, publicam-se agora:

O sr. Mattoso Côrte Real: - Mando para a mesa um requerimento pedindo a remessa, pelo ministerio do reino, a esta camara, com urgencia, de diversos documentos relativos ao concelho de Felgueiras, districto administrativo do Porto.
Reservo-me para chamar a attenção do sr. ministro do reino em occasião opportuna sobre os abusos e violencias que está praticando o administrador d'aquelle concelho.

O sr. Mattoso Côrte Real: - Mando para a mesa uma nota de alguns recursos extraordinarios sobre contribuições industrial, de renda de casas e sumptuária, vindos do concelho de Figueira da Foz, e pendentes na direcção das contribuições directas desde o armo do 1883.
Requeiro que essa nota seja enviada ao sr. ministro da fazenda, a quem opportunamente pedirei providencias sobro este assumpto.
Mandou-se expedir.

Requerimento de interesse publico

Requeiro que pelo ministerio do reino sejam enviadas com urgencia a esta camara:
1.° Copia de todos os officios, desde o 1.° de maio até 4 de junho do armo corrente, expedidos pelo administrador do concelho de Felgueiras, e que não sejam confidenciaes;
2.° Copia do mandado da intimação feita ao presidente da camara d'aquelle concelho para apresentar e pôr á disposição do respectivo administrador o recenseamento eleitoral do anno de 1884. = Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real.
Mandou-se expedir.

Rectificações

Na sessão nocturna de 6 de junho, pag. 2127, col. 2.ª, lin. 11, onde se lê «as gerencias dos negocios municipaes» deve ler-se «a gerencia dos negocios municipaes».
Na mesma pag. e col., lin. 56, onde se diz «quando se trate de accordo entre a camara, etc.» deve ler se «quando se trate de accordos entre a camara, etc».
Na mesma sessão, pag. 2128, col. 1.ª, lin. 2.ª, onde se diz «apparecem outras ainda superiores» deve ler-se «apparecem outros ainda superiores».
Na mesma col., lin. 60, onde se diz «devam fazer parte» leia-se «façam parte».

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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