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SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. Srs.

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita
Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno

SUMMARIO

Dá-se conta de dois officios do ministerio da justiça, enviando documentos e informações pedidas pelos srs. Luiz de Lencastre e Adolpho Pimentel, e bem assim de um officio devolvendo o projecto de lei n.° 86-D, relativo á reforma do antigo director da alfandega do lho, Fortunato Maria Gomes Ferreira. - Apresenta o sr. Elvino de Brito um projecto de lei organisando o serviço judicial nas provincias ultramarinas; e o sr. Sousa Pavão uma representação de muitos proprietarios do concelho de Mirandella, pedindo providencias contra a falsificação do vinho e do azeite. - Apresentam requerimentos pedindo esclarecimentos pelo ministerio da marinha os srs. Ferreira de Almeida e Lamare.
Na primeira parte da ordem do dia continua a discussão do projecto n.° 51, que tem por fim approvar um regimento para a arrecadação e liquidação das heranças dos fallecidos nas provincias ultramarinas com herdeiros fóra d'ellas. - Disserta sobre o assumpto o sr. Veiga Beirão, e fica a discussão pendente de novo, para se entrar na ordem do dia.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto n.° 87 (tratado do Zaire). - Falla o sr. Vicente Pinheiro, que conclue o seu discurso; começa a fallar o sr. Lucinno Cordeiro e fica-lhe a palavra reservada. - Antes de se encerrar a sessão apresenta o sr. Eduardo José Coelho uma proposta para que o parecer ácerca da lei da receita e despeza, ordinarias e extraordinarias, entre em discussão em preferencia a outro qualquer nas sessões nocturnas da semana immediata, e nas diurnas depois de terminada a discussão do Zaire; pede a urgencia, mas como não havia numero na sala, fica a proposta para segunda leitura. - O sr. Carrilho, na qualidade de relator, pede que se dê para ordem do dia o orçamento do estado a fim de se discutir em occasião opportuna, por isso que a presidencia é que dirige, os trabalhos. - O sr. presidente diz que já era proposito seu pôr em ordem do dia o orçamento.

Abertura - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 37 srs. deputados.

São os seguintes: - Adolpho Pimentel, Agostinho Lucio, A. da Rocha Peixoto, Garcia Lobo, A. J. d'Avila, Pereira Borges, Santos Viegas, Sousa Pavão, Seguier, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Conde de Thomar, Elvino de Brito, Sousa Pinto Basto, Fernando Geraldes, Francisco Beirão, Correia Barata, Baima de Bastos, Souto Rodrigues, João Arroyo, Sousa Machado, Simões Ferreira, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, Figueiredo Mascarenhas, Luciano Cordeiro, Luiz Ferreira, Bivar, Luiz Dias, M. J. Vieira, Pinheiro Chagas, Sebastião Centeno, Vicente Pinheiro, Visconde de Ariz, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Torres Carneiro, Sousa e Silva, Antonio Candido, Carrilho, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Lobo d'Avila, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Firmino Lopes, Francisco de Campos, Guilherme de Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Searnichia, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco. J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Correia de Barros, José Borges, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, José Luciano, Oliveira Peixoto, Lopo Vaz, Reis Torgal, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Tito de Carvalho e Visconde das Laranjeiras,

Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Albino Montenegro, Anselmo Braamcamp, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Pereira Côrte Real, Antonio Centeno, A. J. da Fonseca, Antonio Ennes, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Pinte de Magalhães, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Pereira Leite, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, E. Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Mouta e Vasconcellos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Matos de Mendia, Silveira, da Motta, Costa Pinto, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Melicio, Franco Castello Branco, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branco, José Frederico, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lourenço Malheiro, Luiz de Lencastre, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Aralia e Costa M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Tudella Pedro Correia, Pedro Franco, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Dantas Baracho, Visconde de Alentem. Visconde de Balsemão, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da justiça, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. depurado Luiz do Lencastre, mappas demonstrativos das causas distribuidas na comarca de Lisboa de todos os inventarios de maiores e menores e bem assim de todas as execuções particulares e de fazenda, distribuidas nos ultimos tres annos.
Á secretaria.

2.º Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Adolpho Pimentel, os documentos que dizem respeito ao pedido, para ser dividida em duas a conservatoria da comarca de Braga.
Á secretaria.

3.° Do ministerio da fazenda, devolvendo, informado, o projecto de lei n.° 86-D, relativo á reforma de Fortunato Maria Gomes Ferreira, antigo director da alfandega do Ibo, e official maior da secretaria do governo geral de Moçambique.
Á commissão do ultramar.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Dos proprietarios do concelho de Mirandella, pedindo providencias contra a falsificação dos vinhos e dos azeites.
Apresentada, pelo sr. deputado Athaide Pavão e enviada á commissão de inquerito agricola.

2.ª Dos empregados do monte pio de marinha, pedindo que na proposta do governo para a reforma se introduza uma disposição em virtude da qual fiquem os supplicantes

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addidos a qualquer das repartições do ministerio, contando-se-lhes o tempo de serviço.
Apresentada pelo sr. deputado Goes Pinto e enviada ás commissões de marinha e de fazenda.

3.ª Nota do numero do alumnos que frequentaram a escola naval durante os annos escolares decorridos desde 1875 até hoje, sua distribuição pelos cursos que se professaram na escola naval, e categoria em relação às condições com que furam admittidos. = J. B. Ferreira de Almeida, deputado pelo circulo n.° 92.

4.ª Requeiro que, pelo ministerio da marinha, seja enviada com urgencia a esta camara uma relação nominal das pensionistas que actualmente percebem pensões pelo cofre do monte pio de marinha, com designação da quantia máxima de cada pensão, e uma outra lista nominal dos devedores ao mesmo monte pio com designação das respectivas dividas. = José da Gama Lobo Lamare.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha, sejam enviados a esta camara, com a possivel brevidade, os esclarecimentos seguintes:
I. Copia ou exemplar do ultimo relatório do monte pio de marinha.
II. Parecer da ultima commissão encarregada de apreciar o estado do mesmo monte pio.
III. Nota dos devedores do monte pio, importancia, dos seus debitos, e designação da respectiva categoria official, data do debito primitivo e sua importancia. - J. B. Ferreira de Almeida, deputado pelo circulo n.° 92.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar, sejam enviados a esta camara com a possivel brevidade, os esclarecimentos seguintes:
I Nota da operarios provisorios que serviram no arsenal no anno economico lindo de 1883-1884, classes e officiaes em que serviram, o salário médio que lhes for abo nado, sua totalidade e proveniencia. = J. B. Ferreira de Almeida, deputado pelo circulo n.º 92.

O sr. Elvino de Brito: - Apresentou um projecto de lei reorganisando o serviço judicial nas provincias ultramarinas.
Entendia que, emquanto não se reformavam os serviços judiciaes do ultramar, de maneira que se reunam os quadros da magistratura do continente e os do ultramar, era conveniente, que fosse approvado este projecto, tambem assignado pelo sr. Sousa Machado, porque elle dá, na sua opinião, todas as garantias que hoje não tem o pessoal judicial das provincias ultramarinas.
Declarou que, por esquecimento, não tinha trazido um projecto de codigo administrativo para o estado da India, que tinha redigido.
Apresental-o-ha na sessão nocturna de hoje, ou na sessão diurna, do segunda feira.
O sr. Antonio de Sousa Pavão: - Mando para a mesa uma representação dos proprietários de Mirandella, que diz o seguinte.
(Leu.)
Acho estas considerações de todo o ponto justas, porque, como todos devem comprehender, os vinhos e azeites puros não devem ser postos de parte ou vendidos por baixos preços, em virtude da concorrencia que lhes fazem os géneros adulteradas.
Pedia a v. exa. que consultasse a camara para ser publicada no Diario do governo, visto que é de conveniencia publica.
Foi auctorisada a publicação no Diario do governo.
O sr. Adolpho Pimentel: - Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobre o projecto de lei de n.° 118-A, que tem por tira applicar ao actual chefe da repartição dos impostos da camara municipal do Porto, Antonio Fernandes Duarte Bessa, a disposição do artigo 353.° do código administrativo.
A imprimir.
O sr. Goes Pinto: - Tenho a honra de mandar para a mesa um requerimento de dois empregados do monte pio de marinha.
Acho justa, ou pelo menos, perfeitamente equitativa, a pretensão dos requerentes, e advogal-a-hei em occasião opportuna.
Rogo a v. exa. envie este requerimento ás commissões que toem de dar parecer sobre o projecto do sr. Pinheiro Chagas, que reforma o monte pio de marinha.
O sr. Presidente: - Vae entrar de novo em discussão o projecto n.° 51, com relação á arrecadação e liquidação de heranças no ultramar.
Tem a palavra, para continuar o seu discirno, o sr. Veiga Beirão.
O sr. Francisco Beirão: - Continuando na conversa, - pois não posso chamar discurso, ao que, disso, não tem foros, - que hontem encetei, a respeito do projecto, apresentado pelo illustre ministro da marinha, approvando o regimento da arrecadação, administração, e liquidação de bens existentes no ultramar, que pertenciam a individuos ahi fallecidos, proseguirei nas considerações, que hontem encetei, e com as quaes pretendo demonstrar, que esta proposta é, não só escusada, pois que, todas às providencias n'ella conteúdas, se achavam já no código de processo civil em vigor no ultramar, mas que, ainda, quando, se tivesse querido, com ella, revogar o systema seguido pelo codigo, e formular um outro, este seria inferior áquelle, e, por isso, prejudicial ao estado e aos particulares.
Tinha eu, - ao que me parece, - feito a demonstração da primeira parte da minha proposição: qual a inutilidade deste regimento; - e, entrando na da segunda, mostrei que, ainda quando os direitos, ou melhor os commodos, dos herdeiros residentes no continente, houvessem sido attendidos, era duvidoso se o mesmo acontecia com os credores, que tivessem de intentar causas tendentes a obter pagamento pelos bens dos seus devedores fallecidos, antes da liquidação, e da remessa do producto para a caixa geral de depósitos.
Acrescentei mais, - que este projecto quebra a unidade na legislação, que é necessario, - quanto possível, - manter; e que, sendo a tendência dos governos, tornar, em termos, extensiva ao ultramar, a legislação do continente, este projecto, sem rasão, quanto a mim, justificativa, contrariava essa tendência.
Tendo lido, em tempo, um livro, que é um relatorio muito curioso, ácerca da administração nas ilhas de S. Thomé e Príncipe, publicado pelo illustrado ex-governador, o sr. Vicente Pinheiro, tive ensejo de ver que este esclarecido escriptor confessa, que, as leis mais especiaes, são as menos exequíveis no ultramar. O codigo do processo civil, pois, - que a de mais o mesmo auctor se esforçava por ver posto em pratica n'aquellas ilhas, - contém principios geraes e uniformes, emquanto o regimento, que se nos vem apresentar, adopta principios especiaes, e muito diversos dos que,desde a publicação d'aquelle, se acham em pratica. A opinião de cavalheiro tão esclarecido e experimentado, mostra, que o meu reparo não proveiu de um simples amor pela unidade da legislação, mas, baseia-se, alem disso, na experiencia e na observação.
Depois dessas considerações, entrara eu, hontem, na parto, por assim dizer, technica, do projecto, e havia começado a comparar as providencias adoptadas na parte respectiva do codigo do processo civil, com as do regimento apresentado pelo sr. ministro da marinha e ultramar, e levára essa comparação até ao ponto, em que os bens fica-

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vam arrolados e arrecadados, para poderem ser entregues a quem a elles tenha direito.
Parece-me haver mostrado que, até ao ponto em que tive de suspender as minhas considerações, o systema adoptado pelo código, era mais simples e efficaz do que o processo proposto pelo sr. ministro da marinha.
Vejâmos agora, - continuando com a comparação dos dois systemas, - o vigente e o proposto, - se os outros termos do processo a seguir justificam a minha proposição.
Aberta a herança, se ha herdeiros conhecidos, a lei marca um praso para serem citados, a fim de a virem acceitar. Esta citação póde ser requerida pelo ministerio publico, ou por qualquer credor ou interessado. Se, em resultado d'essa citação, a herança se houver por acceita, nesse momento acaba a acçào publica e começa a particular.
Supponhamos, porém, que esses herdeiros não são conhecidos. Entrava mós então em outro processo, o processo tendente a fazer declarar a herança vaga para o estado.
Inutil será dizer que todos estes termos são promovidos pelo competente representante do ministerio publico.
Durante o processo, se ha bens moveis, ou semoventes, estes podem, mediante certas formalidades, vender-se, e nomeia-se um administrador ou curador, quando necessario.
Ora, este processo parece-me que se podia, sem inconveniente, seguir no ultramar, com uma pequena modifica cão, que tambem creio ter sido implicitamente auctorisada pelo codigo, qual é, que os productos da arrecadação tenham de ser remettidos para o deposito publico de Lisboa, á ordem do juizo da primeira, vara, no caso dos herdeiros não residirem no ultramar.
D'ahi em diante, os mais termos do processo correra, não na comarca ultramarina, onde se deu o fallecimento, mas na comarca de Lisboa, onde se acha estabelecida a caixa geral de depositos; seria a unica differença importante. E esses productos teriam de ser remettidos pelos proprios curadores ou administradores nomeados pelo juizo.
Parece-me este systema simples e economico, e, n'esta parte, corroboro as considerações feitas pelo meu illustre collega e amigo o sr. Ferreira de Almeida, porque desde que se adoptasse, ou, para fallar com mais vigor, desde que se cumprisse o codigo do processo civil, é claro que se dispensava a intervenção de qualquer repartição, e por isso até a do ministerio da marinha, para a remessa e entrega dos respectivos espolios.
Que vae, porém, acontecer com este projecto?
O processo, proposto, é muito mais trabalhoso e complicado, e, apesar d'isso, dá menos segurança ás partes, e, finalmente, não está provado que venha a ser menos caro. Por estes fundamentos, pois, que passo a desenvolver, continuo a votar pelo systema do codigo do processo.
Posto em pratica o presente regimento, depois de feito o arrolamento, com as formalidades, a que hontem me referi, nomeia-se um depositario que provê á guarda e administração dos bens arrolados. O curador da herança, segundo o systema do codigo do processo, póde ser qualquer pessoa, que o juiz, sob sua responsabilidade, escolher, pois que ao seu bom arbitrio ficou confiada esta nomeação. O actual regimento, porém, inspirando-se, ao que me parece, nossos principios adoptados na nossa antiga legislação, a este respeito, limita a escolha do juiz, em certos casos. Taes são os seguintes, previstos nos artigos 9.°, e 10.°, que dizem assim:
(Leu.)
«Artigo 9.° A herança do negociante fallecido, se elle tinha sociedade, será administrada, sob a inspecção do juizo, pelo socio sobrevivente; sendo a sociedade de mais de dois, pelos socios gerentes; e na falta d'estes por aquelles em quem todos, ou a maior parto dos sócios concordarem.
«Art. 10.° A herança do negociante fallecido sem sociedade, que ficar onerada com dividas da importancia de 1:000$000 réis, e d'ahi para cima, provenientes de transacções commerciaes, será administrada por um ou mais dos principaes credores, ou seus bastantes procuradores, propostos pelos credores residentes na comarca, e approvados pelo juiz.
«§ unico. Para este effeito, logo que em juizo constem, em forma legai os nomes dos credores, o juiz os convocará a uma reunião, a fim de accordarem no administrador da herança, e quando estejam ausentes, ou não compareçam, o juiz, com audiência do ministerio publico, encarregará a administração a um fiel depositário, procedendo entretanto á venda, em hasta publica, dos géneros que soffrerem com qualquer demora.»
Não me parece que haja grande vantagem em limitar as attribuições da nomeação, sobretudo no ultramar, onde as pessoas habilitadas são em muito menor numero do que no continente.
Nomeado o administrador, exige-se-lhe uma caução. E, mais adiante veremos, como esta disposição, aliás acceitavel, tem de ficar inutilisada.
Vou-me referir, agora, a uma parte do regimento para que não chamo, particularmente, a attenção do sr. Pinheiro Chagas, porque s. exa. poderia ser um bom ministro do ultramar, sem ter conhecimento especial de jurisprudencia formularia, mas sim a dos meus collegas jurisconsultos, membros das commissões do ultramar e legislação civil.
Diz o projecto no artigo 16.°:
(Leu.)
«Artigo 16.° Feito o arrolamento, serão citados por editos os herdeiros, credores e quaesquer interessados na herança, para assistirem por, si, ou por seus procuradores, ao processo do inventario.
«§ 1.° Os éditos serão affixados, um na porta do tribunal, outro na porta da casa em que residia o fallecido; e publicados no jornal official do governo da provincia em que o fallecido residia, e d'aquella em que por acaso haja nascido, e no Diario do governo, de Lisboa.
«§ 2.° O praso dos editos não excederá noventa dias, contados da publicação do segundo annuncio no Diario do governo, de Lisboa.»
Ora não é só n'este artigo que se falla e trata de processo de inventario, igual referencia, a elle, se encontra nos artigos 3.°, 4.°, 5º e 19.°
Inventario?!
Para que, e porque?
Dispõe o projecto, e dispõe muito bem, que, se, durante a administração da herança, apparecerem herdeiros legalmente habilitados, ou seus procuradores com poderes especiaes, ser-lhes-hão entregues os bens no estado em que se acharem.
É claro, pois, que, neste caso, tem de cessar toda a acção publica, e não pôde, por isso, prescrever-se que haja inventario judicial, pois que este só tem logar, obrigatoriamente, nos casos dos herdeiros serem menores, ausentes, ou interdictos, e não só pelo facto do auctor da herança ter fallecido no ultramar.
Mas se não apparecerem os herdeiros?
Remette se o producto dos bens, e manda-se para o deposito publico, e, aqui, na comarca de Lisboa, no systema vigente, ou na comarca da naturalidade do cujus, consoante a innovação proposta, se procede ás habilitações d'estes, e tem de correr as causas tendentes a obter pagamentos por taes productos.
Inventario, pois, é que eu não sei porque o deva haver n'este caso.
Se o inventario é feito só para verificar quaes são os herdeiros e quão os credores do defunto, vejo nisto uma inutilidade e uma contradicção.
Com effeito ha um artigo no projecto que diz:
(Leu.)
«Artigo 34.º São da competencia do juizo de direito da

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naturalidade das pessoas que fallecerem nas provincias ultramarinas as habiiitações ácerca de heranças arrecadadas nas mesmas provindas, quer consistam em bens existentes no ultramar, quer no producto d'elles remettido para a caixa geral de depositos.
«§ unico. São igualmente da competencia do mesmo juizo quaesquer causas tendentes a obter pagamento pelo producto das referidas heranças, arrecadado na caixa geral de depositos.»
Portanto, se herdeiros e oradores têem de vir justificar as suas qualidades nos juízos da naturalidade do finado, como é que querem inventario para o mesmo fim no ultramar?
Parece que isto é, alem de inutil, contradictorio.
Se ha inventario obrigatorio no ultramar para que são as habilitações dos herdeiros e as causas dos credores no juizo da naturalidade? Se esta comarca é exclusivamente privilegiada para tratar d'esta questões, como é que ha inventario no ultramar?
Não posso comprehender. De mais a mais o projecto não diz como hão de processar-se até final estes inventarios; falla muitas vezes, como disse, em inventarios mas, com relação a termos, diz apenas como hão de ser citados os herdeiros interessados e os credores. São estas as unicas regras que ha a respeito de inventario.
Para este ponto, pois, chamo, mui particularmente, a attenção do governo e das commissões. Cumpre esclarecel-o, e tirar, a tal respeito, todas as duvidas.
Os administradores ficam sujeitos ás disposições de fieis depositarios, diz o artigo 11.º, e, alem d'isso, prestam canção, arbitrada pelo juiz, a requerimento de qualquer interessado, ou credor, do ministerio publico, ou ex officio.
Esta caução poderá ser prestada por meio de hypotheca, deposito ou fiança, e da idoneidade d'ella conhecerá o juiz, ouvido o ministerio publico, e procedendo ás diligencias que forem necessarias.
Assim, pois, os direitos e interesses dos herdeiros e credores, não só ficam assegurados por uma caução julgada idonea pelo juizo, ouvido o ministerio publico, mas até pela responsabilidade pessoal que o administrador contrae como fiel depositario.
Parece que esta entidade daria toda a segurança para arrecadar, administrar e restituir todos os valores que se põem a seu cargo.
Continuarão, porem, os bens em posse d'elle, salvaguardados nos termos expostos?
Não sr. presidente, e aqui começa outra vez a intervenção dos empregados da fazenda, sendo os bens entregues ao thesoureiro de fazenda do districto sob inspecção da auctoridade superior de fazenda do mesmo districto.
Os valores, pois, que estavam assegurados por aquella caução, perdem esta segurança, pois é evidente que o administrador, logo que d'elles faça entrega aos empregados de fazenda, levantará, a respectiva caução. Ficarão os valores igualmente caucionados na mão d'estes? Parece-me que não. Embora elles prestem tambem caução, esta tem de ser, necessariamente, a caução geral que os empregados de fazenda prestam, e não, como aquella, especial, e só á segurança dos valores recebidos.
E depois, o processo, n'esta parte, é o mais complicado possivel.
Estes bens são entregues ao thesoureiro da fazenda do districto competente, por meio de uma guia em duplicado, passada pelo respectivo escrivão, rubricada pelo juiz, e visada pelo representante do ministerio publico. Estes duplicados têem ainda de ser visados pelo funccionario superior da fazenda.
A escripturação correspondente a estes actos tem de ser feita nas repartições de fazenda do districto; tantos livros de contas correntes, quantas forem as comarcas em que o districto estiver dividido. Para cada espolio se tem de abrir uma conta distincta, em que se hão de lançar as partidas de receitas.
No cartorio do escrivão do julgado de cada comarca haverá, também, um livro de receitas, com igual disposição, onde tem de se lançar as partidas de receitas, e isto, alem do arrolamento feito nos autos, e que se tem de conservar no cartorio.
Os empregados de fazenda, e os escrivães, ainda têem de escripturar no livro de conta corrente o pagamento das despezas.
Mas ainda ha mais. O governador da provincia tem de exercer fiscalisação nos respectivos cofres, e, por isso, para cada cofre, haverá um livro caixa era que se lançarão as partidas de debito e credito, e onde, por isso, se tem tambem de fazer escripturação.
É uma livraria completa!
Mas como são passadas as guias de entrega dos objectos e valores que têem de ser arrecadados?
Em termos tão minuciosos que não tenho idéa de outras nas mesmas condições. E ver as disposições correlativas do regimento.
Citarei um exemplo: se a guia se refere a dinheiro, tem que se declarar a especie de moeda, o peso, valor e signaes de cada peça, e juntar-se a cada uma d'ellas um rotulo indicando a quem pertence!»
Eu vou ler a disposição em que se preceitua tudo isto. É a do artigo 22.º, § 2.º
(Leu.)
«§ 2.° Nas guias de remessa de dinheiro, ou objectos preciosos, deverá tambem declarar-se a especie de moeda, o peso. valor e signaes de cada peça, e juntar-se-ha a cada uma d'ellas um rotulo indicando a quem pertence.
Levar a escripturação até ao ponto de obrigar a descrever uma moeda de 900 réis ou de 100 réis, uma rupia, ou a peça que for, com o seu peso, valor e signaes parece-me exagero de contabilidade.
Vê v. exa. como tudo isto é complicado.
Os bens têem de ser vendidos, a não serem papeis de creditos e certos objectos preciosos. Os proprios bens de raiz, passado um anuo depois do fallecimento do auctor da herança, são vendidos.
Recordo-me, sem porém poder responder pela minha memoria nesta parte, de que na nossa legislação antiga não era obrigatoria a venda dos bens immoveis; o que digo, me parece rasoavel, pois a respeito d'estes não ha o receio de perda, que possa fazel-os desapparecer.
O producto, liquidada a herança, entra, no ultramar, nos cofres da fazenda, como dito rica, e, depois, tem de ser remettido para a caixa geral de deposites, em Lisboa.
É aqui que vem a ingerência do ministerio da marinha e do ultramar, pois é por meio d'elle que essa remessa se faz.
Esta intervenção já foi combatida pelo nosso amigo, o sr. Ferreira de Almeida; e eu, ainda a este respeito, lembro a s. exa., que tal remessa não se faz de graça. Ha um imposto de 3/4 por cento, que se percebe, hoje, como emolumentos de secretaria, e que só têem por fim o pagamento dos serviços prestados por aquelle ministerio na remessa dos productos dos espolios do ultramar.
Ora, em vista de tudo quanto tenho exposto á camara, parecia me muito mais simples, que o depositario, - curador da herança, requeresse ao juiz, que lhe mandasse passar uma guia, para entrar com os respectivos valores na caixa geral de depositos; e que, só quando apresentasse documento de haver feito o deposito, lhe fosse permittido levantar a caução.
Adoptando este systema cumprimos o codigo do processo, simplificamos as formulas, abreveviaremos os termos, e fazemos a vontade ao governo, eximindo os empregados de fazenda de se ingerirem em todos estes processos. Era muito mais simples, repito, e satisfazia se a todas as idéas do governo.
Tenho demonstrado, que o processo é muito mais complicado e dá muito menos segurança que o processo do co-

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digo civil. Será mais barato? Será mais economico? De claro que não tenho noa documentos apresentados á camara prova sufficiente de que os interesses dos particulares venham a ficar mais devidamente salvaguardados: isto é, que arrecadação, liquidação e transferencia se faça por forma mais economica do que antigamente.
Escreve o sr. ministro no seu relatorio:
(Leu.)
«N'estes termos não parece que possam as heranças continuar a estar sujeitas á deducção de 10 por cento estabelecida nas antigas leis.»
Mas em compensação o que ha ainda hoje pelo regimento a pagar? Dilo-o mais s. exa.:
(Leu.)
«Devolvida pelo modo indicado às justiças ordinarias a jurisdição sobre os bens dos ausentes, têem os interessados de ficar sujeitos ao pagamento das cultas judicies. Não póde tambem a herança deixar de ficar onerada com a porcentagem, devida como retribuição, a quem administrar os bens que a constituirem. Ha ainda a pagar a contribuição do registo, a transferencia do dinheiro para Lisboa, e o imposto de 5/4 por cento, que antigamente correspondia aos proes do escrivão da mesa da consciencia e ordens, depois passou para as secretarias d'estado como emmolumentos, e que é hoje cobrada como contribuição pelo thesouro publico.»
S. exa. fez traz um artigo no seu projecto, por virtude do qual, cessam d'ora em diante as percentagens que eram deduzidas no ultramar do producto das heranças a titulo de pagamento de despezas com a arrecadação, e de gratificações aos empregados das juntas e delegados da fazenda publica.
Muito bem. Mas esta economia para os interessados, compensará as despezas que o actual processo acarreta? Ignoro o que ha de a acontecer.
Não tenho documentos para esse calculo. Limito-me pois a dizer, n'esta parte, que não está provado, ser mais economico o systema actual pois que, realmente, não tenho os elementos necessarios para adiantar mais.
O imposto de 5/4 por cento continua a pagar-se por estas transferencias que se fazem pelo ministerio da marinha, segundo o decreto de 1844 -; é o preço do serviço do ministerio da marinha - e esta percentagem continua.
Os adminsitradores das heranças jacentes no continente do reino não recebem em geral, emolumento algum; temos aqui o administrador da herança, que tem direito a uma retribuição, que não póde exceder 5 por cento do rendimento da mesma herança. Têem de se pagar estes 5 por cento e têem de se pagar os emolumentos de um inventario, que não comprehendo, por que se ha de fazer nem sei como a ella se ha de proceder.
Alem d'isso, o delegado que e o representante da fazenda tem, alem da emolumentos segundo a tabeliã, mais 2 1/2 por cento das quantias que por virtude de qualquer execução tiverem de entrar nos cofies, é verdade que á custa do executado. Addicione-se o preço da transferencia dos valores pora Lisboa, remessa, cambio, seguro, etc. Isto sem fallar na contribuição de registo por ser imposto geral.
Não sei se se gasta mais ou menos, repito para mim está provadissimo que o processo é mais complicado e não dá mais segurança ás partes, e não está provado que seja mais barato. (Apoiados.)
O producto dos bens que, pelo processo que acho mais rapido, do codigo, ou pelo processo do regimento, for remettido para Lisboa, dará entrada na caixa geral de depositos, e a respectiva herança ha de ser julgada como vaga para o estado ou ha de entregar-se a quem de direito.
Os interessados n'estas heranças estão ausentes do ultramar, e por isso, como o sr. ministro da marinha sabe perfeitamente, a nossa legislação providenciou, sempre, para que as suas habilitações corressem não ahi, mas n'um outro juizo elles podessem mais facilmente recorrer.
Foi este sempre o juizo da côrte. E, se se deu preferencia a este, não foi tanto, talvez, em virtude d'aquelle principio de direito romano, de ser Roma considerada patria commum, de todos os cidadãos, e que, applicando ao nosso paiz, fazia com que Lisboa fosse tida como a patria de todos os portuguezes.
E que na capital se achavam estabelecidas as repartições a que n'esse tempo estava incumbido o deposito do producto dos espolios do ultrmar, e assim esta circumstancia seria uma das que determinaria este privilegio de fôro.
Outra, alem d'esta, parece ter sido tambem uma das causas principaes d'esta prorogativa. Mais do que em outra qualquer parte havia na côrte elementos e recursos para os interessados fazerem valer os seus direitos e para a justiça d'elles conhecer: - e, isto era tanto mais de attender, quanto parece inferir-se das cautelas, tomadas na nossa antiga legislação, que sempre houve grandes fraudes e extorsões n'estas habilitações.
Creio que ainda hoje acontece se não succede quasi sempre, que pessoas que fazem o negocio ou agencia com estas heranças, compram [...] desgraçadas por vil preço, e, depois, vão recebel-as, ganhando juros usurarios, muito mais do que juros, ganhando uma percentagem enorme e verdadeiramente leonina.
Ora para facilitar aos interessados a defeza dos seus direitos, e, ao mesmo passo, para os acautelar quanto possivel, contra as explorações de que possam ser vitimas a nossa legislação procurou tomar todas quantas precauções, pareceram congruentes a tão justos propositos.
O conhecimento dos negocios tocantes á arrecadação das heranças dos defuntos e ausentes nas possessões ultramarinas pertencia á Mesa da Consciencia e Ordens, tribunal a respeito de cuja instituição historica e attribuições, existe uma memoria, muito feia, pelo sr. Francisco Miguel Trigoso de Aragão Morato, apresentado em sessão de côrtes de 31 de agosto de 1822, e que serviu de relatorio a um projecto para a extincção e d'este tribunal.
Os legitimos herdeiros eram chamados para se irem habilitar no juizo da India e Mina ou no das justificações ultramarinas.
Existem na nossa legislação muitos alvarás, procurando remediar os males prevenir as fraudes, e evitar os vexames que se davam n'estas arrecadações; sendo um d'elles o de 27 de julho de 1765, a que a illustre commissão do ultramar se refere. E, parece-me, que foi, firmando-se em algumas das disposições d'este alvará, que se additou um artigo ao projecto do governo, qual é o 36.º, artigo que peço, embora não faça para isso proposta alguma, seja eliminado, porque, em muito breves palavras, vou demonstrar á camara não ter salvo o respeito, applicação alguma, não devendo, por isso substituir.
O artigo a que me refiro, repito, é o n.º 36.º que diz:
(Leu.)
«Artigo 35.º Para a entrega dos bens existentes no ultramar basta que haja sentença do juizo de primeira instancia, proferida no processo de habilitação, com transito em julgado, e cessa de ser necessario justificar a impossibilidade do comparecimento dos herdeiros, e a idoneidade dos procuradores por elles constituidos.»
Segundo esta disposição, comentada, como vem no parecer da illustre commissão, parece que hoje a lei exige para a procedência dos processos tendentes a obter a entrega d'aquelles bens tres cousas. Em primeiro logar que a sentença seja confirmada nos tribunaes superiores; em segundo logar, que se prove que o proprio interessado não póde transportar-se ao logar onde falleceu o auctor da herança, para a ir receber; em terceiro logar, que, tendo de se fazer representar por um procurador, se justifique a idoneidade d'este.
Na minha humilde posição de advogado tenho intenta-

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do habilitações, com o fim indicado mas nunca articulei, nem fiz julgar qualquer d'estas tres circumstancias, pela simples rasão de julgar o alvará de 1765 completamente revogado. Ainda, porém, que o não estivesse, esse alvará, salvo o respeito, nada diz do que este artigo parece affirmar. E eu vou proval-o.
O artigo do alvará, citado no parecer da illustre commissão, que não devia ser o 4.°, mas sim o artigo 7.°, prohibe absolutamente que o escrivão das justificações dos defuntos e ausentes, depois que as sentenças do juizo da India e Mina forem confirmadas pela Mesa de Consciência e Ordens, dilate na sua mão os próprios autos, debaixo de algum pretexto ou requerimento, qualquer que elle seja, com pena de perdimento do seu officio, a menos que, por despacho da mesma mesa, lhe não conste que n'ella se tenha concedido vista para embargos suspensivos da sentença, de que se trata, salvo o direito de terceiros, que o entendam ter para o deduzirem em outros juízos, a que tocar, em auto apartado.
Como disse a Mesa de Consciencia e Ordens, é que superentendia n'esta materia, e por isso confirmava as sentenças dos processos do juizo da India e Mina, mas isto póde entender-se, de modo que extinctas estas repartições, no nosso moderno direito - fosse o da novissima reforma, ou seja o do codigo do processo - uma sentença que julga uma justificação não passe em julgado, senão quando confirmada nos tribunaes superiores? Por certo que não.
Diz mais a illustre commissão:
(Leu.)
«Entende tambem a vossa commissão que deve acabar a exigencia de se justificar a impossibilidade de os herdeiros se transportarem às colónias para haverem as heranças, porque não póde, rasoavelmente impor-se a pessoa alguma a obrigação de ir ali para tal fim, e nenhuma lei vigente a consigna.»
E acrescenta mais adiante:
(Leu.)
«Opina igualmente a commissão que deve tambem cessar a justificação da capacidade, ou idoneidade do procurador.»
Ora, o alvará não impunha a ninguem tal obrigação. Este diploma attendendo aos fraudulentos e lesivos contratos que a experiência tinha mostrado que a malicia de alguns homens que viviam d'estas reprovadas negociações costumava extorquir da falta de conhecimento e de pratica dos herdeiros dos defuntos que viviam nas provincias distantes da corte, sendo muitas d'estas pessoas pobres, rusticas e destituidas de toda a experiencia de negocios, prohibiu, absolutamente, toda a convenção e contrato feito pelos sobreditos sobre as referidas heranças, sendo celebrado desde o dia em que os avisos d'ellas chegassem ao reino, até ao em que fossem effectivamente recebidas pelos respectivos herdeiros; ou fossem contratos de emprestimo ou de doação ou de convenção sobre, as diligencias e despezas dos processos das habilitações; ou de qualquer outro titulo, debaixo das penas de nullidade dos mesmos contratos, e do tresdobro do valor d'elles, contra aquelles a cujo favor forem estipulados.
E mais disse: que as entregas no deposito publico se fariam sempre nas mãos das próprias partes sem se admittirem procuradores para as receberem. E, tendo as ditas partes impedimento legitimo para virem á corte, ou pela falta de saude, ou pela honestidade do sexo, ou pela debilidade da velhice, justificado este impedimento perante o ministro da vara branca da terra mais vizinha, sendo d'aquellas onde os não ha, e apresentando ou nomeando-lhe o procurador que queriam constituir, para d'elle conhecer e julgar se é pessoa idónea e de boa fé, e requerendo-se com estas justificações expedidas era nome dos sobreditos ministros ao deposito publico, faria este então entrega aos procuradores assim qualificados das heranças.
Comprehende-se bem que, para evitar as extorsões, se exigisse a presença dos proprios herdeiros, e que attendendo á difficuldade, dos velhos e dos doentes, e, até n'aquelle tempo, das mulheres, se poderem transportar á corte, lhes fosse permittido fazerem-se representar por procuradores, como se comprehende tambem a exigencia da prova de boa fé d'estes para acabar com a exploração das heranças.
Mas isto tudo, como se vê, se passava no juízo da corte, onde estava o deposito publico, mas não no ultramar, onde nada já havia a receber, pois o producto d'ellas era remettido para Lisboa. Isto posto, e tendo acabado tambem estas exigencias no fôro moderno, como é que se pretende inserir no regimento actual um artigo, que, commentado pela commissão, quer dizer que não é necessario justificar a impossibilidade dos herdeiros se transportarem ás colonias, obrigação que o alvará citado pela mesma commissão lhes não impunha?
Vozes: - Deu a hora. Ordem do dia.
O Orador: - Ouço dizer que deu a hora para se entrar na ordem do dia; e como eu tenho de fazer ainda algumas observações, relativamente á parte que é, talvez, considerada pelo governo como a mais importante do projecto, peço a v. exa. que me reserve a palavra; mas se v. exa. e a camara entenderem que eu devo continuar hoje, até concluir, não tenho duvida n'isso.
O sr. Presidente: - É tempo de entrar na ordem do dia.
Talvez fosso mais conveniente continuar a discussão deste projecto na segunda parte da ordem do dia. (Apoiados.)
Em vista da manifestação da camara a discussão d'este projecto continua na segunda parte da ordem do dia; e o sr. Beirão fica com a palavra reservada.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto de lei n.º 87
(tratado do Zaire)

O sr. Presidente: - Tem a palavra, para continuar o seu discurso, usando da palavra que lhe ficou reservada, o sr. Vicente Pinheiro.
O sr. Vicente Pinheiro (continuando): - Dizia eu hontem, sr. presidente, que em duas partes assentava o plano do sr. Andrade Corvo: fomento no ultramar e alliança ingleza.
E, elogiando o sr. Corvo, esqueceu-me referir á carta de lei de 29 de abril de 1885, que de vez terminou com a escravatura rio ultramar, ponde termo ao estado anarchico e impossivel do serviço dos libertos, e inaugurando a nova epocha do trabalho livre. Tambem a elle se deve o recomeçar a serie brilhante das nossas explorações africanas.
Façamos agora a historia do seu plano de administração colonial. Tratemos do fomento no ultramar. O pensamento d'esta parte do plano do sr. Corvo, inspirou a lei de 12 de abril de 1876.
A proposta que o sr. Andrade Corvo trouxe a esta camara, e que se converteu na lei referida, pedia uma auctorisação de 5.000:000$000 réis para a organisação especial das expedições de obras publicas.
N'esses termos passou aqui o importante projecto que havia de ter uma larga historia no futuro destino das nossas colonias e promover o nosso levantamento no ultramar, se outros fados protegessem aquelle projecto e aquella lei.
Não succedeu, porém, assim na outra casa do parlamento, onde o projecto ministerial soffreu uma dura e violenta opposição, ficando por fim reduzido o pedido da auctorisação a 1.000:000$000 réis.
E porque succedeu assim? Porque é que depois de se ter acabado com a escravatura no ultramar, quando se devia fazer esse fomento, chamando ao trabalho remunerado e humanitario os braços que até então tinham estado alge-

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mados, a camara dos dignos pares restringia tão anti-patrioticamente um projecto de tão largo alcance? Por uma rasão muito simples; porque o deficit de 1876-1877 era de 7.000:000$000 réis, e o do anno seguinte desinquictava já os espiritos dos dignos pares.
De facto não era errada esta previsão. O deficit foi então de 8.000:000$000 reis.
A camara alta teve medo de comprometter ainda mais e sem resultado as nossas finanças.
A verdade, hoje como hontem, é, que é impossivel n'um viver desregrado e de esbanjamentos na metropole poder accudir ás colonias; por esta fórma compromette-se a um tempo o futuro da metropole e o futuro das colonias. (Apoiados.)
Começou assim a perder todo o seu valor esta parte do plano de administração do sr. Corvo. Um deficit enorme e o receio de outro maior, restringiu a auctorisação dos creditos pedidos para o fomento nas colonias; e uma execução detestavel da lei de 12 de abril inutilisou quasi completamente os beneficios que se esperavam d'essa lei.
Mas é necessario fazer toda a justiça ao estadista que a referendou, em relação á execução que teve a lei da sua iniciativa. N'este ponto, como em outros, o sr. Corvo tem sido injustamente apreciado.
Os desastres das expedições de obras publicas no ultramar, que se succedem uns aos outros, e que são uma lastimosa pagina da nossa administração colonial, (Apoiados.) não são devidos tanto quanto se suppõe a s. exa. mas sim aos seus successores.
As expedições de obras publicas foram creadas pela cartade lei de 12 de abril de 1876; pouco depois o ministerio regenerador saíu do poder, sendo substituido pelo sr. duque d'Avila.
Ao gabinete do sr. duque d'Avila seguiu-se a restauração, e n'essa já nos não apparece o sr. Andrade Corvo como ministero da marinha e ultramar, mas só como ministro dos estrangeiros.
Receiou, s. exa. não poder fazer nada no ultramar á falta de recursos, e abandonou por essa rasão a pasta que lhe devia merecer disvellos aprticulares porque tanto estudára o problema colonial e tantas provas de boa administração deu nas suas relações com o funccionalismo colonial?
O facto é que na restauração o sr. Corvo apenas continua no ministerio dos negocios estrangeiros a parte do seu plano, que mais de perto dizia respeito á alliança ingleza.
A organização precipitada das expedições; a escolha do pessoal; a acquisição dos materias pela secretaria da marinha; as leis restrictivas imposta aos conselhos technicos e aos directores, tornando-se a seu turno, demasiadamente independentes do governo central nas colonias; tudo isto explica o desastre das missões das obras publicas.
E sobre tudo a explicação deve-se procurar na má organização do ministerio da marinha e ultramar, cujos exageros de centralisação, e cujo excesso de intervenção em todas as questões e nos detalhes de toda a administração, são a causa da confusa anarchia de muitos ramos de serviço publico colonial. (Apoiados.)
Eu já fiz uma parte da historia das missões das obras publicas no ultramar; e, relembrando essa historia, podia apreciar de novo a deploravel execução que teve a carta de lei de 12 de abril de 1876 e citar muitos factos bem graves comprovativos do que digo, e que em parte resalvam as responsabilidades do sr. Corvo.
Mas, note a camara, que eu não absolvo o sr. Corvo das culpas que tem como ministro do gabinete do sr. Fontes, que nos annos economicos de 1876-1877 e 1877-1878 deixou os deficits que citei de 7.000:000$000 réis e de 8.000:000$000 réis.
Pelas leis de responsabilidade ministerial tem s. exa. a responsabilidade d'essa má administração financeira, causa essencial dos males e da decadencia do nosso estado colonial. (Apoiados.)
Sem empregar dinheiro no ultramar é impossivel reformar a administração, e fazer entrar as colonias n'um caminho definitivo de progresso e engradecimento.
Liquidemos estas responsabilidades porque a isso nos convidou o sr. Arroyo.
Effectivamente é necessario que estas responsabilidades se liquidem n'esta discussão, e que se accentue bem que ha quinze annos para cá, governam quasi consecutivamente situações regeneradores, e que os governos presidios pelo sr. Fontes, são as causas dos deficits que têem estorvado os ministros do ultramar e sobre tudo os ministros progressistas, que rapidamente têem gerido nogocios d'essa pasta, de tratarem da questão colonial como deviam (Apoiados.)
Se fomos á conferencia de Berlim como uma nação colonialmente decadente, a rasão está, em muito, na nossa má administração financeira. (Apoiados.)
E, quando deviamos depois do acto geral da conferencia de Berlim, inaugurar um novo periodo de administração, o orçamento reflectindo que acabâmos de discutir, apresenta-nos 8.400:000$000 réis de deficit. (Apoiados.)
Como é que vamos pois iniciar um novo periodo de administração? (Apoiados.)
Eis a liquidação das responsabilidades coloniaes. (Apoiados.)
Foram conseguintemente ministros do partido regenerador que estrangularam a primeira parte do grandioso plano do sr. Andrade Corvo.
Em 1879 o partido progressista subio ao poder. Como encontrou o partido progressista n'essa epocha a nossa administração financeira?
O primeiro acto do sr. Barros Gomes, como ministro da fazenda, é apresentar ao parlamento um pedido de legalisação de despezas não auctorisadas no valor de réis 2.852:000$000. (Apoiados.)
Como é que o sr. marquez de Sabugosa, que foi o primeiro ministro da marinha do gabinete presidido pelo meu nobre chefe o sr. Braamcamp, encontra as expedições de obras publicas do ultramar?
Encontra-as completamente desorganizadas, sem pessoal, e sem dinheiro; paralysadas obras importantes á falta de materiaes; a contabilidade n'uma grandissima anarchia.
Uma parte do pessoal havia regressado; a maior parte doentes, e outros, vendo que nada podiam fazer, voltaram desgostosos.
Alguns por lá morreram victimas do modo irreflectido que presidiu á organização das expedições. (Apoiados.)
Em dois annos gastariam se 2.000:000$000 réis sem se aproveitar d'esta despeza quanto se podia e devia. (Apoiados.)
Estas foram as rasões que determinaram em 1880 o emprestimo de 400:000$000 réis destinados a liquidar essa anarchia, passando os encargos dos emprestimos anteriores definitivamente para a metropole, a fim de aliviar as colonias dos onus com que não podiam; e tentar sobre a taboa rasa das ruinas de uma lei, que fôra concebida na esperança de fazer entrar as colonias n'um periodo de progresso, assentar mais um esforço de uma administração prudente e economica.
O sr. marquez de Sabugosa, ministro em 18800, teve tambem uma idéa sobre administração colonial; e trouxe-a aqui n'um projecto, que nem as honras da discussão logrou merecer. Não me demoro a fallar n'essa idéa, que representava o maior pensamento da administração colonial do sr. marquez de Sabugosa. Infelizmente este estadista quiz fazer uma experiencia do elemento civil na administração superior do ultramar, antes mesmo de converter em lei o seu projecto. Essa experiencia foi confiada á minha pessoa.
Errou na escolha.
Tratemos agora da Segunda parte do plano do sr. Andrade Corvo.

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A alliança imgleza impunha-se naturalmente, ao sr. Corvo pela sua tradicção. Não é, de certo, dado ás nações pequenas escolherem a seu talante, as allianças que devem contrahir a bem da governação publica. A alliança colonial com a Inglaterra tinha a seu favor alem das campanhas que com ella fizemos contra a escravatura, depois do tratado de 1842, a vizinhança que com as colonias d'aquella nação temos na Africa, na India, e em quasi todas as partes onde possuimos colonias.
E foi de facto esta ultima consideração que serviu de base a muitos dos actos politicos do sr. Corvo, que talvez menos elevadamente comprehendidos ou mais apaixonadamente apreciados, cairam em descredito, mallogrando-se porventura medidas de grande alcance no sentido de nos per imitir expandir n'outros pontos com maior e mais seguro resultado.
A provincia de Angola, a mais rica e a mais util das nossas colonias, não tinha então ao norte a vizinhança de nenhuma colónia importante.
O Gabão se era uma colonia, era uma colonia insignificante. O Gabão era verdadeiramente um estabelecimento dependente do ministerio da marinha, destinado ao fornecimento de viveres e de carvão para a esquadra franceza da costa occidental. Foi com este pensamento que o official de marinha, que depois foi o almirante Bouet-Willaumez o occupou em 1841.
Em 1873 a França, por já não haver necessidade de um cruzeiro effectivo e porque a invasão de uma tribu negra, de menos noa indole do que os gabonezes, os pahouins, desenquietava a tranquillidade d'aquelle estabelecimento, pensou em abandonal-o. Mas esse abandono não se realisou e para isso contribuiu o percorrerrem a esse tempo o marquez de Compiègne e Alfredo Marche o Ogooné, enthusiasmados pelas explorações de um dos mais celebres via jantes d'Africa equatorial, Duchaillu cujos trabalhos foram de grande utilidade para o dr. Letournou no seu bello livro A socialogia segundo a ethnographia na idéa de abrirem por esta parte de Africa caminho para os lagos do interior descobertos por Livingstone.
Foi acertada a resolução da Franca. Ao marquez de Compiègne e Alfredo Marche seguiram-se o dr. Ballay e o sr. de Brazza; o sobre os tratados feitos por este viajan e as descobertas de todos, planeou a França a sua nova e vasta colonia.
Se, como digo, ao norte de Angola não havia colonia que entestasse, comnosco e a Inglaterra era aluada antiga e vizinha colonial, a alliança ingleza foi com sobeja rasão acceita pelo sr. Andrade Corvo como base de toda a politica colonial portugueza.
Succedeu, porém que a poucos passos d'esta politica, que tem também erros de negociações, o partido regenerador é ainda quem vem destruir esta parte do plano do sr. Andrade Corvo. E, n'este capitulo tem culpas; e graves culpas, o sr. Pinheiro Chagas, que poz ao serviço da guerra feita ao tratado do Lourenço Marques, depois de melhorado, as opulencias da sua rethorica, então bem pouco patriotica. Por esta fórma se enfraqueceu, se não se quebrou a alliança ingleza.
Foram interesses de muitas ordens os que levaram a Inglaterra a tratar comnosco pela maneira porque o fez e a proceder como procedeu na conferencia de Berlim; mas não é desrasoavel suppor que nem o sr. Gladstone nem o conde de Granville podessem esquecer, em 1884 e 1885, a deslealdade internacional, que Portugal praticou para com aquelle paiz rasgando um tratado já depois de assignado. (Apoiados.)
E classifico de deslealdade indecorosa a guerra movida contra o tratado de Lourenço Marques pelo partido regenerador, guerra que estorvou a rectificação do tratado, porque assim me auctorisou hontem o sr. Carlos du Bocage.
Defendendo o governo, dizia s. exa.: «Que queria a camara? Queria que o governo portuguez depois de ter assignado o tratado de 20 de fevereiro o rasgasse? Não. Isso não era digno».
Eu estava vendo o distincto orador sentir-se mais inspirado n'aquelle momento pelos sentimentos filiaes, pela nobre e justa confiança na honra de seu pae, do que nos sentimentos politicos; porque de outra forma sabia, que fallando assim, era cruel para com o seu partido e para com os ministros que se sentam ao lado do illustre ministro dos negócios estrangeiros.
Ninguem, tambem, pediu ao partido regenerador que rasgasse o tratado de 26 de fevereiro de 1884, censuramos apenas o governo pelo haver celebrado.
De resto isto é ainda liquidar responsabilidades. (Apoiados.)
As missões das obras publicas provaram que a organisação absorvente da secretaria do ultramar impede actualmente todo o progredimento das nossas colónias, e não lhe permitte conhecer as verdadeiras necessidades da administração colonial; as missões de obras publicas mostraram que é necessario dar ás administrações locaes no ultramar uma iniciativa que não têem; as missões de obras publicas provaram ainda que os governadores do ultramar devem ser da confiança dos ministros, e que os ministros os devem ouvir, antes de traçar e phantasiar planos no reino, com a attenção que se deve aos homens que sacrificam a sua vida, luctando dia a dia com enormes difficuldades.
As suas indicações serão sempre mais praticas do que a utopia de muitos, que aqui estão cheios de nobres aspirações e de idéas concebidas entre as commodidades, que cada um terá na sua casa e na sua patria, sem saberem muitas vezos o que são as colonias, confundindo a África tropical com os Estados Unidos, com a Nova Orleans, com a Australia; e julgando a todo o momento fazer a civilisação do negro, com uma facilidade verdadeiramente miraculosa, ou povoar os tropicos africanos com correntes de emigração de europeus pobres, sem recursos e sem a comprehensão do meio que vão habitar.
Ora tanto a civilisação das raças negras, como a colonisação europêa na Africa central, são problemas na sciencia de resolução muita duvidosa.
O sr. Carlos du Bocage: - Apoiado.
O Orador: - Posto isto pergunto eu agora: depois da conferencia de Berlim, acabou para nós a alliança com a Inglaterra? Não. Isto é, não quero por forma alguma que o governo se levante e me responda que a alliança portugueza com a Inglaterra terminou. Não quero, somos um povo brioso, nobre e livre, mas porque somos pequenos carecemos das boas relações de amisade de todas as potencias. Eu desejo que Portugal continue a viver amigavelmente com a Inglaterra; mas desejo que o governo diga que o procedimento da França na questão do Zaire, e os bons serviços que nos prestou na conferencia de Berlim merecem a nossa gratidão, e que elles são de ordem a fomentar uma alliança colonial. Façamos com a Franca uma boa politica de vizinhança, porque temos com ella interesses communs. (Apoiados.)
Disse o meu illustre collega o sr. Carlos du Bocage, a quem apesar de me estar cabendo a honra de responder, frequentes vezes me encontro partilhando as suas idéas, e disse muito bem, que o que tinha approximado a vencida de Sédan da conquistadora da Alsacia e Lorena não fôra a pequena questão do Congo, porque embora esta questão tenha muita importancia, era comtudo insignificante para conciliar estas duas nações contra a Inglaterra.
Tem s. exa. uma certa rasão. A alliança franceza com a Allemanha fez-se obedecendo a uma superior ordem de considerações, sem que comtudo a questão do Congo se ache afastada das circumstancias geraes que a determinaram. A alliança da França com a Allemanha vem da questão do oriente; vem da questão do Egypto; vem da questão do

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Tonkim; vem ainda do mais longe mesmo; vem de 1875, quando o principe do Bismarck quiz fazer pela segunda vez guerra á França, enviando a S. Petersburgo um dos seus mais habeis auxiliares, o sr. de Radowitz. Este diplomata encontrou, porém, ali o general Le Flô, que então representava a França junto do imperador da Russia, e que conseguira arrancar ao imperador a declaração formal de que no caso da Allemanha declarar de novo a guerra, elle proprio desembainharia a sua espada em favor da França. É bem conhecida a missão do general Le Flô.
Essa alliança vem ainda da estada em Paris, em 1882, do general Skobeleff, aonde este bravo general se tornou celebre por um discurso, pronunciado ao receber uma deputação de estudantes serbios, contra a Allemanha, e pela proclamação que na sua passagem fez na Varsovia. Discurso e proclamação que a imprensa europêa fez correr mundo.
Foram altos interesses communs que approximaram a França e a Allemanha, e n'esta influiram os receios do panslavismo.
São de facto os interesses communs que approximam as nações, e nós temol-os agora com a França, nossa vizinha no Zaire, possuidora da importantissima colonia do Gabão, que de simples estabelecimento e deposito da armada franceza, em dez annos, que tanto é o periodo que decorre entre a occupação do Gabão até aos tratados do sr. de Brazza com o Makoko, se alargou n'uma colonia de um futuro florescente.
Quando hontem pela primeira vez citei nesta camara o livro do sr. Waille Marial, disse desde logo, que ainda no decorrer das minhas observações, teria de me referir a elle. É agora occasião de o fazer.
O sr. Marial, no seu livro que escreveu no momento em que mais se principiou a accentuar a intensidade do movimento colonial na França, discorda da expansão colonial na Cochinchina, e n'esse sentido combate a politica do sr. Ferry, d'esse homem d'estado para com quem a França foi desapiedadamente injusta num momento do mau humor, num ímpeto que toda a Europa reprovou. (Apoiados.)
O sr. Marial condemna, como disse, a guerra com a China: quer que toda a actividade da sua pátria convirja para Africa, desde a Algeria até ao sul do equador, e recommenda a alliança latina no continente africano, como base de todo o emprehendimento colonial. Como fundamento das suas idéas, não se esquece de inserir no seu livro o celebre e conhecido testamento de Pedro o Grande, da Rússia, que começa dizendo aos seus descendentes que está bem certo que a Providencia destinou que, de tempos a tempos, o norte invada a Europa pelo oriente e pelo occidente; que os homens polares toem essa grande missão a cumprir, e que elle, encontrando o seu povo um pequeno rio o deixa um rio caudaloso, que é mister converter n'um mar, que alague as terras do sul da Europa, fertilisando-as, como periodicamente faz o Nillo ás terras do Egypto.
Parece ao auctor da France d'Afrique et ses destinées que a decadente raça latina deve tentar resistir aos perigos do panslavismo, e resolver muitos dos problemas d'esta complicada questão social, que apparece por toda a parte, e por todas as fórmas nos [...], na exploração africana.
A Allemanha, herde ou não os territorios que hoje constituem o estado livre do Congo, hypothese que para mim tem talvez probabilidade maior do que a passagem d'esses territorios para a França, ha de ter sempre grandes interesses na Africa central, como ha de ser por muito tempo na Europa uma barreira natural ao panslavismo.
E, por fallar tanto na Russia, permitta-me a camara que de passagem me refira a um rescripto do imperador, de 21 de abril do corrente anno, que este recente numero do Memorial diplomatique insere. Este rescripto celebra outro lado ha um seculo pela grande imperatriz da Russia.
A imperatriz, a 21 de abril de 1785, outorgou grandes privilegios á nobreza russa, e o imperador, um seculo depois, entendeu que a nobreza russa é ainda um grande braço do seu reino, que a ella está confiada uma grande missão no levantamento d'aquelle seu povo, e depois de varias considerações sociaes e economicas, manda instituir um banco agricola para a nobreza restaurar as suas terras; ordena que as habite, para que dê o exemplo do trabalho ao povo, o eduque e o vigie. Este banco é uma instituição inspirada por um socialismo czarista. O Cesar das Russias julga combater com a nobreza os males que no seu imperio espalhou a Alliança universal, de que foi apostolo ardente Bakounine, esse generoso e gentil fidalgo moscovita, e que produziu o nhilismo, ou o pan-destruição, como tambem na sciencia se lhe chama. (Vozes: - Muito bem.)
Se é certo, sr. presidente, que uma política portugueza commum com a França póde abrir aos dois paizes um largo futuro na Africa imertropical, é tambem certo que devemos ter para com o novo estado do Congo relações de boa vizinhança.
Desejo que se feche de vez, e para sempre, aquelle irritante periodo de guerra encarniçada que mantivemos com a associação internacional. A associação internacional morreu, e hoje existe um novo estado que tem uma bandeira reconhecida por todos.
A associação internacional cobriu-nos de injurias, e ainda bem que o sr. ministro dos negocios estrangeiros nas suas notas diplomaticas repelliu sempre essas infamias com uma linguagem de segura dignidade. (Apoiados.) A associação internacional calumniou-nos; respondemos lhe provando, por uma fórma evidente e authentica, que eram os seus agentes os que commettiam os actos que nos imputava.
A Europa pôde examinar os documentos assignados pelos briosos e bravos officiaes da nossa armada: Guilherme Capello e Neves Ferreira. (Apoiados.)
Justo é que a camara reconheça, os serviços d'estes dois illustres portuguezes. (Apoiados.)
Só é sempre um acto de justiça prestar preito e homenagem, aos talentos e aos esforços d'aquelles que aqui, no reino, se occupam das cousas coloniaes, e muito mais justo ainda, prestal-o áquelles que lá fóra, em trabalhos arduos, soffrem as saudadas da patria e da familia, e arriscam dia a dia a sua vida. (Apoiados.)
Eu quizera que muitos conselheiros natos e officiaes dos senhores ministros da marinha o ultramar fossem obrigados a viver e a trabalhar na Africa, sentindo o reconhecendo as difficuldades e os embaraços em que nem sonham ou não comprehendem.
Fechemos, como a dizendo, agora e de vez, o periodo de lucta com a associação internacional; acceito e quero, como norma a seguir para com o novo estado do Congo, este trecho da nota n.° 97 do sr. marquez de Penafiel:
«Amigos se tornam, por necessidade da paz e da tranquillidade geral os que na vespera ainda pelejavam nos campos de batalha; amigos se conservam os que vencidos perderam provincias, para com os vencedores, que as adquiriram; e, se os povos não esquecem as offensas, perdoam nas os governos, no proprio interesse d'aquelles.»
Entremos n'um periodo de paz e de trabalho; e, sempre que for necessario e as circumstancias o reclamem, com justiça, auxiliemo-nos todos uns aos outros.
Sr. presidente, não seria decoroso, e eu não o acceitaria de boa mente, um tratado com a associação internacional, celebrado em condições fora dos termos geraes dos diplomas d'esta ordem de reconhecimentos.
A permissão á associação internacional, por parte de Portugal, de fazer um caminho de ferro na margem esquerda do Zaire, e de contratar serviçaes na provincia do Angola, inserida na convenção de 14 de fevereiro, seria pouco decorosa como disse.

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O que não tinha logar no tratado de reconhecimento da associação, póde tel-o em estipulações e convenções particulares. Sobre esses dois pontos, caminho de ferro da margem esquerda do Zaire e contrato de serviçaes na provincia de Angola, para trabalharem no novo estado do Congo, chamo eu a particular attenção do sr. ministro da marinha.
Desvio-me n'este ponto da opinião no meu distincto cor religionario o sr. António Ennes. Como o meu collega o sr. Carlos du Bocage, entendo, porém, que em questões coloniaes a politica não tem cabimento e que cada um se deve inspirar nos resultados dos seus estudos.
Antes do sr. Bocage fazer n'esta camara este pedido aos partidos e aos seus homens, já eu o tinha ouvido fazer na outra casa do parlamento ao sr. Antonio de Serpa; permitta-se-me que em obediência a essas indicações diga o que sinto, sem a preoccupação de harmonisar as minhas idéas com a de qualquer membro do meu partido por mais illustrado que seja.
A margem esquerda do Zaire necessita de um caminho de ferro. Sem elle não tirâmos vantagem alguma dos territorios com que ficámos, poucos ou muitos. O caminho de ferro póde compensar os encargos da policia do Zaire, da occupação de territorios menos ferteis e improprios da exploração agricola, chamando a um porto nosso um commercio importante.
A essas vantagens podem vir juntar-se outras de ordem politica. Sem a construcção d'esse caminho de ferro é que eu difficilmente comprehendo os nossos futuros interesses no rio Zaire.
Julgo uma imperiosa necessidade este caminho de ferro, sem comtudo me atrever a recommendar immediatamente ao governo essa construcção por sua conta, ou a concessão com grandes vantagens e garantia de juros.
Se julgo uma necessidade imperiosa o caminho de ferro do Zaire, muito mais urgente ainda é o caminho de ferro de Ambaca. (Apoiados.)
É para ahi, é para a exploração da bacia do Quanza, em direcção á bacia do Zambeze, que todos os esforços da nossa administração colonial, que todos os nossos trabalhos, que todos os nossos sacrificios se devem dirigir. (Apoiados.)
Primeiro para ahi, para o Quanza, mas sem que se perca de vista o que fica ao norte, no limito natural da nossa primeira colónia, da rica Angola que é mister tratar com cuidados especiaes, pelo que já vale e pelo seu engrandecimento futuro que já se presente sem necessidade de phantasiar.
Podemos nós fazer dois caminhos de ferro simultaneamente?
Devemos primeiro fazer um e depois o outro?
O tempo que se perde em esperar occasiões, para fazer ainda que mais vantajosamente um melhoramento no ultramar, desconta-se em interesses com largos prejuizos.
Creio que vamos fazer o caminho de ferro de Ambaca; pois que o novo estado do Congo faça o do Zaire, que eu applaudirei o governo se nas negociações para a satisfação d'esse pedido, eu vir servidos os nossos interesses como estou persuadido que póde e deve acontecer.
Discutamos agora os contratos dos serviçaes na provincia de Angola.
Quem são os serviçaes?
Os serviçaes são portuguezes, pelas disposições da carta constitucional, e pelos principios de direito publico, desde o momento, que estendemos as nossas garantias politicas aos povos do ultramar.
Como cidadãos portuguezes podem procurar trabalho onde lhes aprouver, sujeitos apenas aos regulamentos administrativos, que longe de contrariarem esse direito, o facilitam em proveito individual e do estado.
Esta é a questão á face dos principios; não ha rasões para se lhes poder coarctar a liberdade de irem trabalhar em terras estrangeiras.
Ha leis eppeciaes ao trabalho na África. E um facto; a especialidade dessas leis provem do estado pouco civilisado em que esses povos se encontram e inspiram se nos interesses da civilisação em geral e no interesse da educação do indígena. Assim houvesse leis especiaes para differentes ramos de administração nas colonias como, felizmente, as ternos para a regulamentação do trabalho livre na Africa.
Aqui tenho eu reunidas todas as leis do trabalho no ultramar.
Ninguem, nação alguma, tem sobre esta questão melhores leis. (Apoiados.)
São devidas ao sr. Andrade Corvo; as que não têem a sua assignatura são feitas sobre os seus trabalhos, obedecem ás disposições da carta de lei de 29 de abril de 1875.
O capitulo IV do decreto de 21 de novembro de 1878 permitte e regula os contratos nas terras avassaladas e em paiz estranho.
O mesmo direito que temos de contratar serviçaes em paiz estrangeiro, leva-nos, ainda sobre o ponto de vista da especialidade desta legislação, a conceder aos estranhos que contratem serviçaes em terras portuguezas para irem trabalhar n'outros paizes.
Se é util e vantajoso aos interesses geraes da civilisação africana, e ao desenvolvimento colonial, contratar nas terras avassaladas serviçaes para trabalharem nas nossas colonias; eu entendo que as mesmas rasões imperam para concedermos a um estado independente a faculdade de ahi recrutar pessoal trabalhador, com tanto que esses trabalhadores, como portuguezes, tenham sempre a nossa protecção onde quer que se achem.
O sr. ministro da marinha por varias vezes tem-me feito a distincção de citar o meu pobre livro, verdade seja que mais lhe serve para uso das suas hábeis defezas parlamentares do que para honrar uma ou outra idéa que elle contenha...
O sr. Ministro da Marinha (Pinheira Chagas): - Então como ha de servir para minha defeza?
O Orador: - E que me honrava mais, pondo em pratica qualquer idéa do livro do que concordando theoricamente com elle.
Mas... dizia eu que o meu livro descrevendo com exactidão as condições do trabalho na costa de Africa, pare-me que dá uma idéa clara do que é esse trabalho nas nossas colonias, como se contratam os serviçaes e como a prosperidade da importante colónia de S. Thorué e Príncipe está dependente do engajamento de colonos no sertão de Angola, e que quem conhecer esta melindrosa questão do trabalho na Africa necessita fazer aos outros o que quer para si. (Apoiados.)
Proceder por fórma diversa, é erro, é gravissimo erro, que o paiz póde expiar duramente e que póde arruinar todas as colonias portuguezas, se por acaso não se resolver com a máxima attenção esse assumpto.
É necessario conceder ao Novo Estado do Congo, á Inglaterra, á Franca ou a qualquer outra nação o direito de contratarem serviçaes em terras portuguezas...
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - E o que existe em Moçambique. V. exa. está argumentando phantasticamente.
O Orador: - Estou fallando com relação á associação internacional, e discutindo a opinião contraria á concessão d'ella contratar serviçaes em Angola.
S. exa. não quererá seguramente que eu desenvolva agora, e se quer tambem o faço, qual a rasão que me leva a chamar sobre este ponto a attenção do governo.
Entendo que devemos conceder ao novo estado do Congo o contrato dos serviçaes em Angola, desde que esses contratos se façam segundo as nossas leis, perante o curador

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geral, e que no territorio para onde forem haja tambem uma auctoridade portugueza que os proteja.
Julgo necessario a creação de um funccionario consular no estado do Congo, feita esta concessão, com attribuições especiaes que devem ser mais ou menos aquellas que têem os curadores geraes.
Sr. presidente, eu disse que a conferencia de Berlim devia ser para nós uma lição e o começo de um novo periodo de administração colonial.
Creio que chegou o momento de perguntarmos ao illustre ministro e secretario de estado dos negócios da marinha e do ultramar, qual é o seu plano de administração. Ignora-o o paiz, desconhecemol-o nós.
Todos os deveres obrigam s. exa. a entrar neste debate. E... diz-se, corre como certo, que esta discussão se vae encerrar! E possivel que tal aconteça sem que o sr. ministro da marinha use da palavra?!
Cabe nos a nós, instantemente, a obrigação de perguntar, por uma forma terminante, qual é o plano colonial do sr. ministro da marinha e ultramar. (Apoiados.)
Pois que, acaso o plano de s. exa. se traduz apenas nas concessões e nos contratos realisados em contradicção flagrante com todas as. virulencias que o sr. ministro poz em todas as discussões em que entrou n'esta casa como deputado da opposição ao partido de que agora, é ministro? É pouco. (Apoiados.)
Limita-se o seu plano em mandar o sr. Serpa Pinto explorar de novo a Africa, envolvendo n'um mysterio official e numa illegalidade reprehensivel um acto que podia e devia nobilitar o sr. ministro? É pouco. (Apoiados.}
Resume-se o plano de administração de s. exa. em trazer á camara um insignificante projecto para a arrecadação das heranças no ultramar, a que chama um dia a primeira base para a reforma financeira nas colónias e no outro um passo? É ainda muito pouco.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Eu nunca disso uma base, disse um passo.
O Orador: - Eu ouvi uma base.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Costumo dizer p mesmo desde o principio. Não costumo dizer o contrario do que digo na vespera.
O Orador: - Pois fique para sempre um passo, mas um passo pequeno.
Conta-se que a secretaria da marinha e ultramar, durante toda a larga negociação da questão do Zaire, nunca durante esse largo periodo, forneceu um unico documento nem prestou esclarecimento algum para auxiliar a sua resolução; o silencio do sr. ministro da marinha, n'este momento, póde dar rasão ao sr. Marçal Pacheco que ha dias dizia nesta casa, que s. exa. desconhecia muitos dos assumptos do ministerio a seu cargo, e que a secretaria da marinha é quem governa.
Qual é, pois, o seu plano de administração colonial? (Apoiados.)
O sr. Neves Carneiro: - O sr. ministro da marinha é um homem de muitos conhecimentos e de muito talento.
O Orador: - E contesto eu o talento do sr. Pinheiro Chagas?!
E, não admiro eu a sua eloquencia?
Não se levantava ainda ha pouco tempo n'esta casa o sr. Pinheiro Chagas para nos dizer, com os meus applausos, numa justa defeza, que havia feito toda a sua carreira de homem publico e de homem de letras trabalhando dia a dia, velando noites, seguidas, para conquistar na litteratura o seu nome sustentando ao mesmo tempo a sua familia?!
Pois bem: não existe hoje arte que valha que se não inspire na sciencia, e é por isso que eu, em nome dos seus creditos de estadista, de orador e de escriptor primoroso, pergunto mais uma vez: qual é o plano de administração colonial do sr. ministro da marinha e do ultramar? (Apoiados.)
É esta a occasião de o dizer. (Apoiados.)
Vou terminar.
Os povos carecem de um ideal para viver.
Seja o nosso ideal o resurgimento de Portugal, reatando as tradições históricas dos nossos navegantes, como nação colonisadora no sentido scientifico do nosso tempo. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos dos seus collegas.)
O sr. Luciano Cordeiro (relator): - Não posso fazer a v. exa. e á camara a grata promessa de que serei breve.
Tenho de fallar pela com missão, e tenho de fallar, tambem desprendido n'esta investidura com que me quizeram honrar, tomando sobre mini, tão somente, a responsabilidade do que disser.
Ratifico o defendo, é claro, perante a camara e perante o paiz, o voto d'aquelles a quem essa assembléa confiou o estudo e o conselho da deliberação que lhe cumpre tomar.
Que em boa verdade, esse voto não foi dictamente impugnado até agora, nem na. sua formula precisa e leal de uma approvação sem reservas, nem na explicação demorada e sincera que entendemos dever á importancia do assumpto e á dignidade da instituição parlamentar. (Apoiados.)
Explicação fastidiosa, certamente; explicação evidentemente inutil, para a politica banal e facil dos prevenidos conceitos e dos julgamentos antecipados de facção.
Que essa. - depois de ter generosamente offerecido aos nossos adversarios peiores no momento critico da campanha, a diversão leviana dos proprios rancores intestinos, - resolveu já, - pelejava-se ainda a batalha de Berlim!... - resolveu logo; - aqui, n'uma compostura regimental de alvoroçado patriotismo; lá fóra, em meia duzia de blagues francelhas e de injurias genuinamente indigenas, - como havia de chamar-se desastre ao exito que ella não cuidava que podesse obter-se; - como averbar de idiotas os que ella não póde publicamente apedrejar, vencidos.
Fidalga e honesta dona!... (Vozes: - Muito bem.)
Tão fidalga e tão honesta, que ainda assim, nem a esses pobres compatriotas concede por inteiro a imputação do attribuido desastre, ciosa de qualquer migalha, não direi já gloriosa, mas útil, que possa encontrar-se n'elle; (Apoiados.) d'esta migalha, por exemplo, de duzentas e tantas leguas de territorio, acrescentadas no reconhecimento e no direito das nações, á soberania portugueza e á segurança economica e politica da nossa provincia de Angola!... (Muitos, apoiados.)
Mas, á parte o meu encargo de relator, não procuro, e não quero eximir-me á situação que as circumstancias possam ter-me creado n'este assumpto, nem sequer na parte em que poderá recusal-a por immerecida e exagerada na extrema amabilidade de uns e na estúpida malevolencia de outros.
E posto que, mais ou menos suavemente impellido, - como se fôra necessario o impulso! - para a silenciosa obscuridade dos meus dez annos de trabalho n'esta dilatada campanha; - e embora, sentindo crescer em mim, dia em dia, o desejo insoffrido de levantar da terra, como o personagem do conto allemão, a sombra da minha insignificancia, para que ella não peje um pedaço sequer do soalheiro patrio á gloriosa expansão dos heroes da ultima hora: - tenho como obrigação de consciencia, impõe-se-me como compromisso de honra, deixar agora e aqui, affirmado o meu testemunho e o meu voto, a minha idéa e a minha aspiração de portuguez. (Vozes: - Muito bem.)
Por isso, principalmente, fallo.
Todos toem o direito de o fazer.
Reivindico, apenas, o dever de não ficar calado.
Dever para commigo proprio, e dever para com um gru-

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po de trabalhadores dedicados, cujo nome, injustissimamente só não tem proferido até hoje n'esta discussão, que vae demorada já.
É o que aconteceu tambem a um homem que esse grupo encontrou sempre na dianteira dos seus esforços e na cooperação leal do seu patriotico empenho, n'estas cousas coloniaes: - o sr. visconde de S. Januario, (Apoiados.) cujo nome sinceramente lamento que não fosse lembrado, ha pouco, no bello discurso do meu antigo amigo e distincto orador o sr. Vicente Pindella. Quando se falla de secretarios de estado, que pozeram a sua intelligencia e a sua vontade, esclarecida o enérgica, ao serviço da grande obra, da obra necessaria, da nossa regeneração colonial, não ha de encontrar-se um só, e o sr. visconde de S. Januario, por exemplo, não póde ficar esquecido no louvor e sequestrado á historia, que elle teve também, e brilhantemente traçou e encetou na sua curta passagem pelo poder, um largo e sincero plano de reforma ultramarina.
(Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Repito: - hei de dizer da rasão conforme e unanime da commissão parlamentar na approvação, pura e simples, dos documentos pendentes, mas como cidadão e como deputado hei de dizer tambem da minha consciência e do meu parecer singular. (Apoiados.)
E como não sou um orador, ha de permittir-me v. exa. e ha de permittir-me a camara que eu me desembarace e desopprima d'esta atmosphera calida da tribuna portugueza - atmosphera feita de tantas tradições gloriosas, e há momentos, apenas, estremecida pelas vibrações da grande arte, - para que vá dizendo, como sei, - singelamente, - terra a terra, - «humilde, baixo e rude», como posso - o que tenho pensa-lo e o que tenho aprendido n'esta velha questão obscura, trazida agora á sua liquidação positiva, mais pelo impulso fatal de circumstancias alheias, do que pela comprehensão previdente de uma seria e boa e continua politica, verdadeiramente nacional. (Apoiados.)
Achâmo-nos em face, sr. presidente, do termo final, - e do termo decisivo, - não de uma campanha diplomática, tão somente, que se encontre e caiba, toda, nos livros de varias cores da correspondencia ostensiva dos gabinetes, mas de uma campanha de multiplos aspectos em que batalhavam os mais diversos interesses; em que se empenhavam, de ha muito, as forças mais divergentes e oppostas.
É uma derrota, ou é um triumpho?
E, para nós, uma vergonha, ou é uma solução honrosa e pratica?
Uma cousa devemos todos comprehender que é: - um problema novo, extremamente delicado e grave que a todos nós se impõe, - parlamento e governo, - com uma opportunidade indeclinavel e solemne.
Não se pense que pretendo furtar-me á apreciação positiva e sincera da solução attingida, n'esta suggestão necessaria do problema novo.
Ha dias, o meu velho amigo e collega, sr. Emygdio Navarro, porventura num d'aquelles momentos que todos nós temos, e em que o seu elevado e esclarecido criterio é evidentemente perturbado pelas influencias deleterias do soalheiro político, parecia receiar seriamente que sobre os nossos delegados na conferencia de Berlim, caissem n'uma prodigalidade doida «os laureis que só aos triumphadores se devem», como se o costume da terra e a lição do dia lhe auctorisassem realmente o receio...
Lembrava então, no seu jornal, que, «quando muito», poderia dizer-se do resultado da campanha, como o quadro votivo de sertaneja capella: «Milagre que fez Nossa Senhora dos Remedios a F..., que, podendo ter quebrado as duas pernas, só quebrou uma». (Riso.)
Proponho uma pequena variante.
A legenda ha de conformar-se ao painel. (Apoiados.)
Estudemos este.
Simples questão de factos: parecia realmente inevitavel que se quebrassem as duas pernas; mas não se quebrou nenhuma. Salvaram-te ambas.
E o que é mais e melhor: podem agora mover-se e andar, como não lhes acontecia ha muito. Um pouco contra as leis... da estatica, um pouco, talvez, por mysticos influxos. Milagre, de certo...
Agradeçâmos aos deuses, que é sempre mais agradável e fácil, do que agradecer aos patricios.
Quando parecêra que todas as circumstancias conspiravam, e muito particularmente, que todos os nossos erros passados se concatenavam e reuniam, para que saíssemos da conferencia de Berlim, se n'ella chegassemos a ser ouvidos, ... com os nossos direitos repellidos e com o nosso pleito territorial definitivamente trancado no foro das soluções incruentas e pacificas; afirmavamos lá, honrada e firmemente, á face de mundo e da historia, o nosso necessario concurso e a nossa continuada tradição de potencia africana; negociavamos com toda a Europa o alargamento definitivo do nosso dominio, sob a base de um interesse de civilisação e de paz, em que se continha claramente o nosso interesse de segurança e de honra; reoccupavamos o logar que nos pertencia no concerto e na deliberação do direito internacional moderno; valorisavamos a nossa situação e as nossas pretensões territoriaes, na concorrencia e na contenção dos interesses e das pretensões alheias; e voltávamos da laboriosa e memorável jornada - como não voltáramos, quando fortes pela victoria e pela cooperação europêa, da de 1810; não com a simples allegação de um direito reservado sobre «a linha da costa», de que resava o processo da contestação e do tratado inglez, mas com a nossa soberania authenticada e definida sobre vastos territórios, que as circumstancias e condições praticas da questão africana, hoje principalmente nos aconselhavam que procurássemos defender e guardar. (Muitos apoiados.)
Aqui tem o meu velho amigo o painel...
Acertemos agora a legenda.
Estarão lembrados todos do grande movimento económico, da over trade, ou mais propriamente, da over production, na phrase expressiva dos inglezes, que caracterisou os annos seguintes á guerra franco-allemã, e que em 1874 podia dizer se entrada na liquidação necessaria de uma grande crise industrial, de um enorme deficit de collocação e absorpção mercantil.
A propria guerra franco-allemã, a constituição definitiva do grande imperio germanico, que entre nós, n'esta educação superficialissima do nosso criterio social, se considerou apenas, geralmente, sob um aspecto exclusivamente politico, acanhado e estreito como as preoccupações triviaes da nossa vida publica, tinham uma importancia magna, irreductivel e fatal, n'esta situação ou nesta crise de mercados productores.
Na consolidação politica do novo imperio, continha-se, preparada successivamente de ha muito, a consolidação natural, vigorosa e invasora, das suas forças economicas.
Excesso de população, excesso de producção: estes dois factores fundamentaes da colonisação moderna, agitavam fortemente a economia e a politica do velho mundo europeu, á maior parte do qual, diga se de passagem, faltava um terceiro termo, que ha de emparelhar-se áquelles, e que nós possuimos, sem ter sabido aproveital-o até agora: excesso de territorios.
A America do norte defendia-se do segundo com as suas tarifas rudemente proteccionistas. A Asia estava fechada em parte, nas suas civilisações crystalisadas, e assoberbada quasi exclusivamente no resto, pela preponderancia ingleza O Pacifico e a propria America do Sul, oppunham resistencias organisadas ou delongas e contrariedades enormes, á creação e expansão de novos mercados consumidores.
Restava a Africa, bordada quasi completamente pelo dominio ou pela influencia mais ou menos resistente de alguns estados europeus, e trabalhada, de ha muito, pelo

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espirito da investigação cientifica e da philantropia evangelica.
O Nilo, o Zambeze, o Zaire, eram como que as largas brechas, os magestosos portaes destinados a receber o assalto decisivo da civilisação do commercio, mas por todos os lados, ao norte, a leste, ao occidente, crescia e apertava-se o sitio e o ataque d'aquelle mundo encantado, que os geographos e os viajantes, os missionarios e os exploradores annunciavam ás oppressões e anceios do trabalho europeu, como nova terra da promissão, onde dessedenar-se e expandir-se na exploração de insaciaveis mercados.
Burton, Specke, Grant, Gordam, desvendando as fontes mysteriosas do Nilo; Schweinfurth, Nachtingal de quem a Sphinge africana acaba de vingar-se cruamente; Levingstone, aquelle extraordinario pioneiro, justamente memorado ha pouco pelo nosso illustre collega, sr. Vicente Pindella, e que, aportando ha quasi meio seculo ao Cabo da Boa Esperança, deu toda a sua vida a esta campanha heroica, tantos outros, em summa, a legião, enfim, crescia e avançava, convergente e indomita, dia a dia, póde dizer-se sem erro, para o coração do continente negro, estudando os caminhos, devassando os rios, surprehendendo os lagos, galgando as montanhas, apurando os climas por onde havia de entrar até lá a invasão necessaria da industria, da influencia, e n'um futuro que era já permittido prever-se, da dominação do branco.
Na exploração scientifica andava latente, incluia-se e engrossava, naturalmente, a preoccupação das preponderancias nacionaes.
Nachtingal levava na sua bagagem do sabio a credencial de enviado do velho e nobre imperador seu amo.
E aquelle bom e veneravel, Levingstone, não se esquecia de annotar a pregação evangelica, Zambeze acima, com a observação das aptidões e facilidades dos povos que ia apostolando, para absorverem consideraveis quantidades dos algodões acogulados nas fabricas de Manchester e de Glasgow. (Apoiados.)
Atraz d'elle outros missionarios valerosos, cheios de espirito evangelico e de dedicação decidida á expansão da industria e do commercio britannico, subiam o Chire, com nossa licença, e sob a protecção açodada da nossa inextinguível ingenuidade,» ensaiando nas margens do Nyassa os rudimentos de próximas colonias; creando á expansão da nossa soberania d'aquelle lado, objecções e embaraços que não tardaram em definir-se por uma fórma soffrivelmente positiva e clara.
O Zaire parecia conservar-se refractario e hostil a toda esta curiosidade desabusada da sciencia e do commercio europeu, mas era evidente e seguro que não havia de continuar por muito tempo defezo á exploração, que alastrava e crescia, por toda a parte, já, menos em Portugal, comprehendida e reforçada como uma larga campanha de interesses economicos.
Todos os olhos se fixavam na Africa; todos viam nitidamente que nós guardavamos no nosso dominio effectivo, ou, o que valia mais ainda, no nosso prestigio e na nossa influencia de seculos, no nosso direito exercido, e mal exercido por signal, ou no nosso direito allegado, e apenas allegado, por desgraça, as memores bases de operações para a conquista pacifica e definitiva do continente negro.
Todas as nações, e não exceptuo a Allemanha, porque a verdade é que o movimento colonial na Allemanha não nasceu hontem, e nisso concordo com o orador precedente e digo mais, porque desejo discutir esta questão, como discuto todas, leal e honradamente: - o movimento colonial na Allemanha é tão antigo... como a velha Prussia dos grandes eleitores de Brandeburgo e como a enorme emigração do império, todas as nações, repito, eram mais ou menos agitadas, consoante a sua situação economica e as tradições e tendencias da sua politica exterior, por esta febre, como aqui lhe chamaram, de novos horisonte, de novos territorios, acrescentados e abertos á expansão invasora do velho mundo.
E já que fallei da Allemanha, queimarei, como se costuma dizer, os meus navios, e direi francamente, ainda, que eu não creio que o famoso chancoller de ferro, um chanceller de carne e osso, um verdadeiro typo allemão, simples, affavel, solido... muito principalmente solido nas suas idéas, no seu grande patriotismo, na sua vontade reflectida e larga, na resolução que uma vez determinou, no plano que um dia pensou realisar, - perdõem me esta grata recordação do viajante, - eu não creio, digo, que a intelligencia enorme d'este homem, seguramente a melhor e mais amplamente organisada da historia politica d'este seculo, se conservasse inacessivel e contraria, alheia ou mais indifferente, como muita gente suppõe, a lição e ao estimulo do movimento que em volta d'elle se preparava e crescia no proprio seio da sua obra colossal.
Nem é uma simples questão de fé. É uma questão de raciocinio e de factos.
Sómente...
Mas não quero augmentar por uma digressão mais longa a serie já bastante desordenada das minhas considerações.
No meio d'esta forte corrente de preoccupações e de interesses, checava ao centro da Africa, entrava na região do Tanganika, approximava-se do alto Zaire, um homem cujo nome não seria justo, particularmente da nossa parte, que ficasse esquecido na sombra do seu mais feliz ou mais ruidoso sucessor. Chamava se Verney Lovett Cameron. Entrara pelo Zanzibar em 1873 e preparando se para descer á costa occidental, contava com uma segurança que nos honra e que não foi desmentida, com o nosso acolhimento protector e amigo.
Escrevendo do Kawele (Ujili) em 9 de maio de 1874, Cameron dizia:
«Posso tambem affirmar, quasi positivamente, que o Lualaba é o Congo.»
E acrescentava esta prophecia e soltava sobre a crise dos mercados europeus este enthusiastico pregão que o sr. Stanley havia de colher e realisar mais tarde:
«N'este paiz que póde ser aberto, assim, lançando se rapores (steamers) no rio, acima das cataractas de Yellala, encontram-se todos ou quasi todos os productos das regiões tropicaes, com muitos das do sul da Europa.
«A enorme importancia de abrir uma região d'estas ao commercio europeu, não póde ser de mais encarecida (cannot be over estimated), e feito isto, pôr-se ha um termo á escravatura interna, que é penso, bem maior do que aquella que se faz por mar. Não posso deixar de crer, que um pequeno esforço rasoavel removerá todas as dificuldades com os chefes vizinhos das quédas de Yellala, assegurando por uma vez o accesso do commercio.»
Ouvimos nós o pregão?
Meditámos na advertencia?
Stanley caminhava no encalço de Cameron, por dizer assim.
Dispondo de nina expedição mais forte e melhor retemperada nos perigos e aventuras de uma longa campanha, o extraordinario aventureiro pseudo-yankee, collocado na situação desesperada de lançar-se ás cegas pelo caminho desconhecido, que o seu precursor não conseguira vencer, ou de deixar mais urna vez insoluto aquelle problema capital, seguindo ingloriosamente no rasto dos nossos sertanejos; e do ultimo explorador, preferiu o primeiro termo do dilemma, e lançando-se no Lualaba, e precipitando-se Zaire abaixo, n'uma vertiginosa corrida, vinha sair a Boma, em 1877, sendo portugueza tambem a primeira saudação, e portuguezes ainda os primeiros braços que o receberam na costa.
Estava vencida a Sphinge.
Uma campanha nova ía, de certo, organisar-se d'este lado.

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Ainda em Loanda, Stanley escrevia em 5 de setembro de 1877:
«Sinto-me convencido de que a questão d'esta poderosa via aquatica ha de tornar se, com o tempo, uma questão politica»
E depois de referir-se às reclamações portuguezas, acrescentava que poderia mostrar com fortissimas rasões, quanto seria de uma boa politica, pôr e resolver immediatamente aquella momentosa questão.
«Posso provar-vos, - dizia, - que o possuidor do Livingtone (Zaire), apesar das cataratas, absorverá o trato d'aquella enorme bacia que se estende por 13° de longitude sobre 14° de longitude.
«O rio é, e será o grande caminho principal (bigh-way), da Africa occidental e central.
«Sendo assim, por que ha de continuar abandonado á disputa de quem deverá dominar-lhe o curso inferior e as margens ?»
Antes, porém, que o illustre aventureiro tivesse descido do alto Zaire, projectava-se na Europa a phase nova do movimento africanista.
A conferencia realisada em 6 de setembro de 1876, em Bruxellas, por iniciativa do rei dos Belgas, era o annuncio terminante e opportuno, de que esse movimento ia entrar n'um periodo de disciplina e de resolução politica.
Essa conferencia estabelecia como bases da nova exploração africana, dentro ainda, é certo, de um caracter internacionalista, humanitario, isento de quaesquer preoccupações politicas:
1.° Um plano internacional, commum, de exploração da área comprehendida entre os dois oceanos, os Sudões, e a bacia do Zambeze;
2.° O estabelecimento de linhas de estações scientificas e hospitaleiras, como núcleos de protecção e de irradiação civilisadora, verdadeiras linhas de penetração, - era facil de ver, atravez da barbaria indigena.
Logo terei de me referir a este processo, á sua idéa pratica e segura que podemos revindicar para nós, que havemos de encontrar facilmente na historia da formação e desenvolvimento do nosso vasto dominio colonial, e que, abandonada e esquecida, como tantas outras cousas sensatas e uteis, debalde foi nova e opportunamente aconselhada e apostolada perante a opinião e perante os governos portuguezes, apesar de ter sido acceita e proclamada por um d'elles.
Mas, devo deixar desde já indicada, accentuadamente, esta idéa ou este processo, porque a estação civilisadora, este neologismo doutrinario, ou esta phantasia utópica, como infelizmente pareceu ter sido, se é que não continua a ser considerada, nas regiões da nossa burocracia ou da nossa administração ultramarina, - foi, por um lado, o nucleo, a base, do chamado «novo estado do Congo», e fora, por outro, o instrumento, o ponto de partida e o ponto de crystalisação da nossa expansão e do nosso domínio colonial em Africa. (Apoiados.)
Da conferencia de Bruxellas saiu a associação internacional de exploração e civilisação africana, especie de cruzada nova onde cabiam á larga todos os esforços e todas as idéas generosas do movimento africanista, e que é necessario não confundir, como se tem chegado a fazer em documentos pretendida ou pretenciosamente scientificos, com a chamada associação internacional do Congo, verdadeira empreza mercantil e politica, da qual disse já alguém que lembrava o sacro imperio romano, que não era romano, nem imperio, nem sacro.
A associação internacional de 1876 não podia deixar de suggerir por toda a parte, como suggeriu realmente um movimento sympathico de opinião e de auxilio, mas não deixou, entre nós, esse natural movimento de manifestar tambem apprehensões e reservas que a nossa especial situação, e particularmente o estado da nossa questão do Zaire, e da nossa política ultramarina, por demais justificavam, infelizmente.
Fallarei d'isto, adiante.
Em 1877 a conferencia de Bruxellas reunia-se outra vez, definitivamente, constituindo a associação africana.
Chegando á Europa, desvanecido pelo largo e deslumbrante plano que suppunha ter fixado á exploração pratica e utilitaria do continente negro, Stanley, espirito verdadeiramente yankee, - havia naturalmente de olhar com um certo desdem de aventureiro experimentado e intrépido para aquella instituição meio philantropica e meio scientifica, - discreta e meticulosa, um pouco mystica e theorica em todo o caso, que o seu futuro patrono fundara no anno anterior.
Exhibindo o seu plano, encarecendo as suas revelações, communicando o seu enthusiasmo, simultaneamente ao espirito de philantropia e ao espirito de cubica, de aventura e de lucro, conseguia ver, em 25 de novembro de 1878, fundado o Comité d'études du Haut-Congo, com um milhão de francos de capital, e no começo de 1879 partia novamente para a Africa, incansavel, forte, audacioso, dirigindo-se á costa oriental, como se fora por ali que pensasse em atacar de novo o problema do Alto Zaire...
Do Zanzibar, voltava rapidamente pelo Mediterraneo, á costa occidental; em 24 de julho estava em Serra Leoa, onde as auctoridades inglezas o tomavam por traficante de escravos; em 3 de setembro aportava a Banana, onde recebia o material e pessoal superior da grande expedição, organisada na Belgica, e finalmente em 1 de fevereiro de 1880 estabelecia em Vivi a primeira estação... do futuro estado livre do Congo.
É tempo de perguntarmos o que succedia em Portugal, durante esta successão rápida, impetuosa, de tantos factos, que tão de perto e fatalmente se relacionavam com os nossos interesses, com os nossos direitos, com as nossas tradições coloniaes.
Que faziamos nós?...
Creio que faziamos politica, esta politica que nos consome o tempo é as forças; - pouco menos do que inteiramente, alheios a todo o largo movimento, que lá fora engrossava.
Uma ou outra vez, comtudo, tentava-se romper esta situação.
Talvez o meu velho, amigo e collega, o sr. Emygdio Navarro, não se lembre já de uma pequena ousadia de rapazes, que o eramos ainda, elle e eu, ahi por 1873 ou 1874, em que procurámos, com outros, - o sr. Antonio Ennes; aqui o meu bom amigo sr. Pequito, alguns mais ainda, - fundar em Lisboa, nada menos do que uma d'aquellas grandes e fortes associações, que sob o lemma do desemvolvimento da sciencia, fazem em tantos paizes urna especie de apostolado impulsivo e pratico do solidariedade e de trabalho intellectual.
Sentia-se crescentemente, vagamente talvez, a necessidade imperiosa de nos affirmarmos, de nos fazermos lembrar, de nos fazermos valer nos circulos da sciencia e da opinião europêa, onde todos os dias a ignorancia alheia, e o abandono, a apathia propria nos maltratavam e escureciam nas nossas melhores aptidões, nas nossas tradições mais gloriosas e authenticas.
Assim foi, por exemplo, que certas affirmações de Cameron, expondo, em Paris e em Londres, a summula da sua notavel travessia, affirmações mal comprehendidas ou mal julgadas talvez, relativamente ao trafico de alguns sertanejos portuguezes, conseguiram agitar a opinião portugueza, e de certo modo fixal-a n'aquelle grande movimento de exploração africana, da qual andavamos desattentos e retrahidos, senão desde o começo do seculo, pelo menos desde as ultimas jornadas de Graça e de Silva Porto.
Abençoadas accusações, falsas ou reaes, positivas ou suppostas, que fizeram então vibrar uma corda de ha tanto emmudecida e tão portugueza de lei, n'esta nossa politica,

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SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1885 2247

e que por dizer assim preparavam o nosso regresso á gloriosa campanha, onde marcaramos valentemente os primeiros estadios.
Lembro-me de ter assistido, de uma d'aquellas tribunas, á memoravel sessão em que o verbo poderoso e scientiticamente eloquente do sr. Andrade Corvo, tomando por pretexto as affirmações do illustre official inglez, levantava viva e impavida, a nossa tradição gloriosa, a nossa aptidão singular de primeiros exploradores e de primeiros civilisadores do continente negro.
Houve, porém, uma nota curiosa, que não me esqueceu tambem, e que recordo agora como advertencia, que não deixou infelizmente, de ser necessaria ainda...
Vozes: - Diga, diga...
O Orador: - Entre os traficantes pseudo-portuguezes, de escravos, que o sr. Cameron encontrára e citava, alguns d'elles verdadeiros selvagens nativos, - havia um de quem elle dizia que era filho de um major Coimbra, que exercera funcções judiciaes, como delegado do governo portuguez no Bihé.
E então o illustre orador e ministro, repellindo nobremente, na explosão de um justo e indignado patriotismo, esta mesma approximação casual e insignificativa do nome portuguez com a traficancia negreira, empenhava sinceramente, na melhor boa fé, a sua palavra de honra de que no ministerio do ultramar não se havia encontrado vestigios da existencia de similhante major e de similhante delegado da nossa administração colonial.
Devia ter sido um engano, uma mystificação, talvez uma calumnia, aquelle major Coimbra.
E não era.
O major existíra, e se as cousas estivessem organisal-as como deviam estar, e como não está, o ministro, que não é quem ha de compulsar os archivos e os registros, não teria sido induzido áquelle lapso, que nos poderá ter suggerido suspeitas e recriminações desagradaveis, quando mais nos importava valorisar por uma perfeita exactidão de factos as nossas allegações briosas.
O major de segunda linha Francisco José Coimbra, pae do Cuarumba, ou Lourenço de Sousa Coimbra, de Cameron, fôra realmente chefe do Bihé, como outros o haviam sido, antes d'elle, era-o no tempo de Graça, deixou ali descendencia ainda hoje conhecida, e exercêra realmente as funcções alludidas pelo explorador inglez, até no dizer de Botelho, se bem me lembro, com uma grande simplicidade: por nomeação governativa, é claro, mas em seu proprio proveito, apenas.
E fosse como fosse, representava em todo caso uma tradição de dominio, que não convém desdenhar.
D'isto teria o ministerio do ultramar instruido e informado o ministro, se estivesse organisado e dotado como devêra, - como officina ou como laboratorio correspondente á gerencia de um dominio colonial tão vasto, importante e antigo.
Cito este facto e poderá citar muitos.
Não censuro ninguem: - é claro. Lembro uma necessidade apenas.
Mas, emfim, o ruido feito pelas revelações de Cameron teve, para nós, manifestamente uma certa vantagem.
Começou-se a ensaiar a idéa, - timidamente, com uma certa hesitação e receio, a principio, - de enviarmos tambem á Africa interior, uma expedição portuguesa de exploração scientitica; de reentrarmos, por nossa couta, também, na concorrencia crescente do estudo e reconhecimento directo e seguro d'aquellas interessantes formações hydrographicas da grande planura central do continente negro.
Segundo alguns, porém, cumpria-nos preparar e organisar primeiro, um certo tirocinio; houve até quem numa importante corporação de Lisboa, lembrasse que nos limitassemos de começo a pedir a aggregado de algum aprendiz do explorador a qualquer expedição ingleza, nova, - como se o tempo nos sobejasse ainda, e nos faltassem as aptidões e as dedicações proficientes e valorosas, para continuar, honradamente, a par com os melhores pioneiros do tempo, a nossa larga e forte tradição, - nunca perdida, - de exploradores africanos! (Apoiados.)
Toda esta historia summaria poderá parecer inconveniente.
Mas é que eu penso, que no assumpto, nunca foi mais do que agora opportuna e proveitosa, a verdade inteira e leal.
A iniciativa poderosa e educada do sr. Andrade Corvo fundara a commissão central permanente de geographia, justamente desconfiada e receiosa das tardanças e fraquezas da iniciativa particular entre nós; esta, porém, vingára-se d'esta vez do receio, com uma certa petulancia auspiciosa e feliz, antecedendo a previdencia governativa, ou caminhando parallelamente com ella, na formação e no rapido desenvolvimento d'aquelle grupo de cidadãos a que alludi atraz, e que me honro de citar agora e muitas vezes n'esta questão, onde elle precisamente conquistou e manteve um logar de benemerência incontestavel. (Muitos apoiados.)
Fundada em 1875, quando Cameron chegava á Europa e Stanley se adiantava pelos sertões africanos, na sua colossal exploração, a sociedade de geographia poz desde logo os olhos no movimento que para alem das fronteiras se desdobrava, deslumbrante e ameaçador ao mesmo tempo, para nós, e a questão do Zaire, e a nossa adhesão áquelle movimento, e a propaganda da nossa regeneração colonial, e a affirmação das nossas tradicções e direitos ultramarinos, foram os seus primeiros cuidados e os seus primeiros impulsos. (Apoiados.)
Veiu a conferencia de Bruxelas; causára no paiz uma natural e desagradavel surpreza o facto de não nos terem convidado e ouvido, e esse sentimento encontrou na sociedade, não sómente a sua expressão, mas o seu desagravo.
E ha de ver-se, que não se alimentavam illusões ingenuas, nem se recuava diante da affirmação positiva dos perigos e ameaças que para nós só continham, latentes, na phase nova da questão africanista.
Prova-o, entre muitos, um documento que tenho aqui, datado de 30 de novembro de 1870, e de que foi relator um illustre membro d'esta camara, e um dos primeiros e mais distinctos membros da sociedade.
Esboçando a traços proficientes e firmes, - porque hei de fazer justiça a todos, ainda áquelles de quem posso lamentar que a não tenha sempre merecido, - esboçando a largos traços, proficientes, as relações respectivas e reciprocas da moderna exploração africana, e dos interesses e tradições dos nossos vastos dominios n'aquelle continente, o sr. Henrique de Barros Gomes dizia n'esse documento, cujas conclusões, e posso dizer cujas afirmações, por inteiro, eram approvadas unanimemente pela assembléa:
«Mas, para nada serve reclamar um direito, quando nenhum uso se f az ou se pretende fazer d'elle, e nesse sentido, o que mais importa, é affirmar por factos essa soberania, salvo a fazer valer os argumentos que provam o nosso direito, quando a legitimidade d'esses factos seja effectivamente contestada...
«Direitos reservados é que se não comprehendem facilmente no seculo XIX, quando a força de expansão da população, do commercio e da industria, assume proporções que a historia ainda não registára.
«Tudo quanto n'aquellas regiões tenda, portanto, a provar a nossa vitalidade, não só politica e militar, mas ainda muito particularmente scientifica, tem, pois, no momento actual, um valor e uma significação, que é inutil encarecer.»
Não é isto muito bem pensado, e muito bem dito, tambem?
«Para nada serve reclamar um direito quando nenhum uso se faz d'elle... Direitos reservados é que não se comprehendem facilmente...»
Não se comprehendiam já em 1876. E ha de ser um de-

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2248 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

sastre a formula obtida da sua valorisação e da sua effectividade, em 1885!
E tem se chegado a dizer, que tão só com elles e n'elles, haviamos de acceitar e resolver a questão diplomatica!
Não podia dizel-o, e não o disse, aquelle illustre estudioso e estadista.
Já então, como observei atraz, estava lançada a idéa da expedição portugueza á África central.
Á commissão official, naturalmente pertencera a primeira definição regular d'essa idéa, e determinando-a perante o governo, aquelle instituto punha com irrecusável clareza, a questão rio largo alcance dos seus termos fundamentaes, e nas condições evidentes da sua opportunidade.
Era uma expedição scientifica, fortemente organisada e dotada, como as melhores, que, lançando-se francamente no problema momentoso e capital do Zaire, e das grandes linhas da hydrographia central da Africa, nos pozesse de prompto a par e em concorrencia com o esforço alheio, reatando a nossa tradição, affirmando a nossa vitalidade, e acautelando a segurança, o prestigio e a expansão regular do nosso dominio para o interior.
Teria, - não podia deixar de ter, - uma intenção fundamentalmente politica, a expedição portugueza.
Nascia de uma ameaça e de um perigo.
Assim a comprehendinm os homens que a apostolaram e prepararam em 1876, os srs. Corvo, Bernardino Antonio Gomes, Barbosa du Bocage, Henrique de Barros Gomes, visconde de S. Januario, e... alguns outros.
Secundando este pensamento, com rasão receiosa de que elle não tardasse em ser apoucado e desviado, a sociedade de geographia de Lisboa determinada e positivamente affirmava tambem perante o governo, em 7 de julho d'aquelle anno, os termos e relações politicas e economicas do emprehendimento desejado.
Não quero agora intercalar, aqui, cansando a attenção da camara, e relembrando profundos desgostos pessoaes, a historia variada, curiosa, mais de uma vez exquisita, desta preparação infelizmente demorada de mais, historia que se prende, comtudo, aos nossos annaes parlamentares, por um facto que é uma verdadeira gloria para a politica portugueza: - a votação parlamentar, prompta, enthusiastica, da verba importante que havia de occorrer ás despezas da expedição.
Mas, em summa, perdeu-se um tempo consideravel; a idéa inicial, o empenho primeiro, até a primeira consulta dos que dia em dia seguiam, apprehensivos e vigilantes, o grande movimento africanista, foi reduzida a proporções que se diziam mais praticas e sizudas: - ao estudo do Quango nas suas relações com o Zaire e com os territorios portuguezes da costa occidental; - plano que era muito discutivel, que interpretasse fielmente a lei de 12 de abril de 1877, ou que exactamente correspondesse á situação e às necessidades de momento, embora podesse ser-nos muito útil, muito necessario até, como qualquer outro que procurasse tornar mais e melhor conhecidos os sertões do nosso dominio angolense.
E os nossos exploradores partiram finalmente de Lisboa, com umas instrucções muito scientificas, soffrivelmente bureaucraticas, cheias de recommendações muito precisas ácerca da colheita de specimens historico-naturaed, com modelos muito previdentes e minuciosos dos livros e notas das suas observações quotidianas, não para irromperem, rapidamente, Africa a dentro ou Zaire arriba, ao encontro d'aquelle grande problema que attrahia a Europa, que Vernett, e Cameron, traçaram entusiasticamente em Ujiji, e que um pouco mais cedo que partissem, teriam resolvido talvez, antes de Stanley, ou de collaboração com elle, mas, em todo o caso, para nos fazer reentrar na grande campanha, tão adiantada já. (Apoiados.)
Dizem-me, sr. presidente, que deu a hora, e que alguem tem ainda a palavra para antes de se encerrar a sessão.
Peço, pois, a v. exa., que me reserve a palavra.
O sr. Presidente: - Fica reservada a palavra ao sr. deputado. Vou agora concedel-a ao sr. Eduardo José Coelho, que a tinha pedido para um negocio urgente.
O sr. Eduardo José Coelho: - Mando para a mesa a seguinte proposta. (Leu.)
Não preciso justificar a apresentação d'esta proposta, porque o assumpto de que ella trata é de tal magnitude, que se impõe fatalmente á consideração da camara. (Apoiados.)
Parece-me até que, n'esta questão, não sou só interprete dos meus illustres collegas d'este lado da camara, porque alimento a esperança, bem fundada, de que ha de ser votada por acclamação. (Apoiados.)
Todos sabem que a discussão do orçamento é a intervenção directa na administração do estado.
Não discutir, pois, o orçamento é o mesmo que preterir o primeiro e o mais importante dever por parte dos eleitos do povo. (Apoiados.)
Por taes motivos pedia a v. exa., que consultasse a camara sobre se julga urgente esta proposta. E depois de ser admittida e declarada urgente, como espero, terei a honra de a justificar, se é preciso justificar o que pela natureza do assumpto se recommenda imperiosamente, como já disse. (Apoiados.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que, visto achar-se o actual anno economico quasi findo, ter-se só hoje distribuido o parecer ácerca da lei de receita e despeza, ordinárias e extraordinárias do estado na metrópole, para o exercício futuro, e visto que é absolutamente necessario habilitar o governo legal e parlamentarmente a administrar a fazenda publica do proximo dia 1.° de julho em diante, o referido parecer entre em discussão com preferencia a outro qualquer, nas sessões nocturnas da semana immediata e nas sessões diurnas, depois de terminada a discussão do Zaire.
Sala das sessões, 11 de junho de 1885. = Eduardo J. Coelho.
O sr. Presidente: - Antes de consultar a camara sobre a urgencia, vae verificar-se se ha numero na sala.
O sr. Carrilho: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.
O sr. Presidente: - Como não ha numero na sala, fica para ter segunda leitura na sessão de segunda feira.
O sr. Carrilho: - Na qualidade de relator do orçamento peço a v. exa. que dê para ordem do dia o orçamento do estado, visto que o parecer já foi distribuído. D'esta fórma fica satisfeito o desejo manifestado pelo sr. Eduardo José Coelho na sua proposta.
Parece-me que não ha inconveniente em se pôr em ordem do dia o orçamento para ser discutido em occasião opportuna; quando v. exa. entender, porque é quem dirige os trabalhos da camará. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Está a dar a hora.
Já tencionava por em ordem do dia o orçamento, antes do pedido feito pelo sr. Carrilho.
O sr. Eduardo José Coelho: - A minha proposta fica para a sessão da noite, ou para segunda feira?
O sr. Presidente: - Fica para ter segunda leitura na sessão de segunda feira.
Á noite ha sessão.
A ordem do dia para segunda feira é a mesma que estava dada, e mais os projectos n.ºs 106, 121, 115, 123 e o orçamento.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas â a tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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