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SESSÃO DE 10 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Monta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Decreto prorogando as côrtes geraes até ao dia 30 do corrente. - Tres officios do ministerio do reino. - Segundas leituras e admissão de dois projectos de lei e de uma proposta para renovação de iniciativa. - Tem tambem segunda leitura e é approvada urna proposta do sr. Pereira Carrilho, depois de trocadas algumas explicações entre o sr. Santos Viegas e o sr. presidente. - Representações mandadas para a mesa pelo sr. Carlos Lobo d'Avila, e uma enviada pelo ministerio do reino. - Concede-se prorogação de licença ao sr. Mariano de Carvalho a requerimento do sr. Antonio Centeno. - É apresentado o diploma do sr. José Maria Borges. - O sr. Pereira Leite manda para a mesa dois pareceres da commissão de verificação de poderes, que são approvados sem discussão, tendo-se dispensado o regimento. - Proclamação dos dois srs. deputados eleitos. - Continuando em discussão o projecto de lei n.º 51, usam da palavra, a favor, o sr. Luiz de Lencastre, relator, e o sr. Beirão, contra, ficando pendente a discussão. - Manda para á mesa o parecer sobre a lei de meios o sr. Carrilho.
Na ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n.° 87, relativo ao tratado do Zaire, e conclue o seu discurso o sr. Carlos du Bocage, seguindo-se o sr. Vicente Pinheiro, que apresenta uma moção de ordem e fica com a palavra reservada.

Abertura - Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada - 43 srs. deputados.

São os seguintes: - Lopes Vieira, Garcia de Lima, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, A. J. d'Avila, Carrilho, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Sousa Pavão, Seguier, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Pereira Leite, Conde de Thomar, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Francisco Beirão, Costa Pinto, Baima de Bastos, Searnichia, Franco Castello Branco, Sousa Machado. J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, Pereira dos Santos, Oliveira Peixoto, Lopo Vaz, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Bivar, Luiz Dias, Correia de Oliveira, Pinheiro Chagas, Sebastião Centeno, Vicente Pinheiro e Cousiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Sousa e Silva, Antonio Candido, Antonio Centeno, Garcia Lobo, Pereira Borges, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Augusto Poppe, Neves Carneiro, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Firmino Lopes, Vieira das Neve?, Mouta e Vasconcellos, Guilherme de Abreu, J. C. Valente, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, José Borges, Dias Ferreira, Elias Garcia, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Luiz Osório, Manuel d'Assumpção, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Marcai Pacheco, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Agostinho Fevereiro, Moraes Carvalho, Albino Montenegro, Anselmo Braamcamp, Pereira Côrte Real, A. J. da Fonseca, Antonio Ennes, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, Pinto de Magalhães, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Conde da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, Filippe de Carvalho, Correia Barata, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Ar ouca, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Melicio, Souto Rodrigues, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Teixeira. Sampaio, Amorim Novaes, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Laranjo, José Frederico, Lobo Lamare, Ferreira Freire, J. M. cios Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lourenço Malheiro, Reis Torgal, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Gonçalves de Freitas, Dantas Baracho, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, acompanhando o seguinte

Decreto

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.° § 4.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado, nos termos do artigo 110.° da mesma carta: hei por bem prorogar as cortes geraes ordinárias da nação portugueza até ao dia 30 do corrente mez inclusivamente.
O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.
Paço da Ajuda, em 9 de junho de 1880. = REI. = Augusto Cesar Barjona de Freitas.

2.° Do mesmo ministerio, participando que não póde por em quanto remetter os documentos requeridos pelo sr. deputado Goes Pinto, relativos á mudança dos doentes do antigo para o novo hospital dos Arcos de Valle de Vez, por terem sido devolvidos ao governador civil do districto de Vianna do Castello, para ser ouvida a mesa da misericordia e para informar o delegado de saude do districto.
Á secretaria.

3.° Do mesmo ministerio, remettendo uma representação da camara municipal de Angra do Heroismo solicitando que lhe seja permittido applicar a melhoramentos das ruas da cidade uma parte da receita annual que constitue a dotação privativa da viação municipal.
Á secretaria.

4.° Do mesmo ministerio, remettendo a correspondência trocada entre este ministerio e a escola medico-cirurgica de Lisboa ácerca da escolha de um delegado da dita escola para ir estudar a Hespanha a prophylaxia do cholera pelo medico Ferran.
Em virtude de deliberação da camara foram mandados publicar os documentos no Diario do governo.

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Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Na longa lista do nosso funccionalismo ha uma classe pouco numerosa de empregados, percebendo ordenados modestíssimos, e que apesar de tudo se acha desprotegida com a mais flagrante injustiça. Refiro-me aos empregados subalternos dós lyceus centraes e nacionaes do continente do reino e ilhas adjacentes, que são por certo dos poucos servidores do estado, a quem até ao presente não tenha sido concedido o direito de aposentação quando moral ou physicamente impossibilitados para o serviço.
Ao passo que todas as reformas modernamente promulgadas têem successivamente garantido a situação dos empregados das differentes repartições do estado e suas dependentes, a lei de 14 de junho de 1880 deixou em completo olvido a sorte dos empregados subalternos dos lyceus. Se por um lado estão muito aquém das necessidades da vida os escassos ordenados, que lhes foram estabelecidos, não têem por outro lado os referidos empregados a menor garantia, que os ponha a salvo das vicissitudes a que todos estão sujeitos, e lhes assegure na velhice ou em qualquer outra situação que os impossibilite para o trabalho um meio, por mais modesto que seja, para costearem sequer as primeiras urgencias da vida.
É certo, senhores, que a medida legislativa que venho propor-vos, algum pequeno encargo trará ao thesouro publico; mas tambem não é menos certo que em todas as reformas ulteriormente decretadas tem o legislador consignado sempre este principio de altissima justiça, que venho reclamar em favor dos empregados subalternos dos lyceus, cujo numero não e grande, e cujos vencimentos são exiguissimos.
Tomando, pois, por bases da minha proposta não só a representação dos empregados do lyceu de Angra do Heroísmo, mas outras muitas que no mesmo sentido têem sido dirigidas á camara electiva de differentes pontos do paiz, tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei :
Artigo 1.° É concedido aos empregados subalternos dos lyceus centraes e nacionaes do continente do reino e ilhas adjacentes o direito de aposentação nos termos e com as clausulas do artigo 303. ° e § do código administrativo em vigor.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, 9 de junho de 1885. - Barão do Ramalho, deputado por Angra do Heroismo.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda ou vida a de instrucção primaria e secundaria.

Projecto de lei

Senhores. - A camara de S. Thiago de Cacem pelo crescente desenvolvimento da sua riqueza e da sua população deve ser classificada entre as de 2.º classe.
Para se demonstrar esta asserção bastará tão sómente conhecer a importancia dos emolumentos pertencentes ao juiz respectivo; foram estes nos seguintes annos civis:

1880 .... 801$970
1881 .... 608$210
1883 .... 465$886
1884 .... 579$819

D'onde se conclue que a media se eleva a cêrca de réis 600$000, isto é, que excede a de um grande numero de comarcas de segunda ordem.
Por estas rasões, tenho a honra de submetter á apreciação da camara o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É elevada de 3.ª a 2.ª classe a comarca de S. Thiago de Cacem, do districto judicial da relação de Lisboa.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Lisboa, 9 de junho de 1885. - Avellar Machado, deputado da nação.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 64, de 1884, com voto approvativo desta camara, e parecer favorável na camara dos dignos pares.
Sala das sessões, 9 de junho de 1885. = Avellar Machado.
Lida na mesa, foi admittida e enviada ás commissões de obras publicas e administração publica.

O projecto de lei a que se refere esta proposta é o seguinte:

Senhores. - Á vossa commissão de obras publicas foi presente uma representação da camara municipal de Mourão, em que exhuberantemente prova a impossibilidade em que se acha de lançar mão de outros meios, que não sejam os provenientes do fundo de viação, para executar os indispensaveis concertos de que carecem as das da povoação cabeça do concelho.
Attendendo a que a viação municipal se acha bastante adiantada, e a que no respectivo cofre existem os fundos necessarios para a conclusão das obras encetadas;
Attendendo a que o artigo 1.° do decreto de 31 de dezembro de 1864, publicado, em virtude da auctorisação concedida ao governo pela carta de lei de 25 de junho do mesmo anno, equiparando às estradas de differentes ordens as das no interior das povoações, implicitamente permittiu que no seu melhoramento e conservação podessem ser empregados os fundos especiaes de viação:
É de parecer que deve ser convertido em lei o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal de Mourão a despender até á quantia de 1:500$000 réis, proveniente do fundo de viação, na reparação do pavimento das ruas da indicada villa.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, 16 de abril de 1884.= Sanches de Castro = Fontes Ganhado = Antonio José d'Avila = J. G. Pereira dos Santos = José Pimenta de Avellar Machado, relator. - Tem voto do sr. Eugenio de Azevedo.

O sr. Presidente: - Vae ter tambem segunda leitura uma proposta mandada para a mesa pelo sr. Carrilhe, na ultima sessão.
Leu-se a seguinte

Proposta

Proponho, em vista da prolongação da actual sessão legislativa, que a mesa da camara fique auctorisada a gratificar os empregados das repartições geraes da secretaria da mesma camara, que, pelos serviços extraordinarios prestados durante a sessão, a mesa entenda serem merecedores d'essa recompensa de serviços. - A. Carrilho.
O sr. Santos Viegas: - Da leitura dessa proposta, parece-me que v. exa. fica auctorisado a distribuir a quantia que julgar conveniente aos empregados d'esta camara.
Não sei se v. exa. incluiu os alumnos de tachygraphia que têem prestado serviço para o Diario das sessões, serviço que julgo muito importante, e feito de muito boa vontade.
Parece me que v. exa. deve ter isto em conta, para que faça distribuir pelos alumnos uma quantia, que julgue conveniente e condigna.
Eu ficarei muito satisfeito se for attendido este meu pe-

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dido, mas em todo o caso mando para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)
Se v. exa. se dignar de dizer se effectivamente pensa, ou não pensa conforme o que deixo exposto, assim conservarei ou retirarei a proposta.
O sr. Presidente: - A mesa entende que estão tambem incluidos nesta proposta os alumnos de tachygraphia sem vencimento, o os empregados menores.
O sr. Santos Viegas: - Se v. exa. assim o entende, peco licença para retirar a minha proposta.
Foi retirada e seguidamente approvada a proposta do sr Carrilho.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal do concelho de Salvaterra de Magos, adherindo á representação da sociedade agricola do districto de Santarem, contra algumas das disposições contidas no tratado de commercio com a Hespanha.
Apresentada pelo sr. deputado Carlos Lobo d'Avila, enviada á commissão de negocios externos e mandada publicar no Diario do governo.

2.ª Da camara municipal de Angra do Heroismo, pedindo que por lei especial lhe seja permittido applicar a melhoramentos das ruas da cidade uma parte da receita annual que constitue a dotação privativa da viação municipal.
Enviada, em officio do. ministerio do reino e remettida ás commissões de obras publicas e de administração publica.

3.ª Da camara municipal do concelho de Salvaterra de Magos, pedindo a creação do imposto sobre os phosphoros a bem das escolas.
Apresentada pelo sr. deputado Carlos Lobo d'Ávila e enviada á commissão de fazenda.

O sr. Presidente (Luiz Bivar): - Encarregou-me o sr. José Maria Borges, de apresentar o seu diploma de deputado pelo circulo de Mertola.
Vae á respectiva commissão.
O sr. Pereira Leite: - Pedi a palavra para mandar para a mesa os pareceres da commissão do verificação de poderes, approvando as eleições de Chaves e de Mertola, visto não ter havido reclamações, nem protestos contra os actos eleitoraes.
Peço a v. exa. que, dispensando-se o seguimento, entrem já em discussão.
Consultada a camara, assim se resolveu.
Leu-se na mesa o seguinte

PARECER

Senhores. - Á vossa commissão de verificação de poderes foi presente o processo eleitoral relativo ao circulo n.° 91 (Mertola) e verificou que o numero das listas entradas na urna foi de 1:913, e que o cidadão José Maria Borges, obteve 1:890 votos, e não tendo havido protestos ou reclamação alguma é de parecer a vossa commissão que a eleição seja approvada. e que o referido cidadão, que apresentou o seu diploma em forma legal, seja proclamado deputado.
Sala da commissão, 10 de junho de 1885. = Luiz de Lencastre = Firmino João Lopes = Moraes Carvalho = Leite, relator.

O sr. Presidente: - Está em discussão.
Não havendo quem pedisse a palavra foi posto á votação e approvado.

Leu-se o seguinte

PARECER

Senhores. - Á vossa commissão de verificação de poderes foi presente o processo eleitoral relativo ao circulo n.° 16 (Chaves), e verificou que o numero real dos votantes foi 1:853, e que o cidadão António Luiz Gomes Branco de Moraes Sarmento obteve 1:800 votos, e não tendo havido protesto ou reclamação alguma contra o acto eleitoral, é por isso a vossa commissão de parecer que a eleição seja approvada e o referido cidadão proclamado deputado, quando apresentar o seu diploma em fórma legal.
Sala da commissão, em 10 de junho de 1885. = Luiz de Lencastre = Firmino João Lopes = Moraes Carvalho = Pereira Leite, relator.
Approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Proclamo deputados da nação portugueza os srs. José Maria Borges e Luiz Gomes Branco de Moraes Sarmento.
O sr. Carlos Lobo d'Ávila: - Mando para a mesa duas representações da camara municipal de Salvaterra de Magos, e peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que se publique no Diario do governo a que diz respeito ao tratado com a Hespanha.
Bem sei que esta representação vem um pouco tarde, mas como o tratado está ainda pendente na camara dos dignos pares, d'ahi o meu desejo que ella seja publicada, a fim de chegar ao conhecimento dos membros da outra casa do parlamento.
Tiveram o destino indicado a pag. 2197.
Consultada a camara approvou a publicação.
O sr. Presidente: - Continua a discussão do projecto lei n.° 51, que ficou interrompida na ultima sessão.
O sr. Luiz de Lencastre: - Eu tenho apenas a dizer duas palavras ácerca d'este projecto, e não as diria, se não tivesse de responder às observações que fez é illustre deputado e meu amigo o sr. Ferreira de Almeida, na sessão passada, e quando eu já não podia responder-lhe.
O sr. Ferreira de Almeida disse, de certo sem intenção ofensiva, faço-lhe essa justiça, para o governo e para a commissão, que este projecto era feito em beneficio do banco ultramarino.
Nem a commissão, nem o governo, vem aqui advogar interesses do banco ultramarino. (Apoiados.) Outro é o seu intuito. (Apoiados.)
A commissão apresentou o seu parecer, em beneficiados interessados na arrecadação das heranças e a bem da causa publica, e foram estes os sentimentos que inspiraram a commissão e não outros. (Apoiados.)
Levantada esta expressão, por honra do governo e da commissão, vou tratar de responder a algumas considerações que s. exa. fez.
O illustre deputado disse, que continuava o estado de anarchia no ultramar, e que os bens dos ausentes continuavam a ser usados á vontade dos governadores.
Pois é para combater esse uso e esse abuso que é apresentado este projecto, e que os bens dos interessados nas heranças dos defuntos e ausentes no ultramar ficam acautelados e garantidos nas disposições do mesmo projecto. (Apoiados.)
Notou s. exa. que fossem arrecadados os bens pelos empregados da fazenda publica, e d'aqui tirou a illação de que continuaria o estado actual e de que os governadores quando tivessem precisão de levantar dinheiro, dariam ordens aos empregados de fazenda, seus subordinados e dependentes, e levantariam o que quizessem.
Mas s. exa. não quiz ver que as quantias depositadas á ordem dos juizes não podem ser levantadas senão por mandado cio juiz, e o juiz, membro de um poder independente, e demais com a sua responsabilidade propria, não está ás ordens do governador, nem prestará obediencia a

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qualquer ordem arbitraria e illegal de qualquer governador. (Apoiados.)
Os empregados encarregados da arrecadação teem a sua responsabilidade legal, que se tornará effectiva, sendo preciso, e fazem as vezes de qualquer depositario nas mesmas condições e sujeitos aos mesmos onus e penas dos depositarios.
Já vê v. exa. e vê a camara que a rasão dada por s. exa. não colhe, nem procede. (Apoiados.)
S. exa. notou que os bens viessem remettidos para o deposito publico por intermédio do ministerio da marinha, e achou n'isto inconveniente.
Parece me que ainda neste ponto s. exa. não tem rasão.
O que o projecto quer é que os encarregados da remessa dos bens arrecadados a façam pela via mais segura e mais conveniente, na passagem de qualquer ponto do ultramar para o deposito publico, única estação publica competente para receber o producto das arrecadações. E a passagem pelo ministerio da marinha é mais uma formula de proceder, do que outra cousa, e eu tenho-a por acertada e bem pensada.
A remessa é feita pelos empregados competentes e por ordem do juiz, e por mais ninguem.
O sr. ministro da marinha não tem competencia para intervir na arrecadação das heranças, nem póde distrahil-as do seu destino, que é o deposito publico.
E não tenha s. exa. receio de que venha a remessa pelo ministerio da marinha, porque pelo ministerio da marinha vem tambem os processos eleitoraes do ultramar, e o ministerio da marinha faz d'elles remessa para esta camara como é de lei.
A sua missão pelo projecto uca sendo a de intermediário somente, e nada mais. (Apoiados.)
Foram estas as duvidas levantadas pelo illustre deputado a que respondo, e às quaes eu me propuz responder, não só pela importancia do assumpto, mas pela consideração que me merece quem as levantou.
Disse.
O sr. Francisco Beirão: - Sr. presidente: por occasião de se discutir o orçamento rectificado n'esta camara, o illustre ministro da marinha, referindo se, ás accusações, que se lêem no parecer da respectiva, commissão, ácerca do estado lastimoso em que se encontra a administração da fazenda publica do ultramar, e a sua contabilidade, e aos desejos, ahi manifestados, de que se tomem providencias a tal respeito, accentuou o pleno accordo em que o governo se achava com a mesma commissão, e disse que o primeiro passo no caminho da regularisação das contas do ultramar era o projecto de lei, que havia apresentado, com relação ao cofre dos bens dos defuntos e ausentes. Isto posto, a camara não podia deixar de tributar a este projecto toda a sua attenção.
Esta foi uma das rasões que mais fez com que eu dedicasse especial cuidado ao estudo do projecto, e que mais ponderou no meu animo para me levar a submetter, á camara, as objecções que esse estudo me tivesse suggerido.
Devo começar por declarar que não concordo, de modo algum, com a opinião, que, a respeito d'este projecto, fórma e expendeu na camara, o sr. ministro da marinha.
Eu não considero que elle seja passo algum importante, dado no sentido de reorganisar a situação financeira do ultramar. Com effeito, ainda pondo de parte a investigação do modo de resolver o problema colonial, - e, com ella, a applicação de um systema, por virtude do qual, as colónias possam satisfazer aos seus próprios encargos - considerando a presente proposta, sob um aspecto bem menos importante, ella não me parece destinada a concorrer para a larga reforma de que carece a administração fazendaria no ultramar.
Com effeito qual o fim d'este regimento? Acautelar os direitos de quaesquer ausentes do ultramar, interessados em bens existentes em território ultramarino, e que pertenciam a individuos ahi fallecidos.
Se, pois, este projecto póde ter grande importancia, esta é puramente particular, assegurando mais efficazmente os interesses dos herdeiros ou credores ausentes.
Ora a administração da fazenda publica só melhorará com o emprego de meios, por virtude dos quaes, se regule a arrecadação e aproveitamento dos redditos públicos e se fiscalisem as despezas e a severa distribuição dos dinheiros da nação.
Visa o projecto a alguns d'estes fins?
Não.
Logo a sua influencia no sentido exposto parece-me que ha de ser se não nulla, de pouca importancia.
Mais ainda.
O illustre ministro escreve, no relatório que precede a sua proposta de lei, com respeito á intervenção das juntas de fazenda na administração dos bens dos ausentes, o seguinte:
«As funcções administrativas proprias d'estes tribunaes absorvem por tal fórma a attenção. dos empregados que os constituem, que necessariamente ou o serviço da fazenda publica ha de soffrer ou a administração dos ausentes.»
Parece inferir-se d'aqui que a rasão que leva o sr. ministro a considerar este projecto como um passo dado na reorganização da fazenda ultramarina, é, especialmente, o alliviar as juntas de fazenda do trabalho com a arrecadação, liquidação e administração das heranças dos individuos fallecidus no ultramar, a fim de poderem para o futuro, mais efficazmente, reger e fiscalisar a fazenda publica.
Com surpreza minha, porém, vejo que é o mesmo sr. ministro quem se encarrega de no seu proprio relatorio, um pouco mais adiante, destruir essa esperança, e deixar-nos entrever que tudo vae ficar no mesmo estado! Com effeito diz o relatorio:
(Leu.)
«A arrecadação do dinheiro, metaes e pedras preciosas e papeis de credito parece-me dever ser commettida aos thesoureiros da fazenda publica, sob sua responsabilidade, e do empregado superior da mesma fazenda, como fieis depositarios;...
«Considero preferivel entregar aos empregados da fazenda os valores liquidados das heranças a crear thesoureiros especiaes, que certamente não dariam melhores nem iguaes garantias de fidelidade.»
O que vem a haver, pois, é simplesmente a transferencia da arrecadação destes dinheiros, das juntas de fazenda para os thesoureiros da fazenda publica, sendo sujeita ainda á superintendência do empregado superior da mesma fazenda!
Até aqui os empregados de fazenda a quem incumbe recolher, administrar, e gerir os dinheiros publicos, na forma das leis, não tinham de accumular, individualmente, com esse serviço o das arrecadações d'aquellas heranças; hoje, pelo projecto do governo, vão ser sobrecarregados, pessoalmente, d'este serviço.
Ora eu creio que não será este o meio mais profícuo de elles desempenharem, para o futuro, as suas attribuições por fórma superior áquella por que hoje as cumprem. Com este systema não só, repito, se vão sobrecarregar os empregados de fazenda, mas tambem se vão, por isso mesmo, complicar serviços e difficultar negocios.
Diz mais s. exa. que tem havido irregularidades na arrecadação d'estes espolios.
Ora, se com as juntas de fazenda, encarregadas da arrecadação de taes heranças, se commettiam irregularidades, não será para temer que com empregados, que individualmente, occupam um logar inferior na hierarchia financeira do ultramar, se não ponha termo, como aliás muito convém, a essas irregularidades?

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Pelas rasões que tenho expendido, já v. exa. vê, que este projecto não póde ser um passo, verdadeiramente sensível para a reorganisação financeira do ultramar.
Feita esta declaração, vejamos a quem é que este projecto aproveita.
Antes de proseguir, não posso deixar de protestar, mais uma vez, contra o systema do apresentar á approvação do parlamento, projectos redigidos, simplesmente, em dois artigos, de geito a que tenham uma só discussão, na generalidade e na especialidade.
O governo, continuando a proceder assim, parece ter o intuito de coarctar a liberdade das discussões parlamentares, e o proposito de se furtar ao exame demorado, e á apreciação minuciosa dos seus projectos.
O sr. ministro da fazenda apresenta um projecto de reforma aduaneira, com dois artigos, mas com muitas bases o sr. ministro da marinha apresenta aqui um projecto tambem só com dois artigos, approvando um contrato, com muitas modificações e condições e, hoje, vem com um projecto de organisação, que diz dever representar um passo importante na reforma dos serviços financeiros do ultramar, apresenta-o com dois artigos, para ter uma só discussão, mas acompanha-o de um regimento com 36 artigos!
Agora não são nem bases nem modificações nem condições; agora volta-se á antiga palavra regimento, e que já parecia banida da nossa legislação!
Mas se as denominações divergem, o numero de artigos dos respectivos projectos não augmenta. São invariavelmente dois.
É sempre o mesmo proposito de que haja uma só discussão!
O mais curioso, porém, é que o governo foi de encontro aos intuitos da commissão especial que, segundo se vê do relatório do sr. ministro, organisou este projecto!
Com effeito o artigo 35.º do chamado regimento diz: «Fica revogada toda a legislação em contrario».
Sobre esse regimento elaborou o sr. ministro da marinha o seu projecto, approvando-o, e já se vê, só com dois artigos.
Ora o que dizem esses artigos?
O primeiro approva o regimento, e o segundo revoga a legislação em contrario, que já estava revogada pelo artigo 35.° do regimento, approvado no artigo 1.º do projecto!
Parece-me revogação de mais ou reflexão de menos.
Qual é porém a explicação d'esta revogação... em duplicado?
Parece-me facil.
O regimento não fôra elaborado com o fim de ter uma só discussão, tanto na generalidade como na especialidade, mas sim como o devem ser todos os projectos de lei, que pela sua materia, demandam mais de uma discussão. Como porém a isso se oppunha o proposito do governo, redigiu-se sobre elle um novo projecto, mas com tão pouca cautela, que nem ao menos se omittiu o artigo 35.° do regimento!
Eu não quero que este caso, que já me não vae parecendo só sporadico, de uma doença que atacou a actual situação politica, fique servindo de precedente, por isso, como deputado da nação, torno a protestar contra elle, e hei de protestar, tantas, quantas vezes, for apresentado qualquer projecto, redigido com o intento, com que este o foi, para que não fique constituindo precedente. (Apoiados.)
Poder-me ha dizer o sr. ministro da marinha, que elaborando esta proposta, dando-lhe a fórma, ou melhor, a denominação, de regimento, não fez mais do que acatar os precedentes da repartição a seu cargo, a respeito das providencias tendentes á arrecadação, liquidação e administração dos bens existentes no ultramar, que pertenciam a indivíduos ali fallecidos; pois que, achando-se em vigor o decreto de 18 de setembro de 1844, este decreto encarregou, as juntas de fazenda do ultramar, de elaborar diversos regimentos, consoante ás especialidades que se davam em diversos territorios sujeitos ao dominio portuguez. Se, portanto, adoptou esta palavra regimento, e por sor a mesma que se achava consignada n'aquelle diploma. Sc, porém, s. exa. allegar este precedente, eu poderei replicar dizendo-lhe, que se esqueceu de que o decreto de 18 de setembro de 1844 não approva, como este, em dois artigos, qualquer regimento, mas é distribuido em differentes artigos, em que se estabelecem os principios geraes que devem reger a arrecadação, a administração e a liquidação dos bens referidos, no ultramar, e, depois dessas disposições, é que vem o artigo que auctorisa as juntas de fazenda a fazer os regimentos especiaes a que me referi.
Mas, no presente projecto do regimento faz-se mais alguma e usa: estabelece-se uma nova organisação judiciaria; organisam-se novos processos; faz-se, nada menos, - n'eta parte, do que um novo codigo de processo!
O decreto de 1844 não foi discutido pelo parlamento: de certo.
Mas porque?
Porque foi uma providencia tomada pelo governo no uso das attribuições que lhe dava a lei de 2 do maio de 1843. que antecedeu o § 1.° do artigo 15.° do acto addicional, e pela qual o ministerio da marinha ficava auctorisado a tomar as providenciam necessarias no interregno parlamentar.
A allegação, pois, do sr. ministro não colheria.
Aquelles regimentos continham disposições, não geraes, como as do sujeito á nossa apreciação, mas especiaes a certas colonias, e, alem d'isso, os principios a que elles tinham de obedecer, se não foram discutidos no parlamento, foi isso devido á faculdade de que a governo podia usar, no interregno parlamentar, mas nunca durante as sessões das côrtes.
Esses regimentos, foram - digamol-o de passagem - o de 4 de dezembro de 1851, para a provincia de Angola, o de 25 de agosto de 1853 para a de Moçambique, o de 15 do dezembro de 1854, para as ilhas de S. Thomé e Principe, o de 20 do mesmo mez para o estado da India, e o de 18 de setembro de 1857 para Macau.
Mas vejamos o que é este regimento que s. exa. apresenta á deliberação parlamentar.
Na minha humilde opinião é um diploma, não só completamente inutil, mas até prejudicial.
É esta proposição que eu me proponho demonstrar á camara, no menor numero de considerações que possivel for.
O que se quer prevenir por este regimento?
Simplesmente tratar da arrecadação dos bens, existentes no ultramar, pertencentes a herdeiros, que se acham ausentes das comarcas, ou, sobre que, certos credores pretendam ter direitos.
É simplesmente isto o que se quer fazer com esta proposta; nem mais nem menos.
Ora publicou-se ha muito pouco tempo um livro, uma lei, chamada codigo do processo civil.
O codigo do processo civil tratou de acautelar todos os direitos e assegurar todos os interesses a que se referem os artigos d'este projecto.
Neste regimento preceitua-se ácerca dos termos que devo seguir a arrecadação dos bens que pertenciam a pessoas fallecidas, seus herdeiros ou representantes residentes no logar do decesso, e, feita a arrecadação, fixam-se os tramites que a successiva administração da herança deve seguir. Tudo isto, porém, se acha prevenido e regulado no codigo do processo civil.
O codigo do processo foi posto era vigor no ultramar, mas com certas modificações, por isso que os costumes ali eram differentes dos do continente. Por exemplo, certos editaes que no continente são affixados na porta das freguezias, na India, podem affixar-se na do pagode principal, segundo a religião do citando, os juramentos serão

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prestados na fórma do rito religioso que o ajuramentado seguir, etc.
Ora, percorrendo os differentes artigos do decreto de 14 de agosto de 1881, que poz o codigo em vigor no ultramar, não vejo disposição alguma em que se prohiba a applicação da parte do mesmo a que me estou referindo, nas províncias ultramarinas.
Eu vou mostrar á camara, em poucas palavras, os inconvenientes que, a meu juizo, resultam deste projecto de lei.
Com relação aos bens pertencentes ás heranças de individuos que morrem no ultramar, ha direitos de herdeiros e direitos de credores. Pode haver, herdeiros que queiram legitimar-se á herança, e credores que queiram fazer valer os seus direitos sobre aquelles bens.
Temos de um lado, repito, os herdeiros e do outro os credores.
Pelo codigo do processo civil em vigor, - arrecadados os espolios no ultramar, liquidados, e remettidos para a caixa geral de depositos - as habilitações ácerca de taes heranças, quer consistam em bens existentes no ultramar, quer no producto delles remettido para o deposito publico, e quaesquer causas tendentes a obter pagamento pelo producto que tiver entrado no mesmo deposito, são da competência do juizo da primeira vara de Lisboa. Em quanto porém os bens se não acham liquidados, e o producto em deposito, em Lisboa, os credores, para obter pagamento, podem intentar as respectivas acções no fôro da abertura da herança, pois, n'este caso, vigora a regra geral da competencia.
Antes de se pôr em execução o codigo do processo no ultramar, emquanto os bens se não achavam liquidados, e o seu producto arrecadado na caixa geral de depósitos, havia duvidas sobre se taes causas deviam correr perante os juizes de lá, ou perante os juizes de direito ou do commercio das comarcas de Lisboa, e isto dava logar a grandes dificuldades.
E o sr. ministro da marinha póde dizer se na sua secretaria existem, ao que creio, representações reclamando contra as disposições que se prestavam á interpretação de que os credores tinham, ainda n'aquelles casos, de intentar as respectivas acções, não no ultramar, mas no continente.
Era esta uma das duvidas que convinha resolver, e a commissão do codigo do processo deixou, ao que me parece, resolvida esta questão, segundo os principios geraes do direito. Em quanto os bens se conservam no ultramar todos os direitos dos credores exercem-se no ultramar, sem terem o incommodo de vir a Lisboa; se porém, os bens se liquidam, e o producto dos espólios é arrecadado em Lisboa, n'esta comarca correm as causas.
O que virá, porém, a acontecer por virtude do presente regimento? O governo não fallava no seu projecto nas causas dos credores: foi a commissão que transcreveu para o § único do artigo 34.°, a disposição do artigo 38.° n.° 3 do codigo do processo civil. Mas, por este, taes causas, emquanto os bens se não achassem liquidados, e o seu producto em Lisboa, ficavam sujeitas á regra geral, e corriam no logar da abertura da herança: - pelo regimento, porém como ha só um processo especial, pergunto os credores terão de esperar pela remessa do producto para Lisboa, ou podem ahi intentar as suas acções?
E pergunto: No ultramar, e emquanto os bens não se achem liquidados, não se póde pedir o pagamento de dividas? Um individuo que tenha um credito de 600$000 réis, por exemplo, tem que vir a Lisboa? Uma execução hypothecaria não se póde exercer ali, morto o devedor? Ou, então, é para pagar aos credores que tem, sempre, de haver inventario - inventario, a que mais de espaço me referirei? Repito, no regimento, não ha regra geral a que recorrer, como se ha de pois, proceder?
Se assim é, temos aqui um ponto que é altamente prejudicial.
Ora, pergunto eu: se o projecto quer ter tanta consideração para com os herdeiros ausentes do ultramar, que chega a conceder-lhes a facilidade de intentarem as suas justificações na comarca da naturalidade do finado, porque não ha de tel-a igualmente para com os credores residentes no ultramar e que tenham a exercer direitos sobre bens ali existentes?
Parece-me ter provado á camara que, sob Cote aspecto, o regimento não é, pelo menos tão claro, como o que está estabelecido.
Agora pergunto: Onde fica a uniformidade de lei que parece ter sido, ultimamente, noma de administração, seguida com relação ao ultramar?
Approvado o projecto em discussão, temos urna lei para o ultramar e outra para o reino.
Onde fica a uniformidade de legislação? Creio que isto é um principio que cumpre tomar em conta, tanto quanto possível, ainda assim.
Parece-me que o processo que se quer seguir no ultramar é mais complicado, sem necessidade alguma, do que o do codigo do processo civil, e, n'esta parte, acompanho plenamente as considerações feitas por alguns dos meus collegas que me precederam. Comparemos.
Qual é o processo que se segue para a arrecadação de bens que ficam por morte de alguem a quem não apparecem herdeiros?
O ministerio publico, qualquer interessado que se supponha com direitos sobre herança, têem o direito de requerer o arrolamento dos bens, para que não haja prejuízo para os seus direitos.
Portanto, note-se, o ministerio publico tem obrigação de promover a arrecadação.
Aberta a herança, seguem se os termos do processo da herança jacente, com o fim, ou de a declarar vaga para o estado, ou de lhe fazer declarar representante competente. Pelo regimento o que se fez ? Impõe-se ao ministerio publico a obrigação referida, - no que não ha innovação, - mas, quanto a outras pessoas, só se impõe o dever de participar a morte do auctor da herança. E o que resulta do artigo 2.° que diz:
«Art. 2.° Fallecendo alguem, cujos bens devam ser arrecadados, na fórma d'este regimento, é obrigada qualquer pessoa, que morasse com o fallecido, a dar parto do fallecimento, no praso de quarenta e oito horas, ao representante do ministerio publico da comarca em que o fallecido residia, sob pena de multa de 5$000 a 100$000 réis.
«Art. 3.° O ministerio publico, logo que por qualquer fórma tenha noticia do fallecimento, requererá ao respectivo juiz de direito, que proveja no que for de urgência quanto á segurança dos bens do fallecido; e bem assim que se comece o inventario com a menor dilação possível e em todo o caso dentro do praso de trinta dias, contados da data do fallecimento.
«§ unico. A participação mencionada no artigo antecedente, quando a houver, irá sempre junta ao requerimento do ministerio publico.»
A este respeito ha um ponto para o qual chamo a attenção da meus collegas juizes de direito.
Até aqui entendia-se que o juiz de direito era uma entidade passiva, não fazia senão o que o ministerio publico promovia, ou as partes lhe requeriam.
Isso acaba agora no ultramar, porque o juiz de direito sáe d'esta impassibilidade.
Com effeito diz o artigo 4.°
«Art. 4.° Se o juiz não for requerido, e tiver noticia de que se dá o caso de proceder a inventario, nos termos do presente regimento, assim o mandará desde logo, com intimação do ministerio publico, que promoverá o que for de justiça contra quem não tiver feito as devidas participações.
Ǥ unico. Se o juiz achar que houve negligencia da parte

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do ministerio publico, assim o communicará ao competente magistrado da segunda instancia.»
A camara comprehende a differença entre o direito concedido a qualquer interessado de pedir o arrolamento, e a obrigação imposta a certas pessoas de fazer a declaração da morte do cujus; e com que pena?! Pois não haverá casos em que valha bem pagar o maximo da multa, e não fazer a declaração?
O arrolamento complica-se mais, pelo projecto, porque, por exemplo, se exige que, alem do arrolamento ser feito pelo escrivão, presidindo o juiz, e assistindo o ministerio publico, ainda assistam duas testemunhas.
Depois de feito o arrolamento, o que é que se faz no continente? Nomeia-se um depositario idoneo que administra a herança emquanto não apparecem os herdeiros, ou não é declarada vaga para o estado. E seguem os mais termos, não já propriamente da arrecadação, mas da herança jacente.
Aqui tambem se nomeia um depositario idoneo, mas limita-se esta nomeação, porque ao passo que no continente o juiz tem o direito de escolher o depositario ou o administrador que lhe parecer mais idoneo, no ultramar fica obrigado, n'uns casos, a nomear o socio do negociante, se elle estava associado com alguem, e n'outros o credor que lhe seja indicado.
A caução que o administrador presta, a que se refere o artigo 11.° representa até certo ponto um melhoramento; mas, sobre esse mesmo ponto alguma cousa direi.
Vozes: - Deu a hora.
O Orador: - Ouço dizer que deu a hora, n'esse caso peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.
O sr. Presidente: - Fica com a palavra reservada.
Vae dar-se conta á camara de um requerimento apresentado pelo sr. Antonio Centeno.
Leu-se o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja prorogada até o dia 20 do corrente a licença já concedida por esta camara ao sr. Mariano de Carvalho, deputado pelo Cartaxo, para estar ausente do reino = Antonio Centeno, deputado por Lagos.
Foi concedida.

O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da commissão do orçamento sobre as propostas de lei da receita e despeza do estado ordinaria e extraordinaria no exercicio de 1885-1886.
Peço que seja mandado imprimir com urgencia para poder ser distribuido ámanhã pelos srs. deputados.
Assim se ordenou.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto n.° 87 (tratado do Zaire)

O sr. Carlos Bocage: - Quando hontem deu a hora estava eu procurando apreciar a attitude da Allemanha na occasião em que se dirigia ao governo portuguez, em meiado de abril do anno passado; e as successivas alterações que tinha apresentado a politica do imperio com relação á questão colonial.
A Allemanha dirigia-se ao governo portuguez pedindo-lhe garantias para o seu commercio, e dizendo-lhe que não podia consentir que o tratado feito com a Gran-Bretanha fosse applicado em prejuizo dos interesses allemães.
O governo portuguez respondeu a esta declaração pela fórma que está consignada no próprio officio dirigido peio conde de Rex ao seu governo, do qual se deduz que o nosso promettêra completa satisfação ao commercio allemão e ao mesmo tempo affirmára, que estando ligado com a Inglaterra pelo tratado não podia afastar-se das obrigações n'elle contrahidas. Quiz-se concluir, que esta resposta não tinha sido completamente satisfactoria ao governo allemão, pois tendo este feito a Portugal offerecimentos, o governo portuguez não comprehendêra a intenção que os dictára e que em consequencia d'isso, o governo allemão se tornára de amigavel que ainda estava, hostil para comnosco! Esta apreciação não é verdadeira nem o governo allemão se mostrou depois da nossa resposta irritado comnosco.
Somente apresentou reluctancia em deixar apllicar aos seus naturaes condições menos vantajosas do que ficavam ou pareciam ficar consignadas no tratado de 26 de fevereiro, relativamente ao commercio britannico. Pronunciava-se ao mesmo tempo o chanceller do imperio justamente contra quem, não abertamente, mas por uma intriga constante, maquinava contra nós: a associação internacional.
Manifestava-se d'uma maneira tão positiva e clara, esta opposição que a ninguem póde deixar duvidas, pois de 8 a 10 de maio o orgão oficioso do chanceller, a Gazeta da Allemanha do norte, ataca em successivos artigos a associação internacional e pergunta-lhe em termos desabridos qual o seu nome, visto que usa de tantos, e quaes os seus intentos, visto que tanto apregoa a liberdade commercial, e tão contraria se lhe mostra nos convenios que firma com os regulos africanos.
Estes artigos violentos mais parecem escriptos em Lisboa, por aquelles que a associação constantemente offendêra do que pertirem d'uma imprensa, que até aqui parecêra inteiramente desinteressada relativamente ao destino dos territorios contestados.
A situação, em principios de maio, é perfeitamente clara: a Allemanha aggride abertamente a associação internacional, ao mesmo tempo que, dirigindo-se a nós e á Inglaterra, procura que não seja nocivo ao seu commercio o regimen que se vae implantar na região, que o tratado de 26 de fevereiro nos concede que occupemos.
Nos proprios artigos da Gazeta da Allmenha do norte revelam-se, mesmo ao espirito mais desprevenido, os motivos que deram lugar á hostilidade do chanceller.
N'um d'elles refere-se a solicitação, por mais d'uma vez feita pela associação á Inglaterra, para que lhe conceda uma carta de protecção para os seus territorios; n'outros allude á presunpção de que sejam cedidos os direitos da sociedade á França, passando por compra ao dominio d'esta potencia, os estados livres que se vão fundar, e o artigo conclue perguntando: «como se vendem estados livres?»
Estes artigos tinham uma alta significação, pois sabe-se na Europa inteira, em todo o mundo, que a Gazeta da Allemanha do norte não publica senão o que vem de Wilhelm-Strasse, e que é o órgão mais auctorisado da chancellaria imperial.
N'estas condições viu se claramente, que a Allemanha era positivamente contraria á cessão dos territórios da associação internacional quer á Inglaterra, quer á França. Em relação a nós, e ao nosso tratado não se pronuncia ainda o jornal.
Dias depois é que o chanceller do imperio responde com uma carta ás representações que lhe tinham sido dirigidas por diversas associações commerciaes da Allemanha, no intuito de as tranquillisar, e desvanecer o receio que se manifestava n'aquelles documentos, emquanto ao regimen aduaneiro, aos preceitos de administração que se resolveria estabelecer no territorio do Congo, e ás vantagens que a Inglaterra poderia tirar do tratado, com prejuizo para a concorrencia allemã.
N'esta resposta, que tem a data de 12 de maio, diz o príncipe de Bismarck:
«Estou negociando com a Inglaterra e com Portugal, e asseguro que nenhuns preceitos nocivos serão estabelecidos pelo que respeita ao commercio allemão.»
O que elle não faz por em quanto é manifestar-se contra o exercicio do soberania portugueza n'aquelles territorios.

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Esta attitude assumida pelo chanceller surprehende a todos; não é só inesperada para nós, como dão a entender os que injustamente accusam de mal informada e pouco previdente a nossa diplomacia.
Quem percorrer os documentos dos livros azues e do livro amarello, quem :os ler com attenção ha de reconhecer que nem o embaixador de Inglaterra nem o embaixador de França acreditavam que o chanceller quizesse dar a força do seu apoio, ás manifestações da classe commercial relativamente, ás emprezas ultramarinas.
Tivera em tempos o principe de Bismark a idéa de patrocinar a colonisação allemã em territorios longinquos; conhecem todos a empreza das ilhas de Samoa, e o memoravel desastre parlamentar que valeu ao grande estadista o patrocinio que dava áquella tentativa colonial. Irritado pela derrota que soffrêra, o chanceller abandonou a idéa e resolveu que as emprezas coloniaes fossem affastadas da iniciativa do governo.
Assim o repetiu muitas vezes a todos, aquelles que o consultavam sobre assumptos coloniaes 5 assim o referia ao seu governo em 15 de março lord Ampthill.
Lord Ampthill era o mais antigo embaixador na Alle-manha; antes de subir á categoria de par já illustrára o seu nome, sir Odo Russell; tinha representado oficiosamente a Inglaterra junto do Vaticano com tal habilidade, com tanto esplendor, que depois foi escolhido para embaixador do seu paiz na Allemanha; conhecia elle havia muitos annos, e até tratava de tudo chanceller. Quem podia, portanto, estar mais bem informado do que elle das intenções do príncipe de Bismarck?
Podia um simples ministro plenipotenciario saber mais do que o nobre lord?
Não o sabia tambem o embaixador de França, e comtudo, o sr. barão de Courcel tinha motivos para andar bom informado, pois é elle que dentro em pouco vae occupar-se a fundo da questão colonial, e tratal-a directamente com. o príncipe. Qual seja o seu merito não posso eu encarecer, nem é preciso, porque ahi estão para o attestar todos os protocollos da conferencia, que são uma gloria para o illustre representante da republica.
E todos informavam correctamente os seus governos, porque a opinião do chanceller ainda se não tornára diversa da que fora até ali; quando mudou foi depois, e, porventura, por uma questão, de política interna.
Precisou elle ter no parlamento o apoio de um certo grupo que olhava com muita attenção para os interesses de Hamburgo e do Bremen, das importantes casas commerciaes que negociavam com a Africa.
Sendo-lhe preciso angariar o apoio d'aquelle grupo duvidoso, em medidas que iam contrariar de algum modo os interesses de certas classes commerciaes, elle, como grande político que é, abriu-lhe as portas da colonisação, satisfez os desejos manifestados pelos negociantes africanos, e acceitou as representações das camaras de commercio, representações que, como todos sabem, raras vezes na Allemanha chegam a publicar-se quando não convém ao governo dar-lhes resposta satisfactoria.
N'estas condições a mudança não podia ser prevista. Provinha de um facto interno, provinha de circumstancia que o nosso tratado não determinou nem podia determinar.
Seria uma loucura o suppor que uma nação de segunda ordem, estabelecendo um novo regimen em uma pequena parte da costa africana, podesse influir na politica colonial da Allemanha, a ponto de lhe determinar a expansão, tantos annos contrariada pelo chanceller.
Uma circumstancia politica de momento foi a causa determinante da sua acção; e foi a origem dos ataques dirigidos primeiro contra a associação internacional, e mais tarde contra nós tambem.
E porque contra nós? Eramos nós porventura os unicos a quem o principe de Bismarck aggrediu?
Comnosco estava a Inglaterra, e era contra a Inglaterra que o chanceller se dirigia principalmente.
Quem ler a correspondencia e vir a linguagem branda, suave, com que o ministerio dos negócios estrangeiros do império nos falia, e a comparar com o tom áspero e severo com que se dirige ao Foreign office, ha de ver que o inimigo não estava aqui, estava em Londres.
N'essas circumstancias o que podíamos nós fazer? Rasgar o tratado e abandonar a Inglaterra?
Já hontem disse que não e mostrei porquê.
O que fizemos então?
Depois do chanceller manifestar em 22 de junho em uma reunião verdadeiramente extraordinaria da commissão do orçamento do reichstag, reunião em que o chanceller compareceu, quando havia treze annos que não comparecia nas commissões da camara, especialmente para declarar que a Allemanha ia assumir uma posição importante no dominio colonial, e para declarar tambem que os nossos territorios africanos não deviam dilatar-se mais.
Depois d'esta declaração que fazer? Deviamos ir contra a vontade da Allemanha?
Era preciso que tivessemos um exercito como ella tem, e que as nossas alterosas naus ainda cobrissem como outrora todos os mares do globo.
Fizemos o que podiamos e deviamos. Declarámos que mantinhamos os nossos direitos e que daríamos a todos os interesses plena e inteira satisfação.
É isto que se póde ver em um telegramma datado de 28 de junho, e que vem a paginas 53 do livro branco.
(Leu).
«Para evitar equivocos, communique v. exa. a esse governo o seguinte: Portugal mantém, como base de accordo com as outras potências, o reconhecimento da justiça das suas pretensões á soberania do Congo; mas está prompto a admittir todas as garantias julgadas necessárias para que não possam ser prejudicados o» interesses commerciaes das outras nações, e dará ao commercio e transito todas as facilidades praticamente realisaveis. Só quer para si a justa compensação dos encargos que vae tomar; acceita e deseja a iixação de fronteiras com os estados limitrophes que se organizarem regularmente.»
Quasi ao mesmo tempo, em 30 de junho, escreve lord Granville a lord Ampthil:
«Estas objecções (as da Allemanha) não permittem esperar que possa obter-se o assentimento da Allemanha ao tratado, e o governo de Sua Magestade deu por conseguinte instrucções ao sr. Petre para que informe o governo portuguez de que seria inutil proceder á sua ratificação.»
A Inglaterra abandonava, pois, o tratado e desligava-se d'elle. Readquirida a liberdade de acção, havíamos de esperar de braços crusados, ou de occupar os territorios do Zaire?
Esperar o que? Que alguém lá fosse occupar em vez de nós o que era nosso? Seria a perda certa de tudo o que reclamavamos. Occupal-o nós, não o tínhamos feito quando a Inglaterra só obstava a isso e havíamos de fazel-o agora? (Apoiados.) Tínhamos perdido quarenta annos e haviamos de o tentar agora, quando a Europa inteira se manifestava contra nós? O que tinhamos a fazer era negociar, por um de dois modos, únicos possíveis, ou negociar com cada uma das potências, perguntando-lhes quaes eram as suas ideias, quaes as garantias de segurança que precisávamos dar-lhes para podermos occupar o que era nosso; ou convocal-as todas para que juntas decidissem o pleito e que dissessem o que havia de triumphar, se o nosso direito histórico acompanhado de garantias, ou uma solução nova que poderia ser tão variada, quanto variadas seriam as imaginações d'aquelles que tivessem o intento de dar a outrem o que nos queriam tirar a nós.
N'estas condições a idéa da conferencia tomou uma fórma mais positiva, e mais clara; tornou-se uma realidade por

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que foi patrocinada por dois governos poderosos, o da Allemanha e o da França.
Discute-se, pergunta-se, se a iniciativa da conferencia partiu de nós como uma suggestão, ou com o caracter for mal de uma proposta; e se é verdade que para tomar tal iniciativa não consultámos a Inglaterra, quebrando assim um pacto que haviamos contraindo com essa nação.
Pergunta-se tudo isto e não se pensa que fosse ou não fosse a ideia seggerida por nós, era fatal desde que não davam resultado as negociações separadas com cada um dos estados que eram ou se diziam interessados.
Desde que se respondia a esses estados, que estávamos promptos para dar garantias a todos, e a cada um d'elles, qual era o meio de resolver este pleito internacional?
Dissemos a 28 de junho que nós queriamos como base do accordo com as potencias, o reconhecimento da justiça das nossas pretensões.
Não podiamos dizer do nosso direito, porque nos era contestado; queriamos que se reconhecesse a justiça da nossa causa, e que depois sobre essa base se discutissem os interesses d'aquelles que allegavam tel-os.
E como foi feita a conferencia?
Foi, como a Allemanha parecia indical-o, partindo da negação dos nossos direitos, prohibindo a extensão do nosso dominio, ou foi como nós pretendiamos?
Nem uma nem outra cousa. Houve uma nação que marcou o termo medio, a justa rasão, e que nos salvou nos transes mais difficeis. Foi a França, que manteve sempre para comnosco a mesma posição; se nunca nos deu o reconhecimento explicito que desejavamos, tambem nunca nos negou o nosso direito.
A França, mesmo quando, dava o celebre desmentido do sr. Duclére ao sr. visconde de Azevedo, não disse que negava o nosso direito; disse que o não confirmava.
Collocada n'este ponto de vista, que é o do governo francez, a politica da republica é sempre logica, legitima e natural, é sempre amiga nossa, mostra-se leal, nobre e desinteressada, como é ainda a politica da França. (Apoiados.)
O que fez ella? Viu que uma conferencia em que iam debater-se todos os direitos, era um perigo grave para aquelles que, embora tivessem por si a justiça, encontravam na sua frente a ambição insaciavel junta com a força, querendo abrir em proveito proprio os continentes desconhecidos.
O que fez pois? Affirmou que na conferencia não deviam discutir-se soberanias nem pôr-se limites a torritorios. N'essas condições discutiam-se apenas na conferencia interesses commerciaes, não se partindo nem do nosso direito como base, como nós queriamos, nem da negação d'esse direito, como a Allemanha parecia desejal-o. Se nós cedemos, cedeu tambem o chancelar.
Por este tempo o que fazia a nossa pobre diplomacia, que tão mal tratada tem sido? O que ella fazia dizem-n'o as notas do sr. Andrade Corvo, que negociava com o sr. Ferry; dizem-n'o os officios do sr. conde de S. Miguel, mostrando sempre a reciproca lealdade que existiu entre o nosso nosso paiz e a Hollanda: dil-o ainda depois a nossa correspondencia com a legação de Berlim.
A attitude dos governos em relação a Portugal era profundamente diversa da que se manifestava nos diversos paizes da Europa pela imprensa de todos elles. Estes governos, por intermedio dos seus diplomatas, e por declarações feitas aos nossoa representantes, conservavam-se hostis á nossa iccupação, com prejuizo dos seus direitos adquiridos e do seu commercio; mas, negação e completa para com os nossos direitos, só tivemos da Allemanha, e d'essa mesma não houve para comnosco, como para com a Gran-Bretanha, documento escripto.
Ao mesmo tempo que isto se dava, o que viamos nós na imprensa por toda a parte?! A calumnia constante, as accusações mais loucas, as mais immerecidas; quem as lesse não via em Portugal senão uma horda de selvagens, e nas nossas colonias um bando de malfeitores que se lançavam sobre o commercio de todo o mundo procurando roubal-o e arrancar-lhe violentamente tudo quanto podia; a mais profunda inepcia na nossa administração, um systema barbaro e impossivel de alfandegas; os nossos descobridores nada haviam feito; a nossa influencia em Africa, desconhecida; eis o que elles diziam, eis o que dizia Stanley, fazendo-o ao mesmo tempo espalhar em todos os jornaes do mundo. E porque?! Porque havia quem se interessasse n'isto, porque havia milhões compromettidos n'uma obra contraria ao dominio portuguez, e sabia-se sacrificar uma parte d'esses milhões para ganhar o triumpho appetecido da causa em que elles se empenhavam.
Esta campanha para nós era insustentavel, não tinhamos força para luctar com quem dispunha de tantos cabedaes, e confiavamos apenas em que a verdade havia de ter sempre rasão.
Ao mesmo tempo que a imprensa politica de toda a parte nos atacava, nós defendiam'a-nos junto dos gabinetes e pediamos constantemente que não desem inteira crença ao que os jornaes propalavam por toda a parte, Foi isto o que fez a nossa diplomacia. Se foi muito, se foi pouco, se foi o seu dever, não o digo eu, deve dizel-o a camara.
E depois, precisamnete n'este momento, e é esta uma nota triste que não posso deixar de referir, porque é preciso dizer a verdade toda, confessar mesmo todos os erros, para não voltarmos a pratical-os; muitos dos jornaes que nos calumniavam, muitas das accusações que nos faziam fundavam se n'outras accusações que tinham sido feitas aqui, repetiam-se trechos de jornaes que em Portugal se occupam de interesses coloniaes, para se affirmar que a nossa adminsitração ultramarina era detestavel e que eramos incapazes e indignos de possuir os territorios que pretendiamos occupar. (Apoiados.)
Para mais completo fundamento acharem nas suas calumnias recorriam a plrases menos pensadas que se haviam proferido n'esta casa ou fóra d'ella. Eu creio que as intenções com que essas plrases se proferiram eram patrioticas.
O sr. Ferreira de Almeida: - Não esqueça s. exa. os escriptos, tanto de um membro do governo como de outro da conferencia que fundamentaram as asserções feitas sobre os factos gravissimos que aqui se apreciaram.
O orador: - Não me compete averiguar quaes são as culpas de cada um.
A consciencia lhes dirá quem as tem. Quem as não tiver lamentará que outras fizessem o mal, e quem as tiver pensará que mais vale não dizer tudo, do que dizel-o, quando d'isso resulta inconveniente para os interesses legitimos do paiz. (Apoiados.)
Eu não podia deixar de vir narrarto da a verdade. Era preciso que eu dissesse, e é justo que se diga, que havia um certo fundamento nas accusações que se nos faziam, fundamento que embora não fosse verdadeiro, nascêra todavia no paiz, e d'ahi provinha a força que elle tinha; porque se dizia que o proprio paiz não se interessa: a tanto n'esta questão do Zaire, quanto o allegava o nosso governo.
Suppunha-se e affirmava-se que havia em Portugal uma corrente contraria á acquisção d'aquelle territorio, e dizia-se que era esta uma campanha mais politica do que nacional em que os nossos brios, a nossa honra e o nosso decoro nada tinham que ver com a acquisição de mais aquelles palmos de terreno.
Esta situação falsa em que a opinião publica estava, era mais uma difficuldade com que nós luctavamos ao abrir-se a conferencia de Berlim.
Tendo de narrar todas as difficuldades que encontrámos, não podia esquecer aquella a que me referi ha pouco; mas não o fiz com o desejo de lançar sobre qualquer pessoa a mais pequena accusação, fil-o para commemorar o facto.
Não adduzirei provas, nem traducções dos nossos periodicos, não direi mesmo o nome de um só jornal que

105 *

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publicasse qualquer cousa de menos favoravel para o nosso paiz. (Apoiados.}
Abriu-se a conferencia. E para a abrir fez-se um convite. N'elle se marcava qual o seu intuito, estabelecer:
«1.° Liberdade de commercio na bacia e embocadura do Congo;
«2.° Applicação ao Congo e ao Niger dos principios adoptados pelo congresso de Vienna, no intuito de consagrar a liberdade de navegação em vários rios internacionaes, principios applicados mais tarde ao Danubio;
«3.° Definição das formalidades a observar para que as novas occupações nas costas de Africa sejam consideradas effectivas.»
Na resposta a esse convite estava consignado que nós iamos á conferencia de Berlim com a reserva plena e inteira dos nossos direitos.
Em vista dos seus proprios termos era certo que as questões territoriaes não haviam de ser tratadas.
Ao abrir a conferencia, o chanceller do império repetiu mais uma vez esta restricção. Por conseguinte fomos ali como deviamos, isto é, nas condições que propunhamos, guardado a respeito da conferencia pelo que era nosso, e que ella não podia atacar.
Não podíamos ir pedir-lhe o reconhecimento pleno e positivo do direito que nos assistia, porque a conferencia declarara que não ia discutir questões territoriaes, e era porque se declarava que não seriam discutidos que nós podia-mos com menos receio tomar parte nos seus trabalhos.
Tem-se perguntado com que allianças contavamos e como nos íamos apresentar perante um tribunal que nós devia-mos suppor que nos era hostil.
E porque tínhamos o direito de dizer que aquelle congresso não tinha competência para julgar da nossa causa, nem para esbulhar-nos do que era nosso, que podiamos, sem perigo, aguardar as suas decisões. (Apoiados.}
Quaes eram as nossas allianças dizem-no os protocol-los.
Eram as d'aquelles que tinham territorio na Africa como nós; era a da França, que tanto nossa alliada se mostrou em todos os trabalhos da conferencia, porque a ligavam a Portugal a communidade de interesses e as tradições constantes da sua politica, era a França que nos defendia defendendo se a si propria, e que nos animou na lucta em prol das nossas prerogativas de potência marginal do Zaire.
Não quero entrar na apreciação dos trabalhos da conferencia de Berlim; a outra pessoa mais competente do que eu, e que nella tomou parte directa, compete analysal-a e aprecial-a; mas não posso deixar de tocar n'um ponto que lhe diz respeito, ainda para responder ao sr. Ennes.
A principal objecção de s. exa. contra o tratado de 1884 foi a creação de uma commissão mixta, dizendo-nos s. exa. que este era talvez o erro capital de toda a negociação com a Inglaterra.
Pois nós vemos o exemplo de uma commissão mixta que triumphou na propria conferencia e sómente porque variavam um pouco ás condições.
A commissão mixta era anglo.franceza e o rio era o Niger.
As rasões que havia contra ella, quando todas as potências se lhe oppunham, são as mesmas que se dão agora, e comtudo a Inglaterra consegue mantel a só porque tem n'esta maior interesse do que na outra.
Tinhamos adoptado a commissão mixta com a Inglaterra porque só ella pozera obstáculos ao nosso dominio e nos pedira garantias; mais tarde, quando esses obstáculos desappareceram por parte da Inglaterra e surgiram por parte das potencias, dissemos que acceitariamos a commissão internacional em que ellas fossem representadas se a Inglaterra annuisse.
Por conseguinte, não vejo onde esteja aqui um erro capital, e menos ainda uma causa determinante do mallogro do tratado assignado em fevereiro de 1884.
O que exerceu a influencia principal no naufragio d'esse pacto bilateral não foi a commissão mixta, foi essa extraordinaria ambição africana que se manifestou e desenvolveu com extraordinaria violencia, assumindo o caracter de uma verdadeira epidemia. (Apoiados.}
Como nós possuiamos territorios, e outros os não possuiam, queriam que elles fossem repartidos. (Apoiados.}
Contra estas ambições é que nós luctámos com inquebrantavel energia.
E n'este momento não posso resistir á tentação de repetir aqui uma phrase que ouvi pronunciar a um notavel estadista:
«Portugal não é uma grande potencia, mas tem direitos e saberá defendel-os.»
Estas palavras resumem a nossa politica, e explicam o motivo porque a conferencia de Berlim esperou um mez que fosse firmado o tratado entre Portugal e a associação internacional.
Não quero entrar na analyse d'este tratado, mas apesar disso não posso deixar de consignar mais uma vez que se tivemos de quem nos queixar, e se nem todos luctaram contra a corrente de interesses que parecia dever assoberbar-nos, encontrámos comtudo amigos fieis.
Já citei a Franca, mas para ser justo é preciso mencionar tambem a Hespanha.
Todos sabem que durante negociações tão importantes como as que tinham logar em Berlim ha mil pequenos serviços, que, prestados a tempo, auxiliam poderosamente aquelles que maiores interesses defendem. (Apoiados.}
A Hespanha, com uma dedicação constante, sem receiar comprometter se e desagradar ao chanceller, o que tantos muito mais poderosos receiavam, não hesitou nunca em nos prestar auxilio franca e abertamente.
É preciso que o digamos.
Finalmente resta apreciar uma cousa: como ficámos?
Diz-se que as circumstancias em que ficámos, em virtude das concessões que fizemos, são desgraçadissimas.
Com o novo regimen de liberdade commercial como se podem auferir os rendimentos necessarios para administrar os territórios do Zaire?
Com a vizinhança de uma larguissima zona onde se estabelece o livre transito e o commercio livre, como havemos de sustentar o regimen económico da nossa provincia de Angola?
E ao mesmo tempo pergunta se: porque é que, se viamos desde logo as concessões que tínhamos a fazer, fomos seguindo uma política do expedientes, em logar de declarar antecipadamente que o commercio era livro para todos e que haviamos de abolir os direitos de entrada?
Porque é que não advinhámos o que se ia passar? Porque era impossivel.
O governo de Franca, nas negociações que precedem a conferencia, insertas no Livro amarello, diz o que entende por liberdade de commercio. Porém, não o sustenta porque é d'aquelles que nada teem a defender, porque não possuem um palmo de terreno no Congo, e que acham muito bom entrar em toda a parte, sem obstaculos, nem peias, nem encargos.
E extraordinaria esta theoria do liberdade de commercio, que se apresentou na conferencia de Berlim, sustentada por aquelles que menos a applicam no seu paiz.
A industria europêa não consegue penetrar nos Estados-Unidos da America, onde lhe fecham violentamente as portas os direitos protectores, para não dizer prohibitivos.
Comtudo a America está um pouco mais explorada do que a Africa, e carece menos de que protejam o seu desenvolvimento. Querem os americanos que se abra para elles a Africa, e poderia perguntar-se-lhes, invocando os mesmos argumentos, se quem fez a America não foram os europeus; não creio que os americanos tinham a convicção de

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que nasceram lá todos, e de que nós não tenhamos contribuido largamente para a sua prosperidade. Pois os mais ardentes propugnadores das liberdades commerciaes no Congo são os representantes dos Estados Unidos.
Graças aos que não têem que perder, a conferencia decreta o livre cambio.
A Inglaterra commemora todos os sacrificios que já tem feito a bem duma liberdade, da qual não tem que receiar, e pede aos outros que façam mais alguns em beneficio d'ella e detrimento dos proprios interesses.
Esta é a verdadeira situação, portanto, ainda que tivessemos idéas muito exactas sobre o que mais nos convinha no futuro, haviamos de pôr de parte as nossas, e aceitar as que nos davam. De mais, o nosso territorio ficava collocado na mesma situação em que estão os das outras nações que os possuem na phantastica. bacia do Zaire.
É absurdo admittir que poderiamos tel-a modificado, precisamos apenas pensar com muito patriotismo no que devemos fazer agora, no que é necessario que façamos para que a Europa não possa continuar a accusar-nos, com menos justiça, é certo, mas com algum fundamento.
Os territorios africanos precisam ser abertos ao commercio, devemos abril-os.
Nós temos feito reformas na nossa economia colonial, e ninguem póde dizer que estas reformas não sejam liberaes. Poderiam talvez ter sido mais rasgadas, mas o que é certo é que a marcha successiva do nosso regimen fiscal é no sentido livre-cambista, ninguem o póde negar.
Todos os dias se está dizendo que a nossa administração colonial é detestavel, mas fazemos logo excepções quanto a alguns funccionarios superiores que têem estado ou estão á frente das nossas colonias. Eu estou prompto a acceitar que a administração das colonias não tem sido tão boa quanto seria para desejar, mas hão de permittir-mo tambem que somme todas as excepções. Nós accusâmos a administração colonial e logo depois dizemos que as auctoridades superiores, os governadores têem sido muito dignos, muito illustrados e muito zelosos. Pois então a administração colonial é tão má e as auctoridades governam tão bem? Não comprehendo.
Ha um livro publicado ha um anno proximamente na Austria pelo sr. Fritz Robert, que trata da Africa de oeste, sul e leste. Logo na iutroducção do seu livro esse distincto escriptor occupa-se dos differentes paizes e dedica-nos algumas linhas, em que diz que Portugal, apesar de ter diminuido a extensão das suas possessões, talvez ganhasse n'isso mesmo, porque as suas colonias melhoraram; diz que á administração colonial se fazem grandes accusacões, mas que taes accusações partem da opposição: e que, para se fazer juizo seguro sobre as nossas colónias é necessario dar o devido desconto a essas affirmações apaixonadas: diz mais que nós temos conseguido que as raças negras tenham em nós mais confiança do que em todas as outras nações. O que se lê n'este livro é o mesmo que repetem os viajantes que não duvidam dizer a verdade.
Contava ainda o anno passado o dr. Nachtigal, cujo nome eu não posso pronunciar sem lastimar a sua perda irreparavel, e repetia o dr. Buchner, seu companheiro, que ambos tinham aprendido portuguez para atravessarem a Africa; e a mim me contou o sr. Buchner que estivera tres mezes em Malange instruindo-se na nossa lingua!
Sendo isto verdade não venham dizer que o nosso systema colonial é pessimo.
Tem defeitos, que se podem corrigir; mas o que tambem tem é uma excellente base, que consiste em procurarmos sempre approximar o negro de nós, transmittindo-lhe o nosso modo de ser, levantando-o a elle, e não querendo expolial-o totalmente, como alguns, nem, como outros fazem, expulsal-o para longe.
Este systema administrativo e social, que é nosso, e que é bom, póde continuar; o que é preciso é melhorar o regimen economico; é fazer comm que ás colonias se dirijam largas correntes commerciaes; (Apoiados.) o que precisâmos é, affirmando as nossas intenções, caminhar desassombradamente, o, intentando adquirir a confiança europêa, empenhar os maximos esforços para realisar uma obra que, de certo, é a obra mais grandiosa do nosso século, e que é para o paiz o maximo signal da sua vitalidade; (Vozes:- Muito bem.) empenhemo-nos todos de boa fé n'esta resolução e deixemos para outras questões as luctas partidarias, os interesses facciosos e os preconceitos; sobretudo não queiramos attingir o optimo, e contentemo-nos com o bom. Pretender uma administração regular e perfeita nas nossas colonias, que ainda hoje não produzem para si, é simplesmente impossivel. Nem nós pensamos, nem ninguem é capaz de pensar, em confrontar as nossas possessões africanas com as colonias riquíssimas de outras nações, que são, por isso mesmo que retribuem os sacrificios feitos, larga e rasgadamente administradas. Essas colonias não se podem comparar com as nossas, porque as condições de clima, de civilisação e desenvolvimento moral e material são diversissimas.
(Internação do sr. Consiglieri Pedroso.)
S. exa. refere-se de certo ao systema conhecido pelo nome do general Van deu Bosch, mas tambem não ignora que a Hollanda tem mudado por vezes de regimen, e reconhece agora que o seu regimen antigo era mau; entretanto o regimen de Hollanda parece-me applicavel onde haja paridade de circumstancias, mas esse não é systema que se possa applicar a todos os casos, nem confrontar-se com o nosso regimen africano.
Se o proprio regimen da Inglaterra nas índias não se póde comparar com o que nós lá temos; outro tanto se póde dizer das nossas possessões africanas relativamente ás colonias do Cabo e do Natal, mais ricas e melhores, que foram nossas tambem, mas que por serem as mais productivas foram as que nos tiraram mais cedo.
É preciso vermos o que podemos fazer, e fazel-o com intenção deliberada de não recuar.
Civilisar o negro é um problema tão difficil que cada um de nós pensa resolvel-o de modo differente; n'outra occasião, se outra se me offerecer, direi o que penso ácerca d'este assumpto, que se impõe á nossa attenção, com uma insistencia tal que o não podemos pôr de parte, nem adiar indefinidamente a sua resolução.
O que me parece poder affirmar-se desde já é que para civilisar a raça negra é necessario dar a cada uma das tribus uma parte de territorio onde se estabeleça e onde não tenha que receiar das tribus vizinhas, e dar a cada uma d'ellas no territorio que lhe destinarmos, meios de defeza contra as outras, vizinhas e rivaes; transformando por este meio o seu estado social, facilitaremos consideravelmente para aquelles povos a natural evolução por que a humanidade tem passado em todas as regiões do globo, onde a civilisação tem progredido.
Não quero cansar a attenção da camara, e de mais tenho eu abusado d'ella hontem e hoje; concluirei, portanto, aqui as minhas observações, não porém sem agradecer as manifestações da camara, que não provém do merito proprio e não traduzem senão a muita benevolência de que usaram para commigo os meus illustres collegas nesta casa.
Vozes - Muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado.)
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de orçamento relativo ás propostas de lei de receita e despeza do estado, ordinária e extraordinaria, para o exercicio de 1885-1886.
Peço a v. exa. que mande imprimir com urgencia este parecer, para que possa ser distribuído amanha pelos srs. deputados.
A imprimir.
O sr. Vicente Pinheiro (sobre a ordem}: - Cumprin-

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do as prescripções regimentaes, tenho a honra de ler a minha moção de ordem.
«A camara approva a convenção entre Portugal e a associação internacional de 14 de fevereiro do corrente anno, e bem assim o acto geral da conferencia de Berlim de 26 do mesmo mez e anno; lamenta que o governo portuguez tivesse celebrado o tratado de 26 de fevereiro de 1884; e convida o governo a expor ao parlamento a sua politica colonial.»
Sr. presidente, ao tomar a palavra n'esta questão tão importante, não sou certamente impellido a fazel-o por um prurido de vaidade.
Todos nós temos n'esta casa uma auctoridade igual, auctoridade que dimana do nosso diploma; mas a verdade é que uma outra auctoridade muito superior se torna necessaria, para que se tome a palavra no parlamento: é essa a que provem do talento, servido por uma palavra facil e eloquente, e auctorisado por uma larga e provada illustração.
Falta-me, sr. presidente, essa auctoridade. Sou eu o primeiro a reconhecel-o.
Tenho porém obrigações a cumprir.
São as consequencias fataes de quem tem na política um partido e n'esta casa um logar. Procuro cumprir com os meus deveres nas questões que mais tenho pensado, no intuito de poder concorrer com o meu modesto trabalho em beneficio do paiz de que sou representante.
A minha vida publica principiou por dois annos de serviço na Africa, no desempenho de uma alta missão, tão importante como espinhosa. Ali, durante esse tempo, puz ao serviço do meu paiz a minha maior tenacidade e o maior desejo de estudar e acertar.
A camara comprehende que depois de um trabalho d'esta ordem, feito lá, tão longe da pátria, o espirito fica naturalmente preso para sempre ao estudo dos problemas e questões coloniaes.
Eis a rasão, sr. presidente, porque tomo a palavra n'esta discussão.
Foram, sem duvida, rasões mais ou menos iguaes ás minhas, as que determinaram o sr. Carlos du Bocage, meu illustre amigo, a tomar a palavra n'esta questão.
Foi s. exa. secretario do seu nobre pae, primeiro no ministerio da marinha e ultramar e depois no dos negócios estrangeiros, durante as negociações do tratado de 26 de fevereiro de 1884; serviu em seguida como addido militar na legação de Portugal, na côrte allemã, durante a conferencia de Berlim. A occasião obrigava-o. A camara ouviu, entre applausos, a sua brilhante estreia parlamentar.
Sr. presidente, devo declarar que, neste momento, eu nutro um grande desejo, e sinto uma grande ambição, queria satisfazer este dever, que as circumstancias me ímpozeram, com a correcção, com a firmeza e com o brilho, com que se houve no seu elevado discurso o sr. Carlos du Bocage. (Vozes: - Muito bem.)
Eis o que é impossivel. Estou certo que não me succederá o mesmo. Confio, no entanto, que a benevolência da camara será largamente generosa para mim; e que, escudado nesse poderoso auxilio, que é ao mesmo tempo uma honra capaz de inspirar alentos aos mais fracos, eu possa, sem embargo das muitas qualidades que me faltam, sustentar a minha moção de ordem.
A conferencia de Berlim, significa para mim, ou, melhor deve significar para todos nós, uma lição e o começo de um novo período de administração colonial. (Apoiados.)
E, é, sr. presidente, partindo d'este principio, que eu sou levado a imprimir ao meu discurso, visto que é este o termo consagrado nas discussões parlamentares, um caracter politico.
Não é o desejo de me ir bater no campo a que nos chamou o sr. Arroyo.
É porque entendo que este debate só e unicamente se deve tratar debaixo de um ponto de vista eminentemente politico, o que por forma alguma quer dizer que eu pretenda trazer para a discussão azedumes de qualquer espécie, porque tambem sei que me fallece a auctoridade politica, para lançar virulências nos debates parlamentares. O que vou dizer pretende inspirar-se em princípios de uma ordem mais alta, na mais nobre e elevada comprehensão da politica.
Julgo, sr. presidente, que não careço empregar grandes esforços, para que o governo o a maioria acceitem a primeira parte da minha moção. Verdade seja que essa primeira parte, significa apenas a explicação do meu voto, por isso que fui eu um d'aquelles que na sessão de 20 de fevereiro, mais se sobresaltaram, quando a um tempo os jornaes inseriam os telegrammas, participando o nosso reconhecimento da associação internacional e a occupação do Zaire.
Os protestos e os receios de então ácerca da conferencia de Berlim, tinham rasão de ser.
Foi n'essa occasião que eu mostrei aqui quanto me era antipathica aquella bacia convencional do Zaire, cujas proporções demasiadamente largas mereceram os epigramas que um auctorisado correspondente de Berlim escreveu no numero do Jornal do commercio que leu á camara o meu nobre amigo, o sr. Barros Gomes.
Nós eramos diariamente surprehendidos com as novas mais phantasticas que era possível imaginar; e nunca, desde o começo desta triste questão do Zaire, o parlamento portuguez póde obter informações ou indicações do governo, que permittissem assentar uma opinião ou sentir uma tranquillidade. Hoje a questão está completamente elucidada; e, sem applauso, e muito menos sem enthusiasmos, é-nos agradavel ver que, essencialmente, os resultados da conferencia não foram tão negros quanto fundamentalmente receiavamos.
O proprio facto do reconhecimento da associação internacional foi-nos imposto pela força das circumstancias. Fomos nós a ultima nação que reconheceu a bandeira azul, e fizemol-o a pedido de três importantes nações, e por intermédio da cavalheirosa França. Reconhecemos, portanto, a associação internacional e reconhecemol-a dignamente. (Muitos apoiados.)
Voltando á celebre bacia convencional do Zaire, mostram os documentos do Livro branco, que agora temos presente, que pontos principaes, que tornavam mais odiosa essa extraordinaria bacia, ficavam nas decisões finaes do acto geral da conferencia, sensivelmente modificados; assim, por exemplo, ficou bem assente a liberdade de tributação, a liberdade de navegação do Zaire, estendida sómente aos seus afluentes e o principio da neutralisação, harmonisado com os preceitos do direito internacional.
A prohibição do lançamento do imposto de importação ás potencias ribeirinhas ficou apenas determinado durante o praso de vinte annos. O protocollo n.° 4 encerra o relatório do barão de Lambermont, enviado extraordinario da Belgica na conferencia, e esse documento contem rasões acceitaveis, pag. 58 do Livro branco, onde este illustre diplomata, depois de expor os motivos que levaram a decretar a prohibição dos direitos de importação, fundado na especialidade do commercio, n'aquellas paragens, feito ainda por processos primitivos, como é a troca de generos em vez do emprego da moeda e caminhos cortados de embaraços e difficuldades, escreve que este caso-o da prohibição de tributar a importação - é sem duvida sem precedentes na historia commercial do mundo, e a que não será prudente prender o futuro.
Este protocollo n.° 4 diz respeito á sessão de 1 de dezembro de 1884. Na sessão de 31 de janeiro do corrente anno, sir Edward Malet pretende debalde, em vista de uma carta do presidente da associação commercial de Manchester a lord Granville, enviada por este ministro ao embaixador inglez, e em virtude de artigos de varios jornaes de Manchester, contrariar a limitação dos vinte annos, am-

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pliando por tempo illimitado a prohibição dos impostos de importação, secundado pelo infatigavel philantropo conde de Launay. O embaixador de França, barão de Courcel accode, como se vê a pag. 147 do Livro branco, a manter a decisão da conferencia sobre este ponto, afirmando que a conferencia não póde decretar um regimen economico immutavel.
O commercio de Manchester, aquelle celebre commercio cujo caracter e cujos interesses no Zaire o meu amigo o sr. Carlos du Bucage tão bem nos definiu, viu mais uma vez frustrado o seu ideal bem pouco alevantado, e inutilisados os seus processos pouco decorosos.
É igualmente á attitude tomada pelo barão de Courcel na discussão do acto da navegação do Congo que se deve ficar esse acto adstricto ao Zaire e seus afluentes, em vez de ser ampliado, como tanto se pretendeu, aos rios e ribeiros, que fazem a sua foz no Oceano Atlantico entre Sette Cammas e o Loge. Assim se vê no protocollo n.° 5, pag. 82 do Livro branco.
(Leu.)
A notavel philantropia, que inspirava e illuminava os mais originaes espiritos congregados em Berlim para a decisão da questão do Congo, esforçou-se, como é sabido, por dar ao principio da neutralisação uma amplitude inteiramente contraria aos principios do direito internacional, impondo-a nos territorios da zona convencional ás nações que ahi tivessem soberanos. Esta phantasia americana, visto que tanto amor lhe consagrava o sr. Kasson, de uma neutralisação imposta e garantida pelas potencias, restringindo as faculdades do livre uso da soberania dos estados, foi vigorosamente combatida ainda pelo illustre e nobre embaixador francez, como se vê no protocollo n.º da conferencia, sendo finalmente o artigo 10.º do acto geral da conferencia redigido por fórma a exarar a doutrina corrente em bom direito publico internacional sobre os principios da neutralisação.
Estes tres pontos, sr. presidente, a que me acabo de referir, são essenciaes, e ao primeiro ligo eu uma grande importancia. Seria inaceitavel, para mim, a prohibição do lançamento de impostos aduaneiros, porque prefiro, em regra geral, estes impostos na administração colonial da Africa tropical a qualquer outro genero de impostos, que não exprimam um tributo de vassalagem da parte dos regulos independentes. Conformo-me com a prohibição, por vinte annos, dos impostos de importação, e folgo com a liberdade que a conferencia deixou em relação á tributação da exportação.
Quanto ao resto, sacrificámos á sonhada civilisação dos povos africanos, mais ou menos problemática, e aos interesses de nações poderosas e fabris, muito dos nossos direitos. Conformemo-nos com o que nos ficou, e assentemos que nos não faltam vastos territorios onde, se tivermos methodo e boa vontade, poderemos encontrar recursos para afirmar a nossa actividade e para nos impormos na Europa como nação colonial e respeitável pelo seu trabalho e progredimentos. (Apoiados.) Ficámos, em vista do que tive a honra de expor rapidamente á camara, cem a liberdade de administrar livremente as nossas colonias africanas, apenas com as restricções impostas aos territorios até agora não occupados por nós ao norte do Loge.
Por consequencia, acceito como um facto consummado o acto geral da conferencia de Berlim. (Apoiados.)
Não ha da parte da opposição parlamentar a menor modificação de idéas a este respeito, como pretendeu erradamente insinuar o sr. Arroyo. (Apoiados.).
Ha o estudo da questão em face de documentos que desconhecíamos, e a existencia de um facto que é a consequencia de um tratado ruinoso, de um tratado que a opposição parlamentar condemnou sempre, e continua a condemnar.
E á opposição corre ainda o dever de condemnar esse tratado, n'esta discussão; não só pelas largas referencias que a elle faz o illustrado relator da commissão dos negocios externos, que no seu erudito parecer lhe consagra quarenta e um paragraphos; mas porque o nobre ministro o procurou defender quando usou da palavra, pela mesma fórma que o pretendeu fazer acceitar pelas nações que a isso se recusaram.
É sobretudo esse tratado, um acto publico do governo, sobre, o qual ainda não recaíu o julgamento d'esta camara, e sobre o qual é necessario que ella se pronuncie coademnando-o, segundo a minha opinião e segundo a opinião d'este lado da camara.
Esse tratado, servindo os interesses particulares de uma nação, vinha limitar o exercicio dos nossos direitos soberanos territórios cio Zaire de uma maneira differente d'aquella porque agora se resolveu esta pendencia.
A conferencia de Berlim, se limitou o exercicio dos nossos direitos soberanos em materia administrativa, foi apenas nos territorios questionados, foi apenas nos territorios do Loge para o norte, e o tratado restringia a liberdade da nossa administração do Loge até Angola, indo ainda mais alem, até ás costas colonias da costa oriental.
Todo o paiz pode livremente decretar o regimen aduaneiro que melhor lhe aprouver; o que não deve é collocar-se em situação de se poder dizer que é uma determinada nação que lh'o vem impor. (Apoiados.)
Era justamente o que nos succedia pelo tratado de 26 de fevereiro de 1884, que nos impunha condições sobre a formação das nossas pautas em relação ás colonias da costa occidental de Africa.
E é notavel, sr. presidente, que o illustre ministro dos negocios estrangeiros, que assignou esse tratado, comprehenda, como eu, que o facto de uma potencia negar a outra o direito de decretar livremente nos seus territórios os direitos aduaneiros, implica uma restricção condemnavel de soberania.
Vou ler á camara um periodo da nota n.° 2 do sr. Barbosa du Bocage ao sr. Paulo de Laboulaye, que se encontra no Livro branco., volume segundo da questão do Zaire.
Trata-se das observações feitas pelo nobre representante da França n'esta côrte, em nome do seu paiz, a certas clausulas do tratado anglo-portuguez, relativo ao Congo. A paginas 7, o illustre ministro dos negocios estrangeiros invoca as provas de amisade dadas por Portugal á França nas questões coloniaes. Refere-se ao facto do governo portuguez não rectificar o protesto do commandante da canhoneira Bengo ao apossar-se a França de Ponta Negra; e escreve depois de varias considerações o seguinte:
«O governo portuguez procedeu assim, porque bem sabe que, reconhecendo como estava disposto a fazel-o, a soberania franceza nos territorios recentemente adquiridos, não poderia contestar os direitos essencialmente inherentes á mesma soberania, que são, entre outros, o de estabelecer alfandegas e os demais encargos de natureza similhante, preço da ordem e da protecção ás pessoas e á propriedade, das condições, emfim, sem as quaes a soberania não é, nem póde ser effectiva.»
Eis aqui, sr. presidente, consignados os verdadeiros principios, que, por serem fundamentaes, eu quero amplamente livres: tanto mais, quanto eu não sou livre cambista, nem creio que, segundo a sciencia do meu tempo, as nações coloniaes o devam ser.
Um dos livros escriptos com mais vasta erudição e com maior copia de conhecimentos especiaes sobre colónias, o livro do sr. Le Roy-Beaulieu, é pensado sobre um principio exposto por Stuart Mill, nos seus Principios de economia politica que lhe serve de epigraphe: «as colonias são um meio de empregar com utilidade os capitães de uma nação.» Nas colonias, sr. presidente, deve-se gastar todo o dinheiro necessario em promover o trabalho e em o facilitar, abrindo estradas, melhorando as condições naturaes dos portos, assegurando o livre accesso aos novos mercados, desenvolvendo o campo conveniente para o estabelecimento

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da agricultura, dirigindo as correntes da emigração, estreitando as suas relações commerciaes com a metropole, e cobrando depois nas alfandegas os respectivos direitos, compensadores das despezas do estado explorador.
O conde de Chazelles, outro distincto publicista, no seu livro Estudo sobre o systema colonial, caracterisa perfeitamente as bases fundamentaes que uma nação precisa ter para que possa ser metropole. Estas bases são: solo fertil e de producções variadas; uma população numerosa; uma forte marinha e um largo commercio.
Que o nosso solo é fertil, escuso de o dizer; que a nossa população é numerosa para nos permittir ter colonias, basta recordar que mantemos uma emigração importante para a America e para as ilhas de Sandwich. Quanto á marinha, nós temos todas as condições para sermos uma grande potencia maritima; (Apoiados.} temos uma extensa costa e temos marinheiros que são leões, como n'uma estrophe inspirada disse o poeta que o mundo civilisado está chorando n'este momento.
O que é necessario é que o governo trate de reformar as leis que, longe de protegerem a nossa marinha mercante, a impedem de progredir e de se levantar do seu desgraçado abatimento; o que é necessario é que o governo cure igualmente de dar protecção ás construcções navaes. (Apoiados.)
As nossas leis lançam pesados impostos sobre todas as materias primas necessarias a esta industria.
Creio que todos sabem como são tributadas nas nossas pautas as madeiras, as correntes, os cabos, as lonas.
As leis sobre o recrutamento militar põem diariamente embaraços ao alistamento das tripulações mercantis. Exigem para cada viagem um fiador idóneo com duas testemunhas abonatorias para cada mancebo que quizer embarcar. São diarios os queixumes dos nossos armadores e dos donos dos nossos quasi abandonados estaleiros. Toda a especie de peias pesa sobre a marinha mercante, que se póde n'um dado momento reflectir na nossa armada.
Quando, sr. presidente, os Reis eram o estado, os monarchas portuguezes eram como que socios dos nossos armadores. Não se filiam historicamente as leis actuaes nas previdentes leis do Rei D. Fernando I. (Apoiados.)
O sr. Luciano Cordeiro: - Nem nas leis de D. Manuel.
O Orador: - Por isso, sr. presidente, tivemos uma marinha que serviu e executou o plano do infante D. Henrique, e mais tarde carregou as especiarias do Oriente. (Vozes: - Muito bem.)
Quanto ao largo commercio, exigido pelo sr. de Chazelles no livro que referi, devo dizer que, a meu ver, só o podemos conseguir por um bem entendido e moderado systema de protecção, com rasoaveis direitos differenciaes. Um tal systema póde não só desenvolver as poucas industrias que, infelizmente, possuimos, mas crear outras. E creio que me não engano, pensando que a continuação das Bossas relações commerciaes com as colonias da costa occidental de Africa nos hão de trazer esse beneficio, que talvez já se principie sensivelmente a notar. É ainda ao artigo 1315.° do código commercial que nós devemos as grandes relações que a praça de Lisboa entretém com a costa occidental de Africa, relações a que ligo uma grande importancia, e que dão ao estado um rendimento consideravel cobrado na alfandega de Lisboa.
Nos dois annos que estive em Africa observei como as colónias se vão levantando daquella crise por que passaram, crise filha da abolição completa da escravatura, vendo annualmente os seus portos frequentados por maior numeros de navios.
Em 1880 o movimento de navios mercantes que fundearam nas banias da província de S. Thomé foi muito maior que nos annos anteriores. Hoje, a praça de S. Thomé, já tem dois navios seus. Com as ilhas de Cabo Verde acontece o mesmo. Esta provincia tem já um vapor que faz continuamente carreira entre os seus portos e o de Lisboa. Note a camara, que em 1881, se constituiu uma empreza de navegação portugueza para a costa occidental de Africa, sem subsidio; e estou certo, que em um futuro muitissimo proximo, o movimento commercial para esta costa ha de sustentar outra carreira de vapores, como até já se pensou fazer em 1881.
As idéas que estou expondo não são só perfilhadas por mini. Aqui tenho eu um livro moderno, que sustenta esta doutrina. - La France d'Afrique et ses destinées - é escripto em 1883, pelo sr. Waille Marial, que conhece profundamente as questões coloniaes, e que tem redigido importantes jornaes da Algeria, livro a que me hei de referir ainda nas considerações que tenciono fazer com relação á politica internacional a seguir na Africa. A pag. 210 e seguintes encontra-se a justa defeza do proteccionismo nas colonias.
«Se a politica é essencialmente a arte do relativo, a sciencia a que se dá o nome de economia politica não tem igualmente, apesar da asserção em contrario dos seus pontifices, nada de absoluto.»
Posto este verdadeiro principio em completa harmonia com a philosophia que fez a minha educação intellectual, segue defendendo para a França um systema protector com relação ás suas colonias.
A França, diz este illustre tratadista, sobrecarregada com uma grande divida publica, com o encargo de alguns centos de milhões provenientes do orçamento da guerra e da marinha, e em concorrencia industrial e agricola com paizes como os Estados-Unidos, a Belgica e a Suissa, paizes que não toem a sustentar exércitos permanentes nem a pagar serviços de divida publica, não póde, emquanto se não modificarem as suas actuaes condições, deixar de ser proteccionista.
E termina a sua larga demonstração depois das considerações que faz em relação ao que succederia se o livre-cambio fosse applicado á Algeria, perguntando:
«É este o futuro que os economistas sonham para a nossa patria? Que elles respondam, se podem. O livre-cambio não póde ser para a França se não um insigne logro.»
As nossas condições economicas são peiores do que as condições da França.
Trema o governo de desnacionalisar o commercio da costa occidental de Africa.
Isto não é querer, por fórma alguma, o systema colonial do fim do seculo passado. Apenas peço o que é justo, e o que a sciencia do meu tempo tem como melhor. (Apoiados.)
É necessario tambem que por esta occasião se diga claramente, e por uma forma positiva, que sob o nosso actual regimen as colonias têem inteira liberdade de importarem de toda a parto do mundo o que quizerem, e de exportarem para todos os mercados os seus generos coloniaes.
A intriga colonial, os interesses diplomaticos, exageraram sempre por uma fórma injusta o nosso regimen colonial.
E, quando os subditos das nações estrangeiras, procurarem as nossas colonias para ahi se estabelecerem e trabalharem, á sombra das nossas leis liberaes, que são os mesmos codigos que nos regem aqui, os codigos civil e commercial, e não para as visitar, atravessando-as e percorrendo-as como sabios e exploradores, mais ou menos authenticos, hão de encontrar todas as garantias para o livre exercicio do seu trabalho honesto. (Apoiados.)
Sr. presidente, o tratado de 26 de fevereiro vinha, como disse, impor-nos um determinado regimen aduaneiro, mas continha esse tratado mais alguma cousa de inacceitavel. A commissão anglo-lusa, representava para nós uma tutela, e essa tutela era humilhante. D'essa commissão, diz o sr. LUCÍÍUIO Cordeiro no § 94.° do relatorio:
«Mallograda a commissão anglo-portugueza que não havemos de relembrar saudosos...»

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Estas palavras exprimem perfeitamente a minha opinião.
Tambem eu não tenho por ella saudades, com quanto nunca me repugnasse o estabelecimento de uma commissão internacional, negociada e feita por processos differentes. Era claro que um importante rio como o Zaire, embora passasse no sou curso inferior por entre terras portuguezas, desde que elle era caminho para territorios a que não tinhamos direitos, devia ser francamente aberto ao livre commercio. Ahi deviam imperar os princípios geraes que as conferencias de Vienna e de Paris, tinham de ha muito determinado em relação aos priucipaes rios da Europa.
Por isso, parece-me que não ha contradicção entre a minha opinião e a do sr. marquez de Sá, que já foi aqui citada.
A liberdade do Zaire, em proveito de todos, com o accordo e a vigilancia de todos, era differente daquella em que tudo parecia que apenas aproveitava uma só nação, que ficava para o mundo responsavel pelos nossos compromissos em favor da civilisação e dos interesses do commercio.
Por isso as outras nações, unia a uma, vieram com os seus obstáculos e com os seus protestos. Elias que ha muito tambem pensavam na Africa inter-tropical e se distanciavam da Inglaterra, cujo poder colonial as affrontava.
É necessario accentuar mais uma vez nesta discussão que o governo portuguez desconhecia o que pensavam as differentes nações da Europa e as idéas de que a imprensa estrangeira fazia propaganda. (Apoiados.)
É necessario, sobretudo, demonstrar ainda uma vez que, não só a Allemanha se lançára ha annos n'um grande movimento colonial, mas que procurar terras para as tornar colonias allemãs era uma aspiração reflectida o desejada pelo principe de Bismarck. (Apoiadas.)
Não quero tornar a fallar nos argumentos que contém os Livros-brancos, o Livro amarello e o Livro azul; seguir ainda uma argumentação desta ordem era apenas repetir os argumentos que já foram brilhante e distinctamente apresentados n'esta discussão. A minha palavra incorrecta tiraria, nessa repetição, e brilho dos argumentos do sr. Barros Gomes, do sr. Consiglieri Pedroso, do sr. António Ennes; os factos que de novo citasse perderiam de valor expostos pela minha inhabilidade parlamentar.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros, respondendo ao meu nobre amigo, o sr. Barros Gomes, disse por uma forma categórica que, até junho do anno passado, a Allemanha não pensava em colonias; verdade seja que mais tarde o sr. Carlos du Bocage alargou esse período até outubro de 1883!
Analysemos, porém, a phrase terminante do sr. ministro dos estrangeiros: «Até junho do anno passado a Allemanha não pensava em colonias».
Ha dois livros valiosos, pela influencia que exercem na educação publica e que annualmente se publicam em França. São dois livros de simples vulgarização scientifica, e d'ahi todo o seu merito. Um d'elles, e que é talvez o mais conhecido, por ser mais antiga a sua publicação, embora eu tenha a honra de fallar n'uma assembléa politica, é L'Année scientifique, do sr. Luiz Figuier.
N'esse livro deixa o seu auctor, em cada volume que publica, a historia de todas as descobertas e de todos os progressos que as sciencias naturaes tiveram, no decorrer de. cada anno de trabalho e de elaboração scientifica. Não inventa progressos o sr. Luiz Figuier; segue as conquistas da sciencia, informa-se das hypotheses em voga, toma nota das invenções, e dá-nos de tudo uma relação exacta e uma lição ao alcance de todos.
Por outro lado o sr. André Daniel, seguindo methodo igual, publica annualmente L'Année politique. Acompanha os acontecimentos politicos nas discussões dos parlamentos, na publicação dos documentos diplomáticos, na leitura dos jornaes, no estudo das leis, e de tudo faz André Daniel uma revista annual, que é tambem uma proveitosa lição de sociologia. Têem creditos na sciencia os dois auctores.
Posto isto, tomemos um volume de L'Année politique, e vejâmos, por exemplo, o que se passava em maio e junho, de 1883, na Europa.
Havia em França uma grande expansão colonial. Tratava-se n'esses mezes da questão do Tonkim, dos creditos pedidos para essa guerra, da morte do valente oficial de marinha Rivière no Hanoi, das negociações com a China, da quentão de Madagascar, da occupação de Majunga e de Tamatave, e da costa occidental de Africa.
A França lançava-se, em summa, n'uma intensa corrente colonial, attrahindo sobre ella as attenções de todos os estados, cujos interesses n'uma ou n'outra parte de Africa e do Oriente, esse movimento podia ferir.
A pag. 225 d'este volume de 1883, escreve o sr. André Daniel, depois de expor todos os factos que indiquei:
«Este despertar da politica colonial em França, não deixou de excitar alguma surpreza na Europa. Em que a Allemanha nos mostrava uma reserva benevolente, que ella levava até ao ponto de pôr alguns estorvos á partida dos navios de guerra construidos por conta da China pelos industriaes allemães.»
Aqui temos, em junho de ha dois annos, um indicio claro da intervenção official da Allemanha na questão colonial, e em harmonia com a França, e conseguintemente contrario á Inglaterra, que via na constituição de um império franco-chinez uma ameaça para a India ingleza e para o commercio de Inglaterra com a China. Continuemos a ler:
«Portugal, surdamente excitado pela Inglaterra, tentou primeiro protestar em nome dos antigos tratados contra a extensão do poderio francez no Congo: a diplomacia ingleza foi, sem duvida, muito longe n'estas incitações, porque não só o ministro dos negocios estrangeiros portuguez teve de declarar publicamente, que o sr. de Brazza em nada usurpava os direitos de Portugal, mas ainda um certo movimento de reacção se produziu na imprensa de Lisboa, e muitos jornaes aconselharam ao gabinete o libertar-se: por uma vez da tutela ingleza, para se approximar da França e da Hespanha, e adoptar na Africa uma politica latina.»
O nobre ministro disse tambem que não encontrou nos jornaes a previsão dos males de tratar com. a Inglaterra, e que essa previsão só agora, e tarde, apparecia.
Aqui tem s. exa. um livro feito e publicado no estrangeiro a referir-lhe o que a nossa imprensa aconselhava ao governo em junho de ha dois annos. E não foi só a imprensa que preveniu o governo do caminho errado de tratar uma questão desta ordem sómente com a Inglaterra, depois que a França estendia por toda a parte o seu dominio colonial, e depois que a Allemanha se inclinava a seguir uma política contraria á Inglaterra, foi mais alguem. Assim, pelo menos, o infiro eu da leitura do § 50.° do esclarecido relatorio da commissão.
«Fôra esta idéa (a da conferencia) aconselhada ao governo portuguez quando se não pensava em abrir com a Inglaterra as negociações que produziram o traindo do 26 de fevereiro de 1884.»
Ora, quem aconselha, seguramente dá as rasões que recommendam a sua indicação mostrando os inconvenientes de a não acceitar. (Apoiados.)
Mas ha mais.
Não era só desde junho do anno passado, como disse o illustre ministro dos negocios estrangeiros, nem em junho de ha dois annos, como acabo de dizer, que a Allemanha pensava em colonias; ha mais annos que a Europa tinha obrigação de saber que a Allemanha não pensava, senão em ter colonias.
O que se passava na Allemanha em abril de 1880? Passavam-se causas espantosas. Accentuava-se com mais energia a guerra entre o parlamento allemão e o chanceller.
O chanceller apresentava a sua demissão ao imperador;

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o imperador negava-se a acceital-a, e o principe de Bismarck teimava em pedir ao reichstag um credito para adquirir a primeira colónia que pensou fundar para a grande patria germanica.
Abramos o volume de 1880 do sr. André Daniel, a pagina 181, e passemos a ler o commentario destes factos:
«Sabe-se o desejo que o sr. de Bismarck teve sempre de assegurar á Allemanha um império colonial, para desviar para uma terra allemã a corrente da emigração que actualmente vae para os Estados Unidos. Para este fim, o chanceller pensou em constituir uma sociedade para retomar os estabelecimentos fundados nas ilhas Samoa (Polynesia) por uma casa de Hamburgo que tinha fallido; pedia para este effeito ao reichstag a garantia de 300,000 marcos de juros. O principe de Hohenlohe fez a sua estreia como vice-chanceller na discussão deste projecto; o melhor argumento por elle encontrado foi o seguinte: «É necessario evitar o fazer opposição ao chanceller no terreno da politica estrangeira; em similhante materia, é o chanceller quem sempre tem tido as vistas mais sagazes; espantou o inundo pela grandeza dos resultados obtidos. Uma opposição ao principe de Bismarck, em similhante assumpto, não teria nenhum successo. A nação não comprehenderia que se podesse destruir um plano como este de que se trata, por mesquinhas considerações financeiras.»
Aqui está o que o vice-chanceller, o principe de Hohenlohe, em abril de 1880, dizia ao reichstag!
Em junho, pois, de ha cinco annos, já a Allemanha official pensava em colonias. Demonstram-o, claramente, os trechos que li n'estes livros, ao alcance de todos, que póde alguem desconhecer, mas cujos factos são vedados ignorar aos homens que têem o encargo de dirigir as relações internacionaes de um paiz.
E, homenagens de grande respeito e admiração é necessario tributar, mais uma vez, ao chanceller, que depois de factos e declarações publicas doesta ordem, consegue illudir os representantes das nações, acreditados junto do velho imperador da Allemanha! Ah! como julgar aquelle sagaz diplomata, coberto de louros na sua longa e provada carreira, Lord Amphtil, intimo do principe de Bismarck, com quem se tratava por tu, que ha pouco nos descreveu o meu amigo o sr. Carlos du Bocage, quando informava o seu governo, que havia de facto uma corrente em favor do estabelecimento de colónias allemãs, mas que o chanceller a não apoiava?!
A verdade, sr. presidente, é que essa corrente era, ha tempos, habilmente explorada e instigada occultamente pelo chanceller, e que elle esperava o momento de intervir, fingindo-se impulsionado por ella, em vez de incitador d'esse movimento. A verdade é que, desde 1880, se sabia não só que o principe de Bismarck, pensava em conseguir colónias para a Allemanha, mas sabia-se tambem qual a rasão que a isso o determinava. Essa rasão era o desejo de desviar para um terra allemã acorrente de emigração que aunualmente se dirigia para paizes estrangeiros.
Eu vou ainda servir-me doutro livro que lança inteira luz n'esta questão. E um livro escripto em allemão, publicado em Gotha em 1879 pelo dr. Fabri, um missionario allemão, e mais do que isso, um distincto homem de sciencia, ao par da moderna orientação das sciencias sociaes no seu paiz. Intitula-se este livro: Precisa a Allemanha ter colonias? Uma observação politico-economica.
No prefacio diz o seu illustre auctor que é enthusiasta das idéas de Roscher, que em 1856 escreveu um livro sobre colonias tratando da politica colonial e da emigração; que pretende fazer reviver a opinião d'esse escriptor, por uma fórma ao alcance do vulgo, estudando a questão em face do estado economico e social do imperio allemão; que ha dez annos pensava em fazer esta publicação, mas que entendeu que devia viajar primeiro, observar e esperar a opportunidade de espalhar na Allemanha as suas idéas; que, emfim, vem juntar o seu trabalho aos trabalhos de Moldenhauer e Hubbe-Schleiden.
Eu sou forçado, ainda que contra a minha vontade, a fatigar a camara com longas leituras. Espero que a camara terá a indulgencia de me perdoar.
É justo, porém, que supra a falta dos meus meritos com a auctoridade dos outros.
Alem de que, a camara comprehenderá facilmente pela simples leitura da indicação dos assumptos, que o dr. Fabri trata nos seis capitulos do seu methodico livro, todo o valor d'esta obra:
«Capitulo I Como a questão das colónias é propria do nosso tempo em relação á nossa situação agricola, á crise aduaneira e á nossa politica commercial.
«Capitulo II O desenvolvimento da nossa marinha de guerra e as nossas associações geographicas. Todo o estado poderoso tem necessidade de ter colonias. A significação agricola e nacional da emigração allemã. O augmento rapido da população na Allemanha. Necessidade de uma organisação e direcção da emigração.
«Capitulo 3.° As colonias commerciaes. Seu caracter fundamental. O methodo de as preparar e de as administrar. O seu valor agrícola e nacional. Applicação á Allemanha.
«Capitulo 4.° Objecções contra a política colonial allemã. Necessidade de uma influencia energica da opinião publica.
«Capitulo 5.° Aonde se encontrarão hoje colónias para a Allemanha? Colonias penaes? Colonias agricolas? O sul e o meio dia da America meridional. O sul do Brazil. Convenções com differentes estados da America relativas á emigração ai lema. Estado embaraçoso em que se acha a Allemanha em virtude do augmento da população (note a camara) para encontrar e adquirir colonias. Escolas, militarismo, e socialismo democratico.»
Finalmente:
«Capitulo 6.° Procura de territórios para as colonias commerciaes. As ilhas de Samôa. Abertura da Africa central ao commercio e a sua importancia. Antecedentes e vistas da Inglaterra. Importancia das missões. Emprehendimentos commerciaes allemães na Africa central. Convenção das potencias para a neutralisação do interior da Africa (!!!) Occasiões futuras., etc., etc.»
Eis aqui compendiada toda a questão social e colonial da Allemanha dos nossos dias. Eis aqui, o estudo do problema colonial de um povo que aspira, quasi desde o meado do corrente seculo, a crear colonias para si, obrigado pelo império das necessidades sociaes. Eis aqui factos que provam como a agitação colonial na Allemanha era intensa e devia attrahir a attenção de todos os estudiosos e de todos aquelles que têem responsabilidades politicas!
É impossivel ainda furtar-me a ler a traducção de uns trechos de dois capitulos d'este livro que dizem respeito aos pontoa que frisei na leitura do indice.
No capitulo 2.°, capitulo que tem dados estatísticos de um grande valor e que encerra considerações importantes sobre a emigração, sobre o pauperismo e sobre augmento da população, lê-se a pag. 15 o seguinte:
«É extraordinario que um paiz que actualmente na Europa tem a maior força de expansão, isto é, que teve o mais rapido augmento de população e como resultado disso a maior emigração, que tanto pelas qualidades do seu caracter nacional tem, talvez, a importante faculdade colonisadora mais desenvolvida, esteja sem possuir colonias. Se exceptuarmos a emigração irlandeza para os Estados Unidos que tem origem em causas especiaes, alguma das quaes já desapparecidas; a Allemanha apresenta n'este seculo o maior numero de emigrantes.
«Calcula-se que o seu numero n'estes ultimos cincoenta annos se elevou a 4.000:000 de almas. Moldenhaeur no seu livro sobre o systhema de colonias e de emigrações

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(publicado em Francfort ser le Mein em 1878), calcula o prejuizo que a Allemanha soffreu por essa emigração, (contando naturalmente o valor do trabalho perdido) em parcellas consideradas, pelo minimo, em 300.000:000 de marcos annuaes, isto é, em 10.000.000:000 de marcos ao todo.»
Passando, sr. presidente, d'este capitulo onde se estuda como a camara viu, pela leitura que fiz, o prejuizo que a Allemanha soffre com a emigração, e aonde se apontam, os males sociaes deste paiz, recorramos ao capitulo 6.° aonde vem indicados os meios de que era mister lançar mão para remediar esses males.
Devo dizer primeiro, que como tive a occasião de referir, o dr. Fabri julgou dever antes de publicar esta obra viajar e observar, e que missionou alguns annos na Africa. E posto isto, leio a pag. 100:
«Muitas vezes tive occasião de observar como as annexações no sul da Africa se faziam, e as idéas do ministerio das colonias inglez, de fazer annexações no interior da Africa. O processo para realisar a posse era até agora muito simples e summario. Um navio do guerra inglez apparecia n'uma bahia apropriada e plantava ahi a bandeira ingleza. Creava-se uma alfandega e mandavam-se alguns funccionarios, acompanhados por alguns empregados, ao interior fazer com os chefes dos indigenas contratos de rendas annuaes e nos quaes promettiam submetter-se á corôa ingleza.»
Paro aqui. Aqui, estão descriptos os processos inglezes de acquisição de territorios na Africa, e n'elles vemos que entra o estabelecimento de alfandegas. Convem notar este ponto para que se não cuide que só nós, os portuguezes, é que estabelecemos alfandegas na costa de Africa. (Apoiados.) A Inglaterra faz o mesmo, e com rasão; se ella até na Australia, na livre colonia de Victoria, é proteccionista.
O auctor segue, dizendo que o interesse de todas as potencias commerciaes maritimas é impedir a continuação d'este procedimento por parte da Inglaterra, sobretudo com relação á Africa central, emquanto é tempo; tal é a phrase que elle escreve.
Mas, ainda mais; eu continuo a leitura da traducção de um ponto muito curioso:
«Por isso entre outras, é necessario que o rio Livingstone fique livre e sem encargos, e que todas as principaes saidas para a costa oriental fiquem abertas num futuro proximo.»
O rio Livingstone é, como a camara toda sabe perfeitamente, o rio Zaire. O plano indicado n'estas linhas é o resultado da recente conferencia de Berlim. A idéa primitiva d'este plano e da neutralisação da Africa central não é original do dr. Fabri. Elle aqui diz a pag. 102 quem primeiro estudou profundamente esta questão. Foi o fallecido consul geral Sturz n'um livro que publicou em Berlim em 1876, livro cujo titulo confesso que não sei traduzir (Der Wiedenconnene Weltteil, ein neues, gemeinsames Indien), e no qual este assumpto foi tratado e apresentado com um grande numero de propostas, muitas das quaes entende o dr. Fabri deverem merecer toda a attenção.
Creio que tenho provado que ha muito a Allemanha toda se preoccupava com a questão colonial: que a propria idéa da neutralisação do Zaire não veiu do congresso do instituto scientifico de Munich realisado em 1884, pois que essa idéa revestia já desde 1876 um caracter quasi official, visto que n'essa epocha a tinha apresentado um consul allemão n'um livro seu.
E, agora me lembro. Quando o meu nobre e illustre amigo o sr. Barros Gomes, tratou esta questão debaixo do ponto de vista diplomático, s. exa. sempre que tinha de e referir ao ministerio dos negocias estrangeiros, provandos que ali se desconhecia o que se passava na Europa e principalmente na Allemanha, chamava ao edificio em que funcciona esta secretaria d'estado pelo nome porque é conhecida como propriedade particular; parece que s. exa. queria assim, com uma pungente ironia, dizer que nem nas vastas salas do palacio do Calhariz, nem nas côrtes da Europa pairava, inspirando-nos ou protegendo-nos, a sombra do grande duque de Palmella! (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, não eram necessários muitos factos e actos do governo para se concluir que o grande chanceller da Allemanha era fatalmente, num futuro mais ou menos próximo, levado a crear e a estabelecer colonias allemães. Bastava o simples conhecimento da orientação scientifica, e dos principios de governo do principe de Bismarck, para chegar facilmente a essa conclusão.
Quem pensar na sua grande obra politica, vê e comprehende a notavel unidade que ella tem. Até 1866, o chanceller, governa com os conservadores para completar o caracter militar da Prussia; faz alliança com os democratas e estabelece o suffragio universal, para ter á sua disposição a opinião nacional; em 1879 volta a governar com os conservadores e ultramontanos, para bater o socialismo, radical.
Até 1860 fez a unidade política do imperio, e desde então, trabalha em reconstituir o império economicamente. E quem estudar o pensamento das leis económicas que o chanceller tem feito promulgar, ou tentado legislar, reconhece n'elle um socialista conservador, ou cesarista, e um tanto cathedratico; e d'ahi a concluir que elle é em economia politica um proteccionista, e que, como proteccionista e socialista, o seu espirito se havia de entregar ás lucubrações de conseguir colonias para a Allemanha pouco vae.
Os seus esforços em proteger o trabalho nacional, a creação de caixas e de sociedades de soccorros, têem sido constantes, embora alterne estas e outras leis com medidas, justas e precisas, de repressão ás desordenadas e turbulentas theorias de um socialismo menos pratico.
É que na Allemanha, muito mais do que qualquer outro paiz da Europa, o socialismo reveste todas as formas. Ali existe o socialismo anarchico e democrata: o socialismo evangelista ou beato, que é differente do socialismo catholico; o socialismo conservador; e, finalmente, o socialismo cathedratico que fórma actualmente uma escola de sciencia muito próxima de ser universalmente acceita. (Apoiados.)
O recente livro do sr. Emilio de Laveleye, sem duvida um dos mais elegantes escriptores da actual geração, O Socialismo contemporaneo, estuda todas essas fórmas de socialismo, e faz a respeito das idéas do principe de Bismarck revelações curiosas, porque desce a factos particulares, tendentes a demonstrar não simplesmente quaes são os seus principios de governo, mas aponta episodios da sua vida particular.
A paginas 77 o sr. Laveleye transcreve um trecho de um discurso do chanceller, pronunciado na sessão de 17 de setembro de 1878. Eu leio o principio: «Conversei com effeito com Lassalle sobre o apoio a dar pelo governo ás sociedades cooperativas, e mesmo hoje creio que este assumpto não é para desprezar. Eu não sei se estas idéas me vem dos racciocinios de Lassalle, ou se são o resultado da minha propria experiencia...»
Esta declaração tem o valor do grande chanceller confessar officialmente as relações que teve, o estimou, com esse extraordinario philosopho agitador o amoroso, em cujo cerebro se illuminou brilhantemente a idéa da unidade allemã.
Outro facto narrado pelo mesmo auctor numa nota do ultimo capitulo. O congresso de socialistas cathedraticos, que se reuniu em Eisenach, em 1875, nomeou uma deputação para expor ao sr. de Bismarck as necessidades da sua universidade. Fazia parte d'esta deputação um professor notavel. O sr. de Bismarck convidou a jantar este professor, havendo entre os seus convidados muitas excellencias, como este professor se expressou relatando este facto ao sr. de Lave leve. Annunciado o jantar, o chanceller dirigiu-se aos convivas; Vous permettez qu'aujourd'hui la science passe

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avant tout le monde. Monsieur le professeur, vevillez offrir le bras á madame de Bismarck.
Não pareça á camara que isto não tem significação; que o diga o nobre ministro dos estrangeiros, que é diplomata, ainda que modestamente affirme que o é apenas por dever do cargo. S. exa. foi sempre um distincto homem do mundo, como se diz na alta sociedade; e que o assevere o sr. Carlos du Bocage, que viu em Berlim como ali é difficil o accesso na sociedade, aonde o talento ainda, infelizmente, não abre as portas e as recamaras dos salões aristocráticos.
A questão colonial não é hoje senão uma hypothese da resolução da questão social. As questões politicas fizeram o seu tempo. (Apoiados.) A questão social differe das questões politicas porque estas eram isoladas e diversas, e a questão social é a mesma em toda a parte, cosmopolita, e de igual intensidade. (Muitos apoiados.)
E, terminando este ponto, permitta-me a camara que volte ao volume de L'Année Politique de 1880 e que lhe leia um pequeno período que se refere a um projecto de lei que o principe de Bismarck apresentou ao reichstag: «Emfim, n'um projecto de lei sobre cabotagem, o governo queria que a cabotagem fosse interdita aos navios estrangeiros, salvo auctorisação do imperador; o reichstag rejeitou esta disposição, auctorisando a cabotagem em regra geral, a menos de interdicção especial pelo imperador.»
Sobre cabotagem na Europa o chanceller tem estas idéas.
Creia a camara, que, se o principe de Bismarck fosse estadista de um paiz possuidor de antigas colónias, elle não presidiria á humanitaria e livre conferencia de Berlim.
Sr. presidente, eu podia fazer a largos traços a historia da nossa administração colonial; dizer o que fizemos primitivamente, como enfeudamos as terras descobertas, como as constituimos em capitanias ou em estados e como a revolução liberal de 1834 as encontrou.
Não quero cansar a attenção da camara, nem importa fazer agora largas divagações históricas. Importa chegar ao nosso tempo, deixando accentuado que os homens que implantaram entre nós o systema constitucional, se encontraram o paiz económicamente arruinado, e administrativamente desorganisado, encontraram igualmente, profundamente abatidas as nossas colónias, e quebrada com a independencia do Brazil, a nossa tradição colonial. A Africa, ha muito tempo, deposito de escravos, era desprezivel. Da India já se não curava. (Apoiados.)
Esses homens dos primeiros annos da nossa vida constitucional preocupavam-se com a metropole e das colónias nada queriam saber. Esta maneira de ver fez escola. Mousinho da Silveira nunca incluiu nos seus planos da reorganisação e regeneração da pátria nada que dissesse respeito ás colonias. D'aqui veio o desprendimento geral das nossas tradições marítimas e o amortecimento do espirito nacional em relação ás questões coloniaes. (Apoiados.)
Apenas o marquez de Sá da Bandeira, como excepção, tem um pensamento e um sentimento colonial; e desde o seu primeiro ministerio, desde que em 1836 preside ao governo, elle inicia uma campanha que faz durante toda a vida.
N'esse governo foi ministro da marinha Vieira de Castro, e no relatorio que apresentou ao parlamento a 14 de fevereiro escreveu o seguinte:
«Sem a abolição da escravatura inutil será legislar.»
Profunda verdade, sem duvida, a que felizmente está dando rasão a nova maneira de ser das nossas colonias, e a transformação porque o trabalho ali está passando.
Mas o facto é que durante essa larga campanha, emprehendida por Sá da Bandeira, durante a qual o nobre marquez firmou uma serie de leis até á de 1869, a ultima que elle referendou e na qual fixou o termo final da escravatura para o dia 29 de abril de 1878, o paiz manteve-se sempre desprendido e alheio das questões africanas. (Apoiados.) E, no emtanto, não succedia assim nas outras nações, principalmente desde que um simples missionario, dotado de uma heroica tenacidade e de uma paciencia verdadeiramente evangelica, David Livingstone, a quem já alguem chamou o Christo de Africa, desembarcou em 1841 no Cabo.
Aprendêra elle, durante a sua travessia da Europa ao Brazil e do Brazil ao Cabo, a fazer observações com o capitão Donaldson, que commandava o navio em que ia, e a essas lições deveu a sciencia as descobertas que desde então produziram o movimento africanista.
Primeiro as descobertas na Africa despertaram um grande interesse geographico e naturalista. Depois esse interesse ampliou-se e tornou-se um grande interesse social. Passara pelo governo em Portugal o espirito elevado e esclarecido de Rebello da Silva, a elle se deve a remodelação das nossas leis organicas do ultramar, e as primeiras tentativas da organisação da instrucção e das obras publicas.
Eu não quero fazer agora a critica da tendencia do liberalismo em levar para a Africa a copia das nossas leis, e em legislar uniformemente para todas as colonias; basta fazer a justiça devida a Rebello da Silva, que na sua passagem rápida pelo ministerio da marinha, quando ainda se conservava adormecida a opinião publica portugueza sobre estes assumptos, trabalhou com sinceridade de intenções, e com o patriotismo que sabia sentir aquelle coração! (Apoiados.)
A meu ver, porém, o primeiro ministro que na gerencia da pasta dos negocios do ultramar tem um verdadeiro plano vasto e largo, capaz de poder resolver toda a complicada e extensa questão colonial portugueza attrahindo e concentrando as nossas attenções para onde ellas mais particularmente devem convergir, foi o sr. Andrade Corvo.
E, não se molestem os meus correligionarios politicos com esta justiça que eu profundamente sinto, e muito folgo de fazer no parlamento portuguez a um meu illustre adversario politico e a um amigo particular que desde creança respeito.
Como partido, o partido progressista quasi que não tem tido tempo de assentar e desenvolver os seus planos de administração no poder; como responsabilidades do nosso abatimento colonial não lhe cabem nenhumas.
Espero demonstrar cabalmente isto que avanço.
Qual era, pois, o plano colonial do sr. Andrade Corvo?
Fomento no ultramar e alliança ingleza.
Vozes: - Deu a hora.
O Orador: - Ouço dizer que deu a hora, sr. presidente e como tenho ainda mais algumas considerações a fazer, e alem disso me sinto fatigado, peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.
(O orador foi cumprimentado.}
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara approva a convenção entre Portugal e a associação internacional, de 14 de fevereiro do corrente anno, e bem assim o acto geral da conferencia de Berlim de 26 do mesmo mez e anno; lamenta que o governo portuguez tivesse celebrado o tratado de 26 de fevereiro de 1884, e convida o governo a expor ao parlamento a sua política colonial. = Vicente Pinheiro.
Foi admittida, ficando em discussão com o projecto.

O sr. Presidente: - A ordem da noite para a sessão de hoje é a continuação da discussão do projecto de reforma do municipio de Lisboa; e a ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada, e mais os projectos n.ºs 54 e 125.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

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