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2246 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ainda em Loanda, Stanley escrevia em 5 de setembro de 1877:
«Sinto-me convencido de que a questão d'esta poderosa via aquatica ha de tornar se, com o tempo, uma questão politica»
E depois de referir-se às reclamações portuguezas, acrescentava que poderia mostrar com fortissimas rasões, quanto seria de uma boa politica, pôr e resolver immediatamente aquella momentosa questão.
«Posso provar-vos, - dizia, - que o possuidor do Livingtone (Zaire), apesar das cataratas, absorverá o trato d'aquella enorme bacia que se estende por 13° de longitude sobre 14° de longitude.
«O rio é, e será o grande caminho principal (bigh-way), da Africa occidental e central.
«Sendo assim, por que ha de continuar abandonado á disputa de quem deverá dominar-lhe o curso inferior e as margens ?»
Antes, porém, que o illustre aventureiro tivesse descido do alto Zaire, projectava-se na Europa a phase nova do movimento africanista.
A conferencia realisada em 6 de setembro de 1876, em Bruxellas, por iniciativa do rei dos Belgas, era o annuncio terminante e opportuno, de que esse movimento ia entrar n'um periodo de disciplina e de resolução politica.
Essa conferencia estabelecia como bases da nova exploração africana, dentro ainda, é certo, de um caracter internacionalista, humanitario, isento de quaesquer preoccupações politicas:
1.° Um plano internacional, commum, de exploração da área comprehendida entre os dois oceanos, os Sudões, e a bacia do Zambeze;
2.° O estabelecimento de linhas de estações scientificas e hospitaleiras, como núcleos de protecção e de irradiação civilisadora, verdadeiras linhas de penetração, - era facil de ver, atravez da barbaria indigena.
Logo terei de me referir a este processo, á sua idéa pratica e segura que podemos revindicar para nós, que havemos de encontrar facilmente na historia da formação e desenvolvimento do nosso vasto dominio colonial, e que, abandonada e esquecida, como tantas outras cousas sensatas e uteis, debalde foi nova e opportunamente aconselhada e apostolada perante a opinião e perante os governos portuguezes, apesar de ter sido acceita e proclamada por um d'elles.
Mas, devo deixar desde já indicada, accentuadamente, esta idéa ou este processo, porque a estação civilisadora, este neologismo doutrinario, ou esta phantasia utópica, como infelizmente pareceu ter sido, se é que não continua a ser considerada, nas regiões da nossa burocracia ou da nossa administração ultramarina, - foi, por um lado, o nucleo, a base, do chamado «novo estado do Congo», e fora, por outro, o instrumento, o ponto de partida e o ponto de crystalisação da nossa expansão e do nosso domínio colonial em Africa. (Apoiados.)
Da conferencia de Bruxellas saiu a associação internacional de exploração e civilisação africana, especie de cruzada nova onde cabiam á larga todos os esforços e todas as idéas generosas do movimento africanista, e que é necessario não confundir, como se tem chegado a fazer em documentos pretendida ou pretenciosamente scientificos, com a chamada associação internacional do Congo, verdadeira empreza mercantil e politica, da qual disse já alguém que lembrava o sacro imperio romano, que não era romano, nem imperio, nem sacro.
A associação internacional de 1876 não podia deixar de suggerir por toda a parte, como suggeriu realmente um movimento sympathico de opinião e de auxilio, mas não deixou, entre nós, esse natural movimento de manifestar tambem apprehensões e reservas que a nossa especial situação, e particularmente o estado da nossa questão do Zaire, e da nossa política ultramarina, por demais justificavam, infelizmente.
Fallarei d'isto, adiante.
Em 1877 a conferencia de Bruxellas reunia-se outra vez, definitivamente, constituindo a associação africana.
Chegando á Europa, desvanecido pelo largo e deslumbrante plano que suppunha ter fixado á exploração pratica e utilitaria do continente negro, Stanley, espirito verdadeiramente yankee, - havia naturalmente de olhar com um certo desdem de aventureiro experimentado e intrépido para aquella instituição meio philantropica e meio scientifica, - discreta e meticulosa, um pouco mystica e theorica em todo o caso, que o seu futuro patrono fundara no anno anterior.
Exhibindo o seu plano, encarecendo as suas revelações, communicando o seu enthusiasmo, simultaneamente ao espirito de philantropia e ao espirito de cubica, de aventura e de lucro, conseguia ver, em 25 de novembro de 1878, fundado o Comité d'études du Haut-Congo, com um milhão de francos de capital, e no começo de 1879 partia novamente para a Africa, incansavel, forte, audacioso, dirigindo-se á costa oriental, como se fora por ali que pensasse em atacar de novo o problema do Alto Zaire...
Do Zanzibar, voltava rapidamente pelo Mediterraneo, á costa occidental; em 24 de julho estava em Serra Leoa, onde as auctoridades inglezas o tomavam por traficante de escravos; em 3 de setembro aportava a Banana, onde recebia o material e pessoal superior da grande expedição, organisada na Belgica, e finalmente em 1 de fevereiro de 1880 estabelecia em Vivi a primeira estação... do futuro estado livre do Congo.
É tempo de perguntarmos o que succedia em Portugal, durante esta successão rápida, impetuosa, de tantos factos, que tão de perto e fatalmente se relacionavam com os nossos interesses, com os nossos direitos, com as nossas tradições coloniaes.
Que faziamos nós?...
Creio que faziamos politica, esta politica que nos consome o tempo é as forças; - pouco menos do que inteiramente, alheios a todo o largo movimento, que lá fora engrossava.
Uma ou outra vez, comtudo, tentava-se romper esta situação.
Talvez o meu velho, amigo e collega, o sr. Emygdio Navarro, não se lembre já de uma pequena ousadia de rapazes, que o eramos ainda, elle e eu, ahi por 1873 ou 1874, em que procurámos, com outros, - o sr. Antonio Ennes; aqui o meu bom amigo sr. Pequito, alguns mais ainda, - fundar em Lisboa, nada menos do que uma d'aquellas grandes e fortes associações, que sob o lemma do desemvolvimento da sciencia, fazem em tantos paizes urna especie de apostolado impulsivo e pratico do solidariedade e de trabalho intellectual.
Sentia-se crescentemente, vagamente talvez, a necessidade imperiosa de nos affirmarmos, de nos fazermos lembrar, de nos fazermos valer nos circulos da sciencia e da opinião europêa, onde todos os dias a ignorancia alheia, e o abandono, a apathia propria nos maltratavam e escureciam nas nossas melhores aptidões, nas nossas tradições mais gloriosas e authenticas.
Assim foi, por exemplo, que certas affirmações de Cameron, expondo, em Paris e em Londres, a summula da sua notavel travessia, affirmações mal comprehendidas ou mal julgadas talvez, relativamente ao trafico de alguns sertanejos portuguezes, conseguiram agitar a opinião portugueza, e de certo modo fixal-a n'aquelle grande movimento de exploração africana, da qual andavamos desattentos e retrahidos, senão desde o começo do seculo, pelo menos desde as ultimas jornadas de Graça e de Silva Porto.
Abençoadas accusações, falsas ou reaes, positivas ou suppostas, que fizeram então vibrar uma corda de ha tanto emmudecida e tão portugueza de lei, n'esta nossa politica,