APPENDICE Á SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1888 1898-G
Duvido muito que aquelle apparente benemerito ande servir desinteressadamente de procurador de fabricante da Covilhã, ou que esteja a fornecer melhor ou tão bom como este o poderia fazer. (Apoiados.)
A philantropia tem limites, até entre os intermediarios, em geral, e principalmente, e em especial entre os que dispõem de influencias politicas. (Apoiados.}
Pela parte que me respeita, tenho observado que a philantropia, a que alludi, tem produzido nos capotes, as cores mais variegadas e phantasticas. Para combater a monotonia da uniformidade, nada ha mais efficaz. (Riso.) Agrada á vista, e talvez console o paladar, (Riso.) dos taes philantropos, entenda-se bem, que são entes privilegiados. (Biso. - Apoiados.)
O vestuario de uma opera cuja acção se passe no Oriente, não produz melhor effeito, - do Rei de Lahore, por exemplo. (Hilaridade.}
E note v. exa. e a camara que, a despeito de o assumpto se prestar, ponho aqui ponto nas minhas considerações. Nem sequer peço explicações ao governo sobre o assombroso milagre, que acabo de denunciar, e pela simples rasão de que, se as pedisse, perdia o meu tempo. Elle não m'as dava. Tem para isso as suas rasões.
Se eu tivesse a ingenuidade de acreditar que o governo cumpriria o seu dever, informando o paiz de certos factos que as mais elementares conveniencias publicas aconselham que não se lhe occultem, perguntaria ao illustre ministro da guerra:
Que motivos ponderosos imperaram no animo de s. exa.; para renegar o systema inaugurado pelo sr. Fontes, e seguido pelo sr. Marianno de Carvalho na administração geral das alfandegas?
Está s. exa. disposto a voltar ao bom caminho, resgatando o fornecimento do exercito, da praga dos intermediarios?
Está s. exa. resolvido a dar á industria nacional a protecção a que ella tem direito, e a melhor zelar os interesses do exercito e do thesouro, ainda que tenha para isso de contrariar o flagello dos intermediarios?
Mas, como disse, não tenho a simpleza de julgar que me seja dada resposta. E se alguem ha que assim não pense, recommendo-lhe, por caridade, que a espere sentado ou deitado, para não se fatigar. (Apoiados.) E entretanto, ir-me-hei eu occupando da maneira como tem sido feita a acquisição de capacetes, e das variadas questões de que ainda tenho que tratar.
Começarei pelos capacetes, era cuja arrematação continua a florescer o zangão do intermediario, que parece estar incrustado no ministerio da guerra. (Apoiados.)
Pelos documentos que recebi, reconhece-se que depois da ultima transformação geral de uniformes, se adquiriram por duas vezes capacetes para o exercito. Da primeira vez recorreu-se directamente ás industrias e aos mercados allemães e francezes. Para esse fim foi mandado á Allemanha, em commissão do governo, o illustre official, a quem já me tenho referido, o sr. Vasconcellos e Sá. A compra em França foi feita por intermedio de Esteves & C.ª, firma commercial d'esta cidade.
O sr. Vasconcellos e Sá comprou 360 capacetes de couro e 5:000 de feltro, os primeiros pelo preço de 1$932,22, réis, cada um, e os segundes por 1$588,68 réis, tambem cada um, é claro. Esteves & C.ª compraram 1:600 de couro a 2$672 réis, e 3:400 de feltro a 2$220 réis.
A segunda vez que se adquiriram capacetes foi o seu fornecimento contratado com as firmas Francisco José Ferreira e Costa Braga & Fihos, e Bello & Pinto. Registe se entre parenthesis, que os filhos a que acabo de alludir, são de Costa Braga, e não de Francisco José Ferreira. (Riso.) A minha imparcialidade aconselhava-me a que fosse lucido, extremamente claro n'este ponto, e parece-me que o fui., (Apoiados.)
É verdade que no contrato assigna, por Francisco José Ferreira e Costa Braga & Fihos, A. Francisco Ribeiro Ferreira, mas devia para isso estar legalmente habilitado, e não sei mesmo se tem algum parentesco com Francisco José Ferreira. (Riso.)
A Ferreira & Costa Braga foi adjudicado o fornecimento de 17:000 capacetes de feltro, pelo preço de 2$415 réis cada um; e a Bello & Pinto, o de 7:000 capacetes de couro, por 3$080 réis.
Este contrato, que foi assignado em 24 de agosto de 1886, devia ser integralmente cumprido dentro do praso de um anno. Segundo a crendice popular, n'esse dia andava o diabo á solta (Riso.); e se assim é, não esteve ocioso, podem crel-o.
Mas, sr. presidente, como aquella clausula foi satisfeita, eu mais tarde o direi, apesar de me terem sido negados os documentos officiaes, que, para esse fim, solicitei do governo. Por agora vou proceder a comparações que só tornam necessarias para que o paiz possa avaliar como se zelam os interesses publicos, - comparações cujo resultado eu creio que ha de ser curioso.
N'este proposito, começarei por pôr em relevo que, emquanto Ferreira e Costa Braga e Bello & Pinto dispozeram de um largo praso para cumprirem o seu contrato, o sr. Vasconcellos e Sá o Esteves & C.ª tiveram de se desempenhar da missão que lhes foi confiada, n'um curto periodo. A causa d'isso reside na necessidade que houve de fazer uma parada, por occasião do enlace matrimonial do herdeiro presumptivo do throno, e na qual as tropas que n'ella tomaram parte deviam apresentar-se com os novos uniformes, como effectivamente succedeu.
Para que isto se conseguisse foi preciso, por exemplo, que o sr. Vasconcellos e Sá tivesse de pagar aos operarios allemães salarios muito mais elevados, do que em circumstancias normaes. Alguns chegaram a vencer de jornal 1$800 réis, o que para elles foi uma inesperada fortuna.
A firma Esteves & C.ª é natural que lutasse tambem com embaraços em França; e se assim aconteceu, como eu supponho, igualmente os soube vencer.
Em presença das considerações que tenho feito, julgo que as situações respectivas, dos primeiros e dos segundos fornecedores, estão nitidamente definidas (Apoiados.}: - para os agentes do governo, difficuldades derivadas do pouco tempo de que podiam dispor (Apoiados.); para os outros, facilidades provenientes da largueza do praso que lhes foi marcado. (Apoiados.)
Estabelecidos estes preliminares, vou proceder a alguns confrontos de algarismos, para que d'elles se possa deduzir, por modo incontestavel, que só um acto de mais caracterisado favoritismo poderia imperar no animo do governo para adjudicar ás firmas Francisco José Ferreira e Costa Braga & Filhos, e Bello & Pinto, o segundo fornecimento de capacetes; e muito intencionalmente me dirijo n'esta occasião ao governo, e não apenas ao sr. ministro da guerra, porque o termo do contrato foi approvado era conselho do ministros, como d'isso dá testemunho a copia official d'elle, que aqui tenho.
E dando começo a essa escabrosa, mas indispensavel operação, (Apoiados.) principiarei por comparar os preços dos capacetes comprados, nas circumstancias extraordinarias que indiquei, pelo sr. Vasconcellos e Sá e pela firma Esteves & C.ª, tirando do resultado que apurar as correspondentes illações.
A differença entre os capacetes de couro comprados pelo sr. Vasconcellos e Sá, e a firma Esteves & C.ª é, em cada um, de 739,78 réis; a differença entre os capacetes de feltro e tambem a favor, para a fazenda, da compra do sr. Vasconcellos e Sá, é de 631,32 réis. Ora como Esteves C.ª compraram 1:600 capacetes de couro o 3:400 de feltro, se os tivessem adquirido pelo preço por que os obteve o official commissionado pelo governo, realisar-se-ía