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APPENDICE Á SESSÃO DE 12 DE AGOSTO DE 1890 1826-A

O sr. Manuel de Arriaga: - Sr. presidente, saí hontem d'esta casa, pelo que n'ella presenceei, mal do corpo e do espirito! Não regresso aqui hoje em melhores condições! A importancia do assumpto que se discute, trazido ao debate á ultima hora, quando todos suppõem e desejam que seja findo este periodo de sessão parlamentar, envolvendo ao mesmo tempo materia tão grave para a administração do estado, e baseado em uma critica tão severa a um partido que ha pouco deixou o poder, vindo arrancar a esta casa auctorisações tão amplas, quando até agora quem as pede não tratou de as merecer pela confiança que inspirasse ao paiz: o conjuncto de todas estas circumstancias levantou no meu espirito uma reacção tão energica, sincera e forte, que eu cheguei a dar-me, por assim dizer, por satisfeito ao ver que ella era partilhada, por aquelles que mais interessados deviam ser n'este debate, a opposição progressista.

Tal foi o que eu imaginei e o que as apparencias de opposição dentro e fóra do parlamento pareciam justificar.

Este projecto baseia-se, na verdade, em uma exautoração completa de quasi todas as medidas financeiras, da ultima administração progressista.

A exautoração é franca, audaz e clara, sem rodeios! A luva tinha sido atirada por um ministro da corôa ao partido contrario e eu via com certo orgulho que da parte deste ao menos lá fóra borbulhava uma irritabilidade natural contra o projecto e contra o ministro que fazia com que eu me reservasse para fallar mais tarde, porque o combate entre os dois partidos havia de ser renhido, e só ouvindo as rasões de um e de outro lado, poderia ver para onde se inclinava a justiça. Em taes condições ser-me-hia penoso que este debate se fechasse sem eu intervir n'elle. Em que altura porém devia eu pois intervir?

Manifestamente, só depois de ouvir as vozes auctorisadas do partido progressista, que chamado a campo, tinha o brio de acudir pela sua causa, os fóros historicos da sua administração publica aqui empenhados, e eu queria saber quem tinha rasão, para tambem emittir o meu parecer com aquella imparcialidade, que me parece não me ter deixado até hoje. Tudo me levava a crer que os primeiros a fazerem-se inscrever seriam pois os chefes do partido denunciado e aggredido.

O dia de hontem, foi, porém mais um desengano formal para o meu espirito, começando pela maioria e acabando no modo por que se inscreveram da parte da opposição!...

O que hontem se passou a este respeito é mais uma vergonha a juntar a outras muitas de que tenho sido infelizmente testemunha ocular!

Se entrei doente, mais doente sai d'esta casa!...

Não me pesa, não me magôa o ver os solavancos já desconjunctados em que esta chorrião das velhas instituições monarchicas se vae arrastando por ahi, até cair de vez! Não me entristece o assistir ao desmanchar de uma engrenagem, quasi todos os dias partida e substituida, nas suas peças principaes por outras cada vez peiores, até que de todo desappareça!

Sinto até orgulho intimo em ver que homens de talento venham á ultima hora substituir, não uma peça já gasta da velha engrenagem que se esphacela, mas quasi todas ellas, como succede na actual legislatura, e substituindo-as por outras que a opinião quasi unanime considera, desde já, muito peiores.

A crise mortal que as instituições atravessam, já se não cura com meros expedientes, e no emtanto, de um e outro lado da camara já não apparecem de ha muito outros remedios!

Eu vejo o enfermo gemebundo, nas ultimas agonias, pedindo que lhe acendam; vejo, porém, apenas os aventureiros politicos a mudarem-lhe as almofadas, e a agonia a prolongar-se!

Não são dos remedios trazidos a esta camara que lhe ha de vir, já não direi a regeneração que essa já não é possivel, mas ao menos a prolongação da vida por mais aldum tempo embora curto. Se estava mal peior ha de ficar a breve trecho, até ao momento supremo...

Que seja rapida a morte, que a agonia se não prolongue, é o que eu desejo em meu nome e em nome do povo que represento, em nome de nós todos.

Entremos, porém, na materia e vamos ao facto, que me inspirou estas amargas palavras.

Quando hontem quiz tomar a palavra cautelosamente na devida altura para ter antes de mim, como disse, a voz auctorisada de qualquer chefe da opposição progressista, paia que depois de a ouvir podesse formar juizo no pleito travado entre uns e outros, não me foi possivel conseguil-o! E, no emtanto, era manifesto que na altura em que vae a sessão, na ancia de que todos partilham, que se feche quanto antes esta casa, só os primeiros oradores inscriptos seriam os unicos que teriam a esperança de usar da palavra. Não queria por isso ser o primeiro, esperava que avançasse da opposição alguem a defender a causa do seu partido tão franca e abertamente denunciada e combatida pelo actual ministro da fazenda. Com extraordinaria surpreza minha, contra toda a espectativa, esperei algum tempo em vão, e arriscar-me-ia a não usar d'ella, se não accude a tempo de salvar o meu direito!...

Ainda não acreditando no que se passava, dirigi-me hontem mesmo aos principaes membros do partido progressista, para ceder-lhes a ordem da palavra comtanto que me ficasse garantido o direito de usar d'ella, mas pela maneira porque os oradores foram inscriptos, ou antes se deixaram inscrever, nenhum dos mais importantes do partido se empenhava pelo debate! A guerra que moviam ás medidas do governo deixou subitamente de ser sincera! Parece-me que já estão agora todos de accordo!

Cedendo da palavra obedecia á disciplina das minhas doutrinas e á proposta que ha tempo tive a honra de mandar para a mesa, e que hoje mais do que nunca se tornava urgentissima que tivesse sido convertida em preceito parlamentar para evitar conluios e fraudes...

Mas o meu espanto de não ver antes de mim empenharem-se n'este debate os chefes do partido progressista, subiu de ponto quando em certa altura da inscripção, depois inscriptos os oradores que provavelmente manteriam o debate, vi caír em fileira cerrada os oradores mais auctorisados do lado esquerdo da camara a pedir a palavra quando já tinham a inteira certeza de que não podiam usar d'ella!

Uma verdadeira farça parlamentar o que ali se passou e para que não tenho disposição nem feitio!

Tão profundamente me magoou, por mim e pelo systema parlamentar que abraço, que me deixou alem de triste, doente, podem crel-o!

A comedia parlamentar, porém, não foi só d'aquelle lado da camara, diga-se a verdade, começou pela maioria, destacando-se d'ella um dos que até hoje lhe têem dado apoio a fingir que iniciava um debate que não existia para quem vê no fundo das cousas!...

O sr. Francisco Machado: - Apoiado.

O Orador: - Este projecto envolve uma auctorisação ampla ao governo, despojando o parlamento das suas prerogativas!

Que o actual parlamento é digno de similhante exautoração dizem-no vergonhosamente aquellas longas filas de cadeiras, abandonadas pelos representantes da nação!...

Desde que o projecto entrou era discussão quasi todas as cadeiras da maioria ficaram desoccupadas! Já nem tratam de dar as rasões por que declinam da sua soberania! Aquellas cadeiras assim vasias se são aos meus olhos uma como abdicação criminosa do mandato popular, aos olhos do governo são uma como antecipada e apetecida confirmação de que elle impera na maioria d'esta casa, e quem sabe se alem d'ella; e que a sua vontade, solidaria com a do chefe do estado d'onde emanou por graça regia, já não encontra aqui impugnação possivel!

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Folgo de estar no uso da palavra porque ao menos dar-me-ha mais uma vez o ensejo de consignar no archivo d'esta casa quanto o meu espirito se conserva intacto e antagonico a tão deprimente estado de cousas!

Sr. presidente, pedindo a palavra para combater o. projecto quero primeiramente deixar consignada a minha mágua de ter de emittir o meu parecer antes de tempo, antes de ouvir as palavras auctorisadas da que deviam ser mais interessados n'este debate, dos que deviam ter empenho em defender o nome do correligionario que está longe por motivos que eu agora não quero apreciar, e com o qual são de certo solidarios nas medidas agora julgadas e repellidas!

Uma rasão politica superior inspirava-me o mais vivo interesse n'este debate. Eram dois partidos em frente a discutir processos de administração segundo os seus ideaes politicos, demonstrando ao paiz, ao mesmo tempo, que taes principios não existem, e se mantêem em conflicto permanente com as medidas que d'elles emanam!

Sr. presidente, um sábio francez que veiu a Portugal quando foi do congresso litterario, Henry Martin, homem de uma auctoridade indiscutivel em toda a parte, querendo descrever a traços geraes os partidos politicos do nosso paiz, achou-se por tal modo emmaranhado e o seu espirito envolvido n'uma tal confusão de idéas, de factos e de processos, que não póde justificar a differença entre os dois partidos progressista e regenerador!

Os conservadores pareciam-lhe os revolucionarios; e revolucionarios os conservadores!

Tal o que se dá com o projecto em discussão!

Se eu fosse a tomar a serio, que não tomo, o projecto do governo, pareciam-me invertidos os papeis d'estes dois agrupamentos politicos: a reacção estaria do lado do partido progressista, e quem viria empunhar a bandeira da moralidade e das economias seria o partido regenerador, contra quem em tempo se arvorava aquelle!

O partido regenerador porta-bandeira da revolução da moralidade e da economia, é na verdade caso estupendo!

O movimento da janeirinha, que é pena, para vergonha dos partidos monarchicos que esteja tão esquecido, e que não seja bandeira nova de politica nova, resurge á ultima hora, e quando menos se esperava, como a aspiração do governo da dictadura liberticida!

Moralidade e economia que devia ser o lemma de todos os partidos politicos e nunca de um só, foi de certo a bandeira com que se insurgiu o norte do paiz para castigar os esbanjamentos e as corrupções do partido que está hoje campeando n'esta casa! E quando surgiu esta bandeira da moralidade e economia foi recebida no paiz com alvoroço e sympathia, quasi como uma alvorada de esperanças a que muitos deram expontaneas e sinceras adhesões; mas empunhada pelos serventuarios da monarchia foi em breve enrolada e esquecida, para agora apparecer por surpreza, contra a expectativa de todos, nas mãos do mesmo partido contra o qual servíra de pendão de guerra!

Quer o parlamento, deseja o paiz um documento mais auctorisado do que este, das permanentes ficções e mentiras a que acorrentaram este malfadado paiz?! O partido que pelos seus desvarios economicos, financeiros, politicos e moraes, levantou contra si o lemma da moralidade e da economia, a julgar hoje o seu competidor, e perante um verdadeiro painel de lastimas de identicos crimes, que tanto vale o parecer justificado do illustre ministro sobre a administração do sr. Marianno de Carvalho, - diz-lhe com argumentos irrecusaveis - olha o que fizeste -! e o arguido calla-se em vez de defender-se, quando aquelles que o accusam têem na sua historia, alem dos abusos e crimes passados, os não poucos com que já se sobreleva esta curta mas famosa e anti-patriotica situação regeneradora!!

Está a opposição progressista tão falha de auctoridades, tão conscia dos erros que commetteu, que nem mesmo provocada a vir a terreno e a defender-se, julga-se já com forças para o fazer?!

Entretanto, se as tradições do partido reformista, hoje infelizmente confundidas com as do partido historico, encontrassem eccho nos que se dizem seus representantes, seria de certo chegada a hora de desfraldar essa bandeira, a proposito d'este projecto, arrancando-a ás mãos que illicitamente a empunham!

Nada, porém, farão porque não podem. Esmaga-os a verdade fulminante da sua ultima administração!

Eis a verdade.

Eu pela minha parte, não pertencendo nem a uns nem, a outros, hei de cumprir á risca o meu dever; manter-me, com risco da minha propria saude, até ao ultimo momento, no desempenho da missão espinhosa que acceitei vindo a esta casa, missão espinhosa que quasi se fecha dentro distas paredes, e não vae lá fóra levar á consciencia publica o eccho das minhas palavras, porque até hoje, eu ainda não maculei a minha honra de homem publico fazendo reclames de qualquer natureza sobre a minha modesta individualidade. Cumpro o meu dever religiosamente como um fanatico, sem olhar para as consequencias por mais amargas que d'elle derivem. E é no cumprimento do meu dever que eu venho, na véspera de se encerrar o parlamento, lavrar o meu protesto contra este projecto, já pelo modo por que testá sendo discuido, já pela exautoração completa que elle encerra da soberania nacional, nas mãos de um governo dando-lhe auctorisações tão amplas a quem até agora não se mostrou habilitado para as merecer!

Sr. presidente, alguém inventou n'esta casa, na legislatura transacta, se me não engano, uma palavra que não sei se é genuinamente portugueza, se tem radicaes na nossa lingua, entretanto, essa palavra correu mundo, e hoje é geralmente reproduzida. Refiro-me ao termo verborrhea como traduzindo o uso excessivo ou o abuso da palavra fallada.

Eu entendo porém que o parlamento portuguez padece de uma outra enfermidade que lhe é correlativa: a monomania de fazer leis, ou se me permittem tambem o termo a lexorrhea.

A verborrhea e a lexorrhea, eis as duas enfermidades que melhor caracterisam os actuaes costumes politicos d'este paiz, e cada qual disputando primasias nos damnos que nos deixam!

Das duas enfermidades, que bem podem diagnosticar-se como duas epidemias, a monomania de fazer leis, a lexorrhea é de certo a mais damninha!

Isto de se substituir todos os dias as leis de um paiz por outras para á sombra d'ellas servirem-se os interesses de occasião, representa aos meus olhos um crime de lesa nacionalidade que arrasta comsigo o desprestigio da auctoridade e da justiça!

É assim que chegâmos a esta situação periclitante de um navio que faz agua por todos os lados e prestes a submergir-se, ou a um carro já apodrecido, mui cheio de remendos, a que ha pouco me referi, que tirado por cavallos fogosos atravez de caminhos accidentados, não tem já rodas, nem eixos, nem molas que resistam á carreira vertiginosa, e se desfaz.

É por isso que eu já outro dia gritei aqui por salvamento, porque o rumo em que vamos é fatalmente desastroso para todos!...

O projecto do sr. ministro da fazenda tende nada menos do que a destruir tudo o que o seu antecessor havia feito, demonstrando aliás com solidos argumentos que tudo foi nocivo aos interesses da nação!...

O ministro que vier depois de s. exa. encarregar-se-ha de fazer exactamente o mesmo chegando exactamente ás mesmas conclusões, e nisto se perde a seiva do estado, o prestigio da lei e da auctoridade e se arruina o paiz! Torna-se quasi preciso que no parlamento portuguez se vote uma medida constitucional contra estes expedientes,

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APPENDICE Á SESSÃO DE 12 DE AGOSTO DE 1890 1826

não auctorisando que se dê o nome de leis a quasi tudo isso que ahi tem sido votado até hoje!

Lei é o principio regulador, amplo, largo, fecundo, previdente, que se repassa do elemento substancial e eterno do util, do bom e do justo, por tal fórma, que não é para Pedro nem para Paulo, mas para todos.

A lei, emquanto não sobe a esta culminação da Verdade e da Justiça não merece tal nome!

Medidas legislativas que só visam a defender os interesses dos governos ou dos partidos, e não os interesses geraes do paiz, não são leis. Na minha larga experiencia de advogado, posso dizer que no estudo da nossa monstruosa collecção de leis, encontro apenas meia duzia d'ellas, quando muito, que mereçam tal nome; as mais são expedientes de occasião, são os mil recursos que as circumstancias impõem aos especuladores e que outras circunstancias desmancham; e assim vae o tal chorreão do estado nestes continuos solavancos e reparos, seguindo o seu malfadado rumo até se escangalhar de vez, quando arrastado pelos cavallos fogosos e inexperientes, como o actual ministro da fazenda, se a comparação me é permittida!

É debaixo d'esta ordem de idéas que formulei a minha moção de ordem que se resume no seguinte:

(Leu.)

Isto é a synthese do meu pensamento, e a sua demonstração não exige muitos esforços, porque ella toda se encerra no relatorio, ou parte do relatorio de 14 de maio de 1890 do sr. ministro da fazenda em cuja veracidade acredito, porque os factos n'elle denunciados são do dominio publico.

É fiel o quadro que ali se descreve da desorganisação dos serviços aduaneiros e dos abusos escandalosos n'elles introduzidos pelo ex-ministro da corôa o sr. Marianno de Carvalho, e o que se deve concluir da deserção dos seus collegas em defendel-o, quando apparece agora tão segura e implacavelmente atacada a sua administração, é que a verdade da accusação prevaleceu a quaesquer conveniencias partidarias, e que tiveram medo de sustentar o debate!...

É pois mais uma administração do estado posta de banda por nociva ao paiz; mas o que convem não esquecer e para que eu chamo a attenção da camara e da nação inteira, é que o partido progressista apparece agora aqui denunciado e combatido pelo partido regenerador exactamente pelos mesmos erros e crimes de que se servíra aquelle para combater a este!

Porque o partido progressista abandonou as suas tradicções e esqueceu de todo o glorioso lemma do seu partido, vê-se agora implacavel mas justamente exautorado pelo seu inimigo natural!... Se tivesse seguido em linha diametralmente opposta ao partido regenerador; se tivesse conservado hasteada a bandeira das economias e da moralidade, e os principios democraticos que prometteu seguir para contradictar e vencer os seus inimigos; se tivesse anteposto a estes, não com palavras mas com obras, a coherencia dos seus principios com os seus actos, quando mesmo uns e outros não merecessem nas altas regiões do estado as sympathias de que tanto carecia, as graças que tanto ambinava: as regias prerogativas haviam de curvar-se perante a logica dos factos e a vontade popular, e só assim teriam amparado por mais algum tempo ainda estas instituições caducas! Enrolaram no entanto a sua bandeira junto dos degraus do throno, mudaram de processos, esqueceram as suas tradições, preferiram as graças regias ás sympathias populares, tomaram pelo caminho dos seus contrarios, pelo dos esbanjamentos, das grandezas inuteis e o das corrupções criminosas, e eil-os agora submettidos, exautorados e vencidos com a aggravante de nem já mesmo tratarem já de se defender!

Venho aqui simplesmente consignar perante o paiz estes factos para lho servirem de ensinamento.

Emquanto ao partido que se suppõe victorioso, sel-o-ha perante seu competidor n'este momento prostrado, já não assim perante a nação que o repelle e o amaldiçoa.

Este mesmo projecto é uma prova de quanto elle desconsidera e abate as prerogativas parlamentares e caminha para o imperio do absolutismo meio disfarçado com as etiquetas do velho liberalismo! Ninguem como o sr. ministro a fazenda pela posição official que occupou na direcção das alfandegas e pelo talento comprovado que possue, podia vir aqui, não a pedir simples auctorisações, mas armado de dados seguros e definidos, de factos indiscutiveis denunciados vagamente no seu relatorio, e sujeitar á censura de todos os homens independentes n'esta casa, que lhe dariam o seu voto, projectos de lei que atacassem pela base os abusos existentes nas casas fiscaes e em grande parte aggravados pela ambição desmedida e completa carencia de escrupulos, da situação transacta. Sendo facilima a sua missão constitucional a este respeito, abandonou-a!

A sua proposta da maneira como está feita, é exclusivamente para a maioria, porque é um voto de confiança absoluta ao governo que nenhuma opposição lhe poderia dar!

Podia s. exa. invocar rasões tão fortes, apresentar medidas tão sabias e prudentemente delineadas que obtivessem dos caracteres independentes da opposição o seu caloroso applauso; mas s. exa. poupou-se a este trabalho, limitou-se a denunciar os erros dos seus contrarios e a pedir que confiem n'elle porque os ha de remediar!

Diz-se no parecer da camara que é necessaria uma nova orientação para a administração aduaneira! No relatório de 14 de maio ultimo, justifica o governo a urgencia de proceder a uma nova organisação aduaneira, debaixo de uma nova orientação!

Uma nova orientação para a administração do estado, pedida assim á queima roupa, á ultima hora pelo ministro da coroa, quando é imminente uma crise grave para as instituições monarchicas, porque a luz ha de dissipar no seu caminho todas as trevas; quando em mais de meio seculo de constitucionalismo, homens experimentados de todos os partidos deixaram tão triste documento de suas energias e talentos que se declara n'este relatorio ser preciso destruir tudo o que por elles foi feito!

Que corolario ha a tirar de tudo isto?

Que excepcionalissima, que singular individualidade é esta do sr. ministro, que trabalhos feitos, que provas dadas, para se antepor a todos os seus antecessores e reclamar para si estes direitos descricionarios de dictador? Em nome da liberdade? Não: s. exa. tem o seu nome preso á dictadura que a sacrificou. Em nome da economia? Tambem não.

Quando s. exa. com a sua voz vibrante fez soar n'esta casa esta palavra sympathica, pôde por algum tempo illudir os incautos. Hoje na sua bôca este termo perdeu toda a auctoridade, deixou de ter a menor significação politica.

Desde o orçamento rectificado até hoje, contra a promessa solemnemente feita por s. exa., estão já approvados projectos com grande ónus para o thesouro, taes como o caminho de ferro de Mossamedes, o da mala real e o da aposentação dos parochos, e tantos outros que têem apparecido como tortulhos debaixo dos pós nas primeiras chuvas do outomno!

Esta palavra economia, quasi que tem de ser banida do diccionario da administração do estado, n'este interregno do chamado regimen liberal! S. exa. o sr. ministro da fazenda encarregou-se em menos de tres mezes de lhe retirar todo o valor!

Denunciando o pessimo e periclitante estado das finanças publicas, obrigou-se s. exa. a conjurar o mal não auctorisando augmento de despezas por ora, e no emtanto, depois do orçamento rectificado, já trouxe com tal augmento de despezas os projectos ha pouco citados, sobrecarregando-a por tal fórma, que me daria por feliz se podesse legar a

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meus filhos, por minha morte, tudo o que excede a 200 contos de réis?!

Que valor tem, pois, para os ministros da corôa similhante palavra, e que seriedade as suas promessas n'ella baseadas?!

Que responda a consciencia de cada um no seu fôro intimo só não tem a coragem de o fazer publicamente como eu.

Mas se s. exa. tem o plano de desviar a administração publica d'este calamitoso estado de cousas, o que pretende fazer do que está?

Quer s. exa. arrostar com a responsabilidade de eliminar de vez tudo o que é inutil, nocivo e immoral, ou é tudo o que promette mais uma comedia indigna do parlamento e da nação?!

Se planeia s. exa. um projecto de reforma radical, profunda, com processos novos, que eu aliás applaudiria se fossem sinceros e levados á realidade, porque o não explica clara e categoricamente perante a opposição parlamentar, já que a sua maioria lh'o não exige?

Denunciando s. exa. no seu relatorio que o partido progressista augmentára em cento e tantos contos de réis a mais as despezas feitas com as alfandegas, e que se gastam 46 contos de réis com os empregados da sellagem para estes nada fazerem, porque os seus serviços foram dispensados por ordem superior, tenho direito a exigir de s. exa. que nos diga como pretende remediar este abuso da administração transacta?

O que quer s. exa. fazer a esta classe? Corta por ella?

Acaba com esta despeza? Vae violar os suppostos direitos adquiridos?

Mantem as cousas como estão?

Isto é, muda simplesmente de travesseiro para que o doente, a nação, durma melhor do lado esquerdo do que do direito?!

Tudo isto é preciso esclarecer com inteira seriedade, porque representa um dos peiores cancros roedores da economia social: o parasitismo do orçamento.

Estes homens que estão ali comendo a seiva dos que trabalham, e eu sou um dos ingenuos que trabalham para elles, hão de pôr em cheque a administração do estado, se não se pozer cobro á sua invasão sempre crescente e que toma já boje proporções assustadoras!

Eu sou dos que dão para o estado, e que do estado nada pedem.

Mas confesso que esta legião, que se vae accumulando em volta do meu trabalho e do trabalho dos homens honrados, me causa mais medo do que aos lavradores africanos as legiões de gafanhotos, e aos nossos depauperados viticultores a plrylloxera das vinhas!

Nós que somos os homens validos damos o fructo do nosso trabalho a quem não trabalha.

De que lado estará a vantagem?

De certo que não é do meu, e ahi é que está o perigo para nós todos.

Isto é um desequilibrio que nos trouxe a civilisação, contra o qual os verdadeiros politicos têem de reagir.

Mas como reagir?

Apparece agora o governo com uma orientação nova em nome da economia e da moralidade!!

Se elle fosse sincero eu seria dos primeiros a dar-lhe a minha approvação, mas sei já de antemão, pelos precedentes a que o sr. ministro está fatalmente vinculado, que não passa de uma comedia, a que não quero ligar indirectamente o meu nome, para cujo fim venho lavrar este novo protesto.

Sr. presidente, ha em Portugal um socialismo azul branco, que sob apparencias de legalidade e justiça, é verdadeiramente espoliador, damninho!

Sob as taes cores do constitucionalismo liberal, com a sua cortezia, com a sua luva bem calçada e a sua casaca bem feita, este socialismo é medonho, porque nada cria de bom e proveitoso, e os que vem em nome d'elle comer, comem, muito mais e melhor do que esse outro socialismo vermelho que modestamente se contenta ainda com uma codea de pão e uma sardinha salgada, e no seu trabalho lento e secular, como os infinitamente pequenos na natureza, prepara o mundo luminoso da rasão, da justiça e do trabalho, o imperio da dignidade do homem, com todos os seus deslumbramentos!

Toda a sabedoria politica e toda a popularidade dos seus grandes homens, dentro d'esta ordem de cousas, resume-se n'isto: Juntar dinheiro por meio de impostos e de emprestimos e distribuil-o depois pelos amigos por meio de empregos e commissões!

Como n'um descampado caem de verão, em nuvens, as moscas sob uma materia corrompida, tal cáem sob um ministro de estado, mal só constitue uma nova situação politica, as chusmas dos pretendentes aos logares do orçamento!...

Nenhuma confiança no trabalho individual! E nenhuma confiança no dia de amanha! Este systema de caír sobre o estado a pedir-lhe empregos publicos é verdadeiramente pavoroso!

O que vem pedir ao estado?

O estado não tem senão o que elle tira aos que possuem, aos que trabalham, aos que comem, aos que vestem, a todos emfim que vivem do fructo do seu trabalho honesto!

O que é tirado aos nossos sacrificios vae pois para a mesa do orçamento para se distribuir por aquelles que não querem ou não podem viver do seu trabalho!

Ha peior socialismo do que isto?! Eu não conheço.

Os que o fazem com que direito accusam o verdadeiro socialismo que só tende a honrar e garantir o trabalho e o direito de cada um?!

É preciso que este mal social seja atacado na sua origem e de frente e com o firme proposito de o debellar, se quizermos ainda salvar a tempo o pouco que nos resta e pagarmos honestamente o muito que já devemos. É preciso que sempre que se levante no parlamento ou em qualquer assembléa publica uma medida para o acobertar ou illudir, se ergam vozes independentes e audazes para o combater sem treguas, sem complacencias, sem segundo sentido. Eis o que n'este momento faço no cumprimento austero do meu dever, mais em nome da idéa politica, a cuja luz vivo de ha muito e em homenagem á grande corrente de opinião que elle já creou, do que infelizmente em nome do partido a que pertenço!...

Lavrado assim o meu protesto, limitar-me-hei a observar á maioria da camara que, sendo este projecto uma auctorisação ampla, completa e incondicional, que lhe arranca o ministro a quem obedece e pelo qual se sacrifica, não se faça o porta-voz d'esse ministro, como succede com o parecer que se discute, e que antes o obrigue a explicar-se para com ella, já que elle lhe impoz tamanha responsabilidade.

Quem deve fallar n'este projecto é s. exa. o sr. ministro da fazenda e não os seus acolyticos ou amigos talvez mais pessoaes do que politicos.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Peço a palavra.

O Orador: - N'este projecto é só s. exa. quem nos deve abrir as entrelinhas que n'elle ha. Se s. exa., que veiu pedir sacrificios ao paiz, que cerceou a liberdade, que collectou a miseria publica, quer agora resgatar os erros commettidos, então que abra um novo caminho, mas com provas, com realidades, e não com palavras, de maneira que eu possa, pela etiqueta do rotulo, confiar no género que elle annuncia.

Hoje a mentira encontra-se por toda a parte organisa-

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APPENCICE A SESSÃO DE 12 DE AGOSTO DE 1890 1826-E

da, e sob a sua acção nefasta impera o verdadeiro charlatanismo! É ver ao acaso. Se pego, por exemplo, n'um jornal e soffre do estomago, lá encontro o annuncio de um remedio efficaz para o curar em vinte e quatro horas!

Se padeço dos callos, lá está tambem o remedio que os faz desapparecer de prompto. Se me queixo dos dentes, descobrirei tambem o elixir para lhes tirar a dôr. Já não ha enfermos, a acreditar a palavra auctorisada dos charlatães, porque não ha charlatão que não ponha no rotulo do seu elixir a efficacidade do seu remedio!

Ora no parlamento portuguez não devia haver d'estas etiquetas enganadoras, e no entanto é o género que mais abunda!...

Tratando-se de um ramo tão importante da administração publica, onde a moralidade e a justiça muito tem que fazer, faço votos sinceros para que o illustre ministro em cuja seriedade intellectual e moral ainda confio, se desempenhe briosamente da sua espinhosa tarefa.

É difficil fallar n'esta instituição sem cada um de nós sentir um certo retrahimento e desconfiança nos homens publicos, sem que as faces se nos cubram de rubor ao lembrarmo-nos da impunidade com que á sua sombra se têem commettido muitos abusos e crimes!

O systema alfandegario é um dos orgãos fundamentaes do estado actual de cousas e que cria maior riqueza para o estado; mas sobre esta instituição levantam-se interrogações serias, que envolvem alguns dos seus membros mais graduados, ás quaes ainda ninguem deu resposta, mas uma resposta categorica como aliás é mister!...

Não podemos esquecer que ha treze navios carregados de fava que deram entrada na alfândega grande de Lisboa e que toda ella saíu d'ali sem pagar direitos! Que ha pois cerca de 200 contos de réis subtrahidos aos cofres do estado envolvendo tambem responsabilidades de altos financeiros e que em vez de se esclarecer a verdade para a fazer punir, se conspira para a deixar enredada em mysterios e por fim impune!

Isto é uma questão de moralidade publica, isto é um negocio serio, que s. exa. o sr. ministro se obrigou para commigo a resolver sem ambages, sem subterfugios e espero que me diga n'esta occasião como dentro das auctorisações pedidas, procura resolvel-o!

S. exa. n'uma interpellação que lhe fiz, comprometteu-se para commigo e para com o paiz, que o ouviu, a não proteger quaesquer influencias illicitas que illaqueiem a acção da justiça, a levar por diante até ao fim esta questão que está em litigio.

Venho avivar-lhe o seu compromisso e pedir-lhe novas explicações, visto deixar tudo o que promette no seu projecto em vagos delineamentos que para a hypothese de nada servem. Se na alfandega grande se commettem ainda d'aquelles grandes abusos, e n'aquelles armazens ha muitas ratazanas, ao que parece, então é necessario que o illustre ministro, que é honrado, nos venha trazer medidas serias, para os evitar e para os punir e que não se fique só em promessas e em criticas ardentes contra os abusos do partido progressista, que todos conhecemos, e que até elles próprios, ao que parece, já confessam no seu propositado silencio!

Querem-se providencias legislativas á altura da gravidade das circumstancias, obras e não palavras para que tenhamos emfim a certeza de que se pretende pela nova reforma, pôr termo a similhantes abusos!

Que s. exa. se explique ao menos para com a sua maioria do que pretende fazer das auctorisações amplissimas que lhes pede. É esse aliás o seu dever no regimen parlamentar que se finge funccionar n'este paiz. Nada devo ter com essas explicações, em abono da verdade, porque só posso e devo discutir aqui os projectos de lei e não as auctorisações desnecessarias para os fazer.

Se s. exa. quer acabar com os abusos denunciados no seu relatorio, que acabe com elles, é esse o seu imperioso dever. Espero, porém, examinar primeiro as medidas que estão na sua mente, para as julgar depois.

Se acabar com os abusos, se fizer punir os criminosos como me prometteu, se ajudar directa e efficazmente, no uso das suas poderosas prerogativas, a moralidade, a justiça a saírem triumphantes das emaranhadas redes em que as têem até agora envolvido para as inutilisar; se finalmente nas suas mãos não se converterem em novos abusos as auctorisações pedidas para cortar os dos seus competidores: só poderá encontrar o meu espontaneo e sincero applauso. Mas permitta-me s. exa. que para isto eu, por cautela, espere pelas suas obras e não me fie por ora nas suas promessas.

Não quero alongar-me em mais considerações, e ainda que o quizesse não o poderia fazer, porque estou doente.

Terminando, agradeço á camara a benevolencia com que me escutou.

Vozes: - Muito bem.

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