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Projecto do lei do sr. Gaspar Pereira da Silvo sobre fallencias que devia ler-se a pag. 220, col 2.ª, lin. 19, da sessão n. 15 d’este vol.

Relatorio

Senhores: — A legislarão sobre fallencias tem principalmente por objecto:

Proteger os commerciantes de boa fé, que, por acontecimentos provenientes meramente de caso fortuito ou de fôrça maior, se acham sem meios de pagar integralmente e de prompto as suas dividas commerciaes;

Proteger os credores do commerciante fallido, n fim de lhes diminuir, quanto possivel, o prejuizo que soffrem em taes occasiões; evitando-lhes pleitos judiciaes, sempre dispendiosos, e promovendo, quando precisa, uma liquidação que lhes seja vantajosa;

Punir aquelles que, faltando á boa fé que deve ser illibada sempre em todos os commerciantes, compromettem imprudentemente a fortuna dos seus credores, ou que empregam meios dolosos e fraudulentos para se aproveitarem do alheio, occultando a sua negra perversidade debaixo do manto do infortunio!

As leis existentes são, em grande parte, adequadas para conseguirem o fim que tiveram em vista, quanto aos dois primeiros objectos; posto que as disposições do nosso codigo commercial, a similhante respeito, são ainda susceptiveis de bastante melhoramento.

Mas o ponto em que a legislação sobre fallencias se tem em toda a parte mostrado inefficaz, o ponto em que ella tem sido illudida a rada passo, é aquelle que tende a punir os imprudentes, e, com toda a severidade, os fraudulentos; é aquelle que tem por fim collocar o commerciante laborioso e probo a coberto das insidias, que não cessam de imaginar contra a sua fortuna a cobiça e o dólo. E, é força confessa-lo, nenhuma legislação, n'esta parte, se mostra tão deficiente, como aquella que hoje existe entre nós, e nos tem regido ha mais de vinte annos.

Felizmente não ha fundamento para dizermos o mesmo a respeito das outras disposições do codigo; e esses beneficios, a que se refere o decreto de 18 de setembro de 1833, que o mandou publicar, foram realisados, não sendo por isso illudida a esperança dos ministros que o referendaram.

Já em 1836, quando os primeiros tribunaes de commercio contavam apenas dois annos de existencia, ou pouco mais, disse o ministro dos negocios ecclesiasticos e da justiça no relatorio do decreto de 30 de setembro d'esse anno, que supprimiu a suprema magistratura: —que o fôro commercial havia sido de immensa utilidade nacional, e que o corpo do commercio gosava, n'esta parte, dos beneficios de um codigo, onde os seus interesses eram devidamente protegidos. =

Muitas corporações mercantis reconheceram, por differentes vezes, essa verdade, dando d'el)a, em diversas occasiões, um testemunho solemne.

Alguns inconvenientes, indicados pela pratica e applicação das disposições do codigo, mais susceptiveis de serem promptamente remediados, foram já removidos por diversas medidas legislativas, pois é condição inherente a todas as leis humanas, que as suas disposições não podem ser invariaveis, nem convir a todos os tempos.

É por isso que o nosso codigo commercial, apesar de não conter proposição ou these que não seja apoiada em lei, ou jurisprudencia dos mais abalisados jurisconsultos; apesar de ter sido compilado em presença de todos os codigos commerciaes conhecidos, de todas as leis, regulamentos e ordenanças das diversas nações de mais vasto commercio, segundo affirma o seu illustre auctor; assim mesmo, sujeito á sorte de todas as obras dos homens, já soffreu alterações, como fica dito, e carece ainda de muitas outras, entre as quaes se tornam, incontestàvelmente, de maior urgencia as que dizem respeito ás disposições sobre fallencias.

A legislação, quanto a estas, tem sido, nos ultimos annos, muito alterada e reformada em diversos paizes. Na França foram todos os artigos do codigo de commercio de 1807, no titulo das fallencias, refundidos em uma nova lei que os veiu substituir, fazendo hoje parte do referido codigo, e u mesmo aconteceu, ainda ha pouco tempo, na Belgica. A experiencia de mais de vinte annos me tem feito conhecer que é muito conveniente que se dê entre nós uma reforma pelo mesmo systema.

Na jurisprudencia mercantil, a materia das quebras ou fallencias, é, na verdade, uma das mais espinhosas, e muitos têem affirmado que nenhum codigo a levou ainda áquelle grau de perfeição de que ella é susceptivel.

Na França, já depois da ultima lei de 28 de maio de 1838, a que me referi, houve quem affirmasse que as cousas haviam ficado em peiores circumstancias do que se achavam ao tempo em que regia o codigo! E ha tres para quatro annos foi dirigido ao imperador Napoleão um requerimento contendo mais de mil e duzentas assignaturas dos principaes negociantes de cincoenta e duas cidades das de maior commercio e industria, pedindo a revisão da legislação sobre fallencias, e reclamando garantias a favor do commercio' Outros, porém, consideram essas reclamações prematuras e destituidas de fundamento, sustentando que a nova lei introduziu consideraveis melhoramentos.

O que se póde concluir d'aqui, com segurança, é que a materia se considera em toda a parte complicada e difficil, e que as providencias não pódem agradar a todos, visto que o prejuizo é inevitavel para muitos; mas nem por isso devemos deixar sem a emenda que nos parecer boa aquellas disposições que pela experiencia selem conhecido que offerecem inconvenientes na sua applicação, embora se veja no futuro que ainda carecem de ser melhoradas. É por isso indispensavel ter sempre em vista que deve ser muito pensada e reflectida qualquer alteração que se queira introduzir, para que os inconvenientes desappareçam com a reforma, sem fundamento para receiar que d'ella resultem outros maiores.

Os principios são muitas vezes bons em si mesmo, mas offerecem graves difficuldades na sua applicação; por isso não me canso de o dizer, é necessario consultar a cada momento as lições da experiencia.

Os titulos XI, XII e XIII da parte I do livro 3.º do nosso codigo commercial, que traiam das quebras, rehabilitação do fallido e moratorias, contendo cento sessenta e seis artigos desde o n.° 1121 até 1286 são, pela maior parte, identicos nas suas disposições aos artigos que lhes correspondem no codigo do commercio do reino dos Paizes Baixos, que geralmente se conhece com o nome de Codigo da Belgica. dado e publicado successivamente na Haya em diversas leis, desde 23 de março até ao 1.º de junho de 1826.

Mas cumpre advertir que esse codigo nada diz sobre a qualificação das quebras, e n'esse ponto o nosso seguiu, em parte, as disposições do codigo francez, as do codigo de Hespanha, e algumas do projecto do codigo de Italia; mas. ao passo que menciona, assim como esses outros codigo» fizeram, os diversos casos em que as fallencias se devem qualificar de casuaes, culposas ou fraudulentas, muito pouco ou nada diz quanto á fórma de processo e termos que se devem observar para se podér conseguir uma qualificação justa e conforme com a verdade dos factos.

Pelo contrario, no artigo 1151.º encontra-se uma disposição repugnante, e que n'esta parte tem servido de grandissimo obstaculo á boa administração da justiça.

Em materia de quebras ninguem ha que desconheça que

Vol. V—Maio — 1857,

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