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SESSÃO NOCTURNA DE 10 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. João Ribeiro dos Santos

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

É lida e approvada a acta da sessão antecedente.
Na ordem da noite continua a discussão, na especialidade, do projecto n.° 109 (reforma do município de Lisboa). - Continua o sr. Joaquim José Alves no uso da palavra, que lhe ficára reservada, discursando sobre o titulo II. - Falla tambem o sr. Pedro Franco. - Julga-se discutida a matéria do titulo II a requerimento do sr. Teixeira de Vasconcellos, e é approvado, salvas as emendas. - Propõe o sr. Franco Castello Branco que entrem em discussão conjunctamente os titulos III, IV, V e VI do projecto. - É esta proposta combatida pelos srs. Luiz José Dias e Elvino de Brito, e sustentada pelo sr. Lamare; é por ultimo approvada por votação nominal, requerida pelo sr. Elias Garcia. - Entrando os titulos III. IV, V e VI em discussão, fallam os srs. Rodrigo Pequito, Avellar Machado, Alfredo Peixoto, Agostinho Lucio, e fica a discussão pendente. - Apresentaram propostas, que todas foram admittidas, os srs. Alves, Pedro Franco, Eduardo José Coelho, Costa Pinto, Elias Garcia, Jalles, Rodrigo Pequito, Avellar Machado e Alfredo Peixoto. - Encerra-se a sessão á meia noite e cinco minutos.

Abertura - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada - 56 srs. deputados.

São os seguintes: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Sousa e Silva, Garcia Lobo, A. J. d'Ávila, Jalles, Sousa Pavão, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Neves Carneiro, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Elvino de Brito, Sousa Pinto Basto, Firmino Lopes, Mouta e Vasconcellos, Guilherme de Abreu, Silveira da Motta, Costa Pinto, Searnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, J. J. Alves, Simões Ferreira, Avellar Machado, Correia de Barros, Ferreira de Almeida, José Borges, Dias Ferreira, Elias Garcia, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Júlio de Vilhena, Luiz Ferreira, Luiz Dias, M. J. Vieira, Marcai Pacheco, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Pedro Franco, Santos Diniz, Rodrigo Pequito e Sebastião Centeno.

Entraram durante a sessão os srs.: - Alfredo Barjona de Freitas, Pereira Borges, Fontes Ganhado, Carrilho, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Sant'Anna e Vasconcellos, Coelho de Carvalho, José Luciano, J. M. dos Santos, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Tito de Carvalho e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Agostinho Fevereiro, Albino Montenegro, Anselmo Braamcamp, Silva Cardoso, Antonio Candido, Pereira Corte Real, Antonio Centeno, A. J. da Fonseca, Antonio Ennes, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Pereira Leite, Avelino Calixto, Barão do Ramalho, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Lobo dAvila, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Emygdio Navarro, E. Hintze Ribeiro, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Correia Barata, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilhermino do Barros, Barros Gomes, Matos de Mendia, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Melicio, João Arrojo, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branco, Laranjo, José Frederico, Ferreira Freire, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Reis Torgal, Luiz Jardim, Luiz Osório, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Tudella, Pedro Correia, Gonçalves de Freitas, Pedro Roberto, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras, Visconde do Rio Sado, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

Não houve expediente.

ORDEM DA NOITE

Discussão na especialidade do projecto de lei n.° 109
(reorganisação do municipio de Lisboa)
Continua a discussão do titulo II

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Joaquim José Alves, para continuar o seu discurso.
O sr. J. J. Alves: - Continuando no uso da palavra que lhe ficára reservada da sessão nocturna antecedente, sustentou em largas considerações a necessidade de algumas modificações no projecto, modificações que se contêem nas propostas que mandou para a mesa.
(O discurso do sr. deputado fera publicado na integra quando restituir as notas tachygraphicas.)
Apresentou as seguintes:

Propostas

Considerando que é urgente reconhecer do estado era que se encontra a camara municipal de Lisboa, removendo todos os males que porventura n'ella existam;
Considerando que só de um estudo aturado e rigoroso, feito por homens imparciaes e independentes, se póde chegar a este fim;
Considerando que é de toda a conveniência proporcionar ao primeiro municipio do paiz, a par dos melhoramentos reclamados, uma vida clara e desassombrada;
Considerando que a presente lei em theoria pretende desafrontar o município de Lisboa, melhorando o seu lastimoso estado financeiro:
Proponho que seja nomeada uma commissão composta de homens imparciaes e independentes, para que, investigando seriamente do melindroso estado da administração do município de Lisboa, apresente as bases de uma reforma nos diversos serviços, tendente a evitar que os benefícios que possam advir da lei presente sejam absorvidos, e a camara do primeiro município do reino torne a cair no lastimoso estado em que actualmente se acha. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

Proponho que as commissões de fazenda e obras publicas, ouvindo os ministros respectivos, informem de quaes

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as vantagens financeiras que resultam já d'este projecto de lei para o novo municipio de Lisboa, e das que resultarão de futuro, depois de promptas as obras necessarias; de qual a despeza que o estado tem a fazer com essas obras e com o augmento do pessoal que ha de desempenhar os serviços que prendem com o projecto, e, finalmente, do tempo em que se calcula deve estar concluida a nova muralha de circumvallação. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

Titulo II, capitulo I:
Substituição ao artigo 3.° e seus paragraphos:
O serviço da camara municipal é triennal, procedendo na epocha marcada na lei á eleição dos trinta e um vereadores que hão de servir no triennio seguinte. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

Titulo II. capitulo I:
Substituição ao artigo 3.° e seus paragraphos:
Artigo 3.° A administração do município do Lisboa será desempenhada por uma camara municipal de trinta e um vereadores, todos escolhidos pelos eleitores do municipio.
§ unico. Os presidentes das commissões especiaes, de que tratam os artigos 29.° §§ 1.°, 2.° e 3.º, 30.° e 31.° d'esta lei, poderão assistir ás sessões da camara, sempre que esta julgar conveniente, tendo apenas voto consultivo. - J. J. Alves, deputado por Lisboa.

Titulo II, capitulo I:
Substituição ao § 2.º do artigo 5.º:
A camara municipal, sempre que tenha provas evidentes do que deixaram de ser respeitadas os interessas do municipio, poderá substituir os vogaes da commissão executiva, sem exceptuar o presidente, que será igualmente substituido pelo vice-presidente, dando conhecimento d'esta resolução ao governador civil, em harmonia com o disposto no 3 unico do artigo 7.° = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

Titulo II, capitulo I:
Substituição ao artigo 8.º
As sessões da camara municipal silo publicas, e d'ellas se lavrará acta circumstanciada, que depois de lançada no livro respectivo e por todos assignada, será impressa e publicada na folha official, independente da publicação no archivo municipal. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

Titulo II, capitulo I:
Ao § 3.º do artigo 9.°:
Proponho a eliminação do § 3.º do artigo 9.° por entender ser attentatorio da liberdade do eleitor. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

Titulo II, capitulo II:
Artigo 10.°:
Substituições ao n.° 5.º:
Crear estabelecimentos de beneficencia, eduacação, instrucção para as classes pobres e de hygiene publica de comprovada utilidade para o municipio, tendo sempre em vista os recursos da camara e suppril-os logo que se prove que são inuteis ou desnecessarios.
Substituição ao n.° 11.°:
Conceder licenças para o estabelecimento de caminhos de ferro americanos na área do municipio, depois de se ter feito prévio concurso.
Substituição ao n.° 14.°:
Crear empregos, unicamente os indispensaveis, dotal-os e supprimil-os por inuteis.
Substituição ao n.º 15.º:
Nomear, precedendo concurso publico, nos termos das leis em vigor, etc. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

Titulo II, capitulo II:
Artigo 13.º São competentes para recorrer das deliberações da camara municipal, o fiscal da camara, os administradores dos bairros e os interessados.

Capitulo III:
Artigo 18.° A commissão executiva terá pelo menos duas sessões semanaes, das quaes se lavrarão actas em livro especial, e que serão assignadas pelos vogaes presentes ás referidas sessões.
Ao artigo 23.º addicionar o seguinte:
§ unico. Fica isento de toda a responsabilidade o vereador que por motivo legalmente comprovado não poder comparecer no acto do se tornar qualquer resolução. - J. J. Alves, deputado por Lisboa.

Titulo II, capitulo III:
Artigo 20.°:
Ao § unico do n.° 7.° proponho que se acrescente o n.° 15.° do artigo 10.°, que se refere á nomeação dos empregados da administração municipal. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.
Foram admittidas.

O sr. Pedro Franco: - Sr. presidente, mando para a meia mais tres emendas com respeito ao titulo II.
No projecto do sr. ministro do reino eram retribuidas as funcções da commissão executiva o no projecto da commissão foi eliminada essa retribuição.
Não entro na discussão se a commissão fez bem ou mal, só o que digo é que se não póde impôr pelo artigo 15.º á commissão executiva a obrigação de funccionar permanentemente, e pelo artigo 16.° a obrigação de ainda um d'aquelles membros servir de secretario.
O cargo de secretario da camara de Lisboa é hoje retribuido com ordenado o emolumentos superior a 1:000$000 réis, e a commissão entende que o secretario de era ávante ha de trabalhar de graça.
Demais a commissão executiva fica debaixo da tuteia do conselho do districto e da commissão executiva da junta geral, que são gratificados, de fórma que os tutelados trabalham de graça e os tutores recebem pingues gratificações. Em todos os paizes, os presidentes das principaes municipalidades têem uma boa gratificação, a titulo de despezas de representação, e no municipio de Lisboa hão de por esta fórma, verem-se forçados a elegerem só homens ricos e que estejam dispostos a estatarem a sua fortuna com os encargos que traz essa representação.
Proponho, portanto, a eliminação dos artigos 15.° e 16.° Também proponho a eliminação do § 2.º do artigo 26.°, em que se diz que são competentes para recorrer dos actos da commissão executiva e fiscal do estudo o administrador do bairro e os interessados.
Quanto ao fiscal do estado esse desappareceu já pela suppressão que a commissão fez ao artigo 29.° do projecto do sr. ministro.
Quanto ao administrador do bairro, desejava que a commissão executiva ficasse isenta d'esse vexame, pois o poder central nunca deve entrometter-se nos actos da camara, deixando ao cuidado dos interessados recorrer das deliberações, pois são os competentes, e escusam os administradores, por motivos politicos, estarem sempre a estorvar o andamento das deliberações da commissão executiva, que de certo os desgostará, e obrigará a abandonar as suas cadeiras.
Leram-se na mesa as seguintes propostas:
Titulo II:
Artigo 15.° (eliminado).
Artigo 16.° (eliminado).
Artigo 26.°, § 2.° São competentes os interessados para recorrer dos actos da commissão executiva. = Pedro Franco.
Foram admittidas.

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O sr. Teixeira de Sampaio: - Requeiro a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se julga sufficientemente discutida a materia do titulo II sem prejuizo de quaesquer propostas que os srs. deputados queiram mandar para a mesa.
O sr. Elias Garcia: - Peço que se verifique se ha numero na sala, porque eu tenho duvida a esse respeito, e peço tambem a v. exa. que ponha em execução o § 2.° do artigo 152.° do regimento.
O sr. Presidente: - Peço aos srs. deputados que occupem os seus logares para se verificar se ha numero na sala.
O sr. Secretario: - Estão presentes 57 srs. deputados, e portanto ha numero legal.
Poz-se em discussão o requerimento do sr. Teixeira de Sampaio e foi approvado.
Foi approvado o titulo II sem prejuizo das emendas.
Enviam propostas para a mesa os srs. Eduardo José Coelho, Costa Pinto, Jalles, Elias Garcia, e Henrique de Sarros Gomes, sendo estas ultimas tambem assignadas pelos srs. Emygdio Navarro, e Eduardo José Coelho.
São as seguintes:

Do sr. Eduardo Coelho:

Proponho que o n.° 7.° do artigo 10.° seja redigido da seguinte maneira: «Construir, conservar e reparar as ruas, praças, estradas, fontes, postes, aqueductos e canos de esgoto, comprehendidos nos limites do municipio.»
Proponho que o n.° 15.° do artigo 10.° seja substituido da seguinte maneira:
«Nomear, nos termos das leis em vigor, os empregados da administração municipal e os professores municipaes de qualquer podem, suspendel-os e demittil-os, depois de ouvidos por escripto, quando praticarem faltas graves no exercicio de suas funcções, ou se tornem indignos de as exercer.»
Proponho que o n.° 34.° do artigo 10.° seja redigido da seguinte maneira:
«Representar perante os poderes publicos sobre os assumptos das suas attribuições e competencia, expressamente definidos n'esta lei.»
Foram admittidas.

Do sr. Costa Pinto:

Titulo II, capitulo II:
Substituição:
«11.° Conceder licenças, para o estabelecimento de qualquer melhoramento da viação publica, na área do municipio.»
Capitulo III:
Proponho a eliminação do § unico do artigo 20.°
Foram admittidas.

Do sr. Jalles:

Proponho que ao artigo 21.° do projecto da commissão se addicione: como devendo ser da exclusiva competencia da camara municipal as deliberações tomadas em virtude do n.° 8.° do artigo 10.°, quando a execução das obras importe uma despeza superior á definia parte da receita.»
Ao artigo 11.° proponho que se addicione:
«N.° 5.º Nos casos do n.° 8.° do artigo 10.°, é necessaria a auctorisação do governo quando a despeza exceder a quarta parte da receita municipal.»
Admitida.

Do sr. Elias Garcia:

Proponho as seguintes alterações ao capitulo III do titulo II:
1.° Que o n.° 7.° do artigo 20.° seja assim redigido:
«N.° 7.° Na ausencia, da camara exercer as attribuições que competem á mesma camara, e que por esta lhe tenham sido especialmente delegadas, ou que em regulamento camarário feito pela vereação sejam assignadas como podendo ser exercidas pela commissão executiva.»
2.° Que o § unico do n.° 7.° do artigo 20.° seja eliminado.
3.° Que o artigo 21.° seja assim redigido:
«Artigo 21.° Nas reuniões ordinarias da camara municipal a commissão executiva dar-lhe-ha conta do uso que tiver feito das attribuições que lhe foram delegadas ou que exerça na conformidade do regulamento camarario a que se fere o n.° 7.° do artigo 20.°»
«Igualmente dará conta á camara de quaesquer providencias e resoluções que houver tomado, desde o encerramento da ultima sessão, acompanhando o relatorio dos necessários esclarecimentos, ou prestando sempre que lhe forem pedidos.»
4.° Que o artigo 23.° seja assim redigido:
«Artigo 23.° Os vogaes da commissão executiva são solidariamente responsaveis pelas resoluções que tomarem. O vogal presente que não se conformar com a resolução, assignará vencido, deixando assim de assumir a responsabilidade da resolução.»
5.° Que o artigo 27.° seja assim redigido:
«Artigo 27.° A commissão executiva distribuirá os serviços municipaes entre os seus vogaes, ficando cada um responsavel pelo seu respectivo serviço perante a mesma commissão.»
Admittidas.

Do sr. Barros Gomes:

Artigo 10.°, n.° 7.° Substituido pelo seguinte:
«7.° Construir, conservar e reparar as ruas, praças, estradas, fontes, pontes, aqueductos e canos de esgoto, comprehendidos nos limites do municipio.»
Artigo 29.°, § 4.º Substituido pelo seguinte:
«§ 4.° A commissão de obras publicas compor-se-ha de tres membros, sendo um escolhido pela junta consultiva de obras publicas e minas de entre os seus vogaes effectivos, outro designado pela real academia de bellas artes, e o terceiro eleito pela associação dos engenheiros civis portuguezes.»
Artigo 34.°, n.° 1.° Substituído pelo seguinte:
«1.° Compete á commissão de obras publicas dar parecer sobre os projectos e orçamentos das obras determinadas pela camara municipal, ou pela sua commissão executiva e elaborados pela sua repartição technica.»
N.° 2.º (eliminado).
N.° 3.° (eliminado).
N.° 4.° (eliminado).
Artigo 35.° (eliminado).
Artigo 62.° (eliminado).
Foram admittidas.
O sr. Franco Castello Branco: - Requeiro a v. exa. se quer que se discutem conjunctamente os titulos III, IV, V e VI, porque têem relação uns com os outros.
Vozes: - Não póde ser.
(Sussurro.)
O sr. Luiz José Dias (sobre o modo de propor): - Eu entendo que as disposições dos titulos III, IV, V e VI não têem affinidade entre si, nem as doutrinas ali expostas são congeneres, como se parece inculcar, e o que é certo é que elles contêem disposições que são contradictorias e algumas offendem os bons principios. (Muitos apoiados.)
Se o governo, como disse no principio, vem disposto a aperfeiçoar o projecto, nós, opposição, estamos promptos a concorrer com o nosso contingente para que elle sáia de aqui o mais perfeito que se possa, sem intuito obstrucionista, pondo de parte qualquer fim politico; mas se o governo quer votar o projecto de afogadilho, incorrecto, incoherente, cheio de erros de grammatica, vicios de logica e

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defeitos juridicos, podia fazer a reforma era dictadura, como tem feito muitas vezes e com bem menor justificação. (Muitos apoiados.)
Alem d'isto a camara já tinha resolvido que a discussão só fizesse por títulos e não por capitulos, e já não foi marcar pequena lição, nem intervallo curto, por isso que os capitulos abrangem differentes disposições que versam sobre variados serviços e materia complicados e muito complexa. (Apoiados.)
Parece-me que já podemos ficar muito satisfeitos com isso; mas entrar conjunctamente em discussão um sem numero de titulos para nós os não podermos estudar com madureza e reflexão, julgo ser mais uma burla e um ludibrio parlamentar. Isto não é sério.
Uma voz: - São quatro.
O Orador: - Devem ser cinco, porque cinco são os grupos de serviços classificados no artigo 33.°, visto invocar-se este fundamento para a sua discussão simultanea.
Pela discussão que tem havido, vê-se que a proposta do governo está cheia de erros, assim como o projecto da commissão.
De mais a mais ha disposições contradictorias e nós não as podemos harmonisar se pozerem conjunctamente em discussão um certo numero de titulos. (Apoiados.) D'essa maneira claro está que, depois de terem fallado seis ou oito oradores, a discussão, pelo menos apparentemente dir-se-ha demorada, julgar-se-ha longa e obstrucionista e apparecerá logo alguém a requerer se julgue discutida.
É o que se tem em vista com isto. (Apoiados.)
Pela minha parte eu voto contra a proposta que foi apresentada e tenho rasões de sobra para isso. (Apoiados.)
Eu estudo um projecto conforme posso, e uma vez que tenho trabalho e me sacrifico em cumprimento do meu dever, tenho direito a pugnar pela garantia de poder discutir com uma certa largueza. (Apoiados.)
A maioria que hontem votou a discussão por titulos, não sem protesto da opposição, póde hoje reconsiderar e abafar desde já e de antemão a discussão do projecto, está no seu direito, mas não cumpre o seu dever. (Apoiados.)
O sr. Elias Garcia (para um requerimento): - Peço a v. exa. que consulto a camara sobre se consente que a votação d'essa proposta seja nominal.
O sr. Elvino de Brito: - Combate a proposta e lamenta, que os deputados pejam obrigados a discutir assumptos para que não vinham preparados.
Sentia que a maioria quizesse violentar a opposição a discutir ao mesmo tempo quatro titulos do projecto, titulos que versavam sobre assumptos importantes e pela sua parte protestava contra tal violencia.
O sr. Lobo Lamare: - Sr. presidente, estava muito longe do meu espirito a idéa de ter de usar da palavra n'este momento para fazer uma pequena rectificação ás affirmações que partiram do lado da opposição. Este projecto está distribuído ha muito tempo, e mal se comprehende que se tivesse approvado na generalidade por parte da opposição um assumpto que lhe fosse desconhecido, e para o exame do qual tivesse faltado o tempo indispensável como se pretendeu affirmar. O facto é que nenhuma das questões submettidas ao exame do parlamento se póde demorar tanto quanto o exigem muitas vezes os membros da opposição no interesse partidario, e que á maioria cumpre o rigoroso dever de impedir o obstruccionismo no interesse sem duvida mais grave e mais elevado como é o da causa publica. Houve tempo de mais para o estudo do projecto que se discute, e os argumentos em favor desta idéa são fornecidos por parte de alguns dos oradores da opposição.
Infelizmente, sr. presidente, não se nota na discussão senão umas tendências impeditivas do regular andamento do projecto, as quaes se traduzem em manifesto prejuizo do município de Lisboa.
É realmente notável, sr. presidente, o modo por que se apresentou o illustre deputado o sr. Elvino de Brito, combatendo o requerimento que na sessão anterior foi feito pelo meu nobre amigo e collega o sr. Franco Castello Branco, no louvável intuito de dar ao debate uma maior latitude e de nos poupar ás idéas obstruccionistas manifestadas nas primeiras noites da discussão.
Toda a camara conhece as circumstancias em extremo criticas em que actualmente se encontra a administração municipal de Lisboa, e creio bem que na maioria dos membros d'esta casa ha o pensamento de occorrer, sem perda de tempo, ao estado deploravel a que chegou pela força das circumstancias essa administração. (Apoiados.)
Para que estamos portanto a perder um tempo precioso e a sacrificar os interesses do municipio da primeira cidade do paiz sem vantagem para nenhum dos partidos legaes aqui representados?
Para que nos obrigam a estar aqui perdendo noites e noites, sem se obter o mais pequeno resultado em favor do assumpto que deve prender a nossa attenção? A verdade é que n'estas ultimas sessões se tem discutido tudo, menos o que consta do projecto em discussão. (Apoiados.)
Discutiram-se as differentes vereações que tem tido o município, fez-se a historia retrospectiva de cada um dos vereadores, tratou-se da defeza dos actos da administração actual quando ainda não havia accusação, procedeu-se ao exame minucioso do material adquirido para as escolas centraes, apreciou-se o grau de desenvolvimento da instrucção ministrada n'essas escolas, tratou-se de tudo menos do assumpto entregue á nossa apreciação.
E quando no uso liberrimo do seu direito se levantou um deputado para pedir que se desse ao debate uma maior attitude, isto é que se legalisasse o procedimento, menos conforme com o regimento que tiveram alguns dos oradores, que se ampliasse o assumpto em discussão para que se não voltasse a tratar da matéria que já fôra largamente discutida, mas que sobre ella se pudessem inscrever todos os deputados que o desejassem, julgou-se esse procedimento menos correcto e dando-se-lhe a mais extraordinaria interpretação chegou-se a suppôr que o espirito do requerente era tolher a liberdade da discussão!!
Quanto póde o facciosismo partidario!
Ampliar legalmente a discussão, mas por fórma que se não tornasse interminável, foi de certo o unico pensamento do meu illustre collega o sr. Franco Castello Branco e da maioria que acceitou com prazer essa proposta, para deixar a v. exas. mais desafrontados, e para que no menor tempo possivel se chegasse ao resultado que todos devemos desejar, que certamente é o melhorar, quanto antes, as circumstancias extraordinárias em que se encontra a camara municipal de Lisboa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto, vae votar-se. O sr. Elias Garcia requereu votação nominal, vou consultar a camara sobre este requerimento.
Consultada a camara resolveu-se afirmativamente.
Fez-se a chamada.
Disseram approvo os srs. deputados: Adolpho da Cunha Pimentel, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Antonio de Moraes Carvalho, Albino Augusto Garcia de Lima, Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, Antonio Freire Garcia Lobo, Antonio José d'Avila, Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello Ganhado, Antonio Maria Jalles, Antonio de Sousa Athaide Pavão, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Alexandre Barjona de Freitas, Augusto Fuschini, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Caetano Pereira Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Ernesto da Costa Sousa Pinto Basto, Estevão Antonio de Oliveira Júnior, Firmino João Lopes, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Ferreira Franco Pinto

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de Castello Branco, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Gama Lobo Lamare, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Maria de Oliveira "Peixoto, José Maria dos Santos, Júlio Marques de Vi Hiena, Luiz Ferreira de Figueiredo, Manuel da Assumpção, Martinho da Rocha Guimarães Camões, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Guilherme dos Santos Diniz, Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno, João Ribeiro dos Santos, Ferreira de Mesquita, Mouta e Vasconcellos.
Disseram rejeito os srs.: Adriano Xavier Lopes Vieira, Antonio Alberto Torres Carneiro, Antonio Maria Pereira Carrilho, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Ernesto Júlio Goes Pinto, Joaquim José Alves, Joaquim José Coelho de Carvalho, Joaquim Simões Ferreira, José Augusto Correia de. Barros, José Bento Ferreira de Almeida, José Dias Ferreira, José Elias Garcia, Luiz José Dias, Pedro Augusto de Carvalho, Rodrigo Affonso Pequito.
Foi portanto approvada a proposta do sr. Franco Castello Branco por 44 votos contra 16.
O sr. Elvino de Brito: - Acato a resolução da camara, porque esse e o meu dever, mas mando para a mesa o seguinte requerimento, que não justifico porque o regimento m'o prohibe.
É o seguinte.
Requeiro que a discussão dos titulos III, IV, V e VI prosiga sem prejuizo dos oradores que hajam de inscrever-se. = Elvino de Brito.
Posto á votação foi rejeitado.
O sr. Presidente: - Vão ler-se os titulos III, IV, V e VI do projecto para entrarem em discussão, conforme a deliberação da camara.
São os seguintes:

TITULO III

Dos serviços municipaes

CAPITULO I

Das commissões especiaes

Artigo 28.° Para todos os effeitos da administração, os serviços municipaes serão classificados em seis grandes categorias ou serviços geraes:
1.° Instrucção publica;
2.° Saude e hygiene publicas;
3.° Beneficencia publica;
4.° Fazenda municipal;
5.° Obras publicas;
6.° Segurança municipal.
Art. 29.° Para cada um dos cinco primeiros serviços geraes, enumerados no artigo antecedente, haverá uma commissão especial consultiva.
§ 1.° A commissão de saude e hygiene será composta de sete membros eleitos, nos termos do artigo 187.° pelos medicos do município e de mais dois membros aggregados da commissão de obras publicas, designados pela camara municipal.
§ 2.° A commissão de instrucção publica será composta de sete membros eleitos nos termos do artigo 187.°, pelos professores e professoras do municipio.
§ 3.° As commissões de beneficencia publica e de fazenda municipal serão compostas, cada uma, de sete membros eleitos, nos termos do artigo 187.°, pelos cento e vinte maiores contribuintes dos impostos predial e industrial dos tres bairros do municipio, dos quaes deverão pertencer quarenta a cada bairro.
§ 4.° A commissão de obras publicas será composta por tres engenheiros nomeados pelo governo.

CAPITULO II

Das attribuições e competencia das commissões especiaes

Art. 30.° No dia 30 de dezembro, seguinte ao da eleição, as commissões especiaes designadas no artigo 34.° reunir-se-hão a fim de eleger por dois annos, d'entre os seus membros, presidente e secretario.
§ unico. Da commissão de saude e hygiene só poderá ser presidente algum dos membros eleitos.
Art. 31.° Os presidentes das commissões de saude e hygiene publicas, de instrucção publica, de beneficência publica e de fazenda municipal fazem parte da camara municipal, segundo o disposto no § único, n.° 2.° do artigo 3.°
Art. 32.° As commissões especiaes designadas nos §§ 1.°, 2.°, 3.° e 4.° do artigo 29.° darão as suas consultas sobre todos os assumptos technicos da sua competencia.
§ 1.° As consultas serão obrigatorias para todas as propostas, que envolverem organisação ou regulamentos geraes dos serviços do municipio.
§ 2.° Serão facultativas para os assumptos de expediente da commissão executiva, e prestadas quando esta os pedir.
§ 3.° Se as commissões especiaes não prestarem as suas consultas no praso de trinta dias, a camara municipal ou a commissão executiva poderão deliberar independentemente das mesmas consultas.
Art. 33.° A commissão de fazenda municipal será sempre consultada sobre os seguintes assumptos:
1.° Sobre emprestimos;
2.° Sobre a creação de empregos;
3.° Sobre o augmento de ordenados, concessão de gratificações e de pensões ou aposentação de empregados;
4.° Sobre os orçamentos ordinarios e supplementares.
5.° Sobre o lançamento, aggravamento ou diminuição de contribuições;
6.° Sobre a acquisição ou alienação de bens municipaes.
Art. 34.° Compete á commissão de obras publicas:
1.° Dar parecer sobre os projectos e orçamentos das obras determinadas pela camara municipal, ou pela sua commissão executiva, e elaborados pelas respectivas repartições technicas:
2.° Superintender e fiscalisar os serviços de obras publicas das repartições technicas do municipio, informando a camara municipal ou a commissão executiva das irregularidades que n'elles se manifestarem;
3.° Preparar os processos de expropriações e indemnisações, que devem ser approvados pela camara municipal ou pela commissão executiva;
4.° Informar as licenças para construcções e reparações dos edificios particulares, que devem ser concedidas pela camara municipal nos termos dos leis e das posturas em rigor.
§ unico. A commissão será sempre consultada:
1.° Sobre a utilidade das obras municipaes, que se pretenderem realisar;
2.° Sobre todos os contratos para fornecimentos, empreitadas e execução de obras;
3.° Sobre a elaboração dos regulamentos de obras publicas.
Art. 35.° O presidente da commissão de obras publicas terá o direito de manifestar a opinião da respectiva commissão, sobre assumptos da sua competencia, perante a camara municipal ou a commissão executiva, e de exigir que esta opinião fique escripta nas actas da corporação.
Art. 36.° Duas ou mais commissões poderão funccionar em conferencia, quando se tratar de assumptos de sua competencia commum.
Art. 37.° Quando os collegios eleitoraes, a que, nos termos do artigo 29.°, incumbe a eleição das commissões especiaes, se não reunirem nas epochas fixadas nesta lei, o governo procederá á nomeação d'estas commissões por decreto.

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2218 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

TITULO IV

Da instrucção publica

CAPITULO I

Da instrucção elementar

Art. 38.° A instrucção primaria elementar será obrigatoria e gratuita nos termos da lei de 2 de maio de 1878 e do regulamento de 28 de julho de 1881, salvo as prescripções da presente lei.
§ 1.° A obrigação abrangerá todas as creanças de ambos os sexos de seis a doze annos de idade, cujos pães, tutores ou outras pessoas encarregadas da sua sustentação e educação não provarem legalmente qualquer das seguintes circumstancias:
1.ª Que dão ás creanças a seu cargo ensino na propria casa, ou em escola particular;
2.ª Que seus filhos ou pupillos são incapazes de receber o ensino;
3.ª Que não podem mandal-os á escola por extrema pobreza.
§ 2.° A expensas da camara municipal serão fornecidos a cada creança os objectos do estudo escolar.
Art. 39.° Para os effeitos do artigo precedente a camara municipal procederá, dentro do primeiro semestre em que vigorar esta lei, ao estabelecimento definitivo de escolas de instrucção primaria elementar para ambos os sexos, em numero sufficiente, sendo duas pelo menos, uma para cada sexo, em cada nova parochia civil do municipio.
§ 1.° No estabelecimento das escolas a camara municipal attenderá ás escolas existentes, conservando-as ou collocando-as onde for conveniente.
§ 2.° É permittido substituir as escolas parochiaes por escolas centraes, segundo o artigo 20.° da lei de 2 de maio de 1878, podendo a camara municipal, com previa auctorisação do governo, augmentar o numero de professores dessas escolas, quando o numero de alumnos nas differentes classes exija desdobramento.
§ 3.° O edificio da escola deve ser em regra de construccão especial e constituir propriedade do municipio; não podendo os planos dos edifícios escolares ser executados sem prévia auctorisação do governo.
Art. 40.° O recenseamento das creanças, na idade em que a instrucção é obrigatoria, será feito pela camara municipal.
§ 1.º Para as creanças, que tiverem nascido antes de estar em vigor a presente lei, os parochos, auxiliados pelos regedores e annualmente até 30 de novembro, enviarão á camara municipal uma relação de todas as da sua freguezia, que devem atingir oito annos no anno seguinte. Estas relações conterão: o nome da creança, o nome dos pães, tutores ou pessoas encarregadas da sua sustentação ou educação, a morada, as officinas ou trabalhos agrícolas e industriaes em que forem empregadas. Com estes elementos a camara municipal organisará os recenseamentos escolares por parochia civil.
§ 2.° Os parochos enviarão conjuntamente, e nas mesmas condições do paragrapho precedente, uma relação de todas as creanças da sua freguezia, que perfaçam no anno seguinte nove, dez e onze annos.
§ 3.° Para as creanças, que nascerem depois de estar em vigor a presente lei, os pães, tutores ou outras pessoas encarregadas da sua sustentação, serão obrigados, no praso de três mezes, a participar por escripto o nascimento da creança na respectiva repartição da camara municipal.
Esta participação deverá conter:
1.° O nome da creança, dado ou que lhe pretendam dar no acto do baptismo ou do registo civil, e a data do seu nascimento;
2.° O nome dos paes, sua profissão e morada;
3.° A affirmação dos factos, mencionados nos numeros antecedentes, feita pelo parocho e pelo regedor da freguezia e a sua confirmação pelo respectivo administrador do bairro.
§ 4.° O fallecimento das creanças de idade inferior a doze annos será igualmente communicado na respectiva repartição da camara municipal. Esta participação deverá conter:
1.° O nome da creança fallecida e a data do seu passamento;
2.° O nome dos pães, sua profissão e morada;
3.° A affirmação dos factos. mencionados nos antedentes numeros feita pelo parocho e pelo regedor da freguezia e sua confirmação pelo respectivo administrador do bairro.
§ 5.° A mudança de domicilio das creanças de idade inferior a doze annos será por modo analogo participada na respectiva repartição da camara municipal.
§ 6.° As disposições dos §§ 3.° e 4.° deste artigo não eximem os parochos de prestar á camara municipal as relações de que tratam os §§ 1.° e 2.°, ainda em relação ás creanças nascidas depois da promulgação d'esta lei.
§ 7.° Aos responsáveis pela falta de cumprimento dos preceitos indicados nos §§ 3.°, 4.° e 5.° será applicada a multa de 2$000 a 20$000 réis, em beneficio das caixas escolares, ou a pena de dois a vinte dias de prisão.
Art. 41.° Para os effeitos do artigo precedente a camara municipal creará uma repartição especial sob a designação de Repartição do registo escolar.
Art. 42.° As emprezas agricolas ou industriaes, os donos de fabricas ou officinas, que tiverem ao seu serviço mais de vinte e cinco creanças de ambos os sexos, menores de doze annos, serão obrigados a sustentar um escola de instrucção primaria elementar, no caso de não mandarem os menores ás escolas publicas.
§ unico. A duração das aulas em cada dia não será inferior a duas horas, não se contando para ellas as de descanso e refeição.
Art. 43.° A camara municipal poderá crear, quando o julgar conveniente e opportuno, escolas infantis, salas-asylos e creches.
Art. 44.° A camara municipal organisará, nomeando os cidadãos de ambos os sexos que se distinguirem pela sua caridade, illustração e civismo, uma grande commissão, cujo fim será crear e administrar as caixas escolares.
§ 1.° Esta commissão promotora da instrucção popular, de que farão parte os parochos das differentes freguezias do municipio, elege o seu presidente, secretario e thesoureiro.
§ 2.° Ficam por esta fórma substituidas no municipio de Lisboa as commissões parochiaes de beneficencia e ensino, creadas pelo artigo 28.° da lei de 2 de maio de 1878.
Art. 45.° As caixas escolares são formadas:
1.° Pelas quotas e joias voluntarias dos membros da commissão promotora da instrucção popular;
2.° Pelo producto de subscripções e festas de caridade;
3.° Pelo producto dos donativos e legados;
4.° Pelo producto das multas a que se refere o artigo 15.° da lei de 2 de maio de 1878 e o § 7.° do artigo 40.° da presente lei.
5.° Pelos subsidios do estado e da junta geral do districto de Lisboa, não podendo o primeiro ser annualmente inferior a 3:000$000 réis e o segundo a 1:500$000 réis.
6.° Pelos subsidios da camara municipal, que não poderão ser inferiores a 1:500$000 réis por anno;
7.° Pelos subsidios das associações de beneficencia, irmandades e confrarias.
Art. 46.° As caixas escolares têem por fim facilitar e animar a frequencia ás escolas de instrucção primaria, soccorrendo os alumnos indigentes, recompensando e premiando os assiduos e estudiosos pelos meios e processos que a commissão promotora tiver por mais uteis e convenientes.

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SESSÃO NOCTURNA DE 10 DE JUNHO DE 1885 2219

Art. 47.° A commissão promotora da instrucção popular prestará annualmente contas á camara municipal.
Art. 48.° Á camara municipal compete satisfazer os vencimentos dos professores e ajudantes, de ambos os sexos, das escolas de instrucção primaria com ensino elementar e complementar, dar casa para escola, ministrar habitação aos professores, fornecer mobilia escolar e organisar a bibliotheca das escolas.
§ unico. Fica por esta fórma derogado para o municipio de Lisboa o § 1.° do artigo 61.° da lei de 2 de maio de 1878.
Art. 49.° São consideradas sem effeito para o municipio de Lisboa as disposições do artigo 11.° o seu § unico, do artigo 12.º e seu § unico, e do artigo 15.° da lei de 11 de junho de 1880.

CAPITULO II

Da instrucção profissional

Art. 50.° A camara municipal creará, no primeiro anno em que vigorar esta lei, para o ensino profissional uma Escola central de artes e officios.
Art. 51.° O projecto do edificio, bem como o programma do ensino, fixação dos quadros docentes e vencimentos, serão approvados pelo governo, que, precedendo concurso, nomeará tambem os respectivos professores.
§ unico. Da despeza correspondente á instrucção profissional competirá ao governo 50 por cento e os restantes 50 por cento á camara municipal.

TITULO V

Da saude e hygiene publicas

CAPITULO I

Da divisão sanitaria do municipio

Art. 52.° Para os effeitos dos serviços de saude e hygiene será o municipio de Lisboa dividido em vinte circumscripções.
§ unico. As circumscripções sanitarias corresponderão á nova divisão parochial civil, feita em virtude das disposições d'esta lei.

CAPITULO II

Do delegado e aos sub-delegados de saude e suas attribuições

Art. 53.° Dirigindo o serviço geral de saude e hygiene do municipio haverá um delegado de saude, nomeado pelo governo.
Art. 54.° Dirigindo o serviço de saúde e hygiene de cada circumscripção haverá um sub-derogado de saude, nomeado pela camara municipal sob approvação do governo.
Art. 55.° O delegado e os sub-delegados de saude serão medicos por alguma das escolas de Coimbra, Lisboa ou Porto.
§ 1.° O vencimento do delegado de saúde será de réis 1:200$000 annuaes.
§ 2.° O vencimento de cada sub delegado de 900$000 réis annuaes.
Art. 56.° Os logares de delegado e sub-delegados de saude são de commissão permanente.
§ 1.° O provimento dos legares de delegado e sub-delegado será feito por concurso.
§ 2.° O delegado e os sub-delegados não poderão ser suspensos por mais de trinta dias ou demittidos senão pelos seguintes motivos:
1.° Erro de orneio, reconhecido e julgado pelo conselho geral de saude e hygiene;
2.° Desobediencia;
3.° Negligencia no serviço;
4.° Impossibilidade physica de exercer o cargo.
5.° Falta do estricto cumprimento das deposições dos artigos 60.° e 61.°
Art. 57.° As funcções de delegado e de sub-delegado de saude são incompativeis com as de outro emprego publico ou particular.
Art. 58.° São attribuições do delegado de saude:
1.° Superintender e dirigir todos os ramos do serviço de saude e hygiene do municipio;
2.° Presidir e dirigir os trabalhos do conselho de saude e hygiene municipal;
3.° Fiscalisar os trabalhos dos conselhos de saude e hygiene dos bairros;
4.° inspeccionar o serviço dos sub delegados de saude nas respectivas circumscripções;
5.° Reunir e publicar aunualmente, em relatorio dirigido ao governo, as observações e dados estatisticos que possam colher-se sobre todas as questões, que interessam a saude e hygiene publicas;
6.° Propor aos conselhos geral de saude e hygiene municipal e aos dos bairros as medidas que julgar de utilidade sob o ponto de vista de saude e hygiene publicas;
7.° Apresentar á camara municipal as propostas, discutidas e vencidas no conselho geral de saude e hygiene, para a creação, reforma ou modificação de serviços municipaes, que interessem a saude e hygiene publicas;
8.° Representar ao governo, em nome do conselho de saude e hygiene municipal e por decisão deste, sobre a adopção de medidas, que sejam da competência do poder executivo ou legislativo;
9.° Organisar, sobre os dados que lhe forem fornecidos poios sub-delegados, os registos geraes demographico, nosographico e do movimento endémico e epidemico das molestias virulentas e contagiosas:
10.° Estudar geral e especialmente as causas de insalubridade e os meios do removel-as, evitando e combatendo o desenvolvimento e a propagação das doenças endémicas e epidemicas;
11.° Indicar quaesquer meios que melhorem as condições sanitarias das populações industriaes, agricolas e das classes desvalidas do municipio.
12.° Dar unidade e regalar os serviços dos sub-delegados de saude;
13.° Informar o presidente da camara municipal de todas as irregularidades e defeitos dos differentes serviços da policia sanitária ou do pessoal que os desempenha;
14.° Redigir nos termos do artigo 76.° a publicação mensal do boletim de saude e hygiene do municipio de Lisboa.
§ unico. Os sub-delegados são subordinados ao delegado de saude, o qual poderá, em qualquer das circumscripções e quando o tiver por conveniente, desempenhar as funcções e praticar os actos, que são da competencia e attribuições dos primeiros.
Art. 59.° São attribuições dos sub-delegados de saude nas suas respectivas circumscripções:
1.° A policia sanitaria de todos os estabelecimentos de iustrucção publica e particular, officiaes, creches, hospicios, asylos, hospitaes, albergues, feiras, mercados, ruas, pateos, praças, passeios, jardins, casas de espectaculo, cafés, hospedarias, quarteis, coisas de malta, matadouros, igrejas, cemiterios e outros similhantes edificios, estabelecimentos, construcções ou locaes, affectos a usos collectivos, que pela natureza dos seus fins exigem severa e rigorosa policia sanitaria;
2.° A policia sanitaria das repartições publicas, estabelecimentos industriaes, publicos ou privados, escriptorios commerciaes e outros similhantes em que a permanencia, embora temporaria, de muitos individuos exije cuidados e cautelas sanitarias;
3.° A policia sanitaria dos estabelecimentos insalubres, cocheiras, estabulos, cortelhos, pombaes, capoeiras e outros similhantes;

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4.° A policia sanitaria dos cães, docas, praias, rios, regatos, barcos e outros similhantes;
5.° A policia sanitaria das casas de venda, depositos, lojas, mercearias, tavernas e outros similhantes;
6.° A policia sanitaria das construcções publicas e particulares, quaesquer que sejam os usos a que se destinem;
7.° A policia sanitaria da canalisação publica e particular, sentinas, sumidouros e outros similhantes;
8.° A policia sanitária dos géneros alimenticios e das bebidas, naturaes ou artificiaes;
9.° A policia sanitaria das nascentes, correntes de agua, chafarizes, aqueductos, poços, canalisação publica e privada e outros similhantes;
10.° O registo demographico;
11.° O registo nosographico;
12.° O registo especial do movimento endemico e epidemico das molestias virulentas e contagiosas;
13.° O estudo geral e especial das causas de insalubridade e dos meios de removei-as, evitando e combatendo o desenvolvimento e a propagação das doenças endemicas e epidemicas;
14.° O estudo e a indicação dos meios que melhoram as condições sanitarias das populações industriaes, agricolas e das classes desvalidas;
15.° A coordenação de relatorios, estatisticas, quadros graphicos e outros elementos sobre todas as questões e observações, que interessem a saude e hygiene publicas.
Art. 60.° Os sub-delegados de saude nas suas respectivas circumscripções lixarão, pelo menos, duas horas por dia para consultas medicas para as classes pobres, e farão uma visita semanal ás escolas da sua circumscripção para inspeccionarem o edificio e observarem os alumnos.
§ 1.° Por cada consulta poderão os subdelegados de saude receber a quantia de 100 réis.
§ 2.° Exceptuam-se da disposição do paragrapho anterior os indigentes, confirmados por attestados dos respectivos parocho e regedor.
§ 3.° Os subdelegados serão obrigados a vaccinar gratuitamente nas respectivas circumscripções; publicando avisos prévios da hora e local da vaccinação.
Art. 61.° Os sub-delegados de saude, nas suas respectivas circumscripções, visitarão no domicilio, sendo chamados, os individuos pobres, que não possam, em rasão de molestia, comparecer nas consultas, de que trata o artigo, antecedente.
§ 1.° Por cada visita poderão os delegados de saude receber a quantia de 400 réis.
§ 2.° Exceptuam-se da disposições do paragrapho anterior os indigentes, confirmados por attestados dos respectivos parocho e regedor.
Art. 62.° Nenhuma construcção particular poderá ser levada a effeito, ou auctorisada pela camara municipal, nos termos do artigo 34.°, n.º 4.°, sem que o projecto tenha sido previamente estudado pelo respectivo sub-delegado de saude e, com a consulta d'este, approvado pelo conselho de saude e hygiene do bairro, sob o ponto de vista das indispensáveis condições hygienicas.

CAPITULO III

Do conselho de saude e hygiene do bairro e da sua competencia

Art. 63.º A reunião de todos os sub-delegados de saude de um bairro constituirá o conselho de saude e hygiene do respectivo bairro.
Art. 64.° O conselho de saude e hygiene do bairro terá, pelo menos, uma sessão semanal em dia certo e prefixo.
§ 1.° O conselho elegerá o seu presidente e secretarios de entre os membros que os constituem.
§ 2.° Ás sessões do conselho poderá assistir com voz e voto consultivo o respectivo administrador do bairro, quando o tiver por conveniente, ou lhe for pedido pelo presidente.
§ 3.° O delegado de saude, sempre que queira assistir ás sessões, presidirá o conselho de saude e hygiene do bairro e terá voto deliberativo.
§ 4.° O conselho funccionará no edificio da administração do bairro.
Art. 65.° Compete ao conselho de saude e hygiene do bairro:
1.° Resolver as reclamações que lhe forem apresentadas por quaesquer cidadãos, ácerca dos actos dos sub-delegados de saude;
2.° Discutir e deliberar sobre assumpto das attribuições dos sub-delegados de saude, que algum dos seus membros lhe tenha sujeitado, porque abranja mais de uma circumscripção ou por consulta ou duvida;
3.° Discutir e deliberar sobre assumpto das attribuições dos sub-delegados de saude, que lhe seja submettido pelo administrador do bairro, ou por seu intermedio;
4.° Providenciar sobre as habitações insalubres particulares, determinando as obras que devem ser realisadas para a sua beneficiação, ou ordenando a sua condemnação.
Art. 66.° O conselho de saude e hygiene do bairro não poderá ordenar visitas domiciliarias senão em virtude de indicação ou queixa.
§ unico. As queixas ou indicações poderão ser feitas:
1.° Pela auctoridade administrativa ou policial:
2.° Pelos locatarios das casas ou vizinhos interessados;
3.° Por algum medico;
4.° Por algum dos membros das commissões de beneficencia;
5.° Por algum dos sub-delegados de saude.
Art. 67.° Recebida a queixa ou indicação, o presidente do conselho do saude e hygiene do bairro nomeará uma commissão de tres sub-delegados para inspeccionar a habitação indicada como insalubre.
§ unico. O resultado desta inspecção com a opinião final da commissão será presente ao conselho de saude e hygiene do bairro.
Art. 68.° As resoluções do conselho de saude e hygiene do bairro ácerca de habitações insalubres, quando não envolvam a sua absoluta condemnação, serão intimadas pelo administrador do respectivo bairro aos proprietarios, para que estes, no praso de dez dias da intimação, possam recorrer, querendo, para o conselho geral de saude e hygiene.
Art. 69.° Se a resolução do conselho do bairro for a condemnação da habitação, o presidente enviará ao delegado de saude todos os documentos d'este processo, para que este e dois medicos, que não sejam sub-delegados de saude, procedem a nova inspecção.
§ unico. O resultado desta inspecção com a opinião final da commissão, e os outros documentos a que este artigo se refere, serão presentes ao conselho geral do saude e hygiene.
Art. 70.° A decisão do conselho geral de saude e hygiene ácerca de habilitações insalubres será intimada pelo respectivo administrador do bairro aos proprietarios.
Art. 71.° De todas as resoluções do conselho geral de saude e hygiene ácerca de habitações particulares insalubres cabe recurso com effeito suspensivo, interposto até dez dias da data da intimação das mesmas resoluções, para a camara municipal, cujas decisões serão definitivas.
§ unico. A intimação administrativa das decisões definitivas, ou como tal havidas por falta de recurso em tempo opportuno, sobre habitações insalubres, deverá sempre determinar a natureza das obras, não podendo a habitação ser alugada ou occupada por alguem emquanto as referidas obras não forem realisadas.
Art. 72.° O conselho de saude e hygiene do bairro poderá pedir á camara municipal o auxilio e a comparência do engenheiro ou architecto da mesma camara, quando o tiver por conveniente para o bom desempenho das suas funcções.

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CAPITULO IV

Do conselho geral de saude e hygiene e da sua competencia

Art. 73.° A reunião de todos os sub-delegados do municipio de Lisboa, do director das obras publicas, do engenheiro e do architecto da camara municipal, presidida pelo delegado de saúde, constituirá o conselho geral de saude e hygiene.
Art. 74.° O conselho geral de saude e hygiene terá, pelo menos, uma sessão quinzenal em dia certo e prefixo.
§ 1.° O conselho elegerá dois secretários de entre os seus membros.
§ 2.° As sessões do conselho poderá assistir com voz e voto consultivo o governador civil, quando o tiver por conveniente ou lhe for pedido pelo delegado de saúde.
§ 3 ° O conselho funccionará no edificio da camara municipal.
Art. 75.° Compete ao conselho geral de saude e hygiene:
1.° Resolver os recursos perante elle apresentados dos actos e das deliberações do conselho de saude e hygiene dos bairros;
2.° Deliberar sobre todos os assumptos, que interessam a saude e hygiene do municipio;
3.° Deliberar sobre as consultas, que lhe forem apresentadas pelo governador civil, ou por seu intermedio;
4.° Deliberar sobre as propostas, que lhe forem feitas pelo delegado de saúde, ou por qualquer dos seus membros;
5.° Propor á camara municipal e ao governo todas as medidas, que tenham por fim a saude e a hygiene do município e excedam as suas attribuições, as do delegado e sub-delegados, ou careçam de approvação superior;
6.° Organisar todos os regulamentos dos differentes serviços de policia sanitária, que serão approvados pela camara municipal e pelo governo;
7.° Informar as licenças, que devem ser concedidas pelo governador civil, para estabelecimentos insalubres, incommodos ou perigosos.
8.° Descrever o methodo e os modelos das coordenações estatisticas, quadros graphicos e de quaesquer elementos, que interessem a saude e hygiene publicas;
9.° Publicar mensalmente o boletim de saude e hygiene municipal, em que sejam reunidos os dados estatisticos, quadros graphicos, os resultados dos registos demographico e nosographico, referentes ao município de Lisboa, as actas das sessões do conselho, e quaesquer artigos, publicações originaes ou traduzidas, prevenções, conselhos, receitas ou noticias, que possam contribuir por qualquer modo para melhorar as condições sanitarias dos habitantes do municipio;
10.° Elaborar, para ser presente á camara municipal, o orçamento de todas as despezas com os differentes serviços de saude e hygiene nos termos d'este titulo.
Art. 76.° Para os effeitos do n.° 9.° do artigo antecedente o conselho geral de saude e hygiene subdividir-se-ha nas secções convenientes e nomeará annualmente dois dos seus membros, os quaes, com o delegado de saúdo, constituirão a redacção principal do boletim.
§ unico. A impressão do boletim será feita a expensas do governo na imprensa nacional.
Art. 77.° Das resoluções do conselho geral de saude e hygiene cabe recurso, sem effeito suspensivo, salvo o caso especificado no artigo 71.° desta lei, para a camara municipal.
Art. 78.° As despezas com o serviço da saude e hygiene, nos termos deste titulo, serão pagas pela camara municipal, a qual para este effeito julgará e approvará o respectivo orçamento elaborado nos termos do n.° 10.° do artigo 75.°
Art. 79.° Os conselhos de saude e hygiene, o delegado e os sub-delegados de saúde, no exercicio das suas funcções poderão exigir de todas as auctoridades policiaes o auxilio nec.-srario para serem respeitadas e cumpridas as resoluções tomadas na esphera da sua competencia.
Art. 80.° No caso de epidemia, ou quando o julgar do utilidade e segurança publica, o governo poderá, por decreto motivado, avocar a directa e immediata direcção de todos os serviços geraes de saude e hygiene municipal.
§ 1.° Esta auctorisação cessará com os motivos imperiosos, que lhe deram causa.
§ 2.° Se a junta de saude publica aconselhar qualquer medida de caracter geral ou permanente o governo, se com ella se conformar, communical-a-ha ao conselho de saude e hygiene municipal para que este a execute e faça executar.
§ 3.° O governador civil, os administradores dos bairros e em geral as auctoridades policiaes poderão exigir do delegado e dos sub-delegados quaesquer serviços extraordinarios e urgentes da tua competencia.

TITULO VI

Da beneficencia publica

CAPITULO I

Das commissões de beneficencia

Art. 81.° Em cada circumscripção sanitaria, de que trata o artigo 52.° d'esta lei, haverá uma commissão de beneficencia, que prestará assistencia caridosa, particular e publica, aos cidadãos necessitados.
Art. 82.° Os membros das commissões de beneficencia, escolhidos pela camara municipal d'entre os cidadãos distinctos pelas suas virtudes particulares e civicas, serão em numero de cinco ou sete, conforme as condições da circumscripção o exigirem, sendo no primeiro caso dois e no segundo tres, pelo menos, do sexo feminino.
§ 1.° As irmandades e confrarias, comprehendidas numa parochia civil, terão na respectiva commissão um representante por todas ellas escolhido e approvado pela camara municipal.
§ 2.° Sempre que n'uma circumscripção houver um estabelecimento ou instituto particular de beneficencia, o seu director, administrador ou um vogal da direcção, será escolhido pura a respectiva commissão de beneficencia pela camara municipal.
§ 3.° Os representantes das corporações ou estabelecimentos a que se referem os §§ 1.° e 2.° acrescem ao numero fixado n'este artigo.
§ 4.º Em regra os membros de uma commissão de beneficencia serão escolhidos, quanto possivel, dentre os cidadãos, que habitem a respectiva circumscripção.
Art. 83.° As funcções dos membros das commissões de beneficencia, escolhidos ou approvados pela camara municipal, durarão quatro annos, findos os quaes poderão ser reconduzidos.
§ unico. Poderão, apenas, ser substituidos antes do termo das suas funcções:
1.° Os que assim o pedirem;
2.° Os que abandonarem as suas funcções, asseverado este facto pelos restantes membros da respectiva commissão;
3.° Os que por causa publica e notoria se tornarem indignos de exercer o cargo.
Art. 84.° Serão de direito membros das commissões nas suas respectivas circumscripções os sub-delegados de saude e os parochos.
Art. 85.° As commissões de beneficencia elegerão d'entre os seus membros o seu presidente, o secretario e o thesoureiro.
§ unico. Os sub-delegados não podem ser eleitos para os cargos, quer das commissões, quer do congresso de beneficencia ou das suas respectivas secções.
Art. 86.° Na organisação da beneficencia publica as res-

106 *

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pectivas commissões constituirão o agente especial dos soccorros nos domicilios.

CAPITULO II

Do congresso de beneficencia municipal

Art. 87.° A reunião de todos os membros das commissões de beneficencia constituirá o congresso municipal de beneficencia publica.
Art. 88.° O congresso terá duas reuniões ordinarias, uma começando no primeiro domingo de fevereiro, outra no primeiro domingo de novembro de cada anno, no edificio da camara municipal.
Art. 89.° Na reunião de fevereiro o congresso elegerá o seu presidente e vice-presidente, secretario e vice-secretario e thesoureiro d'entre os seus membros.
Art. 90.° Constituida a mesa, o congresso dividir-se-ha em differentes secções, conforme os diversos fins caridosos de que deve occupar-se. Estas secções serão pelo menos:
§ 1.° Secção de soccorros a velhos e invalidos, comprehendendo-se sob este titulo a creação ou a concessão de subsidies a todas as instituições, que possam protegel-os e amparal-os, taes como: asylos, albergues, distribuição de alimentos gratuitos ou económicos, meios de transporte para sinistros na via publica e os soccorros nos domicilios.
§ 2.° Secção dos soccorros aos enfermos, comprehendendo sob este titulo a creação, ou a concessão de subsídios, a todas as instituições, que possam protegel-os e amparal-os, taes como: hospitaes, casas de saude gratuitas ou economicas, casas do convalescença gratuitas ou económicas, e os soccorros nos domicilios.
§ 3.° Secção dos soccorros ás creanças, comprehendendo sob este titulo a creação ou a concessão de subsidios a todas as instituições, que possam protegel-as e amparal-as, taes como: creches, salas de asylo, asylos de infancia, escolas ou officinas de aprendizagem, e os soccorros nos domicilios.
§ 4.° Secção dos soccorros a desempregados e abandonados, comprehendendo sob este titulo a creacão, ou a concessão de subsídios, a todas as instituições, que possam contribuir para a extincção da vadiagem, como as casas de trabalho obrigatorio (work-houses); para a diminuição da prostituição e protecção da mulher isolada, como as casas de trabalho e regeneração; bem como o emprego dos meios tendentes a proporcionar trabalho, quer particular quer publico, aos que d'elle hajam mister.
Art. 91.° Ao congresso de beneficência municipal compete:
1.° Julgar e approvar as contas das gerencias findas;
2.° Resolver sobre a creação de estabelecimentos e institutos de caridade;
3.° Conceder, nos termos desta lei, subsídios pecuniários a estabelecimentos ou institutos do caridade particular;
4.° Propor á approvação da camara municipal o levantamento de emprestimos;
5.° Discutir e resolver sobre todos os assumptos, que interessem a beneficencia em Lisboa;
6.° Approvar os orçamentos annuaes;
7.° Organisar subscripções, festas, espectaculos e quaesquer meios similhantes de crear receita para a beneficencia.
Art. 92.° O congresso na sua sessão de fevereiro approvará as contas do anno transacto e na sua sessão de novembro discutirá e approvará o orçamento para o seguinte anno civil.

CAPITULO III

Das secções do congresso e da commissão fiscal

Art. 93.° As secções do congresso de beneficencia, de que trata o artigo 90.°, elegerão cada uma o seu presidente e o secretario de entre os seus membros.
Art. 94.° As secções reunir-se-hão as vezes que tiverem por conveniente para a boa administração dos assumptos, que lhes competirem, ou quando forem convocadas pelo presidente do congresso de beneficencia.
Art. 95.° Ás secções de beneficencia compete:
1.º Gerir e administrar os fundos, que lhes forem arbitrados no orçamento;
2.° Preparar, na parte que lhes compete, o orçamento de despeza de beneficencia, que deve ser approvado pelo congresso;
3.° Propor ao congresso a creação de institutos ou estabelecimentos de beneficencia;
4.° Representar á camara municipal, e por intermedio desta ao governo, sobre todos os assumptos, que interessem a caridade e a beneficencia publica;
5.° Nomear os directores, administradores, ou fiscaes de todos os estabelecimentos ou institutos de caridade municipal;
6.° Crear receita para a beneficencia por meio de subscripções, festas, espectaculos e quaesquer outros meios similhantes;
7.° Propor ao congresso a concessão de subsidios para estabelecimentos ou institutos particulares de beneficência.
Art. 96.° A commissão fiscal será composta pelo presidente o pelo thesoureiro do congresso, e pelos presidentes das differentes secções.
§ unico. A commissão fiscal funcciona permanentemente.
Art. 97.° Á commissão fiscal compete:
1.° Cumprir e fazer cumprir as determinações do congresso e das suas secções;
2.° Receber os fundos que constituem receita de beneficencia;
3.° Entregar as sommas fixadas no orçamento aos respectivos estabelecimentos ou institutos de caridade ou ás commissões de beneficencia;
4.° Fiscalisar todas as despezas;
5.° Coordenar o orçamento geral, tendo em vista os orçamentos de despeza das differentes secções;
6.° Preparar as contas que devem ser approvadas pelo congresso de beneficencia;
7.° Elaborar o relatorio da administração geral de beneficencia do municipio, compendiando n'elle todos os dados estatisticos e positivos, que interessem as questões de pauperismo. Estes relatorios serão presentes ao congresso na sessão de fevereiro e depois enviados á camara municipal e ao governo.

CAPITULO IV

Do orçamento de beneficencia publica

Art. 96.° A receita da beneficencia municipal provirá das seguintes origens:
1.° Das joias e quotas voluntárias dos membros do congresso ou de quaesquer cidadãos;
2.° Das offertas, esmolas, donativos ou legados;
3.° Das subscripções ou festas de caridade;
4.° Dos bens e rendimentos das confrarias e irmandades extinctas em virtude das disposições do artigo 100.° desta lei;
5.° Da terça parte do rendimento do imposto do sêllo, estabelecido por lei sobre quaesquer loterias estrangeiras;
6.° Do imposto addicional de õ por cento sobre direitos de mercê e imposto do sêllo de todas as mercês honorificas, honras e títulos, concedidos pelo ministerio do reino;
7.° Da contribuição especial sobre os rendimentos das irmandades e confrarias do município, segundo a seguinte tabella;

Orçamentos inferiores a 1:000$000 réis .... 3%
Orçamentos de 1:000$000 réis a 2:000$000 réis .... 6%
Orçamentos de 2:000$000 réis a 3:000$000 réis .... 8%
Orçamentos de 3:000$000 réis e superiores .... 10%

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8.° Do producto das multas impostas, nos termos do artigo 246.°, aos que se negarem a desempenhar os cargos municipaes;

9.° Do subsidio annual de 3:000$000 réis pagos pelos rendimentos da Santa Casa da Misericordia de Lisboa;

10.° Dos subsidios do governo, da junta geral e da camara municipal;

11.° De emprestimos gratuitos ou onerosos.

Art. 99.° Os donativos ou legados, que envolvam condições onerosas para o cofre de beneficencia, não serão acceitos sem previa auctorisação da camara municipal.

Art. 100.° Ao governador civil compete extinguir as irmandades e confrarias, que se acharem nas condições seguintes:

1.° Illegalmente erectas, sem estatutos devidamente approvados, ou abandonadas pelos irmãos;

2.° Não tendo numero sufficiente de irmãos, em dobro, pelo menos, para constituir a mesa;

3.° Não apresentando dois annos successivos o seu orçamento em tempo conveniente (todo o mez de novembro) ou em um só as contas finaes (no mez de fevereiro) para serem julgadas pelo tribunal administrativo.

§ unico. O governador civil fará previamente intimar as irmandades e confrarias, incursas nas faltas especificadas n'este artigo, para que dentro de um praso prefixo cessem as irregularidades, e no caso da intimação não ser respeitada por alguma, determinará a sua extincção, ordenando, e fazendo realisar, a entrega dos seus bens e valores ao congresso geral de beneficencia.

Art. 101.º Nas disposições do artigo antecedente não são comprehendidos os monte pios, ou quaesquer associações fundadas exclusivamente no principio da mutualidade, as quaes todavia ficam sujeitas á vigilancia e inspecção do governador civil, que dará parte ao governo dos abusos observados.

Art. 102.º Os impostos, de que tratam os n.ºs 5.º e 6.º do artigo 98.º, serão arrecadados pelo estado e o seu producto entregue á camara muncipal para os fins especiaes indicados n'esta lei.

Art. 103.° Nenhum emprestimo, seja ou não gratuito, poderá ser contrahido pelo congresso de beneficencia sem previa approvação da camara municipal.
Art. 104.º O congresso de beneficiencia na sua sessão de fevereiro deliberará sobre a fixação e quaesquer encargos dos emprestimos, que têem de ser submettidos a approvação da camara municipal.

Art. 105.° Na elaboração do orçamento, na contabilidade e na escripturação dos serviços de beneficencia publica seguir-se-hão todas as regras e preceitos applicaveis do orçamento, da contabilidade e da escripturação municipal, comprehendidos e descriptos n'esta lei e nos regulamentos em vigor.

Art. 106.° No orçamento da despeza de cada uma das secções, a que se refere o artigo 95.°, n.° 2.°, poderá descrever-se uma verba para subsidies a estabelecimentos ou institutos particulares de beneficencia, logo que esta verba não exceda um terço da receita, que for attribuida á mesma secção.

Art. 107.° No orçamento de despeza attribuir-se-hão verbas especiaes para cada uma das commissões de beneficencia, que, nos termos do artigo 86.°, deverão constituir o meio especial dos soccorros nos domicilios.

Art. 108.° As sommas provenientes da receita da beneficencia serão entregues ao thesoureiro, eleito pelo congresso, mediante recibo assignado por elle e pelo presidente do mesmo congresso.

Art. 109.° Os recibos comprovativos das despezas de beneficencia, referentes aos soccorros nos domicilios, poderão ser substituídos por uma simples declaração de despeza, assignada por um membro e pelo presidente da respectiva commissão de circumscripção.

Art. 110.° Todos os recibos e documentos de beneficencia publica são isentos do imposto de sêllo.

O sr. Rodrigo Pequito: - Pedindo a palavra sobre a ordem, devo, nos termos do regimento, começar por ler a minha moção de ordem, que é uma proposta de alteração aos artigos 29.° e 30.° do projecto em discussão.
(Leu.)

Antes, porém, de entrar na analyse do artigo 3.°, permitta-me v. exa. que eu declare que as observações modestas e despretenciosas, que tive a honra de apresentar sobre este projecto nas sessões anteriores, foram interpretadas por maneira tão contraria aos meus intuitos que julgo da minha dignidade fazer perante o parlamento, declarações francas e muito categoricas, a fim de que o mal entendido facciosismo partidario, tanto dos meus adversarios como dos proprios correligionarios politicos, não dê interpretações que, não estando por fórma alguma no meu animo, desvirtuam as observações que tenho feito.

Sei cumprir perfeita e lealmente os deveres da disciplina partidaria, e não costumo cansar a camara tomando parte nos debates, nem mesmo n'aquelles assumptos em que o podia fazer com facilidade relativa, em virtude dos meus estudos e conhecimentos especiaes.

Uso apenas da palavra n'este logar, quando tenho de cumprir um dever qualquer, e os meus collegas da legislatura transacta sabem perfeitamente que, se n'essa legislatura uma ou outra vez usei da palavra, foi quando os deveres do cargo com que me honraram os membros de uma ou outra camara me obrigaram a isso.

Devo, pois, declarar que tenho seguido um propositado selencio, porque não desejo por fórma alguma alongar, sem necessidade, as disposições d'esta casa; e sendo esta a norma do meu proceder, devo tambem protestar que ás minhas palavras se queira dar uma interpretação menos correcta e conforme, qual é a de que eu pretendo, pela minha parte, fazer obstruccionismo ao projecto em discussão.

Eu disse, e repito, que uso sómente da palavra para cumprir um dever do cargo, e entendo que nesta questão tanto eu como os meus illustres collegas representantes da cidade de Lisboa commetteriamos uma grave falta se não viessemos aqui, perante o parlamento, expor franca e desassombradamente as nossas opiniões sobre o projecto, visto que nenhum de sós teve a honra de o fazer no seio das commissões; e creia v. exa. e a camara que, se por consideração, não á minha pessoa, mas ao municipio, eu tivesse tido voz nas commissões como representante da cidade, creia, repito, que restringiria em muito as minhas observações.

É, portanto, um dever que têem de cumprir os deputados por Lisboa, dando por esta fórma satisfação plena á opinião publica do municipio, porque um projecto d'esta ordem não póde passar com o profundo silencio dos representantes da capital.

Não se classifiquem, pois, de obstruccionismo as minhas modestas observações; e direi mais uma vez que folgo muito de que o espirito illustrado do nobre ministro do reino pozesse franca e desassombradamente esta questão a fim de que o projecto saia o mais perfeito e completo, não tornando questão de política partidaria este assumpto.

Na sessão de hoje pouco tempo tomarei á camara, e nas futuras não considere o tempo, que eu possa tomar, como um proposito menos correcto, que a minha dignidade repelle, mas sim como um dever de consciencia.

Não me admirou que um dos meus mais talentosos collegas, o sr. Franco Castello Branco, fizesse o requerimento que a camara approvou para se discutirem quatro títulos conjunctamente, e não me admirou porque o illustre deputado, que é membro das commissões que estudaram o projecto, e aonde teve uma larga discussão, está por certo mais ou menos enfastiado com a demora; mas em todo o caso direi que não me parecia regular a resolução da ca-

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mara; porque entendo que discussões desta ordem não devem passar desapercebidas e antes devem ter a maior largueza. (Apoiados.)
E não se diga, como ouvi hoje dizer a um illustre deputado, que se tem aqui tratado de assumptos estranhos ao projecto.

Responderei a esta allusão, que era por certo dirigida á minha pessoa, lembrando que o digno presidente declarou que eu estava dentro do assumpto que se discutia, quando numa das ultimas sessões houve quem dissesse que eu estava fóra da ordem.

Insistirei nas considerações que tenho feito, não por minha vontade, mas para replicar á repetição de um argumento que o mesmo illustre deputado apresentou, de que é necessario que esta questão se resolva quanto antes para occorrer ás necessidades do municipio de Lisboa. E todas as vezes que se queira empregar este argumento, hei de combater com igual direito similhante asserção como menos exacta.

Dadas estas explicações muito breves, muito ligeiras, que julgava convenientes por dignidade propria e por consideração para com a camara e para o objecto que se discute, devo declarar que não estava preparado na sessão de hoje com as propostas que desejo apresentar a respeito dos quatro títulos que a camara resolveu se discutissem conjunctamente.
Estou, porém, convencido de que terá de ser longa a discussão d'estes titulos, e espero que a camara me permittira que em outra sessão entre de novo na discussão, limitando-me na sessão de hoje a tratar do titulo III, que se refere aos serviços municipaes.

Diz o projecto que estes serviços devem ser confiados a seis commissões especiaes, para se occuparem, uma da instrucção, outra da saude e hygiene, outra da beneficencia, outra da fazenda municipal, e outra de obras publicas.

Muitos outros ramos importantes ha a tratar na administração municipal.
N'um folheto que tenho presente relativo a uma cidade de segunda ordem, encontra-se o serviço municipal distribuido por um numero de commissões muito maior.

E refiro-me a este folheto porque, tanto á pressa vae a discussão, que não temos tempo para procurar os elementos que precisamos. Foi o primeiro que me veiu á mão. É o regulamento com que se rege o municipio de Antuerpia; cidade que tem evidentemente uma importancia muito menor que a cidade de Lisboa.

São dez as commissões de serviço do municipo de Antuerpia: instrucção publica, industria, commercio e navegação, obras publicas, bellas artes, finanças, contabilidade e impostos, policia e segurança publica, hygiene e saude publica, legislação e contencioso, etc., etc.

Não é, pois, excessivo o numero de cinco commissões; e poderia ser maior se se attendesse a outros varios serviços. Oxalá que elles todos se possam condensar n'estes ramos em que se acham divididos pelo projecto.
Tendo me referido a proposito d'estas commissões especiaes a um municipio inferior ao nosso, como é o de Antuerpia e á maneira porque se acham ali subdivididos os serviços, lembrarei também, muito de passagem, para que não seja accusado pelos meus collegas de voltar a assumpto que já está votado, lembrarei, digo, de passagem, que um outro município muito inferior ao de Lisboa, o município de Genebra, cuja população e de metade da de Lisboa, tem o seu concelho municipal composto de 41 membros, indicação esta que responde aos que consideram muito elevado o numero de 31 membros, que compõem o conselho municipal de Lisboa, segundo este projecto.

Eu entendo que para a boa e regular administração dos serviços é sempre conveniente que haja toda a possivel uniformidade. Não posso comprehender porque é que o numero de membros da commissão de saude e hygiene seja de 9 e o das commissões de instrucção, beneficencia e fazenda seja de 7, e porque os membros da commissão de obras publicas sejam apenas 3.

Não comprehendo, repito, a rasão d'esta differença; parecia-me que para maior regularidade fosse igual o numero de membros de todas estas commissões.

Poderão objectar-me que a commissão de saúde e hygiene tem de resolver sobre assumptos importantes, que exigem, não só a competência dos médicos, mas tambem a competencia dos engenheiros.

Não contrario esta affirmação, que acho verdadeira; mas e necessario lembrar que lá está a disposição do artigo 36.° que resolve a hypothese.
Quando se tratar de assumptos sobre que seja conveniente ouvir os especialistas das commissões de obras publicas e saude publica, estas duas commissões podem reunir-se, nos termos do citado artigo 36.° do projecto. São estes os motivos por que apresento uma proposta para que as commissões sejam compostas de 7 membros.

No projecto da commissão ha erros puramente de redacção, como, por exemplo, no § 3.° do artigo 29.°, quando se refere aos maiores contribuintes dos tres bairros.

Esta parte precisa modificada, porque os bairros ficam sendo quatro e por conseguinte os contribuintes são 160 e não 120.

A estes erros de redacção não julgo necessario fazer referencia em proposta, visto que na modificação que proponho se funde todo o artigo.
Na sessão de hontem, o sr. José Luciano de Castro, referindo se a estas commissões especiaes, condemnou a eleição indirecta e disse que se lhe afigurava mais conveniente que a eleição fosse feita directamente.
Se v. exa. e a camara me permittem que, embora me tivesse inscripto contra, por ter de apresentar propostas de alteração, vá defender o projecto nesta parte, defendel-o-hei como poder, e direi a rasão por que julgo necessario que n'este caso a eleição seja pela forma indicada no projecto.

Não resta a menor duvida para ninguém que entre os corpos consultivos e os corpos deliberativos e hierarchicamente considerados, os deliberativos estão em primeiro logar e os consultivos em segundo.

Os membros d'estas commissões especiaes, que são puramente commissões consultivas, se fossem eleitas como são os vereadores da camara municipal, conservariam accentuadamente a sua categoria inferior, visto que a eleição provinha da mesma origem.

O que póde levantar a categoria dessas commissões ou, noutros termos, o que póde dar valor moral ás commissões especiaes, em relação á camara municipal, é a differente organisação dos collegios eleitoraes, sendo, por assim dizer, compensadas as faculdades deliberativas da camara municipal pela auctoridade que a qualidade dos eleitores imprime às commissões especiaes.

Para as commissões de saúde publica e hygiene, são eleitores os medicos; para as de instrucção publica, os professores; e para as outras commissões, que importam directamente á fazenda municipal e beneficencia, são eleitores os maiores contribuintes.

Esta eleição não é, a meu ver, indirecta para estas commissões, sendo feita por esta fórma.

(Interrupção do sr. José Luciano.)

V. exa. tem rasão no seu aparte; v. exa. referiu-se aos quatro presidentes das commissões que figuram na vereação.

Eu tenho-me referido ao modo como as commissões especiaes são eleitas e com o qual concordo, pois acho vantajoso que a eleição se faça por collegios especiaes e não pelos collegios ordinários que elegem a vereação.

Ácerca dos vogaes presidentes que figuram na vereação, desejaria tambem acrescentar algumas palavras, mas re-

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paro que o titulo está fóra da discussão, e que portanto não o posso fazer.

Entre as commissões especiaes ha uma em circumstancias diversas, pela fórma como é constituida: refiro-me á commissão de obras publicas.
Diz o § 4.° do artigo 29.°: «será composta do tres engenheiros nomeados pelo governo».

Não vejo rasão nenhuma para que esta commissão não seja tambem composta de sete engenheiros, o que me parece mais conveniente.

Como, em virtude do artigo 30.°, esta commissão tem de eleger no dia 30 de dezembro o seu presidente, é de vantagem determinar neste projecto o período de tempo dentro do qual o governo deve fazer a nomeação dos membros da commissão de obras publicas, e proponho que seja nos primeiros quinze dias do mez de dezembro, porque a esse tem pó conhece-se já qual o resultado da eleição da camara, e podendo dar-se o caso de serem eleitos como vereadores alguns engenheiros, é evidente que estes não podem seres colhidos pelo governo para fazerem parte d'esta commissão especial, circumstancia por que a nomeação deve ser posterior á eleição.

Como não vejo que haja neste projecto indicação bastante pela qual se possa conhecer que a estas commissões especiaes é applicavel o mesmo principio do serviço quadriennal, proponho um outro paragrapho, em que se deter mine expressamente que aos membros destas commissões seja applicada a disposição a que se refere o artigo 9.° do projecto.

O n.° 3.° do artigo 34.° do projecto diz que a commissão especial de obras publicas tem a seu cargo preparar os processos de expropriações e indemnisações que devem ser approvados pela camara municipal, ou pela commissão executiva.

Proponho a este numero uma simples mudança de redacção.
E comquanto não fosse o mais competente para a fazer, por não ter conhecimentos especiaes d'este serviço bureaucratico, afigura-se-me que uma commissão especial de serviços gratuitos não pode ter sobre si o pesadissimo encargo material de preparar processos.

Esses trabalhos pertencem às repartições competentes, e portanto deve a repartição technica da camara municipal preparar o processo, e á commissão especial de obras publicau dê-se a incumbencia de emittir o seu parecer.

Declaro a v. exa. que me vejo impossibilitado de continuar a tratar os outros títulos que a camara deliberou se discutissem conjunctamente, porque, como disse já, não esperando esta extraordinária resolução, não vim prevenido com as propostas que sobre esses titulos desejo apresentar, mas espero que esta parte do projecto não seja de modo nenhum votada hoje, e então a camara me permittirá que em outra sessão use da palavra.
E comprehende-se que eu não viesse prevenido, porquanto estava longe de suppor que em seguida a uma resolução da camara para que a discussão fosse por titulos, houvesse outra para que se discutissem quatro titulos cumulativamente.

Concluindo mando para a mesa a minha proposta.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Titulo III, capitulo I:

Proponho a seguinte substituição aos paragraphos do artigo 29.°:
«§ 1.° As commissões de instrução publica, saude e hygiene, beneficencia publica e fazenda municipal, serão compostas cada uma de sete membros eleitos nos termos do artigo.»

«§ 2.° A commissão de obras publicas será composta de sete engenheiros nomeados pelo governo dentro dos primeiros quinze dias de dezembro seguinte ao da eleição das outras commissões.»

«§ 3.° É applicavel aos membros destas commissões o que se acha disposto no artigo 9.°, para os vereadores da camara municipal.»

Capitulo II:

Proponho a eliminação do § unico do artigo 30.°

Proponho que no n.° 7.° do artigo 34.° se diga: «examinar os processos», em logar de «preparar os processos». = Rodrigo Affonso Pequito.

Foi admittida.

O sr. Avellar Machado: - Ao pedir a palavra sobre o assumpto que se discute, não é meu fim impugnar ou defender desenvolvidamente o projecto. Reconheço que me falta competencia para isto, porque não tenho tido occasião de dirigir os meus estudos para o ramo especial e importante da administração municipal, e principalmente de municipios como o de Lisboa.
Limitar-me-hei, portanto, a apresentar algumas propostas do alteração aos pontos de doutrinas com que não me conformo.

Diz o titulo V, capitulo II, artigo 60.° que os sub-delegados de saude nas suas respectivas circumscripções fixarão, pelo menos, duas horas por dia para consultas medicas para as classes pobres, e farão uma visita semanal ás escolas da sua circumscripção para inspeccionarem o edificio e observarem os alumnos, mas não diz que estas funcções sejam gratuitas, e por isso entendo necessario que fique bem preceituado que as consultas aos individuos pobres, independentemente de documentos comprovativos de indigência, serão sempre gratuitas.

Quando se elevam de 360$000 réis a 900$000 réis os vencimentos annuaes dos sub-delegados de saude em Lisboa, justissimo é que se lhes imponha o encargo de tratarem gratuitamente os indigentes que tanto e tanto abundam, infelizmente, em a nossa capital, sem a formalidade da exigencia de attestados comprovativos de pobreza; porque não é a occasião mais asada para a solicitação de taes attestados aquella em que o pobre tem de recorrer, por motivo de doença mais ou menos grave, ao facultativo da sua circumscripção.

Tambem proponho, portanto, que se eliminem n'este artigo os §§ 1.° e 2.°
Julgo a materia de que se trata n'estes paragraphos, menos conveniente para a independencia, e por assim dizer, brio da classe medica, e por consequencia creio que a illustre commissão bem andará eliminando-os.
Com relação ao artigo 61.° tambem proponho o seguinte:

É justo que, quando os pobres enfermem de doenças mais graves, sejam visitados nos seus domicilies pelos médicos encarregados d'este serviço.
Mas, para que n'este ponto não haja abusos, para que não estejam constantemente a ser incommodados, muitas vezes sem necessidade, os delegados do saúde, distrahindo-os de uma infinidade de outros serviço; a que teem de attender, eu proponho que no caso do serem chamados a casa dos doentes considerados pobres a fim de exercerem a sua profissão, possam, querendo, exigir aos doentes os respectivos attestados de pobreza, para que as visitas sejam gratuitas.

Esta doutrina parece-me que deve ser acceito, porque é racional e justa.
Todo o individuo que se dirige ao local competente para consultar um delegado de saude deve ser attendido por este, independentemente de lhe exigir a prova de que é pobre, e durante o numero de horas que a lei fixar; quando, porém, o facultativo for chamado a casa do doente, é bem intendido, para que as visitas sejam gratuitas, que este prove a sua indigencia, nos termos indicados na lei, a fim de evitar abusos que se podem dar, com grave detrimento

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de outros serviços de grande importancia e incommodo dos funccionarios a quem esses serviços suo commettidos.

Nada mais direi a este respeito, porque tenho a certeza que a commissão não deixará de approvar as emendas que envio para a mesa, e que conciliam o exercicio remunerado de uma nobre profissão com os deveres de auxilio e caridade desvelada para com os pobres, a que nenhum coração bem formado se póde eximir, mas que a lei deve sempre prescrever terminantemente, garantindo assim os soccorros medicos a uma parte importante da população, que, infelizmente, os não póde pagar. (Apoiados.)
Tenho dito.

Mando para a mesa as seguintes

Propostas

Titulo V, capitulo II:

Artigo 60.°:

Proponho que n'este artigo, em seguida ás palavras a duas horas por dia para consultas medicas...» se junte a palavra «gratuitas».
Proponho mais que sejam eliminados os §§ 1.° e 2.° do mesmo artigo 60.º = Avellar Machado.

Titulo V, capitulo II:

Artigo 61.°:

Proponho que seja substituido pelo seguinte:

«Os sub-delegados de saude, nas suas respectivas circumscripções, visitarão gratuitamente no domicilio, os individuos pobres munidos do competente attestado de pobreza, passado pelo respectivo parodio e regedor, quando não possam, em rasão da molestia, comparecer nas consultas de que trata o artigo antecedente.»

Proponho mais a eliminação dos §§ 1.° e 2.° do mesmo artigo 61.° = Avellar Machado.

Foram admittidas.

O sr. Alfredo Rocha Peixoto: - Na sessão nocturna de 6 d'este mez coube-me a palavra poucos minutos antes da meia noite. De certo, por ter de fallar muito precipitadamente e por ter de redigir com muita pressa a proposta que queria apresentar, essa proposta saiu differente do que era a minha intenção.

Mando por consequencia agora para a mesa uma proposta mais conforme com a minha idéa.

N'essa mesma sessão indiquei muito em resumo o modo por que eu entendia que devia ser decidido o empate da votação.

A esse respeito peço licença para apresentar uma proposta, que é a seguinte:

(Leu.)

Surprehendeu-me que n'essa sessão alguem apresentasse como primeira causa preferencia a idade, quando no nosso paiz, felizmente, já ha muitas leis em que á inferioridade da idade se não dá essa importancia.

A nossa lei de instrucção primaria e secundaria de 2 de maio de 1878 no § 1.° do artigo 30.° diz o seguinte:

(Leu.)

Como esta proposta diz respeito ao capitulo II, não apresentarei mais considerações.

Entro agora no capitulo, III, e antes de ler as minhas propostas com relação a este capitulo e de justifical-as, o que farei resumidamente, devo declarar que me agradam muito mais as disposições da proposta do governo do que as do projecto da commissão.

Basta uma leitura attenta, embora não seja acompanhada de um estudo profundo, para se descobrir que na proposta do governo ha um pensamento e que no projecto da commissão falta esse pensamento. E isto explica-se bem. A proposta do governo é obra de uma pessoa única que, depois de ter apreciado as informações que julgou conveniente, a concebeu e redigiu, e o projecto da commissão mostra manifestamente que é o resultado de uma discussão demorada, em cujas votações predomina muitas vezes o acaso.
Não me demoro n'este ponto, porque estou convencido de que a grande maioria das pessoas que leram este livro ficaram com esta convicção.
Emquanto ás commissões especiaes direi que as approvo como um ensaio, e como tal hei de apresentar uma proposta, quando se tratar do systema de eleição, para que seja approvado o systema do governo.

Mas por isso mesmo que apparecem as commissões especiaes como um ensaio, desejo que sobre ellas, que são uma entidade nova no nosso codigo administrativo, se concentrem novos aperfeiçoamentos.

No § 3.° do artigo 34.° estabelece-se que as commissões de beneficencia publica e do fazenda municipal sejam eleitas pelos quarenta maiores contribuintes de cada bairro.

Como v. exa. comprehende, este ponto é susceptível de um grande desenvolvimento, e parece tão clara a rasão que tenho para negar á aristocracia do dinheiro a faculdade de eleger esta commissão, que entendo não dever demorar-me mais a este respeito; por isso proponho o seguinte.

(Leu.)

Quero que subsista a commissão de beneficencia publica, não a quero, porém, escolhida pelos 120 maiores contribuintes, mas pelos corpos administrativos das associações de beneficencia.

Permitta-me agora v. exa. uma simples digressão, que tem por fim significar perante a camara o meu enthusiasmo e a minha admiração por um facto que presenceei ha pouco.

Tendo saído de casa cedo e passando pela rua de S. Bento, onde está a crèche de Nossa Senhora da Conceição, lembrei me de ir visital-a. Eram oito horas da manhã.

Examinei com a maior attenção tudo quanto ali havia, e não posso exprimir a v. exa. a minha satisfação, o meu enthusiasmo pelo que observei, principalmente por ter visto seis ou sete senhoras cuidando de vinte ou trinta creanças com tanto carinho, que nenhuma d'essas creanças soltava um vagido sequer.

Entrando novamente no assumpto vejo que o § 4.° do artigo 34.° só refere á commissão de obras publicas. Relativamente a esta commissão ha uma grande differença, que não sei explicar.

Em primeiro logar esta commissão é composta de tres membros.

Em segundo logar estes membros são nomeados pelo governo, e em terceiro logar esta commissão não tem representante na camara.

É claro que esta ultima parte é a consequencia da segunda.

Desde que é o governo quem nomeia os membros dessa commissão, comprehende-se que elle tivesse escrupulo em propor que um membro dessa commissão fizesse parte da camara municipal.

Mas eu não vejo necessidade alguma d'essa commissão ser nomeada pelo governo, nem motivo para que ella seja menos numerosa do que qualquer das outras.

Pelo contrario, se compararmos bem as attribuições desta commissão com as attribuições da commissão de beneficencia, facilmente nos convenceremos de que a primeira tem mais trabalho e mais responsabilidade. Por isso proponho que esta commissão seja composta de sete membros.

Tenho a certeza de que, se o governo de algum modo quizer intervir menos convenientemente n'este negocio, não o poderá realisar.

Por consequencia proponho o seguinte:

(Leu.)

Este § unico do artigo 35.° da proposta do governo, que é o § unico do artigo 30.° da proposta da commissão, deixa uma duvida.

Dizia o seguinte:

(Leu.)

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Sem me demorar muito, permitta-me v. exa. uma digressão.
Devo render o meu louvor ao sr. relator, ou a quem concebeu este systema do parecer; porque estou persuadido que muito poucos se dariam ao trabalho de estudar, se a proposta do governo e o projecto da commissão não viessem comparados assim.
O sr. Marçal Pacheco: - É á italiana!
O Orador: - Será o systema italiano, e é o systema ha muitos annos adoptado na resposta ao discurso da coroa; entretanto, quando se adopta o systema de relatorios muito compridos, com muitas paginas, succede que, a não ser por um grande interesse, em geral, ou por paixão politica, ninguem os lê.
Este artigo 37.º da proposta do governo, convertido em artigo 32.° da proposta da commissão, é curiosissimo.
(Leu.)
Que quer dizer esta restricção, a não ser crear difficuldades?
Se for approvado este artigo 32.°, ha de haver muita contestação, para ver se o assumpto é technico ou não. (Apoiados.)
Por consequencia, proponho a substiuição d'este artigo pelo 37.° da proposta do governo, apenas com a seguinte alteração:
(Leu.)
O § 3.° estabelece o seguinte:
(Leu.)
Isto é curiosissimo!
A este respeito proponho que sejam punidas com multas as commissões especiaes do artigo 29.°, quando se recusem a consultar sobre assumptos da sua competência.
Sr. presidente, o titulo IV havia de dar logar a um debate demorado a quem apresentasse um systema de administração publica: mas a occasião não é própria para isso, e quem o quizer apresentar, póde fazel-o com um projecto de ler sobre o assumpto.
As minhas propostas são as seguintes:
(Leu.)
Devo dizer a v. exa. que proponho para os concursos e para o exame de instrucção primaria o que se entende indispensavel para todos os concursos e exames.
Já ha dias tive occasião n'esta casa de apreciar o actual decreto regulamentar dos concursos, pelas enormes desigualdades que dispõe, sendo uma dellas o permittir que á universidade só concorram os doutores da universidade, emquanto que ás outras escolas do paiz permitte que concorram outros, que não sejam filhos d'essas escolas! Isto, embora tenha apparencia de um privilegio, é uma excepção odiosissima, e tem o grande defeito de ser muito desigual.
Exige-se uma dissertação impressa em sua defeza, exige-se uma prelecção, e uma hora de argumento sobre a prelecção; quando me parece que daria muito melhor resultado a regencia de uma cadeira feita perante os professores que tiverem de julgar o candidato.
Vou terminar apresentando uma proposta, que póde parecer extravagante, mas que representa, uma firme convicção minha.
(Leu.)
Não posso acceitar a excepção para os ricos, de mandarem os filhos á escola.
Proponho a eliminação do § 1.° do artigo 32.° do projecto em discussão.
Limito-me a estas propostas.
Tinha ainda que apresentar unia outra; mas essa estou certo que não merecerá a approvação da camara.
Desejava que o ensino fosse confiado unicamente a senhoras, porque para elle é necessaria a paciencia que só as senhoras têem.
Termino por aqui as minhas considerações, pedindo desculpa a v. exa. e á camara de lhe ter tomado tanto tempo.
(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas.)
Leram-se na mesa as seguintes:

Propostas

Titulo III, capitulo I:

Artigo 29.°, § 3.° Proponho que a commissão de beneficencia publica seja eleita pelos corpos administrativas e directores das associações de beneficencia.
§ 4.° Proponho que a commissão de obras publicas seja comporta de sete membros:
«Dois vogaes da junta consultiva de obras publicas, eleitos pela mesma junta;
«Um lente da escola do exercito, eleito polo conselho escolar da mesma escola;
«Um lente de mathematica, eleito pelo conselho da escola polytechnica de Lisboa:
«Dois engenheiros, eleitos pela associação dos engenheiros civis:
«Um architecto, eleito pela associação dos architectos.»
Artigo 32.°
1.° Proponho a substituição d'este artigo pelo 37.° da proposta do governo, apenas com a alteração natural do artigo citado ahi.
2.° Proponho que sejam puníveis com multas as commissões especiaes do artigo 23.°, que se recusem a consultar sobre quaesquer assumptos da sua competencia. = Alfredo Filgueiras da rocha Peixoto.

Titulo IV, capitulo I:

Proponho a eliminação do n.° 1.° do artigo 38.º do projecto em discussão. = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.
Para o caso de igualdade de votação, proponho as seguintes causas de preferencia:
Em primeiro legar, o maior numero de annos de serviço municipal;
Em segundo logar, o maior numero de annos de serviço publico;
Em terceiro logar, habilitações litterarias superiores;
Em quarto logar, maior importância das contribuições pagas na área do municipio;
Em quinto logar, a idade que mais proxima for dos quarenta e cinco aiiiïOi.= Alfredo da Rocha Peizoto.

Titulo IV:
Proponho:
Que o provimento dos logares do magisterio, tanto nas escolas primarias, como na escola central de artes o officios, seja feito por concurso de provas publicas;
Que uma d'estas provas seja a regencia de cadeira, sobre a inspecção de todos os vogaes do jury, durante dois mezes;
Que seja nominal e publica a votação do jury, tanto nas provas destes concursos, como nos exames de alumnos;
Que para a votação n'estes exames seja presente ao jury um quadro de frequencia dos aluamos organisado durante o anuo pelo respectivo professor. = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.
Foram admitidas.
O sr. Agostinho Lucio (sobre a ordem): - Ao entrarem em discussão os titulos III, IV, V e VI, principalmente o titulo V, entendi do meu dever e da minha obrigação pedir a palavra, com o intuito de explicar e justificar perante a camara os fundamentos do meu voto. Sc a minha qualidade de deputado me lembra o dever, a de funccionario de saude publica impõe-me a obrigação a que tenho de obedecer.
Vê a camara que, tendo apenas este intuito, poderei ser muito breve nas considerações que tenho de expôr, por

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isso que mais longe me não permittem ir, nem a rainha falta de auctoridade, nem tilo pouco o manifesto interesse que a camara tem de ver discutida esta importante proposta de lei.
O titulo V, que faz parte d'este interessantissimo projecto, de que esta casa do parlamento se está occupando, tem por bases, em primeiro logar a descentralisação dos serviços, e em segundo logar a iniciativa e independencia dos agentes encarregados do serviço de saúde publica no municipio de Lisboa.
Apraz-me declarar desde já, que acceito com a maior satisfação as bases em que assenta a remodelação da actual legislação sanitária, e que só me resta o sentimento de não ver generalisada esta reforma, alem do município de Lisboa, a todos os districtos do paiz. (Apoiados.)
Eu entendo que a administração de saude publica, como todos os ramos de administração, precisa do concurso de dois elementos; precisa da administração central e da administração local. Julgo tambem que na coexistência do exercício de ambas reside o meio de corrigir-se aquella, que porventura tenda a romper a orbita legal, que lhe está traçada, mantendo-se assim o necessario equilíbrio, indispensável á boa administração. Não sou partidário de qualquer dos systemas de administração local ou central, acompanhando-se de um caracter exclusivo, porque, ao passo que a administração local facilmente se torna anarchica, e por isso inconsequente, a central, por aucturitaria, póde tornar-se abusiva e vexatoria.
V. exa. e a camara sabem que os fundamentos de toda a legislação sanitaria tem tido em todos os paizes grande numero de defensores e impugnadores, e emquanto uns preferem a descentralisação, outros adoptam a centralisação.
Mas independentemente da opinião, nós temos o que é mais positivo, temos os factos, que se revelam na organisação sanitaria de differentes nações, cada uma d'ellas partindo da sua base. Assim, por exemplo, eu poderia citar a organisaç;io sanitária da Inglaterra e da França, que são typos, a primeira tendo como fundamento desde tempos muito antigos a administração local, o self government, com a sua vestry ou a parish; a segunda com a sua administração central, mais ou menos alterada na extensão do seu poder, conforme o regimen politico, que governa ou tem governado a França. E cito estas duas nações, porque são ellas que consubstanciam, de mais longe, uma legislação sanitaria caracteristica, que mais ou menos tem sido seguida nas differentes nações da Europa, como a Belgica, Italia e Portugal.
As variações porque tem passado a legislação sanitaria em Inglaterra, o paiz da administração local, bem como o que se tem passado na França provam á evidencia, que é insubsistente qualquer systema de administração sanitario, local ou central, quando um exclue o outro. O principio do self government soffreu o primeiro golpe em 1834. depois da invasão da cholera morbus em 1831, que flagellou grande numero de cidades inglezas.
E foram estas mesmas, castigadas pela epidemia, que pediram providencias legislativas contra a confusão, o arbítrio e irregularidades que se davam na administração de saude publica de cidade para cidade, de parochia para parochia.
Appareceram então as primeiras leis, que constituíram a base da nova organisação sanitaria ingleza.
Foram estas a Poor law union, centralisação administrativa dos pobres, e o Registrai general, ou instituição de estatística regular, cujo primeiro relatorio foi publicado em 1838.
Dez annos mais tarde foi promulgada a lei de saude publica (Public health act), obrigatoria para as localidades, em que a decima parte dos habitantes pagava uma dada taxa, ou para aquelles cuja mortalidade num periodo de sete annos fosse acima de 23 por 1:000.
Alem d'isso havia uma auctoridade central, governamental, encarregada de fiscalisar o cumprimento dos regulamentos de saúde e de hygiene publica.
Em 1858 esta auctoridade, cuja acção feria mais ou menos os interesses de certas classes, era supprimida da legislação, em virtude de uma colligação de fabricantes, engenheiros, industriaes e directores de companhias, que por surpreza arrancaram á camara dos communs o voto de suppressão.
Eu tenho, sr. presidente, ouvido citar, muitas vezes nesta casa a auctoridade de lord Palmerston em questões politicas; permitta-se-me, pois, que eu cite tambem neste momento, quando só trata de uma questão de hygiene, aquelle illustre estadista e refira as suas palavras, a proposito do procedimento dos communs.
Disse elle: que nunca na sua carreira parlamentar vira um voto mais insalubre do que aquelle que fora dado pela camara dos deputados.
Tanto me basta para fazer sentir quanto foi inconveniente aquella deliberação parlamentar.
As leis de 1871 e 1872 acabaram por dar mais unidade e harmonia á administração sanitaria e á organisação actual dos serviços de saúde publica, sem duvida mais centralisados, do que se poderia suppôr, e successivamente em ordem a dar ao governo central a força e a impulsão que eram necessarias á suprema direcção da saude publica.
Isto com respeito á Inglaterra; e com respeito á França, v. exa. e a camara sabem que com os differentes regimens políticos que se têem seguido em França, aquella nação tem variado de regimens sanitários, ora descentralisando, ora centralisando; e a propósito vem recordar, que já este armo o ministro do interior o sr. Waldeck-Rousseau teve de sustentar uma lucta tenaz e energica, na camara e no senado francez, no sentido de alcançar maior amplitude de poderes para os prefeitos, no que respeita á segurança e saude publica.
É a lei de 5 de abril de 1884.
Nós temo-nos inspirado mais ou menos na legislação franceza, que tem a sua principal base de organisação na lei de 1848, mas não a temos seguido bem.
Os nossos principaes diplomas legislativos, além de differentes alvarás, portarias, regulamentos e decretos, são a lei de 3 de janeiro de 1837, e a lei de 3 de dezembro de 1868.
N'estas leis residem os fundamentos da nossa organisação sanitaria.
Mas, sr. presidente, quem analysar friamente e com reflexão as disposições contidas nestes dois diplomas, sem attender ás datas da publicação, virá a concluir que o publicado em 1868 deveria ter a data de 1837, e que o de 1837 deveria pertencer a 1868. Isto suppondo naturalmente que caminhâmos para diante e não para traz.
Pois a lei de 1868 não nos fez senão retrogradar. Lançou por terra a lei de Passos Manuel, consecutiva á dictadura de 1836, descentralisadora e benefica, copiou da legislação franceza o que era menos bom e deixou lá ficar o melhor. Esta lei foi um gallicismo imperfeito. Lá ficaram inspectorados das aguas mineraes, das epidemias, das escolas, da salubridade, que tão assignalados serviços prestam á saude publica.
Mas o que fez a lei de 1868? Em minha opinião fez duas mortes; matou o conselho de saude publica do reino, e matou a cabeça de saúde. Mais nada.
Mas o regedor de parochia não podia nem devia morrer de todo, e então, em vez de cabeça, ficou commissario de saude, denominação mais pomposa e significativa.
Lembro-me n'este momento, que o dr. Martin, um dos hygienistas mais distinctos da França e conhecedor da legislação sanitária de muitos paizes, apreciando e criticando em uma Memoria a legislação portugueza, aponta como

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facto mais notavel o ser o regedor de parochia o commissario de saude.
Eu não sei se esta indicação envolve elogio ou ironia; mas quer-me parecer que será ironia, porque os médicos hygienistas são em regra descentralistas. Mas em compensação, temos uma junta consultiva, os delegados de saude consultivos, os subdelegados consultivos, tudo consultivo, ao lado do regedor executivo. Já noutra occasião eu tive a honra de me referir aos altos serviços, prestados pelo extincto conselho de saude publica (Apoiados), e felizmente para mim, que ainda existem nos archivos publicos preciosos documentos, que são testemunha eloquente da sua grande valia. (Apoiados.)
N'este momento surge, em beneficio da saude publica, uma proposta de lei, que eu applaudo com a mais viva satisfação, principalmente pela contextura do titulo V, em que está traçado o remodelamento de todos os serviços de saude publica da capital.
Eu supponho, sr. presidente, que esta proposta tem a sua origem na menos feliz vida administrativa e económica do município de Lisboa. E se, á quelque chose malheur est bon, ainda bem que este facto nos veiu abrir caminho para preparar uma lei, de que eu supponho hão de vir as mais salutares consequencias.
Declaro a v. exa. que me regosijo por ver apparecer no nosso paiz uma lei que traz as vantagens de ha muito solicitadas pela população de Lisboa.
Por este projecto nós podemos romper o acanhado âmbito em que vivemos e rasgar novos horisontes á hygiene social.
E só agora será possível fazer incidir sobre o homem, nos differentes grupos era que elle se desdobra ante a hygiene, a salutar influencia do conselho e dos meios praticos, que tendem ao desenvolvimento da sua educação physica, e que servem para lhe garantir desde a sua primeira idade até a velhice o mais completo bem estar, a saude, o primeiro patrimonio da vida humana.
O homem, considerado na serie da animalidade, e estudado sob o ponto de vista hygienico, divide-se em differentes grupos, cada um dos quaes tem a sua hygiene especial. Taes são o grupo ethnico, o infantil, o escolar, o industrial, o militar, o urbano e rural. Sem pretender nesta occasião expor á camara considerações desenvolvidas sobre cada um d'elles, permitia me v. exa. que muito de leve eu passe sobre a apreciação de cada um.
Relativamente ao primeiro, eu direi apenas que são muitas e vastas as questões que se ligam á origem do homem, ao seu movimento evolutivo atravez do meio e do tempo, ás suas aptidões physicas e inoraes e ainda aos fins que tem de desempenhar na sociedade, às doenças de que é susceptível ou não, conforme a raça a que pertence.
Em França e Allemanha estas questões estão na ordem do dia e fornecem á hygiene e á anthropologia valiosos subsidios.
No nosso paiz pouco ou nada nos occupâmos de taes assumptos.
Passando ao segundo grupo, a infantil, é certo, que para elle já vemos em pratica uma tal ou qual hygiene, mas ainda assim rudimentar. E nem podia ser de outro modo. Pois sem este serviço bem organisado, como se havia estudar e conhecer a differença entre a alimentação natural e artificial, a mercenária, a assistencia, a mortalidade infantil?
Como incutir no espirito publico a necessidade a abrir creches, e de as alimentar em satisfação a uma necessidade social? (Apoiados.)
Eu fallei, sr. presidente, em creches, e felizmente que Lisboa possue já algumas, graças aos mais levantados sentimentos de humanidade, que ali fizeram convergir corações generosos. (Apoiados.)
Mas devo dizer, que as que existem, mal chegam para satisfazerem á decima parte da população infantil de Lisboa. (Apoiados.)
E esta lacuna só poderá sor preenchida, quando esta proposta se transformar na lei organisadora dos serviços de hygiene publica.
Passemos ás escolas, ou ao grupo escolar. Quem entrar nas escolas portuguezas, dentro e fora de Lisboa, nos estabelecimentos industriaes, nos theatros, nas prisões, em todos edifícios publicos, repara logo nas más condições hygienicas, que em geral se manifestam á primeira vista.
(Interrupção.)
O meu illustre collega o sr. Elias Garcia acaba de me citar esta sala do parlamento portuguez; eu agradeço a citação, o direi a v. exa., que devia ter sido o primeiro a lembrar-me, por que, fazendo justiça, se n'esta casa se fazem muitos projectos e muitas leis, não se fazem menos bronchites, pneumonias e rheumatismos. (Riso.)
Posso assegurar á camara, que tem sido grande a impressão, por mim recebida nas visitas, que por vezes tenho sido obrigado a fazer, como funccionario de saude publica, a muitas das escolas da capital, onde não ha a menor attenção pelas condições hygienicas geraes, salvo nas escolas do benemerito conde de Ferreira e em algumas das principaes escolas municipaes de Lisboa.
Nas differentes escolas que tenho visitado, tenho encontrado, por exemplo, grande numero de vezes o raio luminoso caminhando parallelamente ou incidindo obliquamente sobre o raio visual do alumno, o que dá origem a varias doenças oculares, e isto quando a hygiene escolar estabelece, que o raio luminoso deve fazer angulo recto com o raio visual.
E ainda ha tres annos tive a prova directa, porque em dez collegios que visitei, encontrei vinte creanças myopes. N'esses collegios observei tambem outro facto importante. Vi umas carteiras com uns bancos que tanto serviam para as creanças de seis annos como para as de doze, de maneira que a creança do seis annos, para escrever, tem de adquirir uma posição viciosa, torsão ou incurvação do corpo, o que póde dar origem a deformidades e perturbações funccionaes importantes, isto na hypothese de carteira alta, e para a creança de doze annos obriga-a á incurvação da espinha dorsal de onde se podem originar ou vicios de conformação, ou mesmo doenças, que só a hygiene sabe e póde evitar pelo cumprimento exacto das suas prescripções.
Preciso declarar, que não me refiro só ás escolas de Lisboa, refiro-me a todas, espalhadas pelo paiz.
E não se pense que os meus reparos ficam só na mobília escolar, porque por igual se estendem ás construcções escolares, aos systemas de illuminação, de aquecimento de ventilação, á gymnastica e ás colonias escolares, que ainda entre nós não estão em uso.
Com respeito ao grupo industrial, basta affirmar, que todas as industrias são mais ou menos insalubres, para se reconhecer quanto a hygiene deve ser attendida em beneficio das classes, que às industrias vão procurar pelo trabalho os recursos da sua subsistencia.
Ao menos assegurar-lhes a saude, ensinando os meios de a conservar.
As leis de Joubert e de Roussel já não bastam.
A protecção que se deu ás creanças e às mulheres tem de ir mais longe.
Os operarios adultos tambem precisam de protecção. O parlamento francez já se preoccupa dos adultos, sob o ponto de vista da salubridade, e segurança do trabalho, e nós, sr. presidente, ainda não temos uma lei protectora para as creanças, para os menores e para as mulheres. (Apoiados.)
E todavia é certo que já dois ministros trouxeram ao parlamento portuguez propostas de lei regulando e protegendo o trabalho dos menores, e que essas propostas nunca saíram do seio das commissões.

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E foram esses ministros, com a camara sabe, o melhogrado estadista Saraiva de Carvalho, e o meu illustre mestre o sr. Antonio Augusto de Aguiar.
E não fallarei de renovação de iniciativa do mesmo projecto de lei, que eu tive a honra de apresentar á camara posteriormente ao sr. Saraiva de Carvalho.
Este projecto de lei, que foi apresentado ao parlamento francez, relativo á salubridade e segurança do trabalho nos estabelecimentos industriaes, quer v. exa. saber de onde veiu?
Veiu dos numerosos accidentes e doenças, contrahidos pelos operarios nos trabalhos indiustriaes, exercidos tanto á superficie, como no interior da terra, nas minas e nos tunneis.
Na perfuração do tunnel de S. Gothardo os operarios foram atacados de uma anemia, que tem sido objecto de estudos especiaes, e contra a qual foi preciso o emprego dos poderosos recursos da hygiene.
Sobre o grupo militar pouco direi, porque para esse ha um regimen particular, que este projecto de lei não póde alcançar.
Mas hoje ninguem contesta a importancia da hygiene nos exercitos, já pelos fins a que se destinam, já pelas doenças que são peculiares á classe militar, como pela sua mortalidade, consideravelmente avolumada pela fisica pulmonar e pela febre typhoide.
E por isso necessario é que a hygiene militar seja uma realidade, não uma ficção.
E que não venha reproduzir se o singularissimo facto, ha pouco observado, de ser nomeada uma grande commissão de officiaes de todas as armas para darem o plano de um novo uniforme para o exercito, sendo excluidos d'essa commissão os medicos militares!
Isto só em Portugal succede.
Não succederia em França, onde existiu um celebre cirurgião militar, o barão Larrey, cujo nome está ligado á mais notável reorganização do serviço de saúdo militar do exercito francez. Porque foi Larrey cirurgião em chefe do exercito que creou o systema do ambulancias e remodelou completamente a hygiene militar. E para tudo isto bastou a competencia e auctoridade de um medico, cujos trabalhos serviram de modelo a muitos exercitos da Europa.
O grupo rural, comquanto do melhores condições de saude e de vida, do que o são os habitantes das cidades, carece ainda assim dos particulares cuidados da hygiene. Os pantanos, as epidemias de typhos, que por vezes se desenvolvem nos campos, como e frequenta no nosso paiz, obrigam-nos ao dever de olharmos solicitos para essa população, que não sabe ver, e por isso evitar, as causas de muitas doenças, de que se deixam accommetter. N'outro tempo era raro um caso de fisica pulmonar nós campos. Hoje é frequentissima esta doença em qualquer localidade e boas rasões ha para suppor que das cidades tem sido levada para os campos, e que é ao contagio que se deve a sua propagação, porque modernamente é a esta propriedade que a sciencia attribue a sua grande diffusão.
Resta me fallar do grupo urbano, sobre o qual a hygiene exerce a mais larga e poderosa influencia. O asseio das cidades, a fiscalisação dos estabelecimentos insalubres, o exame das aguas potaveis, as construcções, os esgotos, a demographia, o estudo das doenças que principalmemte atacam a população urbana, eis as questões que tornam a hygiene inseparavel da legislação sanitaria do todos os grandes centros de população. Quem sabe o que é Lisboa, sob o ponto de vista hygienico, não tem senão que felicitar-se por este projecto de lei, por este titulo V, que em minha opinião representa um remodelamento feito com illustração de todos os serviços sanitarios da capital, ponto de partida para uma reforma completa. Felicito por isso o nobre ministro do reino, bem como o illustre relator e meu amigo o sr. Fuschini.
Eu entendo que a salubridade de Lisboa depende essencialmente de dois factores.
O primeiro, uma boa organização do serviço sanitario, e o segundo os melhoramentos do porto de Lisboa.
Voto com tanto prazer o projecto que se discute, como votaria o dos melhoramentos do porto de Lisboa, se elle viesse a esta camara. E desde já deixo o meu voto bem declarado, para que seja bem conhecido.
E sabe y. exa. a rasão por que digo isto?
Vou dal-a; a priori basta-me o conhecimento da mortalidade de Lisboa e o confronto com a mortalidade das principaes cidades da Europa, de que fallarei mais adiante; a posteriori tenho as estatísticas e as auctoridades scientificas inglesas, que affirmam que em todas as cidades em que se effectuaram melhoramentos sanitarios nos seus portos, a mortalidade desceu logo.
O sr. Buckanan, uma das primeiras auctoridades inglezas neste assumpto, dizia n'um relatorio official, que, em doze cidades da Gran-Bretanha, em que se tinham feito obras de saneamento, a mortalidade desceu de 25,6 a 21,7 por 1:000.
E devo acrescentar que este resultado não se obteve só em Inglaterra, tem-se obtido tambem em muitas cidades da Allemanha, assim como nos Estados Unidos, e principalmente no estado de Massachussets...
Uma voz: - Deu a hora.
O Orador: - Sr. presidente, ouvi dizer que deu a hora e eu não devo proseguir, e por isso desejaria que v. exa. me reservasse a palavra para a sessão seguinte.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, querendo, póde continuar.
O Orador: - Agradeço a benevolencia da camara, e continuarei diligenciando resumir as considerações que estava fazendo sobre o assumpto de que me tenho occupado.
Ainda ha pouco fallei da rasão principal e mais poderosa, que porventura me determina a acceitar e a votar o projecto do saneamento da capital, e até, se possivel for, fazer propaganda em favor d'este projecto, que reputo de inadiável execução.
Até 1880 nós nada sabiamos ácerca da mortalidade em Lisboa. Vá a responsabilidade a quem toca.
De 1881 para cá organisou se a estatistica demographica e nosologica de Lisboa, e por ellas podemos estar mais ou menos ao facto do que se passa na capital a este respeito.
Bem sei que a leitura dos algarismos é fastidiosa, mas entendo que é este o melhor meio de convencer a camara, porque são os argumentos mais eloquentes; e alem disso é moda recorrer-se a elles ainda em muitas questões, seguramente menos importantes que esta. E eu não posso prescindir de números, quando trato de estatisticas. (Apoiados.)
A mortalidade de Lisboa foi de 5:938 individuos em 1881, do 6:780 em 1882, de 6:078 era 1883, de 6:928 era 1884, ou seja a media annual de 6:680 óbitos.
Vê-se que a tendencia da mortalidade 6 antes para subir, do que para descer, nos seguintes numeros: em 1881 a media annual foi de 31,69, em 1882 de 36,18, em 1883 de 32,43, em 1884 de 34,5 por 1:000 habitantes.
Esta respeitavel media é digna da mais seria attenção.
N'um grupo de vinte e duas cidades, as principaes da Europa, que tenho presente, só vejo S. Petersburgo com 32,6, Paris com 25,5, Berlim com 29,2, Bruxellas com 25,1, Vienna com 26,8. As outras todas ficam com mortalidades inferiores.
Conclue-se d'aqui que a mortalidade vae crescendo sucessivamente, e posso asseverar á camara que no segundo semestre do anno passado o numero de obitos foi maior do que em igual periodo do anno anterior, contrariamente á opinião do meu illustre amigo o sr. Pequito.
Sendo as doenças predominantes, alem das de caracter

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agudo, proprios das estações, a fisica pulmonar, tuberculose, anemia e lesões cardiacas.
Resta-me fallar da fisica pulmonar. Sabe v. exa. qual é a mortalidade de Lisboa só em relação a esta doença?
É a seguinte:
Em 1881, 759 obitos; em 1882, 819; em 1883, 779; em 1884, 839; ou seja a medida de 4, 02 por 1:000.
Em Inglaterra é apenas de 2,5; nos Estado Unidos de 3,65. E que esforços se não fazem lá fóra para fazer baixar estes numeros!
Eu podia desenvolver mais esta estatistica e referir-me ao que se passa em outras cidades populosas com relação á fisica pulmonar, mkas não quero fatigar a attenção da camara, e apenas direi que na Inglaterra, como em França, Allemanha, America, todos os institutos officiaes e não officiaes de medicina têem estudado e nomeado commissões de inquerito para investigar as causas, os meios de propagação, o tratamento d'esta terrivel doença, que é a febre amarella, o cholera endemico dos grandes centros de população.
O illustre ministro do reino, que tantas vezes tem sido ministro, e que tantas vezes deve ter sido, por isso, incommodado com innumeros memoriaes, permitta-me que eu lhe apresente tambem um memorial, ao terminar o meu breve discurso, e é que quando s. exa., podér pensar n'esta questão, s. exa., que tem manifestado tanta solicitude e tantas provas tem dado de dedicação pela guarda da saude publica, (Apoiados) se lembrasse de fazer com que se procede a um inquerito, relativamente a esta doença, e que nomeasse uma commissão encarregada de estudar, como hoje se está fazendo em grande numero de paizes, as origens, o modo de propagação, o tratamento da fisica pulmonar, em todas as cidades e hospitaes do paiz.
Não desconheço que este inquerito se scérca de difficuldades, que precisa de muita dedicação e tempo; mas por outra fórma nem poderemos colher os elementos necessarios, nem aproveitar os subsidios mais ou menos dispersos, e que porventura podem ser de grande alcance n'esta serie de investigações. Em que hoje se empenham, não só os hygiensitas, mas os homens que dirigem o governo das nações.
Desde que esta e outras doenças assolam as cidades e os campos, eu entendo que é de primeira necessidade estudal-as, não só pelos enormes prejuizos e desolações que trazem consigo, mas tambem para, pela nossa parte, lançarmos uma pequena gota de agua n'essa torrente de estudos, que hoje atravessa a Europa, e que tanto interessam á humanidade inteira. Termino, agradecendo a v. exa.
e a camara a immerecida benevolencia com que fui ouvido.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Presidente: - Na sessão nocturna de ámanhã continúa a discussão d'este projecto.

Está levantada a sessão.

Era meia noite e cinco minutos.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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