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N.º 19. SESSÃO DE 28 DE MAIO. 1853

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada — Presentes 80 srs. deputados.

Abertura — Ao meio dia

Acta — Approvada.

Não houve correspondencia — Mas deu-se pela mesa destino ao seguinte

1.º REQUERIMENTO. — » Requeiro que o governo, pelo ministerio competente, mande a esta camara todas as consultas, pareceres, papeis, de qualquer natureza, que tenham sido presentes ao conselho de obra» publicas sobre caminhos de ferro, bem como a respostas que o mesmo conselho tenha dado, pareceres, dos procuradores regios, ou de qualquer outra auctoridade, ou engenheiro, que tenha tractado deste negocio.

Peço igualmente que o governo remetta a esta camara uma lista nominal dos accionistas da companhia central peninsular dos caminhos de ferro de Portugal, cujos estatutos foram approvados por decreto de 10 do col rente mez, e do nu meio de acções com que tiver assignado cada um. « — Barão de Almeirim.

Foi remettido ao governo.

2.º Requerimento — Requeremos, que se rogue ao governo queira, pelo ministerio competente, mandar a esta camara com urgencia os seguintes esclarecimentos:

1.º A consulta da junta geral do districto de Faro, da sessão do corrente anno.

2. O officio do governador civil do mesmo districto, que acompanha a referida consulta.» — Bivar — Palma — Ortigão.

Foi remettido ao governo.

O sr. Passos (Manoel): — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Alpiarça, pedindo que no orçamento se consigne uma verba para a limpeza da valla de Almeirim, obra esta que tende não só a facilitar a navegação, actualmente impossivel n'uma grande parte do anno, senão tambem tornar sadia uma porção do territorio ao longo do Téjo.

Peço que esta representação seja remettida á commissão das obras publicas, para dar com urgencia o seu parecer a respeito della.

Ficou para se lhe dar destino ámanhã.

O sr. Ferreira de Castro — Envio para a mesa uma representação dos habitantes do concelho de Santa Martha do Bouro, que pedem a esta camara uma medida legislativa, que reconheça válidos todos os contractos feitos, sem o consentimento da fazenda nacional, sobre bens foreiros ás extinctas ordens religiosas, ao reguengo, e outras corporações, que, até a lei de 22 de junho de 1846, e depois do decreto de 13 de agosto, eram considerados geralmente como allodiaes.

Sr. presidente, esta representação não é só dos povos de Santa Martha do Bouro, é de todo o paiz, porque em toda a parte foi assim intendido o decreto de 13 de agosto de 1832, e em todos os concelhos se tem feito contractos sobre bens, cujos fóros estão hoje em posse e administração da fazenda: e nenhuma duvida ha de que pelo citado decreto de 13 de agosto, fóros ahi mencionados foram universalmente lidos por allodiaes, como os de reguengo e outros, e muitos, duvidosos, para que os possuidores dos bens em que eram impostos, fossem procurar á fazenda o consentimento, quando esta não pediu esses fóros, antes houve uma portaria, creio de 1835, sendo ministro da fazenda o sr. Manoel Antonio de Carvalho, hoje visconde de Chancelleiros, que mandou pôr pedra sobre a cobrança de taes fóros, até que o decreto fosse declarado pelo congresso; e quando os julgados eram todos pela allodialidade dos bens, e estes inventariados, e partilhados, sem que a fazenda ahi tomasse parte; seguindo-se isto geralmente sem contradicta até á publicação da lei de 22 de junho de 1846.

Ora, na boa fé em que, por tudo isto, estão Os possuidores dos bens, hoje em posse e administração da fazenda, seria uma iniquidade, uma grande injustiça annullar agora as doações, as compras, e as trocas que se tem feito de similhantes bens, por falla de consentimento da fazenda. Tão justa e tão equitativa é esta doutrina, que, desde 1836 até 1846, sempre as commissões dos foraes desta casa a tomaram em consideração para consignarem nos seus pareceres um artigo, que resalvava os contractos feitos, apesar da falla de solemnidade. Do anno de 1836 presto eu testimunho de facto, porque fui membro dessa commissão e dos annos, que se seguiram, tive noticia pelos Diarios desta camara; sendo muito para notar que a mesma commissão do anno de 1846, no seu parecer, que creou a lei de 1816, ahi mesmo consignou aquelle sancto principio; mas a camara não o adoptou, e não sei por que; não pude, tendo percorrido os debates desse tempo, deprehender razão alguma para uma tão injusta eliminação.

Porém, porque até agora se não tem feito, e inserido na lei esta providencia, não se segue que ainda se não faça, antes tenho esperança de que a illustre commissão de legislação, áquem por certo a camara mandará esta representação, ha de esposar a sua doutrina, e as observações que eu tenho a honra de apresentar á camara.

Sr. presidente, quando fallo em commissão de legislação, fico á minha vontade para lhe dirigir expressões convenientes, e bem medidas. Respeito muito a illustre commissão de legislação, que é composta de collegas meus, de antigos camaradas nesta casa, e até condiscipulos, como o sr. Mello e Carvalho, e Mello Soares, e a todos venero muito cordialmente. Mas permitta-me ella que eu seja franco. A commissão nada tem feito; e lamenlo que assim lenha procedido, porque a nenhum de seus membros fallece talento e illustração; ainda aqui não apresentou um só negocio, de tantos que lhe tem sido incumbidos, como morgados, foraes, reforma judiciaria, legados pios, e outros, ao passo que a camara tem deixado de funccionar muitos dias, por falta de trabalhos preparados.

Sr. presidente, o paiz reclama, em alio brado, a lei de foraes, e reforma judiciaria; e que conta lhe havemos nós de dar, proximos a deixar esta casa, da missão que elle nos commetteu? Nós votamos

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235 leis, uma grande parte de proveito para o paiz, organisadoras e civilisadoras; mas algumas dellas pesam gravemente sobre elle. E não havemos dar-lhe algumas de allivio? Eu ainda me volto para a illustre commissão. Bem sei que nesta sessão já não é possivel converter em lei nenhum desses trabalhos que lhe estão affectos, mas ao menos apresentem-se os pareceres; e mostre-se ao paiz, que se não fizemos tudo quanto elle reclama, fizemos alguma cousa. Adiantemos os trabalhos, para, na sessão seguinte, termos menos que fazer, e permitta Deos que aproveitemos melhor o tempo.

Ainda peço pois á illustre commissão de legislação que nos apresente alguns trabalhos, e á camara, e á mesma commissão desculpa por tomar algum calor nesta questão.

O sr. Mello Soares: — Sr. presidente, eu não posso deixar de conhecer a justiça do requerimento feito pelo illustre deputado meu amigo e condiscipulo, Ferreira de Castro, e não posso tambem deixar de dar á camara testimunho do interesse que elle, e que eu já o anno passado tomámos pelo projecto, para a permissão da remissão dos sub-fóros, sub-censos aos emfiteutas, e sub-censos da corôa, o da fazenda. (O sr. Ferreira de Castro: — Apoiado, é verdade).

Eu este anno na sua ausencia renovei a iniciativa desse projecto; foi a commissão de fazenda, e depois remei lido á commissão de legislação. Chegado ahi roguei aos meus collegas, e illustres membros da commissão, que se tractasse delle, e depois de passados muitos dias, veiu por fim á commissão; instei para que passasse; propuz a necessidade, e mesmo a injustiça, além da conveniencia delle; e fui até de voto, que se não involvesse esta questão com outras de maior momento, mas a commissão intendeu que este projecto devia ficar reservado para quando se tractasse da reforma da lei dos foraes, e foi este o motivo por que não tem apresentado o seu parecer. Eu pela minha parte tenho feito quanto possivel para que este negocio seja resolvido, mas a commissão por maioria votou que não se tractasse isoladamente deste projecto, e que se esperasse pelo da reforma da lei dos foraes.

O sr. Vellez Caldeira; — A commissão de legislação não foi o projecto do sr. Ferreira de Castro, para interpôr o seu parecer sobre elle; mas o que está na commissão é um pedido da commissão de fazenda para lhe dar a sua opinião sobre o mencionado projecto; e a commissão de legislação ainda não combinou na resposta que ha de dai aquella commissão. Sendo este o facto, parece-me ter havido equivoco da parte do sr. Mello Soares, na exposição que fez do estado deste negócio.

O sr. Mello Soares: — Eu não gosto de consumir tempo, mas não posso deixar passar sem rectificação o que disse o sr. Vellez Caldeira.

Sr. presidente, o que se passou na commissão foi o que eu disse, e appello para o testimunho dos demais membros da mesma commissão. O sr. Vellez Caldeira póde não estar exactamente lembrado do que se decidiu, a respeito deste negocio, mas o que se decidiu, foi o que eu disse — que a commissão de legislação não devia por em quanto dar parecer algum sobre aquelle projecto, que não havia porém nada a tractar, e que devia ficar reservado para quando se tractasse da reforma da lei dos foraes. — Peço aos illustres membros da commissão de legislação que estão presentes, que digam se foi isto, ou não o que se passou.

O sr. Presidente: — Vejo que alguns srs. deputados tem pedido a palavra; mas parece-me que este incidente não tem senão perda de tempo (Apoiados).

O sr. Vellez Caldeira: — quanto á censura que se fez á commissão, ha pouco tempo tenho a honra de lhe pertencer; porém desde que já faço parte della, a minha consciencia não me accusa de não ter concorrido quanto tenho podido, para que os seus trabalhos tenham o devido andamento, e em todo o caso era áquelles senhores, que pertencem á maioria, a quem cumpria promover o andamento dos mesmos trabalhos, e não a mim, que na camara tenho muitas vezes votado contra. Entretanto, repito, na commissão tenho trabalhado quanto tenho podido, e lavo as minhas mãos de qualquer imputação, que se faça á commissão.

O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Sr. presidente, ha 20 dias que eu fiz um requerimento, pedindo ao governo quizesse mandar a esta camara uma relação do assentamento das pensões, e das vacaturas dellas, e ainda não veiu. Não posso crer que tamanha demora na remessa seja falta de deferencia para com os pedidos dos deputados; supponho que seja pelo pequeno pessoal que ha no thesouro, muitos particulares que a elle requerem, lá esperam longo tempo sem alcançarem decisão alguma (Apoiados) que é por falla de pessoal no thesouro publico que acontecem estas cousas; mas pela demora que vai tendo, já não chegarão a tempo os esclarecimentos que eu pedi.,

Aproveito esta occasião tambem para me dirigir á illustre commissão de fazenda, e pedir-lhe que, pelo menos, nos dê algumas noticias a respeito da apresentação do parecer, ácerca do orçamento. (Apoiados) O meu nobre amigo e collega o sr. Santos Monteiro, disse já aqui que em 10 dias o parecer sobre o orçamento seria apresentado: já passaram 20 dias, e ainda não veiu o tal parecer. Parece-me que fallando agora nisto não sou impertinente.

Quando a camara votou os actos da dictadura, foi minha opinião que se votassem em separado, porque eu queria votar por uns e rejeitar outros; mas decidido que a votação fosse em globo, não tive duvida em votar por todos; debaixo da impressão, todavia, de que, por occasião da discussão do orçamento, eu propuzesse, ou se proporiam reformas, que dariam em resultado algumas economias, e por consequencia ficariam emendados alguns defeitos de diversos actos da dictadura. Porém depois de termos já 5 mezes de sessão, sem que o orçamento haja vindo á discussão, quasi que tenho a esperança perdida de que tal objecto se tracte, e que taes economias tenham logar.

Peço, pois, ao illustre relator da commissão de fazenda, que nos diga alguma cousa a respeito do orçamento.

Peço tambem a v. ex.ª, que tenha a bondade de fazer renovar o meu pedido ao governo a respeito dos esclarecimentos a que me referi.

O sr. Presidente: — Queira mandar a respectiva nota.

O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Sim, senhor, eu vou mandar a nota.

O sr. Canto e Castro: — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)

Ficou para ter seguimento na sessão immediata.

O sr. Santos Monteiro: — Eu peço licença para

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dizer ao meu nobre amigo e collega o sr. D. Rodrigo, que houve da sua parte um equivoco. Eu não disse, que havia de ser presente o parecer da commissão de fazenda sobre o orçamento dentro de 10 dias; o que eu disse foi, que esperava que dentro de 10 dias estivessem acabados os trabalhos da commissão a este respeito. Hoje posso assegurar que está prompto o parecer, e estimaria até que a commisão de fazenda fosse auctorisada a poder mandar desde já para a imprensa alguns mappas, para poderem estar promptos na occasião que fosse apresentado o relatorio, e assim andar este negocio da impressão com mais brevidade. (Apoiados) A commissão de fazenda tem-se occupado constantemente do orçamento; não terá feito nada, mas tem perdido todas as noites até á 1 hora sem excluir o dia de Corpus Christi. São estas as noticias que posso dar ao sr. deputado.

O sr. Vellez Caldeira: — Como acabo de ouvir que a commissão de fazenda tem concluido os seus trabalhos sobre o orçamento, agora que a supponho mais desembaraçada dos trabalhos geraes, pedir-lhe-hei tenha a bondade de dar quanto antes o seu parecer ácerca do negocio que ha muito tempo lhe está commettido, e que diz respeito aos officiaes de secretaria e outros empregados demittidos em 1833.

O sr. Casal Ribeiro: — É verdade que a commissão de fazenda já concluiu, como declarou o sr. Santos Monteiro, os trabalhos sobre o orçamento da despeza, mas resta-lhe ainda considerar a receita e a lei de meios, no que está trabalhando incessantemente: não obstante isto, a commissão tem-se tambem occupado de outros objectos muito importantes de que tem sido encarregada, e fixou já a sua opinião sobre o projecto de lei apresentado pelo sr. Vellez Caldeira; mas intendeu que devia ouvir o governo sobre este assumpto, para dar tambem o seu parecer quanto á despeza a que podia montar. A resposta do governo veiu ha mui pouco tempo para a commissão, ha 3 ou 4 dias, e é esta a razão por que a commissão não tem apresentado o seu parecer, mas conta apresenta-lo dentro em pouco tempo.

O sr. Vellez Caldeira: — Não tenho senão a agradecer a bondade com que a commissão satisfez á minha pergunta.

O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento dos empregados da repartição de contabilidade do ministerio da guerra que foram reformados em 27 de dezembro de 1849; e allegando que foram reformados outros empregados do ministerio da fazenda por outro decreto que os collocou em melhor situação, vem reclamar contra a injustiça que intenderam se lhes tinha feito (em verdade combinados uns com os outros parece-me que não deixam de ter razão); e requerem á camara que attenda o seu pedido, mas com uma condição, que eu não apoio, e vem a ser — que se lhes defira sem serem pedidas informações ao governo. Essa não apoio eu; mas na outra parte não tenho duvida em apoiar a pertenção.

Ficou para se lhe dar seguimento na sessão immediata.

O sr. Bivar: — Sr. presidente, em uma das sessões passadas chamou o sr. barão de Almeirim a attenção do governo sobre uma porção de agua-ardente, que dos portos do Algarve linha saido para Lisboa e Porto; e o sr. ministro da fazenda tornando a palavra, prometteu obter os devidos esclarecimentos, para se conhecer se a agoa-ardente era ou não de contrabando.

Na sessão immediata, tanto eu, como outros srs. deputados, pedimos tambem certos esclarecimentos, não só para elucidarem a questão, mas igualmente para ficarmos habilitados a fallar nella, quando o sr. ministro a trouxesse á camara.

Porém em resultado do que se passou, ficou em pé a asserção do sr. barão de Almeirim. Assim tal aguardente devia presumir-se de contrabando, os empregados da alfandega ficaram debaixo do pezo de uma arguição, que os poderia prejudicar; e eu como particular amigo de muitos, affeiçoado de todos, pelo muito bom serviço que fazem, não posso consentir que por muito tempo continue a pezar nos referidos empregados tão desfavoravel suspeição, em que as palavras do sr. barão de Almeirim os collocou — porque dizer que linha vindo com despacho do Algarve agua-ardente, que não era producto daquella provincia, era o mesmo que dizer que os empregados de algum modo favoreciam o referido contrabando. E sabendo eu, que o director do circulo das alfandegas do Algarve, o sr. Avelar, homem digno a todos os respeitos, logo que viu no Diario o requerimento referido, deu as providencias para estarem promptos os esclarecimentos pedidos, que de facto o estão, por isso insto para que de novo se rogue ao governo que com urgencia os mande pedir, e depois os remetta á camara.

Além disto direi que eu já tenho em meu poder documentos, por onde posso mostrar que a aguardente, de que fallou o sr. barão de Almeirim, nem era tanta como se pensava, nem era de contrabando.

Primeiro, porque tenho na minha mão uma certidão da alfandega de Portimão, por onde se prova a quantidade que nos ultimos 3 mezes saíu para Lisboa e Porto; em que barcos transportada; quaes os carregadores e fabricantes; e este documento que tenho na mão, que não leio, para não fatigar a camara, o posso mostrar a quem o quizer lêr; e em segundo logar, porque tenho tambem em meu poder uma carta do governador civil do districto, que se póde reputar official, o da qual se deve concluir não só que no Algarve ha mais vinho do que é necessario para o consumo, mas igualmente que não houve outra exportação demais algum vulto do que a que se fez pela barra de Portimão.

Tenho juntamente na minha mão os documentos que mostram que nos concelhos de Silves e Lagos, proximos a Portimão, ha muitas fabricas de aguardente destillada de vinho, e algumas de vulto, o que tudo mostra que esta industria tem tomado bastante incremento no Algarve, e portanto não é para estranhar que tenha havido, e continue a haver exportação de aguardente de vinho.

Sr. presidente, quando no anno passado se confeccionou uma tabella de diversos generos de exportação que se deveriam sujeitar a um imposto para as obras no porto de Portimão, cujos planos o sr. engenheiro Peseral foi incumbido de levantar, ahi vem já como fonte de rendimento a expoliação ria agua-ardente.

De tudo isto, portanto, parece-me poder-se concluir que a aguardente que leiu vindo para Lisboa e Porto não é de contrabando, mas sim producto nacional; e que os empregados das alfandegas são demasiadamente dignos para transigirem com o contra-

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bando; e se o não podem evitar totalmente, trabalham quanto podem nos interesses da fazenda..

-O sr. Barão de Almeirim: — Sr. presidente, começarei por dizer alguma cousa ao que acabo de ouvir no illustre deputado o sr. Bivar a respeito da exportação da agoa-ardente do Algarve Todas as explicações apresentadas por s. ex.ª provam que effectivamente ali ha a cultura das vinhas, e que se fabrica vinho, mas não provam ainda sufficientemente em quanto a mim que essa cultura seja tão abundante, dê uma quantidade tal de producção que chegue para o consumo, e ainda haja um excedente que possa produzir aguardente para mandar aos outros portos do paiz. No entretanto eu não nego que exista esse facto, e mesmo quando fallei aqui da primeira vez acêrca da agoa-ardente proveniente dos portos do Algarve, não asseverei que fosse introduzida por contrabando; sómente fiz saber no sr. ministro da fazenda que existia aquelle facto para o averiguar.

Ora o que eu intendo que era necessario, para s provar que a cultura das vinhas no Algarve estava por tal fórma, e de tal modo augmentada, era a apresentação do arrolamento dessa producção na importancia do subsidio litterario; por aí é que poderia saber-se até que ponto estava augmentada a cultura da vinha naquelle paiz: e se effectivamente havia producção mais que sufficiente para o consumo, e para se poder queimar e destillar.

Permitta me tambem o meu illustre collega que eu não dê muito pezo ao argumento de que a exportação da aguardente pela barra de Portimão foi já objecto considerado em uma tabella de impostos para as obras da barra daquella villa, por isso que todos sabem que o Algarve, produzindo muito figo, delle se extrahe tambem a aguardente: é preciso saber se a aguardente exportada é extrahida de vinho ou de figo. Eu sem dar por assentado cousa alguma a este respeito, o que desejo é que se averigue attentamente se a agoa-ardente exportada do Algarve é de contrabando, ou se é de producção nacional; e estimarei muito que se prove que não é de contrabando, porque nenhum empenho tenho no contrario — Nem ainda puz em duvida o caracter dos empregados.

Agora direi, que quando hontem pedi que a representação da camara municipal de Santarem, na qual pede o pagamento de uma avultada quantia de que é credora ao estado, fosse mandada á commissão de fazenda juntamente com os documentos que existiam na secretaria, para que ella reformasse o seu primeiro parecer, não sabia que o governo linha apresentado uma proposta sobre objecto identico; mas sabendo-o posteriormente, mando agora um requerimento para a mesa, para que aquella representação seja remettida á commissão de administração publica, ao exame da qual foi commettida a proposta do governo. (Leu o requerimento.)

Aproveitando a palavra, sr. presidente, tractarei ainda de outro objecto de que intendo que esta camara se deve occupar quanto antes. Ha já bastantes dias que eu aqui, reclamando a attenção da illustre commissão de guerra, lhe pedi quizesse occupar-se assiduamente da pretenção dos officiaes preteridos por motivos politicos, pretenção que julgo de alta justiça, e sobre a qual intendo que esta camara não deve de modo nenhum deixar de tomar uma decisão antes de se fechar a sessão legislativa, Esta pretenção já foi apresentada aqui nu sessão do anno passado: na commissão militar dessa sessão lavrou-se um projecto sobre a mesma pretenção, esse projecto estava a ponto de ser apresentado e discutido, e te a camara não fosse então dissolvida, era natural que este negocio se tivesse resolvido convenientemente; mas como a dissolução da camara obstou a que effectivamente fosse decidido este negocio que eu reputo de justiça, intendo que a illustre commissão de guerra deve occupar-se delle especialmente, e apresentar com a maior brevidade possivel o seu parecer. Acho que se torna ainda mais injusta a demora em presença das excepções que me consta ler havido; digo, que me consta terem sido attendidos alguns officiaes que estavam naquella classe, já depois do movimento de abril de 1851, e isso torna mais aggravante a injustiça para com aquelles que têem deixado de ser attendidos até hoje.

Espero por consequencia do patriotismo da commissão de guerra que não deixará de apresentar uma medida que seja justa, com a maior brevidade possivel..

O sr. Presidente: — Este negocio da aguardente do Algarve não adianta cousa nenhuma em quanto não vierem os esclarecimentos; (apoiados) entretanto ainda 2 srs. deputados estão inscriptos sobre esta materia, e, não prescindindo da palavra, não lha posso negar; mas faço sempre esta observação.

O Sr. Santos Monteiro: — Tendo eu sido eleito deputado pelo Algarve, não posso deixar de tomar a palavra sobre o negocio da aguardente, para não tornar a acontecer o que já se verificou quando o sr. barão de Almeirim chamou a attenção do sr. ministro da fazenda, para que se indagasse se uma certa porção de aguardente, que foi introduzida no Porto, procedente do Algarve, seria ou não de contrabando; porque respondendo s. ex.ª o sr. ministro que effectivamente tinha entrado em Lisboa uma porção de aguardente do Algarve, e que tinha mandado averiguar se era producção dalli, em vista desta resposta, eu, não obstante poder assegurar naquelle momento que no Algarve ha producção de vinho, e se destilla aguardente de vinho, intendi, assim como os meus collegas deputados pelo Algarve, que nos deviamos callar uma vez que o sr. ministro promettia averiguar a verdade do que houvesse a este respeito: é certo porém que 48 horas depois fomos altamente censurados n'um jornal, por lermos ficado callados e deixarmos fallar o sr. barão de Almeirim muito á sua vontade. Ora hoje que vem outra vez este negocio á arena, havemos nós, deputados pelo Algarve, ficar callados? Não me parece justo, e muito menos justo seria ainda havendo o sr. barão de Almeirim soltado expressões que tenho de lhe fazer retirar pelos documentos que tenho presentes. S. ex.ª não duvída que no Algarve haja producção de aguardente, mas quer que a aguardente produzida no Algarve não seja extrahida do vinho, e sim do figo; por consequencia deixa em pé a arguição com esta nova observação que s. ex.ª fez.

Eu, quando ouvi fallar aqui na grande porção de aguardente vinda do Algarve, cuidei que era uma cousa para espantar, e que teriamos um diluvio de aguardente no Dou lo ou no Téjo, mas segundo as noticias que tenho, a aguardente ida do Algarve para o Porto são 331 almudes, e a vinda para Lisboa 338; eis-aqui está o grande diluvio de aguardente que veiu

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do Algarve. Vamos porém vêr se ella veiu por contrabando ou não. O meu collega, o sr. Bivar, já leu o periodo de uma carta, que se póde reputar official, porque é assignada pelo governador civil de Faro, em que se mostra que a aguardente não veiu por contrabando, e eu não produzirei esse documento, mas tenho aqui dois outros dos administradores dos concelhos de Alagôa e Silves que declaram as fabricas de aguardente que existem naquelles concelhos, e os almudes que produzem. Para não cançar a camara não leio estes documentos, mas mando-os entregar ao sr barão de Almeirim para que s. ex.ª veja que no Algarve ha queima de vinho., Não diria que no Algarve não se faça contrabando, mas o que não se faz no Algarve é contrabando de aguardente... (O sr. Palma: — Mas os empregados não são culpados no contrabando que se faz.) O meu collega confunde as minhas expressões, lin não posso dizer aqui que na costa do Algarve não se faz contrabando, quando hei-de votar uma nova verba de 12 contos de réis para o evitar; não são os empregados que o fazem; nem são sufficientes para o evitarem; mas no Algarve faz-se contrabando, assim como se faz em todo o reino, porque nem no Algarve nem no resto do reino, ha providencias para elle se evitar; e faz-se contrabando ainda em maior escala do que se fazia antes de algumas providencias tomadas ha pouco na idéa de o evitar. O contra bando faz-se com tanto que não haja risco; e effectivamente não ha risco nenhum; os contrabandistas entram por onde querem sem obstaculo, porque, com relação ao Algarve, uma meia duzia de individuos n'uma costa immensa não o podem evitar.

O sr. Bivar: — Sr. presidente, eu pouco mais tenho que accrescentar ao que disse o sr. Santos Monteiro. Eu não avancei a proposição de que no Algarve não se fazia contrabando; a proposição que avancei, foi que na alfandega do Algarve havia empregados muito honestos, a cuja frente estava um homem de muitissimo merecimento, e estando elles debaixo da impressão de terem por alguma maneira permittido que uma grande quantidade de contrabando de aguardente se fizesse, foi esta impressão que eu quiz destruir. Aproveitarei tambem a occasião para dizer ao sr. Barão de Almeirim, que brevemente está a chegar um outro barco com mais aguardente, e traz até garrafas de aguardente por fóra para se poder examinar e vêr que é aguardente de vinho.

O sr. Palma: — Eu pedi a palavra quando o meu collega o sr. Santos Monteiro disse alguma cousa de que poderia inferir-se alguma censura aos empregados da alfandega do Algarve; então interrompi o illustre deputado, elle deu explicações que gostei muito de ouvir, porque eu não queria que das suas expressões se podesse intender que fazia alguma censura aos empregados daquella alfandega, que, na minha opinião, são muito honrados.

O sr. Placido de Abreu: — Pedi a palavra na occasião em que o sr. deputado por Santarem fez um convite á commissão de guerra para apresentar o seu parecer sobre um objecto que está commettido ao seu exame. Eu sinto que s. ex.ª não estivesse presente na occasião em que se discutiu o projecto n.º 28, aliás ouviria a declaração que eu fiz por parte da commissão ao sr. Cezar de Vasconcellos, por onde s. ex.ª havia de reconhecer que a commissão tem muito a peito esse negocio o que tracta de apresentar um parecer á camara; entretanto a questão é um pouco delicada, involve muitas especies e todas ellas difficeis, e não e negocio que se possa resolver sem se pensar e pensar muito.

O sr. Nogueira Soares: — Pedi a palavra unicamente para ponderar ao sr. barão de Almeirim, que a commissão de administração publica não póde tomar em consideração no parecer que tem a apresentai á camara sobre o projecto do governo com relação á moratoria concedida a outras camaras do reino, a representação da camara de Santarem; porque aquelle projecto está muito adiantado, está prompto para assim dizer, ha de ser apresentado na segunda ou terça feira, e não é possivel esperar, porque está a acabar a moratoria concedida ás camaras, e é necessario tomar alguma providencia a esse respeito; comtudo a commissão não tem duvida alguma em tomar em consideração essa representação, mas n'um projecto á parte.

O sr. Cezar de Vasconcellos: — O objecto principal para que pedi a palavra, era para chamar a attenção dos illustres membros da commissão de legislação, a fim de fazerem saberá camara que com effeito existe uma commissão de legislação, Perdõem-me os illustres membros dessa commissão, eu tenho por todos a maior deferencia, e sou amigo particular da maior parte delles; mas nós temos todos os dias cartas dos nossos constituintes, uns fallando-nos dos foraes, outros da reforma judiciaria, muitos das avultadas custas dos inventarios, em summa de immensas cousas, lodosos dias, a toda a hora, a todo o instante. Estes negocios acham-se affectos á commissão de legislação, e estamos a dar pelo correio esta noticia aos nossos constituintes ha 5 mezes! Ora, sr. presidente, a sessão legislativa está a acabar, e já foi prorogada além do tempo ordinario, pois nem a prorogação, nem o tempo ordinario da sessão foi sufficiente, não digo já para a commissão de legislação apresentar aqui o seu parecer sobre os negocios importantissimos que estão affectos no seu exame e cuidado, mas um parecer no negocio o mais insignificante! Ainda não vimos nem um unico parecer! Realmente eu confesso que não sabemos responder aos nossos constituintes. Aos illustres membros da commissão de legislação não falta talento e boa vontade de servir o seu paiz; póde faltai -lhes outra cousa, póde fahar-lhes occasião de empregar o seu serviço em trabalhos da commissão de legislação; mas então, se assim fôr, com a franqueza que caracterisa esses cavalheiros, digam a camara que nomeie outros para comporem a commissão, porque elles não podem continuar a encarregar-se dos trabalhos que á commissão estão submettidos; porque realmente — v. ex.ª tem sido deputado desde 1834, e eu desde 1835 tenho tido a honra de me sentar na camara, e é a primeira vez, é a unica sessão em que a commissão de legislação, a quem competem os negocios mais graves, mais importantes, os negocios do interesse mais vital para a boa administração da justiça deste paiz, n'um tal espaço de tempo não apresentou um unico parecer. Eu não quero fazer censura, estou que tem motivos sufficientes para obrar deste modo, mas a camara e o paiz teem direito a esperar desses cavalheiros a declaração franca e explicita a este respeito.

Sr. presidente, eu tenho visto apresentar aqui uns poucos de projectos de lei que teem sido remettidos á commissão de legislação, mas realmente estou con-

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Vencido que mui los sr-, deputados teem deixado de apresentar outros, porque lê-se o projecto, tem segunda leitura — E que destino terá? Vai á commissão de legislação» — diz-se na mesa. Esta declaração é já ouvida pelos srs. deputados, por mim e pelos mais collegas realmente com desgosto, porque é o mesmo que dizer-se: morreu o projecto; porque todas as outras commissões mais ou menos teem apresentado pareceres; a commissão de legislação não nos deu ainda esse gosto.

Repito, respeito muito os dignos cavalheiros que compõem esta commissão, mas isto é um facto conhecido de toda a camara e desgraçadamente de todo o paiz, porque o paiz está sempre recommendando aos seus deputados que o informem de certos negocios que estão pendentes da commissão de legislação; até os juizes, os tribunaes, o foro....

Não digo mais uma palavra; parece-me que tenho dicto até de mais, nem tanto desejava, porque talvez algum dos cavalheiros da commissão intenda que é minha intenção magoar alguem, ou tractar alguem com menos consideração; mas entretanto o meu dever como deputado obriga-me a proceder deste modo; e confesso á camara que todos os dias, sempre que a mesa me conceder a palavra, hei de fallar em negocios que estão affectos á commissão de legislação, ou então a commissão de legislação ha de fazer alguma cousa.

Aproveito esta occasião para mandar para a mesa um requerimento (Leu)

Ficou para se lhe dar andamento na sessão seguinte.

O sr. Mello e Carvalho; — O sr. deputado que acaba de fallar, disse que desde 183-4 era a primeira vez que acontecia não ter a commissão de legislação dado solução aos trabalhos que lhe foram commettidos; mas tambem desde que em Portugal ha governo representativo, ainda não se apresentaram de uma só vez ao exame do parlamento 235 medidas legislativas, que deviam ser examinadas e apreciadas, e os membros da commissão de legislação, que não queriam dar um simples voto de approvação, jurando nas palavras do gabinete; precisavam vêr e examinar essas medidas; alguns delles tomaram parte na discussão; e por consequencia em quanto durou a discussão das leis da dictadura, a commissão de legislação não pôde occupar-se dos assumptos que lhe estavam affectos, porque seria ir além das forças humanas, quer intellectuaes, quer fysicas.

Logo que essas leis passaram, a commissão de legislação tem-se occupado muito seriamente dos objectos commettidos ao seu exame. E quer a camara saber quaes são esses objectos! É, em primeiro logar, a conservação, extincção, ou modificação dos morgados. E facil resolver na actualidade lai problema? Pois a commissão tem tractado deste objecto, que hoje não é só uma medida economica, senão tambem politica: hoje é necessario considera-la debaixo do ponto de vista de que não é só uma medida economica, e sim mais alguma cousa. E os meus collegas, não obstante serem versados no direito e na practica deste negocio, têem encontrado de dia para dia novas difficuldades; sendo necessaria toda a circunspecção neste assumpto.

Tambem a commissão de legislação está encarregada da reforma dos foraes. E de que summa importancia e gravidade não é esta lei? Desde que há governo representativo em Portugal, tem-se agitado esta questão; e até agora não tem sido resolvida de uma maneira satisfactoria. E porque? Porque joga com taes interesses, e affecta taes pessoas, que não póde ser resolvida com essa brevidade.

Sr. presidente, quer v. ex.ª saber qual é o outro objecto de que a commissão está encarregada? É da reforma do processo judicial.

Alguns senhores reputam facil a solução deste negocio; porém a commissão de legislação precisa de esclarecer-se a similhante respeito, para o poder resolver do melhor modo possivel. O decreto sobre a reforma judiciaria foi promulgado pelo governo em 7 de agosto, e logo a 21 o mesmo governo julgou que devia suspender a sua execução, e effectivamente o suspendeu. Porque? Porque encontrou muitas difficuldades. Então quererá a camara que a commissão de legislação obre com precipitação em objectos tão graves, em que tanto interessa a ordem social, e a tranquillidade publica? Não é possivel; pelo menos, a commissão não quer tomar sobre si tamanha responsabilidade.

A este respeito permitta-se-me que eu faça uma referencia. Houve 2 magistrados inglezes, ambos elles bem conhecidos; um linha tomado por divisa — si bene, cito — isto é, que o negocio era depressa resolvido quando o fosse com a devida previdencia e precaução; e o outro que sem mais meditação, logo dava uma solução muito prompta, tomou a divisa — si cito, bene. — Porém esta divisa é que a actual commissão de legislação de 1853 não quiz tomar; e ha de considerar os negocios de que está incumbida, com a devida circunspecção; porque só assim poderá resolver mais convenientemente, e satisfazer do melhor modo possivel ás necessidades do paiz.

Ora sendo isto verdade, como acabo de expor, para que estão aqui constantemente dirigindo arguições á commissão de legislação, que fazem éco em todo o paiz, com descredito para os membros da commissão? Os illustres deputados dizem — os membros da commissão de legislação têem muita capacidade, têem muita intelligencia; mas não trabalham — peior um pouco; pois se elles tem todas as condições necessarias para apresentarem os trabalhos de que estão encarregados, e os não apresentam, a responsabilidade é muito maior; e desta maneira augmenta a gravidade da imputação.

O que posso asseverar a v. ex.ª e á camara, e o que posso dizer aos illustres deputados, é que a commissão tem-se occupado dos objectos que lhe foram commettidos; mas não espere ninguem da consciencia de cada um dos seus membros, que ella, para satisfazer ao campanario de alguns logares, vão precipitar um parecer que póde ser de grave inconveniencia, se não fatal, para os povos a que elle tiver de ser applicado.

Por tanto esperem os dignos deputados, espere a camara, que a commissão possa apresentar o resultado dos seus trabalhos, com a moderação, circunspecção, meditação t: reflexão, que elles demandam: outra cousa não podem exigir da commissão, nem a camara, nem o paiz: mas, repito, não esperem que os membros da commissão sacrifiquem a sua consciencia a essa brevidade que tanto se deseja.

Não se póde duvidar que todos os membros da commissão de legislação, á excepção de mim, todos lêem dado provas sufficientes da sua capacidade para

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poderem resolver os objectos que lhes estão incumbidos; porém se disser a v. ex.ª que ainda hontem, sobre um ponto unico a respeito da reforma do processo, nós estivemos duas horas successivas a tractar deste objecto, e que o deixámos ainda adiado, digo a propria verdade. (Apoiados)

A commissão pois quer vêr se póde satisfazer, da maneira a mais plausivel, ás differentes necessidades publicas; mas quer resolver com acerto; porque é um proverbio certo e antigo — que a precipitação é inimiga do acerto. — Por consequencia os illustres deputados tenham paciencia, e esperem mais algum tempo. E se querem vêr os negocios que estão commettidos ao exame da commissão de legislação, resolvidos com mais brevidade, então queiram auxiliarmos com as suas luzes, porque dellas nos havemos de aproveitar.

O sr. Presidente: — Como deu a hora designada para se passar á ordem do dia, este incidente fica reservado para se tractar na sessão seguinte,

O sr. Maia (Francisco):. — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

Ficou para opportunamente se tomar em conta.

ordem do dia.

Continúa a discussão do projecto n.º 32 (V. sessão de 20 deste mez.)

Leu-se o seguinte

Artigo addicional — É o governo auctorisado a por em vigor a legislação sobre o jury em todas as outras partes da monarchia, onde não houver inconveniente, m — Santos Monteiro.

Foi logo approvado.

Artigo 3.º (do projecto) — approvado.

Passou-se ao seguinte,.

Projecto de lei (Nº. 34.) — Senhores: A commissão de marinha foi presente a proposta do governo para a fixação da força do mar para o anno economico de 1853 a 1854.

Approvando a força proposta, a commissão não desconhece, que ella é insufficiente para o serviço de um paiz, que tem costas a defender, vastas colonias a proteger e fomentar, um importante commercio no Brazil, que reclama vigilante protecção — de um paiz, finalmente, que só pela sua marinha e colonias é que póde recuperar a posição que occupou entre as nações da Europa.

Attendendo, porém, a que no estado quasi indefinido e pouco harmonisado, a que por varias circumstancias todas as partes deste ramo do serviço publico tem chegado, não é possivel elevar por este anno a verba do orçamento destinada ao armamento naval, a commissão reserva para occasião mais opportuna o indicar os meios de tirar a nossa marinha de guerra de um estado, que não póde ser favoravel a Portugal, nem para a sua prosperidade como nação maritima, nem para a sua verdadeira independencia e importancia politica; e considerando como estado provisorio aquelle em que actualmente se acham as cousas da marinha, é de parecer, que a proposta do governo seja convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º A força de mar para o anno economico de 1853 a 1854 é fixada em dois mil tresentos e oitenta e tres homens, que serão distribuidos por uma fragata, tres corvetas, quatro brigues, oito escunas e correios e cinco vapores.

Art. 2.º O numero e qualidade dos navios armados póde variar segundo o exigir a conveniencia do serviço, com tanto que a despeza total não exceda á que é votada para a força que fica auctorisada.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 14 de maio de 1853. — Frederico Leão Cabreira, presidente, — Guilherme José Antonio Dias Pegado = Antonio Ladislau da Costa Camarate =: Antonio de Mello Breyner = Antonio Maria. Barreiros Arrobas, relator, = José Ferreira Pestana.

Este projecto recaíu sobre a seguinte Proposta de lei (n.º 6 TT.) — Artigo 1.º A força de mar para o anno economico de 1853 a 1851- é fixada em dois mil tresentos e oitenta e ires homens, que serão distribuidos por uma fragata, tres corvetas, quatro brigues, oito escunas e correios, e cinco vapores.

Art. 2.º O numero e qualidade dos navios armados póde variar segundo o exigir a conveniencia do serviço, com tanto que a despeza total não exceda á que é votada para a força que fica auctorisada.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria de estado dos negocios da marinha e Ultramar, em 2 de março de 1853. — Antonio Aluizio Jervis de Atouguia.

O sr. José Silvestre Ribeiro: — Na sessão de 21 de junho do anno de 1850, um membro da camara dos communs de Inglaterra fez uma indicação, com o fim de provocar da parte daquella casa do parlamento, a declaração de que os principios por que se regulara a politica externa do gabinete Inglez, foram proprios para manter a honra e a dignidade da Grã-Bretanha, e para preservar em tempos de tamanhas difficuldades, a paz com as diversas nações do mundo. No dia immediato proferiu o visconde de Palmerston um eloquente discurso, por ventura dos mais brilhantes que se teem proferido no parlamento inglez, destinado a demonstrai que a politica externa da Inglaterra havia effectivamente sido encaminhada no sentido daquella indicação; e depois de haver passado em revista os differentes acontecimentos europeos, em que a Inglaterra tomara parte, em quanto á Grecia, á Hespanha, a Napoles, á França, ele, terminou dizendo que sem receio aguardava o veredicto da camara, pois que o sentido da politica que seguira, fóra o de proporcionar protecção aos subditos britannicos, como quem desejava que um inglez podesse dizer com dignidade em qualquer ponto do globo, como outrora os romanos — Civis romanas sum; tendo o subdito britannico a confiança de que a toda a parte o acompanhariam o olho vigilante e o braço poderoso da Inglaterra, e o protegeriam contra a injustiça e as injurias.

Assim se exprimia um ministro de Inglaterra, e assim são alli comprehendidos os deveres do governo. Mas se nem todas as nações são tão grandes e poderosas como a Grã-Bretanha, é todavia certo que as necessidades de uma nação qualquer se não devem medir pelo seu tamanho: nós já fomos uma nação grande e gloriosa, e comtudo os limites das nossas possessões são muitissimo diminutos.

Sr. presidente, o que o lord Palmerston dizia de Inglaterra, desejava eu que nós tambem dissessemos, e que ao proferir estas palavras — Somos cidadãos

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portuguezes — nos enchessemos de um certo orgulho, o nos convencessemos de que para toda a parte aonde fossemos, haviamos de contar com a protecção do governo portuguez.

Mas porque succede isto na Grã-bretanha? Porque o governo dessa nação olha seriamente para os negocios publicos, e tudo quanto é de interesse geral é attendido devidamente. E como póde a Inglaterra proteger em toda a parte os seus filhos? E porque a sua poderosa marinha se estende por todos os mares, e a todos os pontos acode providente.

Sei muito bem que a camara não me fará a injuria de suppôr que eu queira que a nossa marinha hombrie com a marinha franceza, ingleza, romana ou americana; entretanto vejo na Europa uma certa porção de nações, que não estando acima de nós em população, possuem comtudo uma marinha respeitavel, a Hollanda, a Dinamarca, e a Suecia, que não sendo maiores em população o são em marinha (Apoiados — e o sr. Corrêa Caldeira; — E o Piemonte) E tambem o Piemonte.

Sr. presidente, vejo que em toda a parte onde a marinha destas nações se apresenta, o faz perfeitamente bem, e são ahi respeitadas; a Hollanda, que se não é ião consideravel como Portugal, quanto á população, possue com tudo colonias vastissimas, e basta a Java para ter necessidade de uma grande marinha.

Todas estas considerações são para chegar ao ponto do que, embora sejamos uma nação pequena, devemos fazer todos os esforços para nos collocarmos na posição a que certamente podemos chegar uma vez que haja boa vontade, e uma vez que essa vontade da parte do governo do paiz seja energica, uma vontade de ferro, em elevar a nação ao gráo de prosperidade a que ella póde chegar.

O sr. Arrobas: — Peço a palavra.

O Orador: — Não faço censura nenhuma á commissão de marinha, mas como o seu illustre relator acaba de pedir a palavra, perguntaria, se o sr. ministro esta de accôrdo com o relatorio da mesma commissão na parte em que se lê:» Attendendo porém ele.»

Sr. presidente, somos uma nação pequena, temos todavia muitos interesses a defender; temos possessões ultramarinas muito importantes que é necessario serem visitadas muitas vezes pela nossa marinha; temos o interesse dos nossos portos e costas; o interesse do nosso commercio, e lemos a defender os nossos irmãos que se acham ausentes de nós.

Sr. presidente, desejo dirigir algumas perguntas ao sr. Ministro da marinha, as quaes faço não como censura, e se s. ex.ª tivesse já apresentado o relatorio especial do seu ministerio, talvez não fosse obrigado a isso. As perguntas são as seguintes.

1.ª — Está o sr. ministro da marinha satisfeito com a instrucção! militar scientifica da nossa marinha!

2. — Tem o sr. ministro da marinha motivo para estar satisfeito com os resultados da ultima organisação dada ás equipagens da nossa marinha de gueria?,

3.ª — Considerando a marinha mercante como base e fundamento da marinha de guerra, crê o sr. ministro da marinha que são sufficientes os meios que actualmente se empregam para dar protecção á marinha mercante, ou julga necessarios outro, e quaes?

4.ª — Crê o sr. ministro da marinha que a nossa legislação florestal é sufficiente com relação ao abastecimento de madeiras de construcção naval Que noticia póde dar-nos sobre os Tecacos de Bissau e Cacheu, e sobre as florestas da Asia? Tira-se actualmente todo o partido dessa riqueza natural, ou carece-se de dar algumas providencias, e quaes?

5.º — Qual é actualmente o estado da nossa marinha de guerra em quanto a navios do estado? Quaes os que estão de todo deteriorados? Quaes os que não podendo servir de navios de guerra, podem todavia ser aproveitados para outros destinos? Quaes os promptos, e em estado de perfeita navegação?

6.ª — Os guardas-marinhas e aspirantes teem continuado a fazer algumas viagens a bordo dos nossos navios de guerra! Têem elles tomado parte nos exercicios practicos; e espera-se colher bom resultado destes exercicios?

7.ª — O numero e qualidade dos navios armados, que o sr. ministro propõe, são sufficientes no conceito de s. ex.ª para defender as nossas costas, para proteger as nossas vasias colonias, e nosso commercio no Brazil, e satisfazer a outras exigencias das nossas circumstancias?

8.ª Estão pagos em dia os fornecimentos feitos ao arsenal dê marinha? O sr. ministro está satisfeito com o actual systema de fornecimento.

9.ª — Está o sr. ministro da marinha de accôrdo com a commissão respectiva em quanto ella diz — (que o estado actual da nossa marinha de guerra não póde ser favoravel a Portugal, nem para a sua prosperidade, como nação maritima, nem para asna verdadeira independencia, e importancia politica?

Chamo a attenção de s. ex.ª para estes quesitos por que intendo que tractando-se de fixar a força de mar, julgo occasião opportuna de tractar destes diversos objectos.

O sr. Arrobas (Como relator da commissão de marinha): — Sr. presidente, a commissão emittindo as idéas que se acham exaradas no relatorio do projecto de lei para a fixação da força de mar, não teve em vista o irrogar a menor censura ao sr. ministro da marinha.

A commissão reconheceu em todos os actos de s. ex.ª uma decidida vontade de acertar. Reconhece a franqueza e lealdade com que s. ex.ª se presta sempre a dar todos os esclarecimentos sem occultar a mais recôndita de suas acções como ministro. Por ultimo reconhece que a administração da marinha com os meios que actualmente se lhe dão, não é mais que uma lucta desesperada para chegar ao impossivel.

A commissão com este relatorio pertende unicamente fazer um aviso ao paiz, chamando a sua attenção para um tal estado dê cousas Tal documento não é mais que o enunciado pouco explicito de uma verdade dolorosa para o paiz.

Sr. presidente, a commissão enunciando esta verdade cumpre um rigoroso dever: estranha-se talvez a resolução da commissão, por ser a primeira que seguiu este expediente; mas estou certo que as illustres commissões de malinha das outras legislaturas não o fizeram igualmente por guardarem pertendidas conveniencias, pois nellas havia tanto amor de patria, e tanto conhecimento do estado das cousas da marinha como nestas.

A unica differença que agora tem havido é achar

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esta commissão inconveniencia no que as suas antecessoras tinham encontrado conveniencia: mas o que é certo é, que taes conveniencias, guardadas em parlamento, tiveram os seus resultados em fataes desenganos nos portos estrangeiros.

Em quanto no parlamento se faziam cruzar esquadras no papel, em quanto daqui se dizia ao mundo que tinhamos um arsenal, uma armada e tudo o que lhe correspondia em estado regular, os nossos rarissimos navios de guerra lá íam proclamando o contrabando nos portos em que locavam; reparando, desde que saíam a barra, grossas avarias sem que o tempo as justificasse.

A náo Vasco da Gama, na sua primeira viagem, chegava ao Brazil, e reparava uma grande avaria, cuja causa se explicava, para voltar a Lisboa, vindo prompta de lá, e entrar para o dique para fazer logo um fabrico que era quasi uma construcção. cuja causa se não explicava, nem pela idade do navio, nem por circumstancia extraordinaria, que a não tinha havido.

A fragata D. Maria II. voava com uma explosão por uma irregularidade de serviço: a corveta Íris chegava á Asia n'um estado lastimoso, quasi podre; lá fez um grande fabrico; e não obstante ser um navio novo, estou certo que ahi vem para, assim que entrar no Téjo, desarmar e entrar no dique, por ser aquella a sorte dos nossos navios.

O brigue Serra do Pilar, na sua primeira viagem fez logo agoa, e entrou o Téjo para fazer um grande fabrico. O brigue Mondego, lançado ao mar em 1844, está a pedaços por todos esses portos em que locou, fazendo por toda a parte grandes fabricos (que de certo importarão mais do que o navio vale) sem que causas extraordinarias a isso obrigassem; e por fim entrou precisando um fabrico, que se orça pelo menos em oito contos de réis.

Sr. presidente, não levanto mais o véo de lucto, e quero dizer unicamente o indispensavel para provar, que em quanto aqui se guardavam as falsas conveniencias, lá fóra os nossos navios proclamavam as verdadeiras conveniencias. Parece-me muito mais conveniente e honroso para o paiz, que aos portos em que aquelles tristes factos se practicaram, chegasse o relatorio da commissão que declara que este estado só é excepcional; que as nossas dissenções politicas, e outras circumstancias de força maior nos levaram a uma tal situação; mas vamos seriamente cuidar dos meios de recupar a nossa antiga importancia maritima, o que facil nos é á vista dos recursos naturaes que para isso possuimos, a fim de que se não cuide á vista do silencio das camaras transactas que esta critica situação é pela camara actual considerada como um estado normal e regular.

Não me importa que nas galerias se ouçam estas verdades, nem que o Diario as repita: digo-as para que todo o paiz as conheça, e para lhes acudir com prompto remedio; e em quanto aos estrangeiros, não julgo que por isto façam peor idéa da nossa força naval, por quanto elles a conhecem melhor que nós mesmos.

O Téjo aí está livre para entrarem as esquadras, cujos officiaes, bem veem o que aí ha. Os ministros estrangeiros, e os viajantes bem veem uma quilha de corveta, de sentinella ha quatro annos, para que não saía um navio do nosso arsenal. Os estrangeiros bem sabem que temos uma só fragata, e aí está o almanack de marinha, e o relatorio do ministro da marinha de 1850, que dizem muitas mais inconveniencias do que eu.

A viagem do vapor D. Luiz a Angola mostrou aos cruzeiros francezes, e inglezes e americanos o estado da nossa marinha; e finalmente em 1847, no modo porque se acabou a guerra civil em Portugal, testimunharam as esquadras e os representantes de tres grandes nações o verdadeiro estado da nossa marinha: por isso viram cousas que decerto lhes fizeram muito mais impressão do que as palavras deste relatorio.

Se o paiz não tivesse recursos, se o abysmo fosse inevitavel, a commissão teria sido a primeira aguardar silencio. Mas não é assim: a commissão reconhece que o paiz tem optimos recursos para ler uma boa marinha, capaz de satisfazer a todas as suas necessidades como nação maritima e colonial.

Portugal tem magnificas mattas, as melhores madeiras de construcção nas suas colonias; optimos marinheiros, um porto magnifico; só lhe falta o querer tractar seriamente deste ramo de serviço publico. Basta votar por agora 200 contos de réis annuaes, sendo 120 para mandar construir em Inglaterra fragatas de primeira classe a hélice, 50 contos para a construcção de novas fragatas da Azia, e 30 contos para aprovisionar os armazens do nosso arsenal, que se acham vazios, para daqui a 10 ou 12 annos a nossa marinha apresentar um aspecto o mais lisonjeiro para Portugal.

É só neste caso que póde fixar-se o nosso material maritimo e os meios de o conservar, para organisar depois todas as repartições que se referem «á marinha, porque só então ellas se pódem bem organisar.

Ou por outro modo mais simples: vote-se para o ministerio da marinha que além da complicadissima administração das nossas colonias, e dispendiosas communicações que tem de manter, seja ainda incumbido da defesa dos subditos portuguezes residentes no continente do reino e ilhas adjacentes, em nossas colonias da Africa Occidental, na India, na China, na Occeania, na America, e em todas as outras partes do mundo, uma verba igual a metade da verba que se vota para o ministerio da guerra, unicamente encarregado da defesa dos subditos portuguezes residentes no continente do reino e ilhas adjacentes. A proporção deveria ser a inversa, mas já com esta me contento por agora.

— E são estas, sr. presidente, as razões porque a commissão se resolveu a usar de uma linguagem lai. A commissão tendo sido encarregada pela camara de dar o seu parecer sobre a proposta do governo para a fixação da força naval, não podia deixar de examinar se ella era ou não sufficiente para satisfazer os fins que devia desempenhar.

Nesta conformidade, pareceu á commissão que a força proposta era insufficiente para se confirmar; pediu ao sr. ministro da marinha informações sobre o modo porque s. ex.ª se propunha, com a força pedida, fazer o serviço em relação á manutenção da auctoridade publica em cada uma das nossas possessões, em relação á protecção, ao commercio das mesmas, e ás suas communicações, entre si e com a metropoli; em relação á suppressão do trafico da escravatura, e finalmente em relação á protecção aos subditos portuguezes no imperio do Brasil, e ao nosso commercio, ali, e em toda a parte.

Na resposta do governo viu a commissão confir-

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mado o seu juizo — Com a força proposta não se pertende senão dar força á auctoridade no ultramar; reprimir o trafico de escravatura; ter uma fragata armada em Lisboa para instrucção das recrutas, uma curveta para instrucção dos guardas-marinhas, e alguns vapores para avisos, e commissões extraordinarias, e pouco demoradas.

Sr. presidente, posto, porém, ser esta uma pequena parte do importante papel que a nossa marinha devia representar, posto que fiquem esquecidas muitas das necessidades que o paiz tem a satisfazer com este elemento da força publica, ainda assim mesmo estes limitadissimos fins não podem ser alcançados com os meios propostos. E isto o que passo a demonstrar.

Para a Madeira destina-se um brigue, esse brigue póde ser sufficiente para auxiliar a auctoridade naquella ilha, e reprimir o trafico da chamada escravatura branca; mas o mesmo senão dá a respeito dos Açôres. Além disso um dos melhores meios de evitar este grande mal é estabelecer commissões rapidas e regulares entre as ilhas dos Açôres e Madeira, e cada uma das nossas possessões para distrair para ali a emigração que vai para o Brasil. O» nossos vapores, votando-se os meios, podem fazer este serviço, estabelecendo-se uma carreira mensal entre Lisboa, Madeira e Açôres; serviço para que elles são proprios e não para a carreira de Angola, que só póde ser feita com proveito e regularidade por grandes fragatas de hélice. Assim se vê que nos Açôres e Madeira senão póde desempenhar com um brigue o serviço que ali deve fazer a nossa marinha.

Uma escuna em Cabo Verde não póde dar força á auctoridade, proteger o commercio e manter as communicações accelerada se regulares entre as ilhas e a Costa de Guiné, que está a uma grande distancia do Archipelago, e fazer além disso o serviço de cruzeiro para a repressão do trafico da escravatura.

Para communicações e para a repressão do trafico só são proprios os vapores de hélice que não temos, e portanto é claro que as necessidades que ali ha a satisfazer com a nossa marinha, não são satisfeitas por uma escuna de véla.

Em quanto á Costa de Guiné, basta notar que, pôsto ser sujeita ao governo de Cabo Verde, poucas vezes se communica com o Archipelago, e nunca directamente com Portugal; posto que com a França e a Inglaterra as communicações dali sejam rapidas e regulares, não só por via de commercio, mas pelas estações navaes que ali ha daquellas nações.

Uma escuna em S. Thomé não póde manter a força da auctoridade, proteger o commercio e sustentar as communicações entre S. Thomé e Principe, n parte que no continente lhe é sujeita e ainda communicar accelerada e regularmente aquella provincia com Angola e com Cabo Verde, ou com a Serra Leôa, por onde póde vir-nos a correspondencia todos os mezes pelos paquetes inglezes.

A estação naval de Angola não é a sufficiente, nem composta de navios proprios para a repressão do trafico da escravatura desde S. Thomé até Benguella, nem para sustentar as communicações pelo modo conveniente — E aproveito esta occasião para dizer que por via da estação ingleza podiamos ler communicações regulares todos os mezes com Angola, S. Thomé e Principe, em quanto não tivermos os navios proprios para estabelecer com regularidade a carreira de Angola.

Sr. presidente, Moçambique podia ser a Australia e a Califórnia para Portugal; mas não ha ali um só navio pago pelo orçamento do ministerio da marinha. Os navios da provincia que lá fazem o serviço, são insufficientissimos e improprios para o serviço de uma provincia que tem centos de legoas de extensão. Dois pequenos vapores de hélice deviam unicamente estar encarregados das communicações entre os varios pontos da provincia e a ilha do Natal, tendo communicações mensaes com a Inglaterra por via dos paquetes daquella carreira, tendo nós desta maneira communicações mensaes com a Inglaterra sem grandes sacrificios.

Sr. presidente, uma curveta em Gôa, e um brigue em Macáo não são os vasos sufficientes nem os proprios para sustentar as communicações que deve haver entre Gôa, Moçambique, Macáo, Solor e Timôr. Com estas communicações a nossa marinha de guerra quasi não faz nada ali, pelo menos em Gôa. Em Macáo é pouquissima a força, isto na occasião em que ha na China uma guerra que póde não ser indifferente para Portugal.

Solor e Timôr é dependente de Macáo; mas podendo existir sem os soccorros de Gôa, ou Macáo, com tudo, não tem communicações regulares.

E eis-ahi como pelo que diz respeito ao serviço das nossas possessões, me parece ler provado que elle não póde ser feito com a qualidade e numero dos navios armados.

Sr. presidente, se se comprassem fragatas de primeira classe a hélice para estabelecer uma carreira mensal para as nossas possessões da Africa Occidental, e se applicasse uma força igual á votada unicamente ao serviço das nossas colonias, -podia haver a regularidade de communicações com as nossas possessões, -além do que tocando todos os mezes duas vezes em Cabo Verde, S. Thomé e Angola 2 navios de guerra de grande força e importancia, e havendo além disso uma grande divisão de instrucção, composta de uma fragata, uma curveta e um brigue que todos os annos fizessem o giro das nossas possessões da Africa, da Asia e Occeania tocando tambem nos principaes portos do Brasil, é claro que o respeito á bandeira portugueza ali seria mantido.

Em quanto á fragata D. Fernando e curveta Porto, mostrando-me a experiencia que nenhuma dellas satisfaz ao fim para que é destinada, reputo de pouca utilidade a despeza que se faz com aquelles armamentos, e achava melhor que estes navios estivessem em Buenos Ayres aonde ha guerra, e estão arriscadas vidas e fazendas dos subditos portuguezes, sendo esta a unica nação que tem marinha e não tem ali uni vaso de guerra, e vendo-se assim os subditos portuguezes residentes na cidade sitiada, talvez na extremidade de pedir a protecção da bandeira ingleza. O que está dicto basta para provar que a commissão foi justa em julgar que a força proposta não era sufficiente para o serviço que o paiz reclama.

Sr. presidente, o que restava á commissão era propôr o augmento dessa fôrça até ao ponto conveniente, mas a commissão tentando esse caminho, colheu um duro e triste desengano. Não é possivel augmentar nem mais um marinheiro ao numero proposto, sem que isso trouxesse uma soldada perdida. O material maritimo, esse elemento que quasi não possuimos, e que devia ser o ponto de mais importancia para attrahir a attenção dos nossos governos, tem sido

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Completamente esquecido. Essa verdade fatal veiu agora tirar á commissão todas as illusões com que ella se alimentava. E preciso dizer a verdade: mesmo os navios que o governo propõe para estarem armados, não poderão todos conservar-se assim até ao fim do anno economico de 1853 — 1851, se o serviço se fizer com todas as condições de verdadeira regularidade economica.

Todos sabem que em todas as nações onde ha marinha, os navios são pelo menos de tres em tres annos levados a um dique, ou plano inclinado, para se lhes vêr o fundo. Mas não se fazendo isto entre nós, acontece, que os nossos navios sempre que recolhem de qualquer commissão, trazem glandes avalias; desarmam para fabricai, e ali ficam pela maior parte á espera da condemnação, por fallarem os meios de fabricar mais de um navio ao mesmo tempo.

Sr. presidente, sendo assim, e suppondo que entrassem no dique, dos navios que devem estar armados, aquelles de que ha mais de tres annos não é examinado o fundo, encontravam-se logo a fragata D. Fernando e a curveta Porto. Além disso o vapor Terceira precisa caldeiras novas, concerto na machina e outras fabricas. O vapor D. Luiz precisa do mesmo modo de novas caldeiras, e mais alguns concertos. Mais: o fabrico da náo Vasco do Gama não póde parar; mas os brigues Douro, Villa-Flor, e Mondego, a escuna Meteoro; as curvetas Oito de Julho e Goa precisam grandes fabricos, para effectuar os quaes era necessario fazer um plano quanto antes inclinado, transformar um navio proprio em barcaça, e votar só para estes trabalhos o triplo do material pedido, além das dezenas de contos que leva o costeamento dos navios armados.

Não havendo portanto os navios sufficientes para substituir em caso de necessidade os que devessem desarmar para preparar alguma avaria, ou para examinar convenientemente, é claro que não podia a commissão propôr um augmento de força, que não podia effectivamente dar-se por este anno

Sr. presidente, passarei a explicar a parte do relatorio, em que se diz que as differentes partes da administração da malinha se acham n'um estado quasi indefinido, e pouco harmonisado. A primeira cousa que está por definir, e o ministerio da marinha, porque ainda se não tem assentado qual o fim a que a nossa marinha de guerra tem de satisfazer. Ainda se não decidiu se ella deve sr destinada a proteger os subditos portuguezes em to las as partes do mundo, ou só em certos pontos mais essenciaes; se ella deve ou não sei incumbida da nobre missão da defeza das nossas costas e possessões ultramarinas; se ella tem de proteger o nosso commercio, ou se tem unicamente de satisfazer ás necessidades de communicações entre Portugal e as suas colonias, isto é, se tem de fazer só as vezes de uma secção do correio geral.

Depois ainda ha a discutir qual o numero e qualidade dos navios, que será indispensavel ter armados para bem desempenhar o serviço que lhe ficar a cargo.

Depois ha ainda a fixar as construcções novas que se devem fazei cada anno para conservar o armamento, visto que não se estabelecendo este ponto, não ha marinha que resista por muito tempo. E então poderia organisar-se um arsenal, uma cordoai ia, um pessoal para a armada, uma societaria, uma contadoria, uma contabilidade e mais repartições do ministerio da marinha; mas em quanto isto se não fizer, falla a base a que todas as repartições se devem referir, e por isso todas as reformas e modificações deixariam tudo por definir e em desharmonia.

O pessoal da secretaria, contabilidade, contadoria, e mais repartições civis, é hoje que não temos malinha, muito mais consideravel do que no tempo em que tivemos 11 náos de linha, fóra o, outros navios correspondentes. Tudo isto é o effeito de multiplicadas reformas para organisar uma direcção e fiscalisação antes de determinar convenientemente o objecto a dirigir e fiscalisar. E apezar deste grande apparato de pessoal para contar, dirigir e fiscalisar, nunca as contas estiveram tão atrasadas. O pessoal das repartições civis da malinha tem, por acaso, seguido a rasão inversa dos vasos de guerra.

No mesmo estado se acha o corpo da armada, cujo quadro é superior a 320 individuos, sendo 210 o numero medio de navios que Portugal tem armados em cada anno.

O arsenal está mais do que tudo n'um estado indefinido e desharmonisado com os outros ramos do serviço com que elle leiu relação. Não se tem ainda determinado, se no nosso arsenal se fariam só as fabricas, deixando as novas construcções á industria particular e aos arsenaes da Asia. Não se fixou ainda se todos os trabalhos tem de ser feitos a jornal, ou uns a jornal, e outros de empreitada, nem se fixou nesse caso os que tem de ser feitos por um ou por outro methodo. Finalmente nada está determinado sobre os fins a que tem de satisfazer o arsenal, nem o modo por que as cousas se devem dispor aia se conseguir o seu fim. Mas além disso, em quanto se não lixar o armamento naval em tempo de paz, e em tempo de guerra, e impossivel toda a organisação rasoavel do arsenal.

Examinando porem o que se dá na practica para conhecer a natureza do nosso arsenal, ainda me acho em maior incerteza para formai o meu juizo.

Desde 1844 não se tem feito no arsenal uma unica construcção nova. Uma quilha de curveta que alli se acha lançada ha 4 annos, parece que é uma testimunha uma representação aspera a uma empreza excessivamente ousada para um tal arsenal.

Sr. presidente, 10 annos sem uma construcção, e uma tentativa frustrada! Parece-me que estou auctorisado a dizer, que o nosso arsenal não é para novas construcções.

Examinando, se elle ao menos tem desempenhado bem as funcções de um arsenal que só se incumbe dos trabalhos até as reconstrucções, vejo que ainda não satisfaz a isso.

Em 1850 viu-se no relatorio do sr. ministro da marinha uma relação de navio, que precisavam e mereciam fabrico. A náo D. João VI: as fragatas Duqueza de Bragança e Diana: a curveta Relâmpado, etc.. alli figuram como navios que precisavam e mereciam fabrico, o pela continuação e abandono do nosso arsenal em 1852, foram condemnados. Muitos outros dos que foi nm condemnados naquelle tempo, ainda ahi estão no mesmo estado, fazendo uma grande e inutil despeza ao estado.

Este anno, como já disse, precisavam receber importantes fabricos a náo Vasco da Gama curvetas Oito de Julho, e Goa: brigues Douto, Mondego, Villa Flor: escuna Meteoro vapores Terceira, e D.

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Luiz; e comtudo não ha senão fim dique; não há nem uma barcaça, nem um plano inclinado, nem o material necessario para estes fabricos; alem disso a fragata D. Fernando e a curveta Porto — que deviam entrar no dique para se lhes examinai o fundo. Assim não me parece que o arsenal sirva na practica, para todos os lúbricos que demanda a armada.

Sr. presidente, no arsenal paga-se a 1:000 individuos e não ha material para 200. O mesmo material que alli ha, é pessimo. E ainda que a madeira seja quasi exclusivamente das nossas mattas, vem toda sangrada, e dahi resulta apodrecer ás vezes ale quando acaba de se pregar. Além disso, como não ha os convenientes depositos, tanto aquella madeira, como a que vem das colonias, é empregada mesmo em verde. Isto basta para explicar Os desastres que tenho descripto no começo do meu discurso. Intendo porém que a culpa não é dos empregados, como muita gente julga, porque com taes meios e taes elementos ninguem póde fazei outra cousa.

O mesmo digo a respeito da cordoaria aonde há 380 pessoas a fazer cabos e lonas para 20 navios, em quanto na melhor cordoaria em Inglaterra trabalham apenas 30 homens. Não quero com isto censurar o director daquelle estabelecimento que nas circumstancias em que alli se trabalha, é digno de elogio; mas essas circumstancias não me parecem proprias para no anno de 1853 se darem no meio da Europa.

Parece-me com o que tenho dicto, haver justificado as expressões — quasi indefinido e pouco harmonisado.

Repito novamente que a commissão não teve em vista censurar esta administração, nem alguma outra. Reconheço que as nossas dissensões politicas e o nosso estado financeiro tem sido a principal causa do estado actual das cousas da marinha.

Pelo que diz respeito ao sr. ministro actual, a commissão teve conhecimento dos esforços extraordinarios que s. ex.ª tem feito para conseguir que se fabricasse a curveta D. João I, que teve um custosissimo fabrico; a escuna Cabo-Verde, que ficou quasi nova; o vapor Tojal, que ficou quasi todo novo; o vapor Mindello, que metteu caldeiras novas; o vapor D. Luiz que tambem fabricou. Attendendo aos meios de que se podia dispor, é uma cousa espantosa, porque não é de certo o que o nosso arsenal podia ter feito, considerando-o mesmo como unicamente destinado para concertos.

Sr. presidente, concluo pedindo desculpa á camara por lhe ter occupado a attenção por tanto tempo sobre um assumpto desagradavel para mim, e para a camara. (Vozes — Muito bem, muito bem)

O sr. Presidente: — São mais das 3 horas da tarde, e por consequencia, suspende-se na discussão do projecto, e passa-se lis interpellações. O sr. Silvestre Ribeiro tem a palavra.

O sr. Silvestre Ribeiro — Sr. presidente, o objecto da minha interpellação tem relação com um assumpto de alta importancia, e vem a ser: a emigração tanto da Madeira como dos Açôres para Demerara, e para outros paizes estrangeiras.

Peço a attenção da camara sobre este objecto, e que se esqueça de que vai fallar um homem obscuro, e pouco digno de sei escutado, mas reparando bem na gravidade, e transcendencia do assumpto.

Sr. presidente, nestes ultimos tempos tem-se apresentado um fenomeno na vida moral dos povos insulares, que deve ser notado. Antigamente observava-se que os povos insulares eram muito apegados a leria natal; era raro que qualquer pessoa quizesse mudar de situação e sair do seu paiz. Desgraçada mente porem hoje, tanto nos Açôres, como na Madeira, teme desenvolvido um tal fervor emigratorio, que não posso deixar de caracterisar como uma enfermidade moral. Desde o momento em que qualquer pessoa, ou qualquer familia, naquellas ilhas, se suppõe em situação um pouco desvantajosa, o primeiro pensamento que lhe vem logo, é o do sair do seu paiz, ou seja para possessões nossas, ou, e principalmente para terras estrangeiras. Isto traz comsigo inconvenientes muito graves; e além de diminuir consideravelmente a população do paiz, dá occasião a proporcionar aos criminosos a impunidade.

Ha duas qualidades de emigração a considerar: a emigração legal, isto é, aquella que se faz publicamente, e ás claras, sujeitando-se o individuo que quer saír do reino, aos regulamentos policiaes, como dispõe a carta constitucional, a salvo o prejuizo de terceiro; e a emigração clandestina, isto é, a promovida e effectuada a occultas, furtivamente, e sem conhecimento das auctoridades. Não clamarei contra a emigração legal, nem em principio, nem memo no seu desenvolvimento razoavel o moderado. A terra querida da patria, o ninho meu paterno, como diz o cantor das glorias portuguezas, tornar-se-ia um carcere odioso, se qualquer não podesse ir la fóra buscar o sustento que aqui falla, a fortuna que aqui nos abandona. Mas quando essa emigração toma proposições gigantesca, quando se converte em emigração clandestina, fazendo-se della uma especie de guerra assoladora, não posso deixar de excitar a attenção da camara sobre as desvantagens, prejuizos e perigos que acarreta aos povos

Effectivamente tem havido a emigração clandestina em mui larga escala nas ilhas dos Açores e Madeira; e é necessario procurar todos os meios de acabar com esse escandalos) e prejudicialissimo abuso, não só porque vai diminuindo consideravelmente a população, mas tambem porque expõe os povos a tristissimas eventualidades, e é demais disso uma fonte de crimes, porque prepara o caminho da impunidade. — Vê-se o menor abandonar o paiz sem licença do tutor; um filho deixar a casa paterna sem licença do pai; o marido abandonar a sua esposa, e ale ao creado, que commetteu um crime, que roubou ou assassinou seu amo, a primeira cousa que lembra é a emigração; porque encontra nella a impunidade, subtraindo-se á acção das leis por meio da evasão para longos terra.

A emigração legal, a que é feita descobertamente, não póde ser combatida senão por meios indirectos. Ninguem abandona a terra natal, quando nella encontra moios de subsistencia, quando não precisa de ir buscar fora a fortuna e a felicidade. Na Madeira, e nos Açores ha de acabar a emigração, ou pelo menos diminuirá consideravelmente, desde que as familias tiverem uma subsistencia certa, desde que a sua infeliz sorte for melhorada, e não tiverem necessidade de ir buscar a terras longinquas e estranhas o sustento, que agora lhes falla no solo em que nasceram.

Conseguintemente o governo deve empregar todos os meios possiveis, para que os povos ganhem affeições á leira que os viu nascer: logo que se dê esta circumstancia, tambem se dará a de desapparecer a emigração.

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Não ha conselhos de amigos, não ha admoestações de parochos, não ha persuasão alguma, que demova uma familia, ou individuo, que houverem formado tenção de saír do paiz, o deixarem de o fazer. A séde do ouro é grande, a inveja mesmo faz desvairar os povos. A emigração póde considerar-se uma loteria: lá encontra fortuna um ou outro individuo, mas a maior parte só vão encontrar a miseria, a doença ou a morte. Basta, porém, que uma ou outra pessoa venha com certa riqueza, a inveja é sufficiente para desde logo excitar outras a abandonarem o paiz, para irem ganhar igual riqueza!...

Temos meios indirectos de acabar com a funesta disposição que leva os povos da Madeira e dos Açores para paizes estrangeiros: podemos, por exemplo, estabelecer uma colonia agricola no Alemtejo; ha alli campinas muito vasias, que estão ainda por cultivar. Tendo viajado naquella provincia, e até com alguns proprietarios, estes mesmos não conhecem ás vezes os limites dos seus terrenos — ião extensas são as suas propriedades! Poderia, pois, estabelecer se alli uma colonia agricola, com proveito de Portugal, e em beneficio dos povos dos Açores e Madeira. A raça açoriana e a madeirense teem as tres principaes condições para este fim — é sobria, docil e laboriosa. Estas tres qualidades recommendam muito uma colonia em Portugal, e evitaria em grande parte a emigração daquelles povos para paizes estrangeiros.

Mas isto só não é bastante: hoje estamos tractando da feitura de caminhos de ferro; desejo que o meu paiz tenha taes caminhos, nem me hei de oppor a que os haja. Parece-me que se faria um grande serviço e beneficio aos habitantes pobres da Madeira e Açores, se no contracto com a companhia respectiva se procurasse fixar alguma condição, pela qual os madeirenses e açorianos pobres podessem ser empregados nos trabalhos dos caminhos de ferro.

E preciso procurarmos conseguir que aquelles povos tenham confiança no governo portuguez, e nas cousas portuguezas. Quando ha poucos annos passou na Madeira o governador que ía para Cabo Verde, e perguntou se podia levar para alli alguns colonos, foi-lhe respondido que não; porque os povos não teem confiança no governo portuguez e nas cousas portuguezas. Se fosse algum estrangeiro que tractasse de os levar, iam immediatamente, porque elles teem uma illimitada confiança nas promessas feitas pelos estrangeiros, e as promessas que forem feitas pelo governo portuguez não são acreditadas: a confiança é que é preciso inspirar-lhes. Custa-me sobre maneira dizer estas verdades pouco lisongeiras para Portugal; mas o meu dever de deputado me obriga a dizer o que sinto, e a apontar o mal para ser remediado.

Depois destas observações, perguntarei agora ao sr. ministro qual é o estudo do estabelecimento da colonia agricola de Mossamedes. Admittindo que este estabelecimento esteja hoje em prospero estado: se o governo tracta de fazer alguma cousa para levar para alli colonos, procurando, á força de vantagens e das possiveis commodidades, inspirar-lhes confiança, e a convicção de que elles hão de encontrar meios de subsistencia?... Se o governo quer aproveitar a disposição, ou antes mania emigratoria dos povos da Madeira e Açores, para que, organisada uma certa sociedade, com certas garantias o vantagens, e inspirada a confiança de que serão cumpridos todos os contractos e promessas: se o governo está resolvido

a fazer conduzir os emigrados madeirenses e açorianos para aquelle ou outro estabelecimento?

Quando ha pouco fallei em atacar a emigração indirectamente, tornando affortunada a população no solo da patria, não quiz dizer que esteja tudo dependente do governo; o governo não póde fazer tudo, ainda que muita gente pensa que o governo é obrigado a tanto. E preciso, é indispensavel que seja auxiliado poderosamente pelos particulares. Esse espirito de associação que tem produzido tão bons resultados n'outros paizes, no nosso não se tem desinvol-vido sufficientemente, e os povos estão atidos unicamente aos esforços e diligencias do governo.

Tambem os proprietario devem dar um grande contingente de coadjuvação no governo, cooperando com elle para promover a felicidade do povo. eo melhoramento da sua triste sorte; mas os proprietarios na Madeira, pela maior parte, e alguns nos Açores, não cultivam as suas propriedades, não vivem entre os colonos e os caseiros, não vivem entre os infelizes que regam com o seu suor a terra; na Madeira ha o desgraçado vicio do absentismo que existe na Irlanda. Os grandes proprietarios da Irlanda vão gastar os seus rendimentos em Londres, em París, na Italia, e n'outros pontos da Europa. Os proprietarios da Madeira, salvas honrosas excepções, fazem o mesmo em pequena escala, abandonando as suas propriedades, para viverem nas delicias do Funchal, de Lisboa, de Londres, de Paris, e deixando entregues á miseria e á ignorancia a cultura de suas terras, e os malfadados lavradores reduzidos ao abandono de suas lamentaveis circumstancias, sem soccorro, sem protecção, sem conselhos: como poderá prosperar alli a agricultura, se ella está confiada á miseria e á ignorancia?

Eu já entrei dentro das cabanas dos colonos da Madeira: alli não se vê representada senão a fome e a miseria!!... O systema dos contractos de colonia é desgraçadissimo: por virtude desse contracto fica sendo o rendimento de uma propriedade, metade para o colono e meiado para o senhorio, seja qual fôra qualidade da terra; mas daquella metade o colono ha de costear a terra, fazer-lhe bem feitorias, e tirar os meios de subsistencia!

Nos Açores, e Madeira, por effeito da fatal emigração, já se conhece em alguns pontos a falla de braços. Aquella desgraçada gente tem chegado a ser ameaçada pelos alliciadores: estes teem levado o excesso até ao ponto de empregar meios violentos!

A emigração clandestina é uma grande desgraça, póde chegar até a ser uma protecção ao crime; porque, por exemplo, um criado que tem uma questão com seu amo, lembra-se logo de saír do paiz, mas de saír depois talvez de haver practicado um roubo, ou perpetrado um assassinato!

Tomo, pois, a liberdade de convidar o sr. ministro da marinha a declarar qual é o estado do estabelecimento de Mossamedes? Qual o proveito que se tem tirado, e o que o governo tenciona ainda fazer a este respeito, com relação á emigração a que me tenho referido?... Depois de s. ex.ª ter a bondade de responder, tomarei de novo a palavra para ainda dizer alguma cousa.

O sr. Ministro da matinha (visconde d'Atouguia): — Quando recebi a participação de que o nobre deputado queria interpellar-me ácerca do estabelecimento de Mossamedes, julguei que seria alguma cousa

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com relação ao que o governo practicasse, ou deixasse de practicar, pelo que o ministro respectivo incorresse n'alguma censura: no entretanto pelo modo como s. ex.ª indicou o objecto da sua interpellação, vê-se que o seu fim é outro; e é um fim tão justo que eu estive apoiando o illustre deputado em todas as observações que fez. S. ex.ª fallou com muito conhecimento de causa, tanto a respeito da ilha da Madeira, como a respeito dos Açôres; e declaro que tendo apoiado o illustre deputado no sentido em que fallou, não tive em vista dar-lhe outra interpretação se não aquella que s. ex.ª lhe dava.

O nobre deputado quer saber o estado em que se acha a colonia agricola de Mossamedes; e tambem quer saber o que pertende fazer o governo a respeito da emigração que tem logar nas ilhas dos Açôres e Madeira. A este respeito direi: que o estabelecimento da colonia agricola de Mossamedes luctou, como todas as colonias desta natureza, com grandes difficuldades no seu principio; o governo tem concorrido com quantias muito valiosas para que seja levado por diante um lai estabelecimento, e para que se prestem áquelles colonos às recursos de que elles carecem. O governador dalli, nas suas ultimas informações, declara que os resultados tirados das quantias que o governo tem dado, não correspondem, ou não estão em harmonia com a prosperidade daquella colonia: entretanto eu não vejo que haja motivo para crêr que tenha razão pura assim dizer: e espero que no primeiro navio que dalli parta, venham, nas informações officiaes que receber, todos Os esclarecimentos a este respeito, já para se conhecer que vantagens Portugal póde tirar daquella colonia, já para vêr se é possivel organisar alguma sociedade portugueza, ou estrangeira, que não só estabeleça em maior escala o commercio, a industria e a agricultura alli, mas que promova a creação de outras colonias na costa occidental e oriental da Africa.

Os colonos de Mossamedes são, como s. ex.ª e todos sabem, os portuguezes que estando no Brazil, e achando-se lá em miseria, estão promptos a ir para qualquer parte do nosso ultramar, com tanto que se lhes assegure os meios de subsistencia que no Brazil lhes fallam. Teve pois de promover-se o transporte destes portuguezes, e parte por subscripção ou donativos de alguns compatriotas residentes no Brazil, e parte por despezas feitas pelo governo, o facto é que foram transportados para Mossamedes uns 120 ou 130 individuos. Chegados alli faltavam-lhes todos os instrumento, e utensilios proprios para começarem os trabalhos, por isso que era uma colonia nascente, e colonia que deve ser agricola; faltava mesmo quem dirigisse esses trabalhos, e tivesse os conhecimentos practicos do terreno, e do que era de mais facil producção, e por tonto foi esta a primeira difficuldade com que luctou aquella colonia agricola nascente. Desanimaram pois os colonos, e neste estado de contas o governo teve de dar-lhes rações diarias, e prestar-lhes todos os recursos de que careciam para se sustentarem. Já se vê que nenhum governo por mais filantrópico que fosse, podia continuar com este systema, e muito menos o nosso, por isso que os meios da fazenda não são sufficientes.

Com ocorrer dos tem, os, porém, conheceu-se que era facil a producção da canna de assucar, que podia fabricar-se o assucar com facilidade, e exportar-se em grande escala; que a mandioca tambem se produzia com muita facilidade, e em pouco tempo poderia satisfazei todas as necessidades; e conheceu-se do mesmo modo que o fabrico da aguardente podia tambem ser de grande proveito para a colonia, e que podia tambem fazer-se naquelle estabelecimento a seccação das carnes como se faz no Brazil; e por consequencia, tendo nós com que satifazer as suas primeiras necessidades, O governo não se vê obrigado a ministrar o sustenta aquelles individuos que para lá vão.

Tenho pois a satisfação de dizer á camara que em logar de desanimação, aquelle estabelecimento promette grandes vantagens; o aperfeiçoamento e augmento a que tem chegado, dá já para satisfazer as suas necessidades, a ponto que essas mesmas rações que o governo dava, cessaram; a animação na colonia é grande e palpavel, alem dos colonos estarem pedindo terrenos para a seccação das carnes; tambem os pedem para a fabricação da manteiga, porque os pastos são bons e o leite e muito barato; e finalmente até ha pouco tempo, segundo as informações que tive, póde dizer-se que o estado a que tem chegado ali a agricultura, é muito satisfactorio: hoje ha ainda pouca industria, mas vai-se desenvolvendo consideravelmente. E debaixo deste ponto de vista é que eu digo que longe de haver motivo para desanimar, estou inteiramente de accordo com o governador que lá está, pessoa muito intelligente e de muita probidade, de que as vantagens que se hão de tirar daquelle estabelecimento, serão grandes, tanto em proveito dos colonos, como de Portugal.

Agora no modo como s. ex.ª apresentou a sua exposição, eu acho tambem motivo para animar-me no systema que tencionava seguir mandando alguns dos trabalhadores camponios da ilha da Madeira para a colonia de Mossamedes. S. ex.ª disse e muito bem — e necessario que o governo inspire confiança cumprindo todos os contractos e promessa.. E ha disto uma necessidade superior a todas na ilha da Madeira.

Como s. ex.ª disse, encontrou grande difficuldade em levar da Madeira alguns colonos para Cabo Verde, o governador que ali passara, porque era portuguez; e os povos não terem toda a confiança na promessa dos portuguezes, e que se fosse algum estrangeiro iam immediatamente. Essas difficuldades não apparecerão agora: posso asseverar ao illustre deputado que o governo esta na intenção, visto havei em cessado as 120 ou 130 rações que se davam aos primeiros colonos de Mossamedes, e por consequencia tendo margem para fizer o mesmo a outros; está na intenção, digo, de offerecer a esses camponios daquellas ilhas o transporte no vapor Duque de Saldanha, e hade dar ordem ao governo da colonia de Mossamedes, não só para ministrar-lhes essas 130 rações diarias, mas para occorrer a todos os meios de sustentação necessarios áquella pobre gente, em quanto não os adquirirem por outro modo.

Agora permitta-me s. ex.ª dizer alguma cousa quanto ao que acontece na ilha da Madeira a respeito da emigração para o estrangeiro. Não é só a desconfiança da falta do boa fé nos contractos que se teem feito; s. ex.ª sabe que ha ali muitos alliciadores que ganham naquelle commercio, e que são uns perfeitos corretores entre o individuo que carrega, e o camponio que mandam para bordo; illudindo aquelles povos com a esperança de alcançarem dentro em pouco grandes fortunas, e é daqui que provém este

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desejo que teem os homens do campo da Madeira e dos Açores de irem para Demerara; concorrendo tambem para isso o lerem apparecido no Funchal alguns individuos com fortuna, e comprado casas e outros as teem mandado construir. Assim vão para paizes inhospitos, onde pela maior parte morrem, e aquelles que não morrem, ficam completamente desgraçados.

Falta-me dizer ainda alguma cousa a respeito de proporcionar aos trabalhadores da ilha da Madeira e Açores trabalho no caminho de ferro — A intenção que eu tenho e os meus collegas, é empregar toda a influencia para alcançar trabalho a alguns desses individuos, e o governo prover em quanto o não alcançarem, á sua subsistencia; porque se acontecer na primeira occasião em que vierem alguns, informarem de cá os seus parentes que são mal tractados, que não teem meios de subsistem in, de certo não voltam mais. O governo pois hade empregar toda a influencia para que venham, e quando vierem que achem a sua subsistencia de lai forma segura, que não possam mandar más informações desse genero de vida que adoptaram.

S. ex.ª disse — quer-se que o governo faça tudo — É verdade, e torna-se preciso que haja tambem a concorrencia dos particulares. De certo que não é satisfação quando se soffre um mal, saber que outrem tambem o soffre; mas é facto que a Inglaterra, forte, rica, humanitaria, uma das primeiras nações do mundo vê emigrar da Irlanda milhares e milhares de pessoas, e comtudo o governo inglez não suspende essa emigração apezar de ser tal que não sáe navio nenhum que não leve 200 e 300 emigrados, de sorte que, pelas ultimas noticias, já ha falta de braços na Irlanda; o governo inglez, porem, não faz nada, porque para isso seria preciso talvez uma somma muito superior áquella de que poderia dispor o thesouro britannico, apezar do seu estado florescente e prospero.

O governo, sr. presidente, de certo que ha-de luctar com grandes difficuldades para conseguir que a mania emigratoria que existe nos Açôres e Madeira, tome direcção para as nossas colonias, isto é, para que aquelles que querem emigrar, vão para as nossas colonias em logar de irem para colonias estrangeiras; porque o motivo dessa mania emigratoria nasce da esperança na tal loteria, termo que s. ex.ª applicou muito bem, e nas nossas colonias hão-de achar pão e trabalho, e só com o decurso de tempo poderão adquirir alguma riqueza; mas não é isso, como s. ex.ª sabe, o que se dá na Madeira com relação ás colonias estrangeiras; os alliciadores indicam que depois de 6 mezes os emigrados que forem para essas colonias, trazem o sufficiente para comprai em uma boa casa.

A observação que s. ex.ª fez a respeito dos proprietarios, é exacta; seguem até certo ponto o systema dos proprietarios da Irlanda, e talvez que a desgraça que já pesou sobre a minha patria e que infelizmente ainda hoje a ameaça, obrigue aquelles que até aqui passeavam no Funchal, em logar de irem para as suas quintas, a irem para ellas, porque talvez que se elles mesmos não metterem braços á enxada, não achem quem os ajude a adquirir a subsistencia.

Não sei se s. ex.ª quererá mais alguma explicação, porque eu estou prompto a da-la. E permitta-me s. ex.ª que eu aproveite a occasião de estar presente para invocar o seu testemunho, a respeito da difficuldade

que ha de evitar que os emigrados saiam da ilha da Madeira, mesmo tendo alli um navio para a impedir. Eu asseverei aqui em outra occasião, que era muito difficil evitar a emigração apezar da melhor vontade dos que alli governavam, apezar de o governo ter alli um navio prompto com escaleres tambem armados, para seguir as embarcações que conduzissem emigrado, porque uma ilha apresenta sempre grandissimas difficuldades neste ponto; foi uma asserção que eu então fiz com conhecimento que linha dos factos, mas s. ex.ª de certo melhor póde informar a camara, e eu desejaria que s. ex.ª disse-se se o governo póde fazer mais do que inundar para alli um navio deixando o ás ordens do governador civil, além de outra medidas indirecta» que não tem sido esquecidas.

O sr. Silvestre Ribeiro — Sr. presidente, as explicações do sr. ministro satisfizeram-me na parte respectiva a Mossamede, e maiormente na disposição em que vejo o governo de aproveitar as tendencias emigratorias dos povos da Madeira e Açôres, em beneficio de Portugal, e não em beneficio das possessões estrangeiras. Respeito muito a nação ingleza, considero a como a primeira nação do mundo, considero-a no meio de todas como uma maravilha politica, mas antes de tudo está o meu paiz, e neste sentido desejo que a indicada disposição dos povos portuguezes seja aproveitada em beneficio de Portugal.

S. ex.ª teve a bondade de invocar o meu testemunho a respeito de uma sua asserção. É verdade que para alli foi uma embarcação, é verdade que o governo não póde fazer tudo quanto é necessario, para evitar a emigração clandestina, ma a este respeito accrescentarei, que talvez seja mais conveniente mandar para a Madeira duas embarcações pequenas do que uma curveta ou brigue, por isso mesmo que ha certos pontos da ilha, aonde não podem ir embarcações grandes, são precisas embarcações que possam vigiar muito de perto os barcos que conduzem os emigrados aos navios que os esperam; é preciso além disto estabelecer uma lei que castigue os alliciadores porque a alliciação sendo um crime grave, deve correspondei-lhe uma pena severa. E como se tem dicto que não ha lei expressa a este respeito, eu tenciono apresentar um projecto de lei, no qual não só comminarei penas contra os alliciadores, mas tambem estabelecerei providencias relativas aos barcos costeiros que conduzirem clandestinamente emigrados para bordo de qualquer navio; marcarei as obrigações a que devem sujeitar-se todos os capitães ou mestres tanto dos navios portuguezes como dos estrangeiros. Tambem a respeito do numero de passageiros que póde levar cada embarcação, é mister propôr alguma alteração, pois que não convém reputar este numero pelo principio de tonelagem; e o mesmo digo a respeito dos passaportes, pois sendo estes muito caros, dão tambem logar á desculpa para a emigração clandestina.

Tambem é muito conveniente adoptar uma outra providencia. E sabido que desde 1840, em que começou a emigração para Demerara, não foi ainda um navio de guerra portuguez áquella possessão ingleza; se lá fosse, de certo traria muitos infelizes portuguezes, que querendo voltar á mãi patria o não podem fazer por falta de recursos, e então vivem alli no estado mais miseravel; ou lá morrem victimas da miseria e da doença.

Sr. presidente, ha 3 annos o governo portuguez

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tractou a questão, relativa a Demerara, por meio de notas diplomaticas, entre o visconde de Moncorvo e o conde Grey, ministro das colonias. O conde Grey argumentava, dirigindo-se ao governo portuguez por intermedio do visconde de Moncorvo, então nosso ministro em Londres, dizendo em substancia: nas colonias inglezas lia liberdade civil, politica e religiosa; as auctoridades inglezas protegem todas as pessoas que para ali vão, dão-lhes toda a segurança, A Guiana ingleza é saudavel. E a prova de que aquella possessão não é desfavoravel aos portuguezes, é que um grande numero de madeirenses, lendo chegado ali pobres adquiriram uma posição independente e vantajosa.

Mas o conde Grey encarou a questão debaixo do ponto de vista inglez, e nesse terreno, admiravelmente, O que disse o ministro britannico é a excepção, e applicar-se, na parte do melhoramento de fortuna, a uma limitada porção de madeirenses que em Georgetown fizeram fortuna pelo commercio e industria, ficando fóra desse numero milhares de infelizes que passaram para as plantações, onde vão buscar o governo de mortiferas doenças.

Os solonos empregados na plantação da canna do assucar, vivem pessimamente, o ar que respiram, é insalubre, as doenças são frequentes, e morrem muitos. O clima é terrivel, e póde dizer-se, que de 40:000 colonos que tem ido para ali, talvez não exista nem a terça parte. Isto com relação aos colonos que vão da Madeira; e o mesmo acontece por ventura no Brasil com relação aos colonos que vão dos Açôres. E cumpre aqui notar que os povos da Madeira são mais inclinados a ir para Demerara, e os dos Açôres para o Brasil. E mister tambem que se mande alguma embarcação de guerra visitar certos portos do Brasil, a fim de transportar de lá os pobres desgraçados portuguezes, que quizerem voltar para Portugal, mas que o não podem fazer pelo estado miseravel em que estão. Peço pois a v. ex.ª que, attendendo a estas circunstancias, empregue todos os meios ao seu alcance para mandar alguma embarcação nos portos indicados, para os fins que acabei de referir.

Sr. presidente, em tempo interpellei o sr. ministro do reino acêrca das providencias que tencionava adoptar em relação ao estado miseravel, em que estava o povo da Madeira: s. ex.ª prometteu com bellas palavras apresentar algumas medidas, porém até hoje ainda nada fez; a molestia das vinhas ameaça repetir-se, e se se repelir, eu não sei o que ha-de ser daquelles povos: peço pois no sr. ministro da marinha, que tome este ponto em attenção. Eu fallo nestes objectos com lauto calor e interesse, não só porque intendo, que a situação desgraçada dos povos da Madeira é digna de toda a attenção do governo, mas mesmo porque o meu coração está vinculado aos povos da Madeira o Açôres pelos laços da affeição, e pelos do reconhecimento, pelos grandes e distinctos testimunhos de benevolencia, que daquelles povos tenho recebido.

Sr. presidente, não posso deixar de lembrar o seguinte. Em 1850 sendo-me preciso providenciar acêrca da fome a que foram reduzidos os povos da ilha de Porto Saneio, em consequencia da calamidade de uma grande secca que ali teve logar; levantei ou lancei mão de 2:000$000 réis, pertencentes á fazenda nacional; e tendo-se o honrado thesoureiro pagador

daquelle districto, João Placido da Veiga, prestado a entregar esta quantia para um fim tão justo e humano, é para admirar que o governo ate hoje não tenha absolvido este digno empregado da responsabilidade desta quantia; peço pois ao sr. ministro dos negocios da marinha, que tomando nota deste caso, haja de providenciar de modo, que aquelle digno e, honrado funccionario não esteja por mais tempo n'uma situação pouco satisfactoria, pois que está em duvida, se será ou não absolvido de tal responsabilidade.

E, sr. presidente, se este negocio não fôr resolvido, no sentido de lhe tirar toda a responsabilidade, acontecerá que, quando se der um caso igual, ao que teve logar em Porto Sancto, nenhuma auctoridade tomará sobre si a responsabilidade de levantar dinheiro dos cofies publicos para malar a fome ao povo. (Apoiados.) Espero pois que o sr. ministro, tomando este negocio em attenção, não deixará de fazer, com que o governo o resolva favoravelmente, porque diz respeito a um empregado que nada mais fez, do que escutar o seu coração a favor de desgraçados portuguezes, que estavam sendo victimas da fome.

O sr. ministro da marinha (Jervis d'Athoguia): — Direi poucas palavras em resposta á ultima observação que acaba de fazer o illustre deputado. É um facto que este honradissimo empregado de que se tracta, e de que eu dou realmente testimunho de merecer o conceito, que delle se faz, vendo a difficuldade, em que se achava o governador civil para acudir aos desgraçados habitantes de Porto Saneio, dera dos cofies publicos 2:000$000 reis, responsabilidade que ainda peza sobre esse digno empregado. Eu tomo nota do que acaba de dizer o illustre deputado; mas é de crer, que esse thesoureiro tenha mandado já as contas, e é provavel que estejam approvadas; porque já ha 3 annos, que esse acontecimento teve logar; sem que de certo houvesse vontade da parte da administração anterior de deixar carregar sobre esse honrado empregado o desgosto de lhe não ter sido legalisada lai despeza.

Posso asseverar ao nobre deputado que o governo ha-de mandar approvar essa verba... Quando eu digo, que o governo ha-de approvar essa verba, é pela parte que lhe toca a elle (Apoiados) porque quanto ao mais é preciso que passe a lei nas camaras, a quem pertence approvar ou não approvar; mas é de esperar que, em vista da causa que deu logar a essa deliberação do illustre deputado, que eu louvo e faria o mesmo se me achasse no seu logar, é de esperar digo, que esta camara não recuso dar n sua approvação a uma cousa ião justa, que o governo ha-de trazer ao parlamento.

O sr. Presidente: — Ha alguns senhores inscriptos para fallar sobre esta interpellação, e o sr. Avila acaba de pedir a palavra sobre a ordem; mas eu não posso dar a palavra a ninguem.

O sr. Avila: — Eu pedi a palavra para um requerimento, e v. ex.ª não ma póde negar, por que não sabe o que eu quero dizer. (Vozes: — Falle, falle.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Avila; — O illustre deputado o sr. Silvestre Ribeiro levado do seu zêlo pelos habitantes da Madeira, provincia que bastante tempo administrou, parece-me que foi um pouco injusto relativamente á administração, de que ultimamente fiz parte, quanto aos acontecimentos que referiu. Quando em 1841

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teve logar na Villa da Praia da ilha Terceira tuna grande calamidade, sendo governador civil de Angra o illustre deputado auctor desta interpellação, s. ex.ª tendo adoptado uma medida identica á de que fallou, deu logo parte do que fizera não -ó ao ministerio do reino, mas tambem ao ministerio da fazenda, Cuja pasta eu então occupava, e logo que recebi esta communicação, não só approvei o procedimento da auctoridade fiscal, mas immediatamente apresentei na camara uma proposta de lei, para ser auctorisada pelo poder legislativo aquella despeza extraordinaria. O mesmo ler ia feito sobre a providencia adoptada a respeito da ilha de Porto Santo: mas s. ex.ª confessa, que só deu parte do seu procedimento ao ministerio do remo. Sinto não poder dar outras explicações a este respeito, mas asseguro á camara que o meu collega o ministro do reino se Occupou muito seriamente dos meios de remediar Os males, que soffriam os habitantes da ilha de Porto Santo, e se não apresentou logo ás coites a proposta de lei para sei auctorisada a despeza feita pelo illustre deputado, é por que intendeu provavelmente, que aquella não era a unica providencia que devia sollicitar a este respeito do corpo legislativo.

No estado, em que as cousas estão hoje, não basta a approvação do governo: é precisa a auctorisação do parlamento, porque não ha verba alguma no orçamento para tal despeza.

O sr. Presidente: — Ha ainda alguns srs. deputados, que pediram a palavra para tomarem parte nesta interpellação; porém, como não posso conceder-lha sem para isso consultar a camara, o que não póde ter logar por falla de numero, e por já haver dado a hora, por isso fica este negocio pendente para ser resolvido na primeira sessão em que haja interpellações.

A ordem do dia para segunda feira é dividir-se a camara em commissões logo depois do expediente. E para terça feira — a eleição da commissão que ha de tractar da revisão do decreto de 31 de dezembro de 1852, relativo a reforma das pautas das alfandegas, commissão que foi votada em conformidade da proposta feita pelo sr. visconde de Castro e Silva — e ha de eleger-se tambem outra commissão para a confecção de uma lei eleitoral permanente, que ficou para ser eleita depois dos actos da dictadura. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas e um quarto da tarde.

O 1.º REDACTOR

J. B. Gastão.

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