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N. 17. SESSÃO DE 25 DE MAIO. 1855.

PRESIDENCIA DO S. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 81 srs. deputados.

Abertura — Ao meio dia e um quarto de hora.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA

Declarações: — 1.º Do sr. Mello Soares, de que o sr. Passos (Manoel) não comparece á sessão de hoje, e a mais algumas, por motivo de molestia.

— Inteirada.

2. Do sr. L. J. Moniz, de que o sr. Luz Pitta, não pôde vir ás sessões de 23 e 21 do corrente, e não póde vir á de hoje, por incommodo de saude. — Inteirada.

3. Do sr. Francisco Damazio, de que o sr. Roussado Gorjão não póde comparecer á sessão de hoje por incommodo desande. — Inteirada.

Officios: — 1. Do sr. D. Antonio José de Mello, participando que não póde assistir á sessão de hoje, por incommodo de saude. — Inteirada.

— 2. Do sr. Teixeira de Sampaio, participando que por incommodo de saude não póde comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.

3.º Do ministerio do reino, acompanhando os cadernos dos cidadãos elegiveis para deputados ás córtes, nos diversos concelhos do circulo de Angra do Heroismo, fallando unicamente o que respeita ao concelho de Calheta, por ainda não ter chegado áquella repartição. — Para a Secretaria.

4. Do ministerio da guerra, dando os esclarecimentos, que por esta camara lhe for.im pedidos, relativos á pertenção dos alferes do exercito Viriato Leão Cabreira, e Sertorio Leão Cabreira. — Á commissão de guerra.

5º Do ministerio da marinha e ultramar, acompanhando um mappa do corpo de marinheiros militares, referido á ultima semana do mez de fevereiro do corrente anno, assim como esclarecimentos relativos ao mesmo corpo pedidos pelo sr. Arrobas. — Para a secretaria.

6.º Do ministerio das obras publicas, acompanhando os documentos que lhe foram pedidos, relativos á construcção do caminho de ferro de Lisboa a Santarem, por esta Camara. — Á commissão de obras publicas.

Representação — Da camara municipal da Azueira, sobre divisão de territorio. — Á commissão de estatistica.

SEGUNDAS LEITURAS.

Projecto de — Srs. d'pulados da nação portugueza. E necessario e urgente fazer cessar o modo violento com que se executam os devedores por falla de pagamento dos impostos dilectos. Ninguem ignora o que se practica a este respeito. As enormes custas que sobrecarregam sobre os pequenos contribuintes por estes processos. não podem tolerar-se por mais tempo.

Sem mais preambulo, tenho a honra de propor o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.º Nos processos das execuções de cobrança dos impostos directos, que não excedam n quantia de mil réis, os contribuintes não serão condemnados nem obrigados a pagar custas algumas.

Art. 2.º Nos processos das execuções de cobrança dos impostos directos, que excedam a quantia de 1$000 réis, os contribuintes nunca poderão ser condemnados nem obrigados a pagar mais do que 10 por cento da quantia executada pela somma de todas as custas.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Na camara dos srs. deputados, de maio de 1 85.. — Francisco Joaquim Maia, deputado pelo Porto.

Foi admittido. — E, mandando-se publicar no Diario do Governo, remetteu-se às commissões de legislação e de fazenda.

Leu-se a ultima redacção do projecto n.º 28 sobre a annullação das reformas a varios officiaes da guarda municipal.

O sr. Presidente: — Fica sobre a mesa para poder ser examinado.

O sr. Cazal Ribeiro. — Vou mandar para a meza uma representação assignada por muitos possuidores da antiga moeda papel, pedindo a esta camara que dê alguma providencia para se pagarem do melhor modo possivel os seus creditos.

Sr. presidente, todas as dividas são sagradas, e convem sempre que os devedores não se esqueçam, mesmo por seu proprio interesse, do pagamento dellas; mas se ha dividas sagrada, entre estas é inquestionavelmente o da moeda papel. (Apoiados) Tracta-se de uma moeda que foi retirada da circulação; tracta-se de uma divida á qual não procedeu um contracto voluntario estipulado entre as partes, mas que provem da obrigação imposta por lei de se receber esta especie de moeda. A lei retirou aos credores a garantia que lhes tinha dado; n lei retirou esta moeda da circulação; e a camara não ignora que a lei de 183 V que a retirou, garantiu o seu pagamento para o anno de 1838; mas aconteceu que na vespera mesmo do praso marcado para o seu pagamento, uma nova lei adiou esse pagamento para quando as circumstancias do thesouro o permittissem. Infelizmente essa occasião não chegou ainda; os embaraços do thesouro tem inhibido todos os governos, e todos os parlamentos de attender a uma divida tão sagrada; posto se haja attendido a outras muitas, que pelos principios de rigorosa justiça não podiam talvez merecer preferencia.

Eu convenho que é hoje impossivel pagar estas obrigações, como foram garantidas pelas leis; entretanto é urgente que a camara se occupe deste importante assumpto, e que tracte de combinar os meios de attender por algum modo a uma divida tão sagrada como esta. (Apoiados)

Ficou para se lhe, dar destino na sessão seguinte.

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O sr. Affonso Rotelho — Peço a v. ex. se digne inscrever-me para apresentar 2 projectos de lei. Ficou inscripto.

O sr. Arrobas: — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu.)

Mando tambem a seguinte

Nota de interpellação. — «Requeiro que se previna o sr. ministro da marinha, de que pretendo interpellar s. ex.ª acêrca do destino que s. ex.ª pretende dar á quilha, cadaste, roda de prôa, e mais peças já fixadas da curveta D. Antonia; por quanto tendo s. ex. declarado, que no anno economico de 1853 — 1854 não tencionava executar construcção alguma de navio de guerra, e achando-se as peças, já fixadas daquella curveta, expostas ha 4 annos ás injurias do tempo, arruinar-se-hâo continuando por muito tempo na mesma situação.

«Pretendo igualmente que s. ex.ª declare, se está resolvido a mandar executar (quando o julgar conveniente) o plano daquella curveta, ou se destina o material que devia ser nella empregado, para a construcção de alguma outra especie de navio. — Arrobas.

O requerimento ficou para se lhe dar destino na sessão seguinte — E da interpellação mandou-se fazer o aviso.

O sr. Faria e Carvalho: — N'uma das primeiras sessões desta camara apresentai eu a representação dos commerciantes de Bragança, pedindo a reforma de um artigo da pauta actual, e como já ha bastantantes sessões que, em virtude da proposta do sr. Visconde de Castro e Silva, se resolveu que se nomeasse uma commissão especial para rever o decreto de 31 de dezembro, pedia a v. ex. desse para ordem do dia a nomeação dessa commissão, para lhe serem remettidas as diversas representações que tem sido dirigidas á camara, e sobre ellas dar o seu parecer; por que o mal continua, e é grande.

O sr. Presidente: — Dar-se-ha para ordem do dia de sexta feira, ou de sabbado a eleição desta commissão.

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do projecto n.º 32 — adiamento apresentado hontem pelo sr. Tavares de Macedo.

O sr. Presidente: — Como não está presente o sr. Cunha Sotto-Maior, a quem tinha ficado reservada a palavra da sessão de hontem; dou-a a outro sr. deputado que se inscreveu contra o projecto.

O sr. C. M. Gomes: — Sr. presidente, o projecto na sua generalidade se resume na seguinte proposição: deve vigorar na India a legislação que rege o jury em Portugal?

A isto se offereceram 4 propostas de adiamento; uma, ale que viesse a cópia pedida de um officio, no qual, diz-se, um governador de Gôa informa contra a existencia do jury naquelle paiz.

A camara, vendo officios, representações, e outros dados, sobre o assumpto, julgou dispensavel o documento pedido, e rejeitou o adiamento.

Outra funda-se na necessidade de certos esclarecimentos estatisticos, e a camara tambem n rejeitou, naturalmente por vêr as estatisticas officiaes que se apresentam.

Outra basea-se na necessidade de ser previamente

ouvida a commissão de legislação; e a camara, julgando-se talvez sufficientemente esclarecida, quanto ao que aquella commissão póde informar a este respeito, tambem a rejeitou.

Uma outra, finalmente, firma-se na necessidade de o governo emittir a sua opinião sobre o projecto; e não foi approvada, porque a camara por certo a não julga indispensavel.

Note-se porém, que ainda que tiro taes inferencias do voto da camara, este recaíu na these geral proposta pela mesa — approva a camara o adiamento? E a camara responde negativamente.

Seguiu-se a votação do projecto na generalidade, e já disse o que importava essa generalidade.

Seguiu-se a discussão do artigo 1.º E o que diz este artigo? Que e applicada a Gôa a legislação do I reino sobre jury. É o pensamento da generalidade do projecto, já votado, formulado n'um artigo de lei.,

E extemporaneo, por tanto, não é exequivel que a camara adiasse o que declarou não queria adiado; a camara não póde annullar agora, por um adiamento, o que já foi approvado por uma votação.

Se eu disse, que a instituição do jury era um máo presente que faziamos á India, seria máo, mas devia ser acceito com reconhecimento por ter saído caro, pois tinha custado muito tempo de discussão, e os esforços necessarios contra ataques ião repelidos. Os fundamentos do novo adiamento são:

«Não sabemos se a lei encontrará estorvos insuperaveis, quando se queria levar a effectividade.))

A isto respondo, que, em todo o caso, os povos da India vem nella a boa vontade desta camara de satisfazer seus pedidos; mas parece-me que nenhum fundamento ha para se esperarem taes embaraços.

Sr. presidente, pois esta instituição monta-se pela primeira vez na India? Não viveu ali por 3 annos? Consta a alguem na camara que ella encontrasse obstaculos, resistencias, ou mesmo que fosse seguida de máos resultados?

No entanto eu tenho feito todos os esforços por descobrir as especialidades que lá se dariam, e não encontrei senão uma: a base para o censo, que é o imposto directo, e por conseguinte aqui a decima, contribuição que lá não ha.

Mas só para jurados se exige censo, perguntarei eu? Não é elle indispensavel para os processos eleitoraes? O systema que se adopta para este, claro está que se póde seguir para aquelle.

Mas esta excepção não é nova, e só necessaria para o ultramar; ella já existia com relação ás ilhas, onde, como em Gôa ha dizimos e não decima, e onde não obstante isso ha eleições e jury.

Eu já disse como este negocio veiu a camara: em consequencia de repelidas instancias da junta geral do districto de Gôa; e para que alguns srs. deputados se não persuadam que este pedido é especulação de meia duzia de proletarios de pé descalço, lerei á camara os nomes dos cavalheiros que formavam a junta geral de districto de Gôa em 1850 de que por acaso tenho presente um officio.

O juiz da relação, o sr. Rodrigues de Bastos: o juiz de direito, sr. monje, sobrinho de s. em.ª o sr. patriarcha de Lisboa; o sr. Francisco Pereira da Silva de Sousa Menezes, irmão do sr. conde de Bretiandos; o sr. Joaquim Filippe da Piedade Soares, o patriarcha da liberdade de Gôa, um habil advogado,

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e muito respeitavel por todos os titulos. (Apoiados) O sr. Antonio Francisco Lopes, honesto proprietario; o sr. Joaquim Manoel de Mello e Mendonça, official de artilheria, e director da fabrica da polvora; os srs. Camillo Antonio Josino Cordeiro, official de marinha, e director do arsenal; Vicente Xavier Cabral, medico; e, finalmente, Bernardo Heitor da Silveira Lorena, o thesoureiro do estado, e descendente da casa dos condes de Sarzedas.

Sr. presidente, como eu quero restringir-me á materia do adiamento, nada mais accrescentarei.

O sr. Tavares de Macedo — Sr. presidente, o sr. deputado diz que não ha razão para se adiar o projecto; mas eu não propuz o adiamento, o que propuz foi que se fizesse uma lei para regular o processo do jury na India. E que essa lei é necessaria, está provado; porque a instituição do jury já eleve em execução na India, e pelos resultados que apresentou, foi suspensa por um ministro que de fórma alguma se póde suspeitar que não era eminentemente liberal: este ministro, sr. presidente, era o sr. Manoel Antonio Lopes Vieira de Castro, homem que militou sempre nas bandeiras daquelle lado da camara (Apontando para o fado esquerdo). Ora se se reconhece que é preciso essa lei, porque razão a não ha de fazer o parlamento, que é a quem a caria incumbe fazer leis?

E necessario sr. presidente, fazer uma lei segundo as especialidades que occorrem na India, examinando porém se convirá estabelecer um jury para cada casta como fez a Inglaterra para as suas possessões aziaticas, que com todo não tem produzido os melhores resultados, apesar de o governo inglez trabalhar ha 20 annos para melhorar a legislação judicial naquella parte do seu territorio, mas ainda o não pôde conseguir.

A nossa India tem ido menos mal com a legislação que se lhe tem dado, ainda que se haja dicto que Portugal nada tem feito em seu favor, e que só cuida emnbatel-a; mas os factos demonstram o contrario; por exemplo, a população das Velhas Conquistas em 1770 era de 202:821 almas, em 1851 era de 217:816, o que dá um accrescimo de 45:025 almas; não sendo menos importante o augmento da cultura, por isso que sendo a producção do arroz em 1776 de 6:212 cumbos, 2 candis, e 9 euros, em 1851 foi de 10:491 cumbos, 6 candis, 19 euros e 3 medidas, o que da o augmento de 4:279 cumbos, 4 candis, 10 euros e 3 medidas; de fórma que em 1776 era a producção por individuo 306, em 1851 419, isto é, corresponde hoje a cada individuo mais quatro terços do que lhe correspondia em 1776. Ora já vê a camara que se a India tem tido este augmento, e prosperidade, como é que se póde censurar a legislação á sombra da qual tem tido tamanho desenvolvimento? (Apoiados) Como é que se póde dizei com verdade que a India tem decaído debaixo do governo portuguez?

Não sendo pois applicavel á India a nossa legislação, tal qual está entre nós; não estando ainda provado que se lhe possa applicar a que a Inglaterra deu ás suas possessões; e tanto que os jurados foram suspensos, porque se achou que lá faziam mais mal do que bem; não sendo aliás quem os suspendeu homens suspeitos, senão superiores a toda a suspeita de não gostarem da instituição; o que nos incumbe a nós? É fazer uma nova lei. Ora as leis fazem-nas as côrtes; e por consequencia o que proponho, é que nós façamos essa lei.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Peço que a mesa consulte a camara sobre se a materia do adiamento está sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida — E pondo-se logo á votação a

Proposta do adiamento do sr. Tavares de Macedo — foi rejeitada.

O sr. Presidente: — Como o adiamento acaba de rejeitar-se, continua em discussão o

Artigo 1.º e § unico.

O sr. Cunha Sotto-Maior — Eu acho que esta materia tem sido muito debatida, e não demanda já uma grande discussão.

Sr. presidente, tenho de dar a v. ex. e á camara uma satisfação. Não estive presente ao principio da discussão, para continuar hoje com algumas observações que não pude expender hontem, porque o criado chamou-me mais tarde. (Riso) Sinto não ter chegado a horas; porque não gosto de fallar no dia seguinte, quando levo a palavra para casa na vespera. (Riso)

Eu vejo que a camara se amofina ás vezes com as minhas observações. Póde amofinar-se ou não, que apezar da desconsolação que esta circumstancia haja de causar no meu animo, não é ella todavia bastantemente foi te para me demover de dar, conforme intendo, a minha opinião sobre os assumptos que veem á leia parlamentar.

Não discuto porque não está em discussão — se o jury é ou não conveniente; se em Portugal esta instituição tem produzido os resultados que em Inglaterra e em outros paizes. Não é esta a discussão. De. que se tracta é de fazer aos estados da India applicação de uma instituição que no continente de Portugal está incompleta e imperfeita. E innegavel — apezar da estatistica que o sr. Pestana desenrolou aqui na camara, e pela qual pretendeu provar achar se muito mais desenvolvida nos estados da India que em Portugal a instrucção primaria e secundaria — que ha muitissimo mais instrucção em Portugal que na India.

A illustração em Portugal tem outro auge e outro desenvolvimento Eu acho que o contracto que temos comas nações mais civilisadas da Europa, influe para podermos apreciar esta ou aquella instituição. Inconsequencia se em Portugal, com condições favoraveis, o jury não tem dado os resultados que podia dar, esta claro que na India, com outras condições menos favoraveis, não ha de dar os que se desejam.

Sr. presidente, se acaso o jurado como instituição é uma cousa util e necessaria, eu então pediria ao governo e pediria á maioria da camara que applicasse tal instituição a todas as outras nossas colonias. Não sei porque razão hão de querer applical-a aos nossos estados da India, e não aos da Africa. A carta diz no 1.º capitulo quaes são as possessões de Portugal. Se pois a instituição dos jurados é util, se é necessaria, se é governamental, se é para felicidade do povo, se é para felicidade humana, peço que se faça extensiva aos outros estados que temos, e que se não limitam aos da India.

Eu tomarei muito pouco tempo, porque tenho immensa curiosidade de ver o desenlace desta questão, quero ver como a camara ha de sair della. E além disso eu declarei (e tive certos dados) e insisto nesta declaração, e confirmo-a ainda mais) que mesmo

VOL. V — MAIO — 1853.

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quando este projecto passasse aqui na camara, e, depois de passar na dos pares, se passar, fosse sanccionado pelo chefe do estado, e convertido em lei, mesmo assim não será executado na India senão dois ou tres annos depois E estão aqui a aturdir-me com a necessidade urgente da approvação deste projecto!... Aonde é que está a urgencia, se depois de approvado e convertido em lei ha de estar dois ou tres annos mettido nas gaveias da secretaria da marinha, ou na do governador geral da India sem ter applicação alguma? Pois a camara não sabe que a applicação da lei depende de certas circumstancias que podem ser só apreciadas pelo governador geral dos estados da India, antes, muitissimo antes de pôr em practica a lei? O governador ger.il da India tem auctoridade, por este projecto, para não por a lei em practica, e tambem depois de a pôr em practica póde suspender a sua execução.

A camara não sabe isto, ignora por ventura isto!

Ora diga-me a camara — avalia bem o que está fazendo, e o resultado que consegue com o seu trabalho? Eu lhe vou dizer no que vem a dar os seus esforços. A instituição do jury é imperfeita e incompleta no continente, trouxe-se aqui um projecto de lei para a transplantar tal qual para os estados da India; transplantada ella, depende a sua applicação da vontade ou de qualquer outra circumstancia que occorre á imaginação do governador geral; circumstancia que elle póde achar antes de pôr em execução a lei, circumstancia que póde achar depois de a ter posto em execução; de sorte que o governador geral da India, apezar da sancção deste projecto como lei, póde a priori e o posteriori não a executar. E aqui está em que vem a dar o grande empenho e enthusiasmo que tem a camara por ele projecto.

E no meio de tudo isto censurou-se hontem aqui o sr. Simão José da Luz por expender uma opinião pouco favoravel á liberdade da imprensa, e aquelles cavalheiros que se mostraram escandalisados são os mesmos que estão apoiando um governo que ainda hontem chamava ao governo civil um escriptor publico, mandando-lhe alli intimar que não escrevesse!

Sim, senhores, o governo, contra a lei da liberdade de imprensa, chamou á Tetra Sancta um homem que está a escrever aqui em Lisboa, e disse-lhe: Não escreva, porque se escrever, dou-lhe os passaportes!... Contou-me a victima isto hontem no theatro francez. De sorte que é necessario accrescentar á lei da liberdade de imprensa — o escriptor publico fica ás ordens dos beleguins do governo civil — e fazer dependente a liberdade de imprensa do Alcaide, como fez Bravo Murillo.

Eu não approvo as idéas expendidas no folhetim que deu logar á intimação sultanica; mas acho que na lei ha providencias, por que nos podiamos regular neste caso, sem que lá esteja alguma que mando chamar um escriptor ao governo civil, ameaça-lo que se continuar a escrevei, se lhe hão de dar os passaportes.

Eu não sou da opinião do escriptor; acho erradas as suas doutrinas, e Deos me livre de as vêr em Portugal estabelecidas como elle as profere. Mas em todo o caso o governo não tem auctoridade para proceder como procedeu a respeito desse escriptor. Se apoiam pois factos destes, deixem de se insurgir contra os que, tendo direito de emittir a sua opinião sobre a liberdade de imprensa, ou sobre qualquer outro ponto, não pensam como elles. Julgam que neste paiz a sciencia está reduzida a quatro palavras, e concentrada em meia duzia de individuos, que em sabendo dizer no parlamento — sou um homem governamental, quero o fomento, quero uma discussão aberta, quero homens de idéas rasgadas — se tem ganho a reputação de orador, e de grande talento? Estamos n'uma situação, em que os homens della, que portanto approvam este presente, se insurgem contra aquelles que não desejam o futuro que se deriva deste presente, e que têem o arrojo e ousadia de não seguirem as suas pisadas!

Eu nesta questão tenho estado admirado do silencio tenacissimo do sr. ministro da marinha (O sr. Ministro ela marinha: — Já fallei, s. ex.ª não estava cá). Se fallou, eu não tive o gosto de o ouvir. E não digo que estou admirado, porque depois de s. ex. fallar, queria seguir a sua opinião, e ir atraz della, mas intendo que ha certos principios que não se podem preterir, ha certas cerimónias que não se podem impunemente affrontar. No systema constitucional o governo é o regulador da maioria, o sr. ministro da marinha tem uma opinião, assim como a tem a maioria; mas nesta questão o sr. ministro da marinha devia ler elucidado a maioria com a sua opinião, e não dizer — faça a camara o que quizer.

Sou a favor da instituição dos jurados; mas reconheço que tem muitos inconvenientes, e que é muito mal applicada para a India, que não tem a illustração necessaria para que a instituição do jury possa produzir alli effeitos salutares. Acredito que o governo está convencido disto mesmo. E tanto é esta a minha opinião que estou capacitado, e não se me dá de apostar com a maioria da camara, em como este projecto ainda ha de ser retirado da discussão; o governo ha de aproveitar a primeira occasião que se lhe offereça, o primeiro incidente, 011 nesta camara ou na dos pares, para retirar o projecto da discussão, e veremos — u Rirá bem quem fôr o ultimo a rir.»

Voto contra o projecto, não porque não queira a instituição do jury, mas porque é minha opinião que ella não póde ser applicada devidamente aos estados da India.

O sr. C. M. Gomes: — Sr. presidente, como posso agora entrar na materia, tractarei de responder, segundo me fôr possivel, aos argumentos que se tem produzido contra o projecto.

Um illustre deputado, estudando, e tractando a questão com a sua costumada proficiencia, allegou o que se acha estabelecido na legislação ingleza a este respeito, isto é, que ha jury nas possessões inglezas, mas os jurados estremados por fórma, que os de ama casta não julgam os de outras. Eu tambem conheço essa disposição, mas ella não póde ser adoptada por nós, e por uma razão muito obvia; porque perante a lei portugueza não ha castas, ha cidadãos portuguezes; porque a lei condemnou desde o seculo passado essas distincções odiosas; e hoje, sr. presidente, fallar em castas na presença da carta constitucional, é uma blasfemia (Muitos apoiados) e legislar segundo as castas, uma inconveniencia. (Apoiados) Quanto mais que a practica de 3 annos tem mostrado que de facto na India portugueza não ha essas distinções quando se tracta de fazer justiça, e de reprimir os vicios da sociedade.

E não ha em Gôa a practica de louvados? São

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elles por ventura escolhidos pelas castas, ou peja fórma geral da legislação? Consta que houvesse queixas relativamente ás suas decisões, motivadas nos effeitos da differença de castas?

Sr. presidente, o assumpto do projecto veiu á camara em consequencia dos pedidos de Gôa, das representações da junta geral de districto, e a camara já viu pelos nomes que ha pouco li, que sollicitavam esta medida europeos, se os descendentes, mestiços, indigenas dessas differentes divisões ideaes; e estes, os interessados não pedem essas distincções de jurados, não temem o julgamento dos individuos de differente casta.

Peço licença á camara para lhe observar, que se havia a devida prudencia para evitar o que podesse trazer-nos a perda das nossas possessões, dessem a devida attenção ao effeito que produziria na India o recuar a camara depois da discussão ler chegado a estas alturas. A recusa agora a este pedido seria muito mal recebida, seria uma centelha mais perigosa que o que se possa imaginar do jury.

A commissão andou com a devida prudencia, e por isso limitou o projecto a Gôa. Na Africa, intendeu ella, que se dava a circumstancia da grande massa da população ser escrava, de os prelos forros poderem conservar odios aos seus antigos senhores, e desses senhores acostumados a reger escravo., estarem menos aptos a se tornarem juizes desapaixonados. Mas na India nada ha que se pareça com isto

Sr. presidente, estranhou-se que um sr. deputado -não proposesse a instituição do jury para Gôa, quando lá esteve governador geral, e agora a defenda como muito importante.

Para responder a esta observação, a camara, e a modestia do sr. deputado a quem se allude, me permittirá que leia parte do officio da junta geral a que hoje já me referi, e que mostra se o povo de Gôa lhe dava essa omissão em falla.

Neste officio, datado de 20 de dezembro de 1850, lê-se o seguinte:

II Mal pensava esta junta o anno passado, quando na sua consulta manifestou o quanto v. ex.ª bem linha merecido no seu governo da repelida confiança de Sua Magestade, que este anno lhe caberia o singular destino de não poder reiterar vol os, que, em quasi 7 annos seguidos, teem sido levados á presença daquella augusta Senhora, pela conservação de v. ex.ª na administração deste estado.»

Toda ella é redigida neste sentido, mas eu lerei ainda um outro paragrafo.

«Não pretende esta junta, nem lhe é facil, entrar em detalhes do governo de v. ex. porque no espaço de quasi 7 annos ella encontra continuado trabalho, e numero consideravel de medidas, que attestam a constante occupação de v. ex.ª nos interesses, nos soffrimentos, e nas necessidades destes povos.»

Sr. presidente, um outro argumento em que se insiste, outra difficuldade que encontram em Goa para o jury, é a differença de linguas.

Direi á camara, que na India ingleza nenhum official póde ter commando de companhia, sem fallar uma lingua oriental. E nós o que fazemos?

Tentamos o possivel de fazer, que o povo de Goa não falle a lingua de Goa, mas o portuguez. Mandamos para lá auctoridades sem tirocinio algum especial. Não queremos; o jury em Goa, porque nem todos fallam o portuguez, e mandamos para lá quem ignora a lingua do paiz, e ha de julgar indigenas pelo testimunho de quem não falla portuguez, á vista de provas escriptas em lettra marata, e servindo-se de um escrivão, a quem negara aptidão para jurado! (Anotados)

Eu desejava responder a um argumento que ouvi, mas receio que, ou haja engano da minha parte, ou que fosse um lapso.

Persuado-me ter ouvido dizer, que o jury não póde existir bem em Portugal, porque a nossa legislação manda julgar pelas provas do, autos, e não, pela consciencia. (O sr. Eugenio Pinto Basto — É verdade.)

E verdade, continua o orador! Pois que tem a legislação feita para o juiz, com o julgamento dos jurados, para os quaes é expresso que só se devem regular pela consciencia, esclarecida pelo depoimento das testimunhas, accusação e defeza oral do réo? Quem escreveu jámais sobre esta instituição, que pretenda outra jurisprudencia para o jurado?

No ardor de condemnar a instituição do jury, porque não é perfeito em Portugal, se chegou a avançar que o nosso parlamento funcciona por fórma que parodêa o trabalho da construcção da torre de Babel.

Se assim é, deve com o jury matar-se o parlamento, e não lhes deve sobreviver a liberdade de imprensa, que tambem tem peccados. Mas, perguntarei, destruido tudo isto, que restará além do despotismo? Sr. presidente, vou terminar com uma reflexão. Cita-se, e com razão, o que faz a Inglaterra. Pois sabe a camara como é a fórma da sua organisação colonial? N'um grande numero das suas possessões, além do jury, teem assembléas legislativas, compostas não de individuos mandados para lá, mas habilitados pelo valor censitico. Até certo censo são habeis para a camara baixa, de certo censo para cima são habeis para a camara alta. Ainda ha pouco se deu a carta organica ao Cabo da Boa Esperança, se bem me recordo, e lá vem consignada essa regalia.

Deixo á camara o avaliar, o que promoveria mais as tendencias de emancipação, se um jury que absolve ou condemna réos, se camaras legislativas onde se votam tributo, e onde se discutem todos os interesses do paiz.

O sr. Silvestre Ribeiro. — Sr. presidente, não tinha tomado nota de haver pedido a palavra, e por isso não estava verdadeiramente prevenido; todavia, responderei a algumas observações que hontem se fizeram com relação ao que disse.

Quando hontem citei um facto que me succedeu, sendo jurado, e que foi ma! interpretado pelos srs. deputados que votam num sentido opposto ao meu, não o citei para combater a instituição do jury em principio, nem para deduzir desse facto, nem dos outros que foram citados pelos srs. deputados, a consequencia de que devemos proscrever essa entidade judicial; mas sim para demonstrar que até agora não tem produzido em Portugal as vantagens que era dado esperar. Claramente disse, que votava pela instituição, especulativamente fallando, e até mesmo admittia a sua applicação practica a Portugal, uma vez que fossem corregidos os defeitos da sua actual organisação, e se podessem remover as pessimas consequencias que tem produzido, em vez dos salutares resultados a que é destinado.

Sr. presidente, já foram apontadas, como e.ni-u-

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dos desvios do jury, a seducção do interesse, a influencia dos poderosos, as suggestões dos partido, o medo, a ignorancia e a má fé.

E necessario indicar outra causa das ruins decisões dos jurados, e vem a ser a das tendencias muito pronunciadas para absolver os criminosos. Paes tendencias levam a sociedade á dissolução pelo caminho da impunidade dos malfeitores. Tem-se visto innumeros exemplos de jurados, que deixando-se levar da commiseração, se arrogam o absurdo direito de absolver os que reconhecem como culpados. Quem lhes deu tal direito? A sociedade só pretende delles que decidam se o facto está ou não provado; manda-lhes que escutem a consciencia, mas não lhes recommenda que se compadeçam dos réos, para os absolverem, e lhes darem a liberdade antes de expiarem a culpa. Se ao menos fizessem os jurados o que eu vi fazer em França, dar-lhes-ia razão, e ainda demais disso lhe teceria bem merecidos louvores, e justificados elogios. Tractava-se de julgar um criminoso, a quem a desgraça e a miseria arrastaram a practicar um facto, que a lei punia severamente: os jurados intenderam que o crime estava provado; mas a humanidade acudiu em favor do infeliz; e desde o momento em que fizeram o seu dever, promoveram immediatamente uma subscripção generosa em favor da familia do criminoso.

Disse-se, que sendo eu secretario do governo civil, devera impedir que os jurados fossem ameaçados com punhaes; mas póde a auctoridade impedir que um individuo deixe vêr um punhal, que ninguem sahe que elle traz comsigo? Está acaso sempre ao alcance de qualquer auctoridade impellir a perpetuação de tal ou tal crime? E naquella occasião, naquelle acto não cia auctoridade, era um simples particular, um mero jurado. Mas este facto não o adduzo senão para chegar ao resultado de que a instituição do jury não tem produzido os salutares effeitos que seria para desejar; e por consequencia que a instituição assim defeituosa não devia ser transplantada para a India. Mas eu conviria de bom grado em que se transplantasse, quando o governo, apoiando-se nas representações das juntas geraes do districto, nas das camaras municipaes, e do governador geral da India, e depois de ler meditado a questão, e de ter ouvido o conselho ultramarino, viesse apresentar uma proposta para a instituição do jury ser applicada á India; nesse caso, mesmo sem ler relações com o governo, sem ter por elle grandes sympathias, votaria pela medida, porque o governo tomava então a responsabilidade. Que disse porém <> sr. ministro da marinha? Apenas disse — que o governo havia de procurar obter todas as informações que julgasse necessarias, e de qualquer fórma que o projecto fosse, o governo não se compromettia a seguir rigorosamente o que fôr resolvido, porque havia de proceder tia conformidade dessas informações. Mas esta questão é altamente governamental; o governo devia manifestar sobre ella claramente a sua opinião, e dizer se a applicação do jury á India é ou não conveniente. E quando o governo não se compromette a executai a resolução que a este respeito tomar a camara, querem os srs. deputados da esquerda que os da direita se deixem levar unicamente pelas theorias Sr. presidente, é muito facil fazer discursos patheticos, fallar ao sentimentalismo, e mesmo fallar ás turbas lá fóra, pois as palavras que aqui se proferem, transpõem estas abobadas, e vão ecoar ao longe; mas não se tracta de defender a instituição do jury; essa por si mesmo se defende; de que se tracto, é de uma questão de tempo, de uma questão de opportunidade e de conveniencia.

Sr. presidente, aquelles que tem direito de fallar nesta camara, porque tambem são deputados, porque tambem são representantes da nação, estão comtudo calados, p vão lá fóra manejar a arma traiçoeira < cobarde da calumnia nos periodicos, e vão assassinai um homem, o assassinal-o pelas costas. ('Apoiados) Deviam attender a que ninguem ataca a instituição do jury.

Hontem de alguma maneira se pretendeu lançar o ridiculo sobre os deputados do lado direito da camara, dizendo-se que elles pretendiam ser mais instruidos e mais sabedores do que o sr. D. Pedro, que decretou a instituição do jury; mas quantas cousas legislou o sr. D. Pedro que a experiencia leiu mostrado que não eram proprias para o nosso paiz? Onde estão as prefeituras que foram decretadas pelo sr D. Pedro? Onde estão os subprefeitos, as recebedorias geraes? Onde está a divisão administrativa do reino que então se estabeleceu? Oude estão Os provedores de concelho! Quantas reformas não tem soffrido o decreto de 16 de maio de 1832? E vós que blasonais tanto de amor e de veneração á memoria do duque de Bragança, que fizestes da carta constitucional em 1836, quando a substituístes pela constituição de 20? (Apoiados do lado direito. E mais tarde por uma nova constituição em 1838? O vosso amor á carta vem só agora. E quando fallei na diversidade de castas que ha na India, tomei o facto como elle se apresenta, não n'um sentido odioso, porque no meu conceito todos os individuos da especie humana são iguaes perante Deos, e iguaes são diante da lei todos os subditos portuguezes; apresentei este facto, porque elle podia influir na applicação da instituição do jury na India.

O sr. Cazal Ribeiro: — Sr. presidente, eu não tinha tenção de tomar a palavra sobre a materia desleal ligo; porque sendo o pensamento do projecto a applicação do jury aos estados da India, este pensamento foi approvado quando a camara votou a generalidade do projecto. (Apoiados) Entretanto apezar da decisão positiva da camara têem-se levantado posteriormente ora questões de adiamento, ora questões sobre n materia, tem-se prolongado indefinidamente a discussão, têem-se reproduzido as mesmas razões que foram adduzidas sobre a generalidade do projecto.

Sr. presidente, tem-se impugnado o artigo 1.º com argumentos que não são outra cousa mais do que argumentos contra a instituição do jury; (Apoiados) digam muito embora os illustres deputados que amam o jury, mas accrescentem logo como accrescentou o illustre deputado que acabou de fallar, que querem um jury especulativamente. Que quer dizer especulativamente? (Apoiados)

O sr. Silvestre Ribeiro: — Quero o jury com as reformas convenientes.

O Orador: — Pois proponha o nobre deputado essas reformas, e não se ataque a instituição com argumentos taes. Se as reformas que os nobres deputados desejam, fossem necessarias para se estabelecer um jury, seria preciso reformar o coração humano; (Apoiados) o modo porque combatem o jury, os argumentos que produzem, são taes que vão atacar não esta ou aquella organisação do jury, mas qualquer organisação em

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quanto o homem for homem, em quanto o homem tiver affectos em quanto o homem puder ser levado por paixões, em quanto não tiver chegado ao gráo mais sublime de illustração. (Apoiados)

Que dizem os nobres deputados I Dizem que o jurado decide muitas vezes pelo coração I Tirem-lhe então o sentimento de homem, tirem-lhe a compaixão, tirem-lhe outros affectos! Mas pergunto eu aos nobres deputados, o juiz será por ventura um anjo? (Muitos apoiados) Não será um homem? Não poderá ler paixões? Não poderá deixar-se arrastar por essas paixões? «A organisação do jury é imperfeita.» Quem o nega? Proponham as reformas que intenderem convenientes, mas não ataquem a organisação de maneira que vão atacar a instituição, e se os nobres deputados são, como eu acredito, amantes do systema constitucional, não o ataquem na occasião em que esse systema corra tanto risco; (Apoiados) não o vão ferir no coração atacando uma instituição que é a mais -agrada e mais sancta garantia dos povos, que é o mais bello traço do edificio constitucional, (Repetidos apoiados — Muito bem)

— O povo e ignorante — Argumento que se reproduz sempre, quando se tracta de lhe arrancar direitos! (Apoiados) O povo é ignorante, por consequencia não lhe deis eleição; o povo é ignorante, não lhe deis o jury! Mas se o povo fôr illustrado, exige a liberdade. Circulo vicioso! Não deis a instrucção ao povo, porque o povo quando tiver instrucção, ha-de querer a liberdade; não deis a liberdade ao povo, porque o povo não tem instrucção!... Estes argumentos são aquelles com que o absolutismo se sustenta, e se os nobres deputados não são absolutistas, como eu acredito, não reproduzam esses argumentos que são aquelles com que se alaca por toda a parte o systema constitucional; não produzam argumentos que vão ferir no coração esse systema, que o vão ferir in sua base, que não são outra cousa mais do que a reproducção daquelles em que se firmam os absolutistas para atacai todas as instituições liberaes. (Apoiados)

— Os jurados tem medo — Forte novidade! Mas perguntarei eu, quantas comarcas não estão por esse reino, e leiu estado ha muito tempo, desprovidas de juizes porque não ha juizes que queiram para lá ir pela falla de segurança? Ha infelizmente. Foi ventura não tem os deputados desse lado da camara (direito) dele (esquerdo) e do centro muitas vezes pedido providencias promptas, não tem pedido que o governo faça com que por algumas comarcas do Alemtejo, e de outras provincias, vão juizes, porque essas comarcas ha muito tempo que os não tem? E porque acontece isto? Por falla de segurança individual. Mas accusa isto a instituição do jury? Compram as auctoridades administrativas o seu devei, cumpram-no rigorosamente (Apoiados) cumpra-o o governo, dêem segurança aos povos, dêem segurança ao jury e aos que hão de ser julgados; mas não se ataque o jury porque elle tem medo, porque isso não prova senão a menos regularidade em que infelizmente ha muitos Annos se ucha a administração publica entre nós. (Apoiados)

Perguntarei eu aos nobres deputados que sustentam o jury em theoria, mas que o combatem na applicação — preferem que não haja jury, ou acham que assim imperfeito como está, e melhor que não o haver? Sejam então francos; digam embora — nós queremos a instituição do jury em theoria, e não como ella

VOL. V — MAIO — 1853.

está — mas então acceitem todas as consequencias do seu principio, então venham á camara e pi oponha III que não haja jury, em quanto se não fizerem as reformas que intendem necessarias.

Como tem os nobres deputados mostrado que o jury não póde ser applicado aos estados da India? Repelindo que nos estados da India falla a illustração, É ainda a reproducção do mesmo argumento, que se emprega contra n instituição do jury. — No» estados da India não ha a instrucção sufficiente para receberem esta instituição salutar — Mas como provam esta asserção Mas como respondem ás cifras e dados positivos que tem sido aqui apresentados por muitos dos srs. deputados que sustentam o projecto? Como respondem os nobres deputados as informações do illustre magistrado que por alguns annos governou aquelles estados com amor dos povos, com elogio do governo, do paiz e de todos (Apoiados) que deve conhecer pela posição official que occupou e que ainda occupa no conselho ultramarino, o estado em que se encontram aquelles povos; como respondem os nobres deputados a essas informações, a esses dados positivos que se apresentam? Com uma pina e simples negativa — Aquelles estados não tem instrucção?... Outro illustre deputado que tambem esteve por muito tempo na India, e que se votou dignamente á defeza deste projecto, apresenta tambem as suas informações, os seus dados positivos; como lh'os combatem, como lh'os destroem í Ainda com a mesma negativa... E quereis que a camara deixe de acreditar essas informações, quando não tendes a oppôr-lhes senão n vossa asserção

— Mas as castas! Na India ha poucos europeos, ha poucos homens de Portugal — Si. presidente, as castas era argumento que se não devia trazer no nosso seculo (Vozes — É verdade) Intendem por ventura os nobres deputados que se houvesse na India uma glande população europea seria menos perigosa a instituição do jury? Pergunto aos nobres deputados, quem emancipou o Brazil, foi a casta indigena ou a casta europeu? (Apoiados) E nos Estados-Unidos da America? (Apoiados) Foi a casta indigena, ou a casta europea?

Sr. presidente, nós somos uma nação fraca e pequena, mas que ainda possue grandes colonias: estas estão ligadas a nós pela identidade de interesses e de sentimentos; pela fraternidade, pelo amor, e não pela foiça: pela força não as poderiamos nos sustentar. E isto não nos deshonra; antes as nações que tem colonias, tem um grande fim humanitario a cumprir; não explorar as colonias e seus habitantes, em proveito da mãi patria, mas sim o de civilisar esses povos e de os trazer á communhão geral da civilisação, embora elles se separem depois de adquirir certo gráo de illustração, porque é esse o curso, natural das cousas, e não é com restricções mesquinhas, nem é com oppressões, além de tyrannicas, desnecessarias e inaleis, que se ha-de obstar a esse curso, e a que a Providencia cumpra os seus decretos. (Apoiados)

Se consultarmos a historia, havemos de vêr que n'outro tempo os nossos antepassados conquistaram muitas terras pregando a religião christã: o seu fim era plantar a cruz de Christo nos paizes idolatras; e nós hoje queremos levar-lhe a religião e todos os fructos que produz a civilisação e o progresso; de maneira que a nossa missão e ainda grande e bella. Mas

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não ha-de ser com restricções absurdas, e com um jugo de feno que se impedirão esses povos de obterem um dia os direitos que lhes compelem.

Portanto, concluo dizendo, que não vejo neste artigo, mais do que uma questão já decidida pelo bom censo da camara; que não vejo nas razões apresentadas contra este artigo, mais do que um pretendido fundamento contra a instituição do jury, nem razão alguma para fazer com que a camara volte atraz naquillo que já uma vez decidiu. Por conseguinte voto pelo artigo.

O sr. Cardozo Castello Branco (Sobre a ordem):

— Sr. presidente, tenho observado que todos os illustres deputados se restringem á proposição que vem no artigo 1.º, e que ainda nem uma só palavra se disse a respeito do $ unico, que intendo contém uma disposição muitissimo importante, e que, no meu modo de ver destroe completamente a disposição do artigo. Desejava fallar não sobre o artigo, mas sim sobre o

4 paragrafo; e portanto pedia a v. ex. me dissesse se o § unico está tambem em discussão, ou se é sómente o artigo.

O sr. Presidente: — Quando se leu o artigo, leu-se tambem o paragrafo, e eu declarei desde logo que ficava em discussão o artigo juntamente com o paragrafo.

O Orador: — Como são cousas inteiramente differentes, parecia-me que o paragrafo devia ter uma discussão separada, entretanto, como elle se acha em discussão juntamente com o artigo, peço ser inscripto para fallar sobre a materia, porque este paragrafo contém uma disposição muito interessante, e que na minha opinião destroe o artigo 1.º

O sr. Paredes: — Em má hora me coube a palavra e quazi me arrependo de a ter pedido, porque vejo que a camara está fatigada com a discussão que tem tido logar, e a qual confesso já vai longa; mas aproveito a occasião para declarar que não entrei na discussão deste projecto senão com um pensamento unico, qual foi — o ver se era possivel tractar-se da organisação judiciaria — não tive em vista outro pensamento que não fosse este.

Agora devo declarar á camara que voto contra o parecer da illustre commissão que elaborou o projecto, e a razão porque voto deste modo, é porque o julgo desnecessario em vista da declaração do sr. ministro da marinha, em vista do artigo 15.º do acto addicional, e até mesmo porque a respeito do artigo 2.º não estou resolvido a dar votos de confiança tão importantes, e n'uma materia ião transcendente, ao governador geral da India.

Devo tambem fazer outra declaração e vem a ser,

— que rejeito a arguição de que não quero o jury na India. — Desejo que o jury se estabeleça em toda a parte da monarchia portugueza, onde se intenda que elle póde ser admittido com proveito. Portanto, não confundamos a questão. Desejo e quero que haja jurados na India, mas não pela maneira porque o projecto os quer estabelecer. Isto é uma cousa muito distincta e muito differente de dizer-se que eu não quero jurados. Voto para que haja jurados na India; mas não voto para que os haja do modo que se acham organisados em Portugal, e isto porque estou cançado de ver decisões iniquas e absurdas, e os inconvenientes que têem resultado para o paiz da sua má organisação, e porque desejo e amo o bem da minha patria, e não o seu prejuizo. Não quero jurados que sejam apaixonados: quero jurados imparciaes e illustrados, porque só assim esta bella instituição do jury poderá produzir o seu desejado effeito: não quero jurados que absolvam os delinquentes, quando elles mesmos confessam que os réos são culpados e que commetteram delicio: não quero jurados que dêem um veredictum como não dando provado o que todos viram e presencearam, e digo veredictum e não sentença visto que um jornal da capital me dirigiu por isto uma censura. Eu explico a frase de que usei: talvez por melhor arranje da lingoa portugueza eu disse uma vez veredictum e outra sentença, e parecia-me que não merecia por isto a censura que se me fez Portanto direi agora veredictum para fallar á moda, visto que a palavra não é portugueza.

Mas tornando ao caso, sn presidente, eu quero jurados que absolvam os innocentes e condemnem os culpados. (Apoiados) Trouxe-se para a discussão a doutrina de alguns criminalistas, de que é melhor absolver cem culpados do que condemnar um innocente; isto, sr. presidente, será eminentemente filosófico e humanitario, mas é eminentemente desorganisados

Não quero jurados que profiram veredictos ouseii-tenç.is taes que os réos vão para as suas localidades malar e espancar as testimunhas; porque muitas vezes tem sido o resultado, como a minha longa experiencia me tem demonstrado, e contra os factos e experiencia não ha argumentos. — Instaura-se um processo, inquirem-se as testimunhas, e estas, sabendo do facto, dizem que nada sabem, e que nada viram, porque têem medo dos réos, e receiam ser victimas por terem deposto a verdade. Isto é que não quero, e se o não quero em Portugal, como o heide querer para a India?

Portanto não se confunda a questão. Nós queremos os jurados, mas não da maneira porque elles estão, nem tão pouco como o projecto os quer estabelecer para o estado da India. Eu respeito esta materia muito importante, e, desde o principio desta discussão, propuz o adiamento, por estar convencido da sua importancia e gravidade. Cezar disse que quem quizesse reinar, devia ter o direito de julgar. Na verdade quem julga, tem na sua mão a vida, a honra e a fazenda dos cidadãos, e se não souber, põe tudo isto em perigo.

Disse-se que se queriam os jurados na índia, porque a caria constitucional assim o determinava. Ninguem o nega; mas no projecto ha uma especie de contradicção que já eu no principio notei. Pois o jury hade estabelecer-se na India, só em cellas comarcas, e não se hade estabelecer nas outras possessões? Se é constitucional para um caso, tambem o deve ser para outros. Eu quero jurados em todas as possessões da monarchia portugueza, mas do melhor modo que se puder, para não se darem as consequencias que nós lemos experimentado no reino.

Aqui tambem se disse com grande ênfase que se o jury era máo em Portugal, porque se não tinha pedido a sua reforma, porque não tinham os illustres deputados apresentado um projecto para elle ser reformado? Satisfarei a curiosidade do illustre deputado, que apresentou essa proposição.

Primeiramente direi que algumas reformas já se tem feito, como por exemplo a da lei de 28 de novembro de 1810, da novissima reforma judiciaria: e em segundo logar, que lendo o governo nomeado sue

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cesivamente commissões para rever, emendar, corregir os defeitos dessa reforma, é esta a razão porque ella se não propoz na camara. Mas além disso, lia na commissão de legislação um projecto de reforma judicial, que se bem me lembro, contém algumas provisões a este respeito, e quando elle vier á discussão, tractaremos dessa reforma.

Nestas circumstancias, sr. presidente, eu quizera que tivesse triunfado o meu adiamento, e tenho pena que assim não acontecesse, porque teriamos evitado esta longa discussão; e empregado o tempo n'uma outra cousa, aconteceria que os habitantes da India tirassem proveito, porque se podia apresentar um projecto de lei, estabelecendo o jury com provisões adequadas ao seu estado, e não ir transplantar para alli uma instituição que só lhes hade trazer immensas difficuldades, se passar lai qual o projecto.

Hu intendo, sr. presidente, que o governo tem a peito o bem deste paiz, e que se julgasse conveniente ter trazido uma proposta á camara para que seja applicada á India a legislação que rege em Portugal ácerca do jury, é provavel que já tivesse vindo: se o não tem feito, e porque intende que ha nisso inconvenientes graves.

Por este motivo, e não por querer combater o parecer, propuz eu o adiamento. Não queria que o jury se estabelecesse na India, senão quando estivesse em circumstancias de produzir um bem real, e fizesse a felicidade daquelles povos. Eu escuso demonstrar que a organisação do jury entre nós é defeituosa, porque isso está demonstrado, e nenhum dos srs. deputados o ignora.

Concluo pois votando contra o artigo 1.º do projecto, porque não desejo que com o meu voto se transplante para a Asia uma cousa que já em Portugal se acha má e defeituosa.

O sr. José Estevão: — Sr. presidente, sinto tomar a palavra nesta discussão, e que os meus collegas deste lado da camara o hajam tambem feito. Eu desejava que este acto de emancipação judicial para a India, fosse entregue á lingua que tão eloquentemente defendeu os principios do systema representativo, e os foros do seu paiz natal, e que só por si mesmo faz uma demonstração cabal e plena de que aquelles povos estão mais illustrados e mais civilisados do que muita gente suppõe. (Apoiados) Acho pois que em rez de se invejar esse adiantamento, em vez de se mostrar ciume por elle, nos devemos envergonhar de longas e inuteis paspalhices com que nos temos entretido, e era melhor que empregassemos o tempo em desinvolver os principios do systema constitucional, e com elle a riqueza, prosperidade publica, e civilisação.

Sr. presidente, eu folgo da coragem politica, folgo do dessassombro com que se vem confessar as convicções e os principios. Sei que aquelle lado da camara (Apontando para o lado direito) precisava de uma occasião solemne para se rebaptisar diante do seu paiz, e para tirar de si as suspeitas em que linha incorrido, defendendo por acaso os principios quando combateu as leis da dictadura. Mas é preciso levar esta franqueza, e esta coragem até á ultima extremidade: é preciso dizer determinadamente — nós somos inimigos do jury; nós não concebemos a possibilidade desta instituição; nós não a queremos senão como um voto especulativo, não a queremos como instituição.

Sr. presidente, a camara não tem nada com as protestações dos srs. deputados de — que o principio do jury é uma optima e bella instituição. Mas chegada a occasião de a por em practica, negam-lhe o seu voto: confessam que a instituição do jury é excellente, mas depois vem as limitações, as allegações, as intimações, as duvidas, e as contrariedades: querem o jury, mas em certo tempo, em certo logar, e com certas qualificações; mostram desejos pelos jurados, mas para além da nossa vida, para as gerações futuras. Os illustres deputados dizem — queremos um jury com uma organisação sem defeitos, um jury sem paixão o. sem affectos, um jury que não tome decisões iniquas e absurdas — finalmente um jury seráfico. — Sr. presidente, se querem um jury assim, pergunto, quem hão de ser os juizes? Para um jury destes os juizes devem ser cherubins, e o presidente do jury a divindade. (Riso) Sr. presidente, este jury, esta justiça existe em alguma parte? Baixa á terra para divinisar as consciencias dos jurados? Não é possivel.

Sr. presidente, disse se e clama-se, que o jury é uma instituição protectora dos criminosos; mas eu invoco o testimunho de todos os juizes de-prevenidos e despreoccupados para que me digam senão é com a salva-guarda do jury que tem podido impôr muitas vezes a condemnação aos criminosos? Que me digam se só com as provas guardadas na lei elles podem lançar uma condemnação ao culpado? Contam-se cousas do jury que fazem admirar. Diz-se que o jury é tolerante, é apaixonado, e quantas Vezes, reconhecendo os juizes esta qualidade, se o hão de fazer entrar na esfera da lei, o desvairam! Quantas vezes se tem servido delle, quantas lhe tem corrompido o espirito para o desvirtuarem e estabelecerem o despotismo judicial, porque a organisação velha do antigo fôro, o juizo sem jurados é o despotismo judicial!... E depois de tantas lides e de tantos trabalhos, feitos para nos regermos pelo systema constitucional, quem diria que haviamos de ter a carta polluida e manchada pelos commentarios dos Solimões, e pelo ludibrio desse grande liberal, desse grande filosofo Cezar, que dizia não se podia reinar sem julgar?

Sr. presidente, que dizia o Imperador cuja memoria até certo tempo era uma prisão para aquelle lado da camara (Apontando para o lado direito) mas que hoje está acabada de todo, segundo o dicto de Cezar, tendo este paiz a carta constitucional por fórma do governo, visse que um rei para gozar da plenitude dos seus direitas, pegava n'um dia no supremo tribunal de justiça, na relação, nos juizes e nos jurados e absorvia tudo em si!

Nós fomos accusados de uma grande apostazia, nós fomos torturados porque attentâmos contra o principio da divisão dos poderes; mas agora aquelle lado sustenta tenazmente a confusão dos poderes, porque a divisão dos poderes não é só a divisão escolar do poder judicial, do poder legislativo, do poder moderador, e do poder executivo; a instituição do jury é uma applicação ou emanação da divisão dos poderes, subdivisão de um delles mais importante ainda do que a divisão geral.

Sr. presidente, que diriam os nobres deputados se presenciassem a scena mais cómica que se póde imaginar, passada, na cidade de Coimbra, numa audiencia que regia um juiz togado, que tinha passado largos annos da sua vida neste officio? Era no principio

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da instituição, affluiram os estudantes, e um grande concurso de pessoas muito illustradas e esclarecidas, porque em fim estavam na lusa Athenas. Não posso deixar de contar este facto para provar, que juizes desta ordem não podem reger uma audiencia, porque não são capazes de executar as leis. Fizeram-se as perguntas ás testimunhas, e todas responderam; mas perguntando-se a uma dellas o nome, e dizendo qual era, e que tinha 25 annos, como este dicto não combinava com o que se achava escripto nos autos, o juiz empallideceu, folheou a reforma judiciaria, e saíu por este meio. — Senhores e caso novo, estou diante de um auditorio muito esclarecido, não posso atinar com este caso na reforma judiciaria, portanto proponho esta questão ao auditorio» — O auditorio leve bom senso, e não respondeu. Todos sabem que muitas vezes os juizes apresentam os quesitos de lai modo que é impossivel aos jurados responderem satisfactoriamente, e daqui provem muitas vezes as duvidas e irregularidades que se dão nos processos; mas os jurados onde os juizes não estão prevenidos contra a instituição, funccionam perfeitamente.

Sr. presidente, o que é que nos falla para podermos approvar e = te projecto! Que argumentos se podem fazer seriamente para senão applicar esta instituição á India? Deseja-se o voto do conselho ultra-marino! Aqui está esse voto, porque estão aqui funccionando muitos dos seus membros. Quer-se o voto de pessoas intendidas, e com o conhecimento da localidade? Ellas aqui estão e todas dizem que o projecto é de grande vantagem para aquelle estado. Desejava-se o voto dos habitantes da India? Ahi estão as consultas do conselho do governo. Quer se o voto do governo? O governo não se oppõe á lei, porque ella é votada com todas as cautelas.

Sr. presidente, a instituição do jury póde-se applicar á India de dois modos: ou haver todas as informações para se fazer uma lei especial, ou applicar-lhe a lei existente, e deixar para depois o fazer-se a reforma. O artigo 15.º do acto addicional diz que o governador geral de uma provincia ultramarina póde tomar, ouvindo o seu conselho do governo, as providencias indispensaveis para acudir a alguma necessidade urgente, que não possa esperar pela decisão das côrtes ou do governo. Este artigo do acto addicional constitue n'uma dictadura constante o governador da India: é um velo suspensivo. Se me perguntarem se isto é bom ou máo, não responderei, e só digo que não concorri para que lai cousa se creasse.

Já se disse aqui que se queria marchar muito depressa, e que era necessario ir mais de vagar, cilan-do-.se até o dicto de Talleyrand — de que nunca lhe tinha faltado tempo para chegar á satisfação das suas paixões, nem ao gozo de todas as situações politicas por que passou -a Fiança. Intendo porém que um parlamento não póde guiar-se de modo nenhum pelo sentimento do interesse.

Concluo dizendo, que sem escrupulo algum sobre pela materia, voto por ella, porque intendo que adopto um principio constitucional sem o menor perigo da governação publica. (Apoiados)

O sr. Ministro do reino (Fonseca Magalhães): — Mando para a mesa a seguinte proposta de lei. (Leu e tem por objecto a creação na ilha da Madeira de um hospicio para se tractar a molestia da fysica pulmonar, creação que pertende fazer Sua Magestade Imperial).

Fui remettida á commissão de administração publica, ouvindo a de legislação.

(Transcrever-se-ha quando se discutir o respectivo parecer).

E continuando a discussão do projecto n.º 32, artigo 1º e § unico, disse

O sr. Maia (Francisco); — Sr. presidente, no estado em que se acha e a que tem sido levada esta discussão, em que se tem usado de argumentes pessoaes, e até entrado nas intenções de alguns srs. deputados, que, tendo liberdade de emittir aqui a sua opinião, hão sido censurados, eu não posso deixar de tomar a palavra. Não tenho argumentos, nem eloquencia para responder ao ultimo orador que fallou; e mesmo me fallam conhecimentos particulares sobre o estado da India; por isso largarei por mão tudo quanto os srs. deputados disseram a respeito das circumstancias em que a India se acha, e mais informações locaes; mas, sr. presidente, hei de defender palmo a palmo as attribuições do poder legislativo; (Apoiados) hei de defender palmo a palmo as attribuições desta camara com aquella energia de que sou capaz.

Eu mandei para a mesa uma substituição ao primeiro artigo mais liberal do que é o artigo, e não posso ser censurado, por isso que quero os jurados, mais do que aquelles que sustentam o artigo; mas quero que o jury se estabeleça convenientemente, para que elle não caia; é isto que eu quero evitar.

E pergunto aos illustres deputados que compõem a commissão do ultramar, e que defendem o projecto, se estão seguros de que as disposições que regem em Portugal o estabelecimento do jury, podem estabelecera na India? Se assim é, está decidida a questão; mas elles não o dizem, porque apresentam logo no projecto uma especie de poder moderador, dando ao governador da India o de suspender uma lei. Eu não posso votar similhante projecto.

Sr. presidente, o acto addicional não póde ser calcado; uma lei feita contra a carta, não é lei. Ainda se não respondeu a isto. Um sr. deputado quiz responder, e não o fez, porque não leu o que está no acto addicional. O acto addicional é muito claro; eu não sou theologo, mas vejo que as palavras que nelle se acham, são sacramentaes. Lerei o artigo, porque é necessario (Leu) logo estando reunidas as côrtes, o governo não póde tomar estas providencias legislativas. § 2.º (Leu) por consequencia são providencias accidentaes, não são providencias legislativas; e uma lei do estado não póde ser alterada, senão pelo corpo legislativo, e principalmente uma lei como é o estabelecimento do jury. Mas diz o illustre deputado — o artigo 1.º já está votado — não está tal; o que está votado é, que ha de haver jury, mas o como não está (Apoiados).

O illustre deputado fez uma rellex.io ha pouco, pedindo a palavra sobre a ordem, a respeito do § unico do artigo em discussão, eu tenho tenção de alludir a este artigo, e estou de accôrdo com s. ex.ª, que o § unico destroe o artigo 1.º; e como s. ex. pediu a palavra para se occupar deste objecto, e sendo a sua opinião ião respeitavel, eu nada mais direi, e reservo-me para o artigo 2.º Voto contra o artigo 1.º, em quanto se não fizer uma lei, que estabeleça o modo da organisação dos jurados (Vozes: — Votos, votos).

O sr. Avila. — Sr. presidente, os illustres deputados têem uma vantagem sobre nós, porque tem sido

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sido elles que lêem fallado mais a favor do projecto, sendo menor o numero dos que lêem fallado contra; e é precisamente a um daquelles illustres deputados, a quem ouço agora pedir votos, apesar de ter já fallado duas vezes, e de se ter entrado até já nas intenções dos deputados que têem combatido o projejecto, fazendo-lhes allusões pouco airosas, allusões, permitta-se-me que o diga, que não leiu sido provocadas (Apoiados).

Começarei por dizer á camara, que já dois illustres deputados commetteram um grave erro em materia regimental, erro que é preciso rectificar, e vem a ser, que está approvado o principio, de que ha de haver jury na India, visto que já foi approvado o projecto na sua generalidade. Não é assim: nós não votamos ainda cousa alguma: (Apoiados) e para que se não diga que eu venho aqui estabelecer uma theoria inexacta, eu lerei o proprio artigo do regimento, que é o 80.º, e diz assim:

Nas propostas de lei.... se abrirá a discussão sobre a proposta em geral: e concluida a discussão, o presidente porá a votos, se é admittida á ultima leitura.... se a resolução foi affirmativa, a proposta passará a ultima leitura e discussão, depois de um intervallo, que não será menor de tres sessões diarias. «

A admissão pois de um projecto na sua generalidade, equivale só á sua admissão á ultima leitura, isto é equivale a resolver-se que aquelle projecto ha de ser discutido na sua especialidade, dando-se entre a approvação do projecto na sua generalidade, e a discussão na especialidade, o intervallo, pelo menos, de tres sessões diarias, para que os deputados, meditando sobre as considerações feilas na discussão geral, e estudando melhor o projecto, fiquem habilitados para o discutir e approvar na especialidade. Portanto não está approvada ainda cousa alguma: intenda-se bem isto; porque o regimento é bem claro a este respeito, e elle não foi feito, senão para impedir o despotismo do maior numero.

Perguntarei agora a dois illustres deputados, que fallaram no mesmo sentido, e alteraram tudo o que disseram os seus adversarios, perguntarei — quem atacou a instituição do jury! Um desses illustres deputados levou a sua força de imaginação ao ponto de dizer, que não se queria dar instrucção nem liberdade ao povo! Quem disse aqui que não queria dar, nem instrucção, nem liberdade ao povo? Ainda ninguem deste lado o disse; ainda ninguem disse que não queria o jury: o que se sustentou, foi que esta instituição linha defeitos que era preciso corregir, e que era preciso verificar se era possivel o estabelecimento do jury na India. Mas tudo isto é conveniente, porque quando o terreno em que se está, é máo, é necessario lançar mão de todos os meios para desfigurar os argumentos dos adversarios; porque os illustres deputados não querem ter a franqueza de dizer que em todas as suas observações não lêem feito senão censurar o governo, porque é preciso notar que deste lado da camara só se tem repetido por outras palavras o que disse o sr. ministro da marinha. E quando hão veja-se o andamento que tem tido esta discussão.

Apresentou-se aqui o projecto da illustre commissão, e quando se propôz a discussão na generalidade levantou-se um deputado deste lado e disse — o jury esteve em exercicio na India durante 3 annos, e depois foi alli suspenso, eu quero saber a razão porque, quero que se remetta á camara a representação, por virtude da qual se tomou aquella medida a fim de ficar mais habilitado a votar — e por consequencia propoz um adiamento. Vem outro illustre deputado e disse — eu não sei como heide votar neste projecto sem primeiramente saber se na India ha o numero sufficiente de individuos habilitados que saibam lei escrever e coutar, que fallem portuguez e que tenham de renda 500 xarafins — logo peço que estes esclarecimentos venham á camara para eu poder votar com conhecimento de causa. Disse outro illustre deputado — a commissão do ultramar não tem em seu seio um unico jurisconsulto, e como esta questão é grave, proponho que se ouça a commissão de legislação e que dê o seu parecer a este respeito. E que fizeram os nobres deputados? Rejeitaram todos estes adiamentos, e isto quando o governo veiu aqui dizer — eu heide decidir-me em vista das informações que receber: não me comprometto a seguir a resolução que a camara toma sem receber essas informações. — Isto é precisamente o que disse este lado da camara: nós declarámos, que precisavamos de informações, sem o que não podiamos votar nesta questão. Somos pois acusados de não querer o estabelecimento do jury na India, quando nós exprimimos nos mesmos lermos em que se exprimiu o sr. ministro da marinha, a quem Os illustres deputados dão o seu apoio! Isto tem unia interpretação que eu não quero dar, mas que todo o paiz compreenderá.

Disse o illustre deputado daquelle lado (o esquerdo) que precisavamos lavar-nos da nodoa de ter combatido os actos da dictadura (O sr. José Estevão: — Peço a palavra para uma explicação). Talvez eu não tivesse comprehendido bem... Agora diz-me o sr. Corrêa Caldeira, que o illustre deputado disse, que nós tinhamos ganho a nota de constitucionaes por ter combatido os actos da dictadura. (O sr. José Estevão: — E isso mesmo). Bem; mas que a perdemos agora, porque não queremos o jury na India, quando o estabelecimento do jury é uma disposição da carta constitucional. E preciso notar, que o jury foi estabelecido na India por uma administração cai-lista, e foi suspenso por uma administração setembrista, á qual o illustre deputado prestou o seu apoio. Aqui tenho o decreto, que suspendeu aquella instituição e que é a prova de que foram as administrações dos principios politicos do illustre deputado que suspenderam o jury na India, e vem agora o illustre deputado censurar-nos a. nós porque queremos saber a razão porque foi adoptada essa medida, e porque não queremos mandar de novo o jury para lá sem avaliar essas razões!

Mas diz ainda o mesmo illustre deputado — que quereis vós para estabelecer o jury na India? Quereis o voto do conselho ultramarino? Aqui está o sr. Pestana que é membro do conselho ultramarino — (não sabia eu que o sr. Pestana era o conselho ultramarino) — quereis o voto de pessoas intendidas e com o conhecimento de localidade! Aqui estão na camara, e todas ellas dizem que o projecto é de grande vantagem para aquelles estados — quereis o apoio do governo? Aqui está, o governo já declarou que não se oppõe. — Não senhores, o governo disse outra cousa, o governo disse que se não compromettia em levar a execçâo este projecto, ainda que fosse votado pela camara, sem colher todas as informações que procura obter para este fim. Pois são essas mesmas informa —

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ções de que o lado direito da camara quer ter conhecimento antes de votar, e espero vêr os nobres deputados que com tanto calor teem sustentado o projecto e apoiado o lado direito, continuarem ámanhã a ser ministeriaes, apezar de não levar o governo á execução o mesmo projecto.

Sr. presidente, não nos illudamos: não ha sinceridade neste calor com que é defendido o projecto. Os nobres deputados estão a fugir da questão. Pois se se comparar o artigo]. com o artigo 2.º não reconhecem os illustres deputados, que tanto aconselham o estabelecimento do jury na India, que a legislação portugueza a este respeito não póde ter alli applicação? Dizem os illustres deputados — não votamos pelo projecto senão se estabelecer já a condição do artigo 2.º de que não seja levado á execução quando ao seu cumprimento se opponha alguma especialidade local. Pois não veem, que o resultado de tudo isto é o demonstrar-se, que os illustres deputados mesmo reconhecem a inexequibilidade da medida que votam, e em quanto querem para si a popularidade de a sustentar, lançam sobre o governo o odioso de a não levar a execução?,

Mas já ouço dizer que a illustre commissão reconhecendo a inconstitucionalidade dessa disposição, quer em logar do artigo 2.º mandar uma substituição para que este voto de confiança não seja dado ao governador geral em conselho, mas ao governo. Esta substituição é igualmente inconstitucional. O acto addicional no artigo 15.º diz expressamente — que as possessões ultramarinas poderão ser governadas por leis especiaes, segundo o exigir a conveniencia de cada uma dellas, — e no § 1.º desse mesmo artigo — que não estando reunidas as cortes o governo ouvidas e consultadas as estações competentes poderá decretar em conselho as providencias legislativas que forem julgadas urgentes. Ninguém-dirá que nesta disposição se comprehende-a delegação que se pretende que, o poder legislativo faça das suas attribuições no poder executivo porque 0 poder executivo não faz leis. Ora aqui está o que diz o acto addicional no § 2.º! desse mesmo artigo. (Leu.) Quer dizer, quando uma necessidade urgente apparecer estando fechadas as! cortes, o governador geral de uma provincia ultramarina poderá prover, mas não diz que as cortes poderão auctorisar o governador geral a legislar, e O artigo 2.º do projecto é exactamente essa provisão,! por que diz — o governador geral em conselho, poderá estabelecer ou não estabelecer a legislação, sobre o jury na India, poderá modificar ou mão modificar, que é o mesmo que dizer póde revogar ou não revogar essa legislação, isto é, póde legislar! sobre este assumpto: e o poder legislativo não poder dar estas attribuições nem ao governador geral, nem! Mesmo ao governo, em vista, tomo a dizer, do artigo, 15.º do acto addicional. Os nobres deputados pois, que se refugiaram nas disposições do artigo 2.º não têem! a consciencia de que a disposição do artigo 1.º possa: ser levada á execução, antes pelo contrario a disposição do artigo 2.º prova que têem a consciencia de que o projecto e inexequivel, e só querem, como já disse, para si a popularidade das doutrinas, que sustentam, em quanto sobre o governo vai cair a responsabilidade de não levar á execução aquelles principios, sem os quaes os nobres deputados não admittem o systema representativo.

Tambem se disse, que se a camara recuasse no passo que linha dado ia lançar uma centelha muito forte naquellas possessões. Eu ouvi com pezar dizer isto a um illustre deputado, porque em primeiro logar nada ha ainda votado; e em segundo logar peior será que o corpo legislativo vote este projecto, e que o governo não o leve á execução, por intender que a instituição do jury não é vantajosa aos povos da India (Apoiados).

Nenhum de nós quiz fazer injuria aos estados da India, nem lançar desconsideração sobre os seus habitantes: estes argumentos são argumentos desgraçados, que azedam, nem podem deixar de azedar o debate, porque ninguem quer que as suas intenções sejam assim envenenadas. Ninguem disse que os estados da India não estão ainda habilitados para ler o jury, que se queria saber se o estavam, isso sim; queremos aquillo que o governo diz que quer: queremos informações, e os nobres deputados recusando-as tenazmente, dão-nos a demonstração de que effectivamente ha outra cousa na votação deste projecto álem do que o que aqui está.

Não fui eu que disse que esta questão era politica, disse-se antes de mim, e eu respondi a essa fraze; porque, tomo a dizer, tenho muito medo dos motivos politicos, porque estes motivos teem sempre uma interpretação muito lala, da-lhes uma grande extenção cada um como quer; por exemplo, votam-se decretos como se votaram os da dictadura, evolam-nos cavalheiros que dizem que estão convencidos de que esses decretos não se podiam votar, mas votam-nos por politica. Ora eu não intendo esta politica: eu não voto uma medida por motivos estranhos á natureza dessa medida; se é má, rejeito-a, se é boa, approvo-a. Foi por este motivo que tive medo da fraze de que a questão era politica. Mas depois fez-se outra cousa, quiz-se fazer crer que eu é que a tinha proferido, quando pelo contrario eu repelli essa proposição. A este respeito direi ainda que eu vi no extracto da sessão um áparte que se me referiu e que não é meu, e por certo em quem fez esse extracto não admira o engano, porque em debates agitados, como este tem sido, quando ha muitas interrupções, é muito facil julgar que o interruptor que pronunciou uma fraze, e um deputado que a não pronunciou.

Eu nem intendo que esta questão é politica, nem quero que o seja, nem receio que estabelecido o jury na India seja isto um passo para a emancipação daquella provincia: tenho a este respeito idéas largas, intendo que os habitantes das possessões ultramarinas são irmãos nossos, que têem direito ás mesmas regalias, ás mesmas garantias que nós lemos, se elles estão em circumstancias precisas para que essas garantias se lhes-concedam; que logo que o estejam se lhes devem conceder, e as consequencias que daqui resultarem, não nos pertencem a nós. Eu intendo que uma possessão qualquer quando chega ao estado de se separar da metropoli, não ha forças humanas que obstem a essa separação. Não quero pois que encaremos esta medida, debaixo do ponto de vista de evitar acontecimentos que-eu vejo que estão muito longe de nós, que a respeito da India espero que se não realisem nunca pelo interesse mesmo daquella povincia. (O sr. Jeremias Mascarenhas: — Apoiado) Mas se isso houvesse de acontecer pela instituição do jury, eu, estando aquelles povos habilitados a ler essa instituição, nem por isso lha havia negar.

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Tinha aqui dicto um illustre deputado, que esta presente, que o governador geral da India, que nós temos a fortuna de ter por collega, durante a sua longa administração naquella provincia não tinha pedido a instituição do jury; e respondeu a isto um cavalheiro, que exerceu tambem alli um cargo importam e, o de secretario geral, que o nobre governador geral tinha-se dispensado de pedir esta instituição para a India, porque as juntas geraes a linham pedido. Não esperava ouvir esta explicação na boca do illustre deputado, porque o illustre deputado sabe que o silencio dessa auctoridade a respeito do pedido dessas representações nunca póde ser interpretado pelo governo senão como uma desapprovação desse pedido. — Fallo diante de uns poucos de homens que foram ministros: não ha um só que na occasião em que vem, uma representação de uma auctoridade, ou uma representação qualquer, e que não vem informada favoravelmente pela auctoridade superior, não deixe de intender que o silencio da auctoridade superior é uma desapprovação. (Apoiados)

Mas disse o nobre deputado — o illustre governador geral não perdeu por isso as sympathias daquella possessão. — Eu comprehendo muito bem a razão porque este governador geral não perdeu essas sympathias, porque conheço e sei que elle ganha sympathias em toda a parte onde vai; mas se porventura a instituição do jury fosse alli uma necessidade tão urgente, é evidente que esse cavalheiro não se associando aos votos da população para exigir essa instituição, não podia deixar de caír no desagrado dos habitantes daquella provincia; e se não caiu, é porque intendiam que o procedimento do governador geral não tinha nada que 03 offendesse. (Muitos apoiados da direita. — O sr. Corrêa Caldeira: — Muito habilmente deduzido.)

Disse-se que os argumentos que aqui se apresentaram, o que provavam era, que o jury não prestava cá no reino; e disse-se tambem que as faltas do jury eram os erros dos juizes. Que precisão ha de vir lançar desfavor sobre uma classe tão importante e respeitavel como e a magistratura judiciaria? Nenhum de nós disse aqui mal do jury: nós dissemos que esta instituição tinha apresentado inconvenientes na practica, e que era preciso corregi-los: foi o que se disse. — Para que é tractar com tanta desconsideração os membros da magistratura judiciaria? O elogio desta corporação respeitavel está no facto de que pelo decreto de 28 de novembro-de 1840), tendo sido permittida a não intervenção do jurado mas causas civeis se as partes nisso conviessem, deixou de ter logar de então em diante essa intervenção, prova de que as partes confiavam mais nos juizes do que nos jurados

Um illustre deputado disse que o jury estava essencialmente ligado á constituição do paiz porque a constituição do paiz firmava-se na divisão, dos poderes, e o jury era indispensavel, para-a divisão dos poderes. É muito metafísico isto para a minha intelligencia, confesso. Eu intendo que é indispensavel, em; todo o paiz constitucionalmente organisado,. Que o poder executivo seja independente do poder judiciario, e o judiciario do poder, executivo e do legislativo, e que acima destes poderes, ou (n'uma situação igual a estes poderes, haja um poder neutro, que possa corregir o desequilibrio, ou restabelecer o equilibrio entre estes poderes, quando.esse equilibrio se destrua. Isto é o que diz a carta; mas a caria não

diz em parte nenhuma que a divisão dos poderes de que ella tracta, seja a divisão do poder judiciario nos juizes de direito e juizes de facto. Mas se isto é assim, porque suspendestes vós a carta na India, privando-a do jury? (Uma voz — Não havia então a carta.) Mas havia o systema representativo, e o que eu disse da carta applico-o ao systema representativo. Se o systema representativo não póde existir sem jury, as administrações setembristas, suspendendo o jury na India, privaram aquelles estados do systema representativo, e os illustres deputados approvaram essa medida.

O nobre deputado acabou o seu discurso, dizendo — que guardava a carta, porque se ella estivesse nas nossas mãos, já não existia. — Pela minha parte não posso deixar de felicitar o illustre deputado por esta sua conversão. Houve um tempo, em que ao lado do illustre deputado tremulava um pendão, em que se lia — a carta foi-se. —: Neste tempo não era nada a carta, agora é tudo. Oxalá que dure ao illustre deputado esta affeição para com a carta!

Acabarei, sr. presidente, dizendo que a camara não votou ainda cousa nenhuma, approvando o projecto na sua generalidade: a camara se approvar o artigo I. então é que vota a instituição do jury para as possessões da Asia. A proposta mandada para a mesa pelo sr. Tavares de Macedo e o unico meio rasoavel de saír das difficuldades em que a camara está collocada. Esta proposta foi considerada pelo seu auctor como um adiamento; porém se o nobre deputado tivesse reparado, veria que não era; porque o illustre deputado quando a apresentou, disse — vejo que a camara já approvou o projecto na sua generalidade; isto é, que se applique o jury aos estados da India; vejo que nós já approvamos este principio; e como não podemos delegar no governador geral dos estados da índia a auctorisação de fazer leis, é preciso que esta lei seja feita pelas côrtes. —,E por isso que o nobre deputado então propoz que a commissão do ultramar, de accôrdo com a commissão de legislação, tomassem por base o principio de que o jury já estava estabelecido na India, propondo alei necessaria para que elle fosse levado a effeito. Foi por esta razão que o illustre deputado propoz o adiamento, que a camara rejeitou, quanto, a mim mal, porque a camara o que devia, fazer, era reservar esta questão para o artigo 2.º

A illustre commissão do ultramar declarou pela boca do seu relator que se considerava offendida, se por ventura sobre este projecto fosse ouvido a commissão de legislação; e o nobre relator disse que dava a sua demissão, se a commissão de legislação fosse ouvida: logo a illustre commissão do ultramar reconheceu que estava habilitada para fazer o projecto de lei; mas o sr. Tavares de Macedo, apesar desta declaração, ainda assim pediu que fosse ouvida a commissão de legislação. Por tanto intendo que o unico meio de saír das difficuldades em que a camara se tem collocado, se fôr approvado o artigo 1.º, isto é, que haverá jury nas possessões da Asia, e mandar immediatamente o projecto á commissão do ultramar ouvida a commissão de legislação, para que ambas de accôrdo confeccionem um projecto de lei, tem vista do qual esta instituição se deva plantar naquellas possessões. Neste sentido não tenho duvida em votar: mas a camara já rejeitou a proposta do sr. Tavares de Macedo, e por isso declaro que rejeito

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o artigo 1.º, não porque não queira o jury, mas sim porque a camara resolveu que não nos fossem dados os esclarecimentos, sem os quaes declarámos, que não podiamos votar a este respeito.

O sr. Presidente — Quando deram 3 horas estava fallando o sr. deputado, por isso não quiz interrompe-lo; agora que já acabou de fallar, annuncio em conformidade da resolução da camara, que se vai passar ás interpellações; e darei a palavra áquelles srs. deputados que se acham inscriptos para esse fim.

O sr. Cunha Sotto-Maior. — Sr. presidente, eu lembro a v. ex. que tenho uma interpellação annunciada ao sr. ministro do reino, desde o anno passado; á qual, se a camara der licença, talvez s. ex.ª possa responder. (Vozes: — Falle) A minha pergunta reduz-se simplesmente a saber, se as nomeações feilas pelas camaras municipaes aos medicos de partido, estão dependentes de confirmação regia.

Faço esta pergunta, porque no districto de Béja o facultativo nomeado pela camara municipal daquelle districto, em virtude de uma ordem que teve do actual governador civil, não tem tomado conta do partido, por se dizer que estas nomeações estão dependentes da confirmação regia.

O sr. Ministro do Reino: — Eu posso responder com a mesma data da interpellação. O governador civil de Béja entrou em duvida se os medicos de partido deviam prover se de um diploma do governo, que auctorisasse o exercicio do seu emprego nos concelhos cujas camaras os nomeassem; e entrou nesta duvida por que a lei não os obrigando a isto, com tudo os interessados estavam no costume de recorrer á secretaria do reino pedindo o alvará de confirmação das nomeações que delles tinham feito as camaras municipaes; e effectivamente alguns Os exigiam dizendo que providos daquelle documento se consideravam mais seguros no exercicio das suas funcções. A secretaria do reino consuetudinariamente foi expedindo estes alvarás áquelles que os pediam; porque não estava prohibido ao governo dar taes documentos, assim como não estava ordenado aos medicos que, em taes circunstancias, fossem obrigados a tirar estes alvarás.

Foi pois neste sentido que se respondeu pela secretaria do ministerio do reino ao governador civil de Béja, e a alguns outros governadores civis de differentes districtos, fazendo-lhes constar que não ha obrigação para os medicos de partido nomeados pelas camaras municipaes, de se proverem de um diploma regio passado pela secretaria do reino para o exercicio das suas funcções.

Isto mesmo se participou ao governador civil de Béja. Não sei se é verdade que até agora o, medicos e cirurgiões daquelle partido tenham estado fóra do seu exercicio por essa falla, e não tenho duvida em acreditar que assim acontecesse, se o interessado julgou que não podia prescindo desse alvará; mas o que é certo é que o governo não exigiu, nem declarou que era necessario tal documento. Entretanto não ha duvida que até certo tempo áquelles que exigiam esses alvarás, se lhe expediam.

O sr. Cunho Solio Maior: — Sr. presidente, a minha interpellação foi annunciada na sessão passada, o ainda no correio de hontem recebi uma carta do medico de pai lido da villa de Mertola dizendo-me que não tinha podido tomar posse do seu emprego de nomeação da camara municipal, nem o podia fazer em quanto não apresentasse alvará de confirmação regia da sua nomeação. Ora já v. ex. e a camara ouviram o que o sr. ministro do reino teve a bondade de decimar — que não ha lei nenhuma que obrigue o governador civil de Béja a fazer essa exigencia. Mas o facto é que o governador civil de Béja fez essa exigencia, e em virtude della o medico de partido da villa de Mertola não tem podido tomar posse do seu emprego. É necessario por tanto que s. ex. tome a deliberação de mandar ao governador civil de Béja que desista da sua pertenção, que não está fundada em lei, e que por consequencia não tem auctoridade nenhuma para fazer tal exigencia.

É por esta razão, por se darem factos destes que eu tenho por mais de uma vez chamado a attenção de s. ex.ª, o sr. ministro do reino a respeito do procedimento do governador civil de Béja; e a resposta que s. ex. tem dado, encontra-se no seguinte argumento — é necessario que a auctoridade tenha força, e o governo daria uma prova de fraqueza se acazo reprehendesse, ralhasse ou admoestasse o governador civil de Béja! Ora o governo não demitte, não reprehende, não ralha, não admoesta o governador civil de Béja, e o sr. ministro do reino teima em o sustentar no seu logar contra os clamores e queixas de todos os habitantes daquelle districto e contra tudo quanto aqui se tem dicto; e o resultado é estar aquelle governador civil funccionando como quer, e a seu bel-prazer.

Eu fui eleito deputado pelo circulo de Béja, e como representante da nação tenho obrigação de reclamar contra todos os abusos e contra todas as illegalidades que se commettem no paiz, mas em relação a Béja tendo sido eleito por aquelle circulo, esta eleição imprimiu-me um certo caracter que me constitue em obrigações muito imperiosas [ara com aquelle districto.

Por tanto peço ao sr. ministro do reino que faça com que o governador civil de Béja entre nos seus, deverei, e que acabe por uma vez com este abuso de estar o medico de partido da villa de Mertola privado de exercer o seu emprego, em quanto não apresenta o diploma de confirmação regia.

O sr. Ministro do Reino: — Sr. presidente, eu já disse ao illustre deputado e á camara, que sobre a duvida suscitada ainda o anno passado pelo governador civil de Béja, respondi, como acabei de mencionar, declarando que nenhuma obrigação tinham os facultativos de partido de recorrerem ao governo para tirar o alvará regio das suas nomeações. Ha alguns que o tiraram mesmo depois de assim se ter declara do, crendo que por essa fórma ficavam mais auctorisados; e como não havia prohibição, a secretaria do reino estava no costume de os passar.

Agora quanto ao que disse o nobre deputado, de não ter demittido o governador civil de Béja, sinto que o nobre deputado me faça tamanha injustiça; certo lha não merecia. Eu sustentarei sempre as auctoridades publicas que dependem da repartição a meu cargo, em quanto me persuadir que não ha motivo para censurar o seu procedimento. Tambem não me resolvo a proceder contra o governador civil de Béja, não porque duvide que o illustre deputado, ou um deputado qualquer, em desempenho do seu officio, falte á sua consciencia, mas porque não me resolvo a fazel-o sem ouvir ambas as partes. Em quanto a este ponto o illustre deputado faz-me injustiça. Pois com

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que fim havia de teimar eu em sustentar um magistrado qualquer, contra a opinião dos que são regidos por elle, contra a opinião dos membros desta camara, quando esta opinião lhe seja adversa? Reclama-se sobre falta de merito, sobre omissão deste empregado? Porque razão, pois, havia eu de desacreditar este empregado no conceito publico! Seria marchar atraz da impopularidade sem lucro e resultado algum.

Ordinariamente teem os homens que são eleitos deputados, um interesse mais ou menos forte pelo caracter que lhes imprime esta ou aquella eleição, como esse que o nobre deputado recebeu pela sua eleição no circulo de Béja, e que eu louvo; mas o illustre deputado admittirá tambem, que é do interesse da administração fazer actos que a acreditem, e sustentar a dignidade do governo desta nação.

O sr. Presidente: — O sr. Corrêa Caldeira tem uma interpellação annunciada ao sr. ministro da marinha, sobre a venda do brigue Carvalho, que póde verificar agora se quizer., >.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, eu não ouvi hontem que v. ex.ª tinha dado para ordem do dia de hoje interpellações, e por isso não vim prevenido com algumas notas sobre o assumpto em que desejo interpellar o sr. ministro da marinha; não obstante isso farei a minha interpellação. Mas pedia licença para perguntar ao sr. ministro da marinha, antes de entrar na interpellação, se s. ex. intende que de a fazer em sessão publica possa resultar algum inconveniente, porque sendo assim reservo-me para a verificar em sessão secreta, que proporei á camara. Faço esta pergunta ao sr. ministro da marinha, porque não desejo prejudicar o interesse publico, nem quero embaraçar a marcha da administração.

O sr. ministro da marinha (visconde de Atouguia): — Sr. Presidente, o nobre deputado só agora é que me dá a intender o ponto sobre que vai interpellar-me, porque, confesso a verdade, quando recebi a nota de interpellação, nos termos em que vinha annunciada, suppuz ser sobre o modo como foi effectuada a venda do brigue Carvalho; e examinando tudo o que tinha feito a respeito dessa venda, reconheci que era um dos actos em que, como ministro, me podia considerar mais forte, pelo andamento que tinha dado a este negocio. Mas como nessa occasião tive de considerar este negocio debaixo do ponto de vista em que me persuado ser a interpellação do illustre deputado, em relação a origem ou fórma por que aquelle navio veiu para a marinha de guerra...

O sr. Corrêa Caldeira — S. ex. devia saber, com referencia á venda, se o objecto podia ser vendido...

O sr. ministro da marinha: — Bem; como este facto é que vai fazer o ponto da interpellação do illustre deputado, posso responder publicamente; e não intendo que haja nisso inconveniente nenhum, porque quando o practiquei, tive em vista que uma arguição tal me podia ser feita, não em Portugal, mas fóra de Portugal.

O sr. Corrêa Caldeira: — Então, em vista disso, se v. ex.ª me dá licença, eu formulo as minhas perguntas ao sr. ministro.

Alguns srs. deputados concorriam para perto do do sr. interpellante.

O sr. Presidente: — O anno passado verificou-se aqui uma interpellação, cujo resultado não foi muito agradavel, e talvez isso procedesse de terem muitos

srs. deputados largado os seus logares, indo-se collocar junto de quem fallava; eu não desejava que taes inconvenientes se repetissem, e por isso pedia aos srs. deputados que tomassem os seus logares.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, continuando a minha interpellação, que ha de ser reduzida a termos muito simplices, porque eu desejo primeiro ouvir o sr. ministro: S. ex.ª approvou a venda que se fez do brigue Carvalho; e eu desejava que s. ex. me dissesse, se é verdade que esta embarcação navegava antes de ler este nome, com o nome de Paquete Portuense, e com esse nome foi apresada como empregada no trafico da escravatura.

Desejava, em segundo logar, que depois desta declaração s. ex. dissesse — se, em vista da lei e dos tractados em vigor, se podia julgar auctorisado para annunciar a venda daquelle navio em estado de navegar; e, depois da resposta de s. ex.ª, eu farei algumas observações a este respeito.

O sr. ministro da marinha — Julguei que sendo o navio doestado, e intendendo ser conveniente vendê-lo, que o podia mandar vender. Examinei o artigo do tractado, e vi que esse artigo não se oppunha a esta venda.

O sr. Corrêa Caldeira: — Bem; pois, sr. presidente, eu sou de opinião inteiramente contraria. Em primeiro logar é para mim muito duvidoso o direito com que o sr. ministro da marinha, sem auctorisação do corpo legislativo, annuncia a venda de um navio de guerra; não sei qual seja a lei que auctorise s. ex. a fazer isto. S. ex.ª sabe que em circumstancias muito differentes o ministro de qualquer das outras repartições não póde annunciar a venda de uni objecto, sem auctorisação especial; qualquer dos seus collegas está preso por esse limite, e eu não intendo que o sr. ministro da marinha possa mandar com muita facilidade annunciar a venda de um navio do estado, que póde custar 20, 30, -10 ou 50 contos de réis, sem mais auctorisação que a sua simples vontade. Mas deixando essa questão, que é um pouco mais lata, desejaria que s. ex.ª me dissesse, como é que concilia a sua opinião com os tractados e lei em vigor. S. ex.ª sabe, que pelo tractado com a Inglaterra, parece-me que é o artigo 15.º, os navios apresados e julgados boa presa, por se empregarem no trafico da escravatura, hão de ser desmanchados, uma vez que alguma das nações contractantes não prefira ficar com elles para serviço da sua marinha real. Isto é applicavel, já se sabe, aos navios inglezes e portuguezes apresados como empregados no trafico; mas em quanto aos navios de outras nações empregados nesse mesmo trafico, e por esse motivo apresados e julgados boa presa pelos tribunaes respectivos, s. ex. sabe que ha o decreto de 30 de setembro de 1816, em virtude do qual os navios dessas nações apreados e julgados boa presa, devem ser desmanchados do mesmo modo, uma vez que a marinha real não prefira ficar com elles. Evidentemente o fim desta disposição, tanto do tractado como da lei, foi evitar que o navio apresado como empregado no trafico da escravatura, que é construido de um modo muito especial, sendo vendido tornasse a ser empregado no mesmo trafico; mas já vê s. ex.ª que se o governo, depois de ter declarado que quer ficar com qualquer navio apresado para o serviço da sua marinha, póde impunemente, a seu arbitrio, vender esse navio, a disposição tanto do tractado como da lei é completamente illudida, porque é facil acon-

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tecer exactamente o abuso que. tanto pelo tractado como pela lei, se quiz evitar.

O brigue Carvalho foi vendido e preparado para ir navegar, mas certamente preparado sem se lhe alterar a construcção; quem diz a s. ex.ª que este navio não vai ser novamente empregado no trafico, e que é de novo apresado? Ora supponha s. ex. que isto acontece; será uma cousa airo-a para o governo portuguez, que qualquer navio que foi julgado boa presa, por se empregar no trafico da escravatura, e que o governo portuguez reservou para o seu serviço, seja, em motivo nenhum plausivel, vendido e de novo apresado? Pergunto, será isto airoso para o governo portuguez? Eu não desejo que aconteça; mas póde acontecer, e talvez não seja ele o unico desaire a que o governo portuguez se arrisque a similhante respeito.

Pareceu-me, sr. presidente, que o negocio era muito grave, e que s. ex.ª, sem razões muito poderosas, não devia ter tomado similhante resolução. S. ex. até agora ainda não as disse, estimarei ouvil-as, e estimarei que sejam de natureza tal que, não me satisfaçam, mas á camara, e mostrem bem, que s. ex.ª na opinião que formou a respeito do cumprimento tia lei em vigor, o do 1 melado, procedeu de uma maneira propria de um governo que sabe cumprir as obrigações que contráe; de um governo que sabe o que as leis determinam, e que está disposto a executal-as da sua parte, mas de modo que não arrisque o nome do governo portuguez a procedimentos desgraçados, porque eu não o desejo, tenho obrigação de não os desejar quaesquer que sejam os cavalleiros que se sentam naquellas cadeiras (as dos ministros) porque primeiro que tudo sou portuguez, sou interessado na felicidade da minha patria, e que o governo portuguez seja acatado, respeitado como governo de uma nação livre e independente. (Apoiados — muito bem O sr. ministro da malinha. — Antes do tractado de 3 de novembro de 1843!, acontecia que os navios apresados eram vendidos em hasta publica, o muitas vezes as mesmas companhias, por interposto de outras pessoas, compravam esses navios para de novo continuarem no trafico da escravatura. Os negociadores do tractado, portanto, viram a necessidade de estabelecer uma clausula pela qual esta circumstancia deixasse de existir, e essa clausula foi, que se desmanchassem Os navios apresados, todas as vezes que a nação que os tinha apresado, ou a outra que tinha contratado, não as-quizesse para o Uso da sua marinha real.

Este navio ha 6 annos que estava ao serviço de Portugal; tinha lido um desmancho geral naquelle arranjo que se lhe tinha dado para o trafico da escravatura, e estava em circumstancias de ser o menos proprio para esse Ira fico. Tendo, pois, em consideração tudo que tiveram em vista os negociadores do tractado, quando estabeleceram aquella clausula, intendo que o governo podia dispor de qualquer navio do estado; portanto o governo, intendendo que havia vantagem em o vender, vendeu-o.

Eu laço justiça ao nobre deputado, porque ultimamente expoz Os motivos que o levaram a fallar nisto, mas era uma questão que eu podia esperar ser-me trazida da parte de Inglaterra, com quem se fez esse tractado, e eu estou persuadido que não haverá duvida na fórma de intender o artigo 11.º daquelle tratado.

Sr. presidente, o governo portuguez tem mostrado

sempre um desejo firme e leal, de que este infame trafico se extinga, para a extincção do qual se ligaram os dois governos por tractados solemnes, e em que teem o mais decidido empenho, vá avante. (Apoiados) A este respeito nada mais tenho que dizer ao nobre deputado: vinha prevenido quanto á venda, porque linha sido esse o objecto principal do nobre deputado. Este navio, direi a s. ex.ª estava comprado de direito, e não pago de facto; mas isso não vem nada para a questão: quanto ás vendas dos navio, que não podem servir para o estado, por estarem condemnados, o nobre deputado intende, que é necessario uma medida legislativa, não estou de accordo com s. ex.ª; porque examine o illustre deputado o que se passa nos outros paizes a este respeito, para se: não dizer que eu venho argumentar com exemplos, do que algumas vezes teem practicado os meus collegas nas repartições a encargo, especialmente nas obras publicas, em que tem acontecido venderem-se muitas cousas moves, que não estão em estado de servir, sem que para isso esteja auctorisado por medida legislativa.

Sr. presidente, poderei estar enganado, mas eu intendo, que todos os navios do estado, que estiverem condemnados a não servir para a marinha de guerra, e que por isso mesmo trazem para a repartição de marinha uma despeza constante, porque um navio que está no Téjo, não se achando em estado de navegar, está alli fazendo uma despeza consideravel — talvez, em alguns casos, seja melhor irem para o fundo: — esses navio, o governo deve desfazer-se delles.

Sr. presidente, direi com franqueza o que se passou a respeito do brigue Carvalho houve idéa de se vender, mas eu demorei a venda por algum tempo, porque queria combinar a este respeito com o sr. major general; demorou-se, e não se fallou mais no brigue; e foi continuando a estar no Téjo: até que appareceu uma proposta de um negociante, que queria compral-o, para com elle encelar o commercio que dezejava emprehender para Bissau e Cacheu; e eu, gostando da idéa, pelo desejo que tenho de ver multiplicada a navegação entre Portugal e as colonias, pelas vantagens que daqui devem resultar ao commercio; e por outro lado, tendo já anteriormente mandado examinar se o navio podia servir para mandar a Cacheu buscar madeiras de que necessitava para o arsenal de marinha, e sendo a informação, de que precisava gastar 3 contos de réis para o por em estado de transporte, intendi, approvando aquella idéa, que era de mais conveniencia para o estado lazer annunciar a venda do navio, e com o seu producto, junto aos 3 contos do réis, em que importava o conceito, mandar fazer um patacho ou um brigue a S. Martinho, com a capacidade propria, e já arranja o, de maneira que podesse tornar-se de facil transporte para o serviço do arsenal de marinha, a fim de o mandar a Cacheu buscar as madeiras, de que carecia. Alas o que aconteceu foi que o negociante que fez a proposta, não leve alma de dar pelo navio, o que outro negociante lançou.

Eis-aqui tem v. ex.ª com franqueza, toda a historia da venda deste navio, e sobre a qual sinto não vir mais bem preparado para responder ao illustre deputado, porque julguei que o objecto da sua interpellação era só em relação ao preço da venda, e ao seu maior ou menor valor. (Apoiados)

O sr. Corrêa Caldeira; — Sr. presidente, pelo que

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acaba de dizer o sr. ministro da marinha, ve-se que s. ex.ª foi movido pelo desejo do bem publico na resolução que tomou; mas peço licença para lhe dizer, que ella não foi a mais justa, n mais conforme com a lei; e foi a isto que s. ex.ª não respondeu.

Eu não digo que o governo — e quando digo governo ou o inglez ou portuguez — se não servisse do navio; mas o que intendo é, que não póde vendel-o de novo para o commercio; e essa foi a consideração especial, pela qual eu julguei do meu dever, como deputado, fazer a interpellação: e desejarei muito que o facto se não repila.

Agora quanto á venda do brigue em si, não tenho nada com isso; mas parece-me que devia a s. e\.3 fazer algum peso a circumstancia que se deduz das suas observações, isto é, de que desejando empregar aquelle navio em serviço do estado, precisava fazer uma despeza de 3 contos de réis, e todavia um negociante comprou esse navio, apromptou-o, e não lhe foi preciso fazer essa despeza! Como é que se explica este contrasenso? Como é que o navio serve para o commercio particular, e não serve para o serviço do governo? E uma cousa que me custa a comprehender. O navio para ir servir de transporte por conta do estado precisava de um fabrico que importava em 3 contos de réis, e todavia, comprado por um negociante não precisou fazer essa grande despeza. Mas isto não faz parte do objecto da minha interpellação.

Não foi nunca minha intenção, dirigindo esta interpellação a s. ex.ª, usar de termos que azedassem o debate; estimarei que a opinião de s. ex.ª seja a melhor; e pela minha parte termino dizendo a v. ex.ª, que o negocio é muito melindroso, e deslimarei que o governo não repita actos destes, porque, a serem verdadeiras as informações que tenho — o que não desejo, podem trazer laves desaires para o governo portuguez.

O sr. ministro da marinha. — Eu tenho respondido a s. ex.ª. O illustre deputado intende esta questão de um modo, eu intendo-a de outro, e por conseguinte parece-me ler respondido a s. ex.ª

O sr. Arrobas — Peço a palavra para um requerimento. (Fozes — Já deu a hora) Eu desejava unicamente dizer duas palavras sobre o objecto desta interpellação.

O sr. Presidente. — Não ha numero na sala, e, por conseguinte, não se póde tomar decisão nenhuma.

A ordem do dia para sexta-feira é a continuação da que vinha para hoje, e na ultima hora interpellações. Está levantada a sessão. — Eram mais de quatro horas da tarde.

O 1.º REDACTOR.

J. B. GASTÃO

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