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APPENDICE A SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1888 1898-A

O sr. Dantas Baracho: - Sr. presidente, antes de proseguir na ordem das minhas considerações, desejo saber se o sr. ministro da guerra está doente. (Apoiados da esquerda.)

V. exa. e a camara devem comprehender que, tratando-se de um assumpto tão importante como é este, de que eu me tenho occupado, não posso prescindir da presença do sr. ministro. (Apoiados da esquerda.)

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno do Carvalho): - O sr. ministro da guerra não pôde vir hoje á camara por motivo de serviço publico, mas encarregou-me de tomar apontamentos do discurso do illustre deputado sobre assumptos militares para lh'os transmittir. D'esse encargo me desempenharei com muito gosto.

O Orador: - Em presença da declaração do sr. ministro da fazenda, não insistirei em reclamar a comparencia, n'esta sessão, do sr. ministro da guerra, e agradeço ao illustre ministro da fazenda as suas explicações. Vou, portanto, recapitular, em breves palavras, o que disse na sessão anterior, para depois proseguir na ordem de considerações que ainda tenho a fazer.

Comecei n'essa sessão por me occupar dos projectos apresentados este anno ao parlamento, e em que figuro como seu signatario, - projectos que dizem respeito ao augmento do quadro dos majores de cavallaria, ás tarifas dos officiaes reformados, e á carta agricola, cujo levantamento desejava que fosse feito com a maior economia para o thesouro pelos officiaes que houvesse pouco tempo tivessem saido das escolas, o que n'esse serviço adquiririam a pratica, que não têem, em trabalhos topographicos, o que em todo o ponto seria de grande utilidade. (Apoiados.)

Alludi depois ao discurso da corôa na parte em que este documento trata das reservas e do ensino e instrucção, e demonstrei com dados officiaes incontestaveis que nem umas nem o outro existem, a não ser na imaginação phantasiosa de quem tudo julga obter com portarias e instrucções de caracter puramente platonico, por lhes faltarem os elementos indispensaveis que as deviam acompanhar na sua execução. (Apoiados.)

Obedecendo a esse mesmo proposito, referi-me ainda á superabundante papelada, embaraçadora e contraproducente, ao famoso mappa iberico, á tactica applicada, ao tiro ao alvo, á exiguidade do orçamento da guerra, comparado com os das outras nações europêas, á escassez dos effectivos nos corpos, devida principalmente á maneira como era cumprida a antiga lei do recrutamento, e por ultimo apontei alguns dos aleijões que caracterisam a nova lei do recrutamento, e que demandam radical e immediato remedio. (Apoiados.)

Foi para a logica inexoravel dos factos que appellei, a fim de comprovar as minhas asserções, e é ainda a esse salutar expediente que hoje vou recorrer para proseguir na ardua e ingrata missão que me impuz, de evidenciar o que podem ser o ensino e a instrucção perante o estado deploravel em que se encontra o exercito. Assim, narrei á camara na sessão anterior o que se passava com a instrucção da tactica applicada, especialisando o que tinha succedido em lanceiros 1, - acontecimentos esses que são o reflexo do que se dava com os outros corpos. (Apoiados.) Pois ainda n'este momento não sairei de Elvas, a que ainda ha pouco tempo era de uso designar como a nossa primeira praça de guerra, para informar v. exa. e a camara de que outro regimento ali de guarnição, o de infanteria 4, tinha, ha pouco dias, unicamente promptas para o serviço, sete praças de pret, note-se bem, sete praças de pret!

E o que se observa em Lisboa, na capital do reino onde reside o corpo diplomatico, e que, com frequencia, é visitada por distinctos militares estrangeiros, os quaes minuciosamente investigam e estudam o que se passa entre nós?

Os regimentos de infanteria que figuram em formatura e obrigação, como aquellas em que se prestam honras funebres, e em paradas insupprimiveis, como as que têem e se fazer na recepção de principes estrangeiros, esses regimentos, repito, apresentam-se enaipados dois a dois, quando não tres a tres, sem que, no entanto, os effectivos resultantes d'estas enxertias attinjam o de um simples e modesto batalhão! (Apoiados.)

Com artilheria 1 succede pouco mais ou menos outro tanto. Já este anno, e antes de destacarem para a escola pratica de Vendas Novas as forças que annualmente ali vão adestrar-se nos exercicios especiaes da arma, aquelle regimento teve de fornecer uma bateria para prestar as honras regulamentares a um fallecido general. A bateria orneada foi a 8.ª E quer v. exa. e a camara saber quantos homens d'essa bateria compareceram na formatura? Apenas sete, em cujo numero se contavam tres officiaes! As restantes praças foram respigadas nas outras baterias, e este terreno tão safaro era, que não produziu o numero preciso de soldados para que a bateria se apresentasse em força conveniente, em conformidade com a organisação!

A esta deploravel e tristissima situação nunca o exercito tinha chegado até hoje. (Apoiados.)

E quem é o principal culpado e o primeiro, senão o unico, responsavel por este vergonhoso e vexatorio estado lê cousas? O sr. ministro da guerra. (Apoiados.)

N'estas condições, sr. presidente, é licito exigir-se que e exercito tenha a instrucção que devia ter, ou reputal-o á altura da honrosa missão que deve desempenhar? Seguimento não, (Apoiados.) devendo, todavia, não esquecer que elle não tem a menor responsabilidade no que se está cassando, porque hoje, como outr'ora, como sempre, só aspira a prestar bons serviços ao paiz, quer na defeza da independencia nacional, quer na sustentação das liberdades patrias e na manutenção da ordem publica. (Apoiados.)

Mas a verdade é que parece que não estamos n'um paiz civilisado; somos uma excepção entre as nações europêas, pelo desleixo que manifestámos em preparar os meios defensivos indispensaveis á manutenção da nossa autonomia. (Apoiados.) Parece que vivemos em pleno gran-ducado de Gerolstein, porque nem o ridiculo falta nos factos que acabo de descrever. (Apoiados.} Pois creia v. exa. que o que me resta por dizer não é menos significativo, nem menos caracteristico.

E, entretanto, nunca nenhum ministro da guerra esteve, nos ultimos trinta annos, em melhores condições do que o sr. visconde do S. Januario, para emprehender grandes reformas militares. (Apoiados.)

Durante as administrações do sr. Fontes Pereira de Mello, a quem se deve o que ha feito de util e pratico no exercito, mais uma vez insisto sobre este ponto, os embaraços aos seus projectos levantavam-se uniformemente, tanto na imprensa como no parlamento. (Apoiados.)

A imprensa até por vezes se soccorreu á calumnia e ao aleive, como quando se creou o campo de manobras de Tancos, que estava no espirito da epocha, que deu excellentes resultados, especialmente para expurgar as fileiras de invalidos e incompetentes, e que hoje se acha transformado em escola de engenheria.

A opinião parlamentar não era menos inexoravel, occupando-se d'este estadista eminente, para com quem modernadamente, por parte dos mais antigos e mais crucia adversarios, são de rigor os elogios posthumos. (Apoiados.)

Sempre na estacada, por vezes dirigindo as phalanges opposicionistas, sobrelevava-se, incansavel, com o tirocinio e as luzes que tem sobre a especialidade, o actual sr. presidente do conselho, para quem não havia proposta de lei, medida, simples acto de administração, da iniciativa do meu inolvidavel chefe, que merecesse a sua approvação, e mesmo que não devesse ser condemnada in limine. (Apoiados.}

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E agora o que se vê?

A imprensa adversa ao governo pedindo reformas efficazes, radicaes, instando por que se cuide com seriedade da defeza do paiz. (Apoiados.} E fazendo côro com ella, a opposição parlamentar, apresenta-se igualmente explicita, na maneira como formula as suas aspirações. (Apoiados.}

Então tudo eram difficuldades, não se poupavam os meios para as crear, de modo que os melhoramentos que se obtinham eram, para assim dizer, arrancados á facciosa critica jornalistica e ao obstruccionismo parlamentar, (Apoiados.} sendo, portanto, o partido progressista o primeiro responsavel por mais se não ter feito e mais proveitosamente. (Apoiados.)

Na actualidade só existem facilidades, e em presença d'ellas esse mesmo partido conduz-se pela fórma como os factos o têem demonstrado e hão de continuar demonstrando. (Apoiados.)

Quem é, pois, que mais tem concorrido para a accentuada decadencia militar em que nos encontrâmos? O paiz não o ignora, nem tão pouco o exercito, podem crel-o (Apoiados.}

E, posto isto, vou continuar a desdobrar o triste sudario em que este governo está envolto.

Ainda ha pouco visitou a familia real portugueza um soberano estrangeiro, e dos mais illustrados. Refiro-me ao rei Oscar da Suecia.

Em presença das forças que formavam em parada para o receber, e do mais que este augusto hospede viu e observou, por certo que não formou lisonjeira idéa do modo como nós encarâmos as questões militares, como olhámos para este importantissimo assumpto, achando-nos do mais a mais na vizinhança de um paiz que, como muito bem disse o sr. Avellar Machado, e tambem eu já aqui affirme: na sessão anterior, se preoccupa tanto e tanto com a união iberica, que é um dos seus principaes objectivos politicos. (Apoiados.}

Mas a falta que se nota no pessoal dá-se igualmente com o animal, nos corpos de cavallaria e do artilheria montada, com excepção dos da guarnição de Lisboa, sendo varias as causas d'isso. Nem sempre, segundo me consta, toda a verba destinada á compra do solipedes, tem tido essa applicação. A transferencia de verbas é uma das habilidades em que os ministros se mostram por vezes fortes, e acontece com frequencia não serem felizes n'esses exercicios de prestidigitação. (Apoiados.)

O meu illustre collega, o sr. Avellar Machado, entende que a situação actual melhoraria com o estabelecimento de dois depositos, um de procreação e o outro de ensino.

S. exa. disse mais, que lhe parecia que em Villa Viçosa seria o ponto mais adequado para se estabelecer um deposito de ensino, na Gollegã, um deposito de procreação, ou potril.

Concordo completamente em que qualquer d'estas duas localidades está em condições de poder abastecer abundantemente, de viveres e forragens, as forças que ali tenham de permanecer, e porventura mais economicamente do que a maior parte das outras povoações do paiz, alem do que, pelo que respeita a Villa Viçosa, já ali existe, a titulo de ensaio, um deposito de ensino, que, segundo as informações que possuo, tem dado lisonjeiros resultados, e melhores elles seriam, se a tentativa ou experiencia se tivesse realisado em mais larga escala.

Mas a creação d'esses estabelecimentos não é tudo. É preciso principalmente que se remonte por fórma que os membros da respectiva commissão se dirijam directamente aos lavradores, e não aos intermediarios, e que as condições exigidas para as acquísições sejam quanto possivel de caracter permanente e não estejam a variar de um para outro mercado. (Apoiados.}

Com isto lucrará a agricultura e lucrarão os governos, que têem o dever de a proteger, especialmente nas circumstancias que ficam indicadas, em que todos ganham com o desapparecimento e annullação dos intermediarios, a quem por mais de um vez terei ainda de me referir, combatendo a sua perniciosa intervenção nos negocios publicos. (Apoiados.}

Mas se a escacez de homens é manifesta, como tenho demonstrado, e a escacez de solipedes tambem não é menor, o que tudo concorre para que a instrucção seja talvez menos do que rudimentar, o que admira que se dêem ou succedam malogros, como o que se verificou com o exercicio do Sabugo? (Apoiados.}

O que ali se passou foi verdadeiramente extraordinario, a começar pela maneira incompetentissima como se manifestou a administração militar, que não soube cumprir os mais elementares preceitos das funcções que tinha a desempenhar. (Apoiados.) E entretanto, o serviço, ou antes desserviço, por ella feito não desagradou completamente, ao que parece, nas regiões do poder. Nem uma providencia de caracter official, de que o publico tivesse conhecimento, foi adoptada, no sentido de pôr um travão a tão grandes vergonhas, no intuito de que ellas se não repitam. (Apoiados.)

É possivel que o illustre ministro, como toda a gente, quer profana, quer da profissão, chegasse n'um certo momento a entender que era um dever imprescindivel adoptar energicas providencias; e digo que é possivel, porque o discurso da corôa referia-se á apresentação, ao parlamento, de um projecto sobre a reforma da administração militar. Mas como s. exa. se desempenhou d'esse seu compromisso, todos nós o sabemos. (Apoiados.} Nem sequer tal proposta de lei ainda aqui appareceu, como já tive occasião de notar, e por isso não insisto mais sobre o assumpto, porque o meu desejo ê - mais uma vez o recordo - tomar o menos tempo possivel á camara, como creio que tenho feito. (Apoiados.)

O que é certo é que s. exa. não apresentou o promettido projecto, o que dá margem a que se supponha que, depois do maduro pensar, assentasse em que a administração não é tão má como a pintam. (Riso.)

Pois se, como tudo indica, é esse o seu juizo, que, a todos os respeitos, oxalá não seja o final, (Riso.} pôde s. exa. acreditar, em boa consciencia lh'o digo, que n'esse terreno apenas o poderá acompanhar a propria administração, que, sovada e contente, (Riso.} ainda teve a veleidade de apparecer na imprensa a balbuciar umas desculpas, que melhor fôra que tivesse calado. (Apoiados.}

E a prova d'isto está nos muitos factos que eu podia citar á camara, e que não cito, ainda no intento de não lhe tomar tempo, não resistindo comtudo á tentação de destacar d'elles o seguinte, que é caracteristico:

No Sabugo propriamente dito, as forças que representavam o inimigo não tiveram viveres nem abastecimento de qualidade alguma, durante cerca de quinze horas que ali permaneceram!

Imagine-se por isto que esta famosa administração era encarregada de desempenhar as suas funcções em tempo de guerra! (Apoiados.}

Mas ainda do exercicio do Sabugo resta outra recordação, que não pôde deixar de ser registada nos annaes parlamentares.

O Sabugo foi um Sédan para o exercito portuguez, onde só faltou, e felizmente, não haver mortes a lastimar. No mais, um completo desastre, cuja attenuação se encontra apenas no pessimo tempo que fez. (Apoiados.) Ali não se capitulou, porque não houve quem quizesse fazer capitular.

Até para nada faltar na paridade que estabeleço, se manifestou a sordidez e nenhum escrupulo de um fornecedor de um dos artigos de fardamento mais indispensaveis ás tropas. Refiro-me ao calçado. (Apoiados.)

Todos sabem perfeitamente que uma das circumstancias que concorreram para que tropas francezas soffres-

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sem revezes sobre revezes, foi a administração militar, que se verificou fornecer calçado com solas de papelão.

Pois cá o fornecedor de infanteria n.° 23 com quartel em Coimbra, e de que algumas praças figuraram, por enxertia, n'outro corpo, esse fornecedor, repito, foi ainda mais adiante. Reconheceu-se que as solas do calçado das praças d'esse regimento eram de cascas de arvores!

E diz se que nós não inventâmos; que imitâmos unicamente! (Apoiados.)

O sr. Abreu e Sousa: - Contra esse fornecedor adoptaram-se as devidas providencias.

O Orador: - É verdade, mas isso não impediu que o facto se desse. (Apoiados.)

E este fornecedor não é o unico, no genero.

Quando eu tratar mais desenvolvidamente de fornecimentos, e hei de tratar d'este assumpto com a largueza que elle merece, s. exa. verá que tem havido outros muitos fornecedores de cascas de arvores, ficando consignado desde já, que o illustre ministro, em lugar de proceder contra elles, os tem favorecido com moratorias injustificaveis e por outras fórmas, como eu ainda hoje patentearei.

Em compensação, o triste compensação, na verdade, mandou proceder a um inquerito, ácerca dos extraordinarios, para não dizer phantasticos acontecimentos, que se deram no Sabugo.

E o que se apurou d'esse inquerito? Determinaram se e estabeleceram-se as responsabilidades que cada um teve no malogro do exercicio? Houve punições para os que faltaram ao cumprimento dos seus deveres?

Não posso dizel-o, porque disposição alguma official se seguiu ao encerramento do inquerito, e já vão decorridos alguns mezes depois que isto aconteceu.

Dar-se-ha o caso de que o illustre ministro se desse por satisfeito com o resultado da investigação que se fez, e reconhecesse que a ninguem tinha que castigar, que não houvera uma unica falta, que tudo caminhára com regularidade, correctamente?

É possivel, em presença do procedimento de s. exa. (Apoiados.) No entanto não ouso affirmal o.

O que sei é que, tendo eu requerido, como era meu direito, ha bastante tempo, e com urgencia, copia do inquerito, o meu requerimento ainda até hoje não foi attendido. Esta recusa, por essencialmente significativa, dispensa-me do me alargar em commentarios, (Apoiados.) sem que por isso deixe de pôr em relevo, como merece, que este systema da negar documentos é inherente ao actual governo, sem excepção do sr. ministro da fazenda, que me está ou vindo. Que o digam os illustres deputados, os srs. Arroyo, Avellar Machado, João Pinto Rodrigues dos Santos e creio que quasi todos os outros representantes da nação, que têem assento n'este lado da camara. (Apoiados.)

É na verdade inadmissivel este expediente, retinta e caracteristicamente progressista, de furtar á publicidade documentos e actos graves e importantes da administração publica, cujo conhecimento poderia orientar convenientemente o paiz e indicar lhe a melhor linha de proceder a seguir. (Apoiados.)

Não foi seguramente ao estrangeiro que os actuaes ministros foram inspirar-se para tão rudemente atacarem as regalias parlamentares. (Apoiados.) Em Inglaterra, em França, em Italia e em todas as nações em que o systema parlamentar não é uma ficção, os homens mais eminentes, quer occupem ou não o poder, não vacillam em tornar publicas as verdades mais amargas, tanto pelo parlamento como pela imprensa, quando adquirem a convicção de que d'essa sua franqueza podem resultar geraes beneficios (Apoiados.)

Nós vemos, por exemplo, que á Inglaterra, nação pacata, mercantil, egoista e cuja situação geographíca a defende, como a nenhuma outra, de ser atacada, chegou tambem a persuasão de que não podia continuar no estado em que está hoje, relativamente á falta, de recursos militares de defeza. Dada esta convicção, o que fizeram os seus homens de guerra, de maior vulto, como lord Wolseley, lord Beresford e outros distinctos generaes? Expozeram francamente no parlamento e na imprensa o que entendiam que se devia fazer para o paiz estar a coberto de qualquer ataque contra a sua independencia e contra o seu poderio.

E se da Inglaterra passarmos a estudar e a rememorar o que se passou já este anno na camara dos deputados franceza, reconhecer-se-ha que em França tambem não prevalecem os processos mysteriosos de administração, que só encontram abrigo entre os governos fracos, entre os governos desauctorisados, entre os governos que antepõem os seus interesses e os dos seus parciaes aos interesses do paiz. (Apoiados.) São os factos que o vão comprovar.

Durante a gerência do almirante Aube, como ministro da marinha, foi grande o numero de torpedeiros construidos, descurando-se para esse fim a construcção de navios de combate de differente typo e os trabalhos de fortificação das praças maritimas de guerra. O almirante Aube, que ainda no anno passado exercia as funções de ministro, entendia que o torpedeiro tinha morto o couraçado, e tão convencido estava d'isso que, para provar a sua asserção, mandou proceder a evoluções de esquadras e a simulacros de combates entre barcos d'esta e d'aquella natureza.

Reconheceu-se, porém, que, quando esses simulacros se davam proximo da costa ou dos portos, a vantagem era dos torpedeiros; mas no alto mar, e mesmo sem muito mar, não podiam estes barcos sustentar se, ainda quando fossem acompanhados ou comboyados por navios de grande lotação, cabendo portanto a supremacia, sem discussão, aos couraçados.

N'estes termos, parece ter ficado reconhecido que os torpedeiros constituem apenas um elemento de defeza de portos, costas e rios, e que para o ataque e combate no alto mar, os grandes couraçados ainda hoje não lêem competidor.
E igualmente o que se deprehende do debate que houve na camara dos deputados, por occasião de se discutir o orçamento do ministerio da marinha, no dia 7 de fevereiro ultimo, - discussão que foi encetada pelo deputado conservador, o almirante Dompièrre d'Hornoy, e em que tambem tomaram parte o almirante Krantz, ministro da marinha, o deputado Menard-Dorian, relator da commissão, o deputado conservador Liais, o deputado republicano de Mahy, antecessor do almirante Krantz na gerencia d'aquella pasta, e outros membros da camara.

O almirante Dompièrre, emittindo a opinião de que era preciso refazer a esquadra couraçada, acrescentou que ella era, áquella data, inferior á de Inglaterra, Italia e Russia, e dentro em pouco seria excedida pela da Allemanha, cuja força naval augmentava de dia para dia.

Respondeu-lhe em poucas palavras o almirante Krantz, que, sem o contradizer, manteve a reserva que lhe impunham as funcções do seu cargo, e concordando plenamente em que era urgente proceder a melhoramentos na armada.

Mas quem consternou positivamente a camara foi o sr. de Mahy, antecessor do almirante Krantz, que fez na verdade revelações assombrosas, com respeito ao estado em que se encontravam algumas praças fortes maritimas e á maneira como se despendiam os creditos destinados a augmentar a força naval da França.

Ponderou mais o orador que o credito consignado no orçamento que se discutia era insufficiente, e acrescentou:

«Perante a situação em que se encontram os negocios da Europa, a França não pôde esperar que se façam economias. Pelo contrario, tem de despender avultadissimas sommas, ainda por alguns annos.»

Fazendo estas revelações, que não foram contradictadas, o sr. de Mahy declarou, que procedia assim por espirito de

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patriotismo, porque era preciso que a França não alimentasse duvidas sobre factos que os inimigos d'ella muito bem conheciam.

Sr. presidente, é por esta fórma que se procede em toda a parte onde se acata a opinião publica, (Apoiados.) onde as redeas do governo não estão confiadas a homens de partidos abastardados, (Apoiados.) onde se presta culto ao patriotismo e ao desinteresse. (Apoiados.)

E como a França não esqueceu até hoje a severa lição que lhe foi infligida em 1870-1871, a sua camara dos deputados votou, com applauso da nação, os avultadissimos creditos que lhe eram pedidos, e que o senado pouco depois igualmente approvava; mas teve tambem a consolação de saber, decorridos tres ou quatro mezes, que os sacrificios feitos não tinham sido infructiferos.

Em Barcelona, no certamen de esquadras que ali se effectuou, e segundo li na imprensa local, a esquadra franceza apresentou-se por modo verdadeiramente brilhante.

Mas não foi só a França que votou, para assim dizer, por acclamação, os creditos pedidos para augmento da sua esquadra e para as fortificações dos seus portos e costas.

Na Italia acaba de succeder o mesmo.

Uma proposta pedindo augmento de credito, a fim de serena dotados convenientemente os differentes serviços militares e de ser augmentada a força armada, foi approvada sem discrepancia, por todos os deputados.

Só entre nós, triste é recordal-o, se não trata de assumptos militares com a seriedade com que se devia tratar! (Apoiados.) Oxalá que não tenhamos de nos arrepender, em periodo breve, d'esta nossa imperdoavel incuria. (Apoiados.)

Pela minha parte, sr. presidente, não me accusa a consciencia de ter sido atacado d'esse pernicioso indiffereutismo. No limite das minhas fracas posses, contra elle tenho reagido, tanto na imprensa como no parlamento.

N'esse proposito ainda, e seguindo o exemplo dos homens superiores, cujos nomes ha pouco citei, proseguirei denunciando ao paiz outros factos de que tenho conhecimento, - factos esses que não podem nem devem continuar a subsistir, se quizermos pensar um pouco na defeza da patria. (Apoiados.}

Assim, vou occupar-me ainda de um assumpto relativo á ínstrucção militar.

Refiro-me ás missões no estrangeiro. Depois tratarei dos fornecimentos, como prometti, e por ultimo da defeza geral do reino, perante as nossas caducas e desmanteladas praças de guerra, do caminho de ferro da Cascaes, das fortificações de Lisboa e seu porto, e das nossas escolas praticas e das escolas regimentaes.

As missões militares no estrangeiro não constituem, como é sabido, uma novidade. Ha bastantes annos que ellas existem, não só cá, mas tambem nos outros paizes. D'ellas tiram proveito os officiaes commissionados, os governos se se derem ao incommodo de ler os relatorios que devem formular os commissionados, e até com ellas poderiam lucrar todos os officiaes do exercito, se esses relatorios fossem publicados apenas na parte que não podesse susceptibilisar ou melindrar as nações amigas, que acolheram os hospedes que lhes enviámos. (Apoiados.)

N'este sentido se manifestou já no anno passado o illustre deputado o meu amigo, o sr. Francisco Machado; e quando s. exa., que apoia tão calorosa e dedicadamente a actual situação, não conseguiu demover o illustre ministro, do systema de mysterios e infundadas reservas, que com tanto esmero cultiva, não serei eu que terei a pretensão de ser mais feliz.

E a despeito de, como disse, as missões ao estrangeiro não constituirem novidade, nem por isso deixarei de me congratular por o illustre ministro se não ter afastado da tradicção.

O que representa novidade, contra a qual que insurjo desde já, é a fórma como foi feita a escolha dos commissionados, mandados no anno passado a França e a Italia.

Nada tenho, convem que isto se saiba, contra os officiaes escolhidos, que são reputados como muito distinctos; mas emquanto poder elevar a voz n'esta casa, protestarei, como o faço agora, com toda a energia, contra a inaudita exclusão que se fez dos officiaes de cavallaria e de infanteria, do desempenho d'essa commissão. (Apoiados.)

Já no anno passado me insurgi, por occasião de se discutir a proposta de lei sobre praças de guerra, contra o pensamento que n'esta proposta transparecia de se desconsiderarem aquellas duas armas. (Apoiados.)

Os meus protestos encontraram então echo no parlamento, e o projecto de lei foi modificado em conformidade com as indicações por mim feitas e pelo meu velho e prezado amigo, o sr. Serpa Pinto.

Pouco tempo, porém, decorreu que não se patenteasse novo exclusivismo, o qual, por manifestar reincidencia mais censuravel se torna. (Apoiados.)

É preciso que o illustre ministro saiba que, no caso sujeito, a sua preferencia pelo corpo do estado maior e pelas armas de artilheria, e especialmente de engenheria, significa mais do que um acto incorrecto; - representa um erro imperdoavel de administração, (Apoiados.) que nem sequer encontra desculpa, na necessidade de fazer economias, - desculpa sediça e estafada, que não encontra echo era parte alguma, quando invocada por este governo, cuja perdularia gerencia tem excedido até o que era dado prever. (Apoiados.)

E depois, não seriam dois magros subsidios, dados durante dois mezes, o maximo, a dois officiaes, um de cavallaria e outro de infanteria, que arruinariam o thesouro. (Apoiados.)

Com a exclusão d'estas duas armas, se não houve o proposito de as desconsiderar, como difficil será demonstral-o, houve, pelo menos, um esquecimento indesculpavel, como facil é evidenciar.

Quem conhecer um pouco as questões militares sabe perfeitamente que as armas que mais carecem da instrucção que se colhe nas missões ao estrangeiro, são a cavallaria, a infanteria, a artilheria e o estado maior.

Ora, mandar, como s. exa. mandou para a Italia, unicamente um official de engenheria, é simplesmente assombroso. (Apoiados.)

Se lhe mandasse estudar praças de guerra ou fortificações de outra qualquer natureza, perfeitamente de accordo. Mas excluir a cavallaria e a infanteria para mandar um official de engenheria assistir ás manobras do exercito italiano, não se justifica, nem sequer se desculpa. (Apoiados.)

O sr. Abreu e Sousa: - No programma de manobras do exercito de Italia, figurava o ataque ás praças da guerra.

O Orador: - Permitta-me v. exa. que lhe diga que a objecção que me faz não está á altura do seu comprovado talento.

Nem o exercito italiano se occupava exclusivamente do ataque e defeza de praças, que, a realisarem-se, constituiriam uma questão secundaria, nem a engenheria é empregada n'essas operações, senão como um simples auxiliar.

A engenheria occupa-se, como v. exa. muito bem sabe, em construcções de toda a especie, em lançamento de pontes, em levantar trincheiras, na feitura e reparação das obras de fortificação, antes e durante o ataque. As outras armas é que defendem e atacam, e por isso mais necessidade têem de assistir a simulacros d'essa natureza. (Apoiados.)

E por tudo isto que eu digo que a paciencia tem limites, e desde o momento em que se entra no caminho dos exclusivismos e das preferencias, deve-se esperar a correspondente reacção, - reacção motivada pelas provocações que

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tenho indicado, e que parecem tomar o caracter de chronicas. (Apoiados.)

Eu só entendia que se dessem estas exclusões se se reconhecesse a incompetencia dos officiaes de cavallaria e de infanteria.

Mas quem ousará affirmar que não ha n'estas armas officiaes distinctissimos, do que têem dados sobejas e exuberantes provas?

Não fizeram elles sempre parte das missões mandadas ao estrangeiro, nas administrações transactas?

Pois pretender-se-ha agora que só nas outras armas haja officiaes habilitados para isso?

A obsecação transtorna até os espiritos mais lucidos, porque, de contrario, bastaria passar em revista os livros militares e outros trabalhos litterarios e scientificos, publicados modernamente, para se reconhecer a flagrante injustiça de que estão sendo alvo, por parte d'este governo, os officiaes de infanteria e cavallaria. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu não vou designar á camara, para não lhe tomar tempo, as recentes producções dos officiaes do exercito. Mas pôde v. exa. crer que poderia citar bastantes livros e outros trabalhos, firmados por officiaes de infanteria e cavallaria. Dos outros officiaes é que seria difficil fazer isso. Ha pouco, muito pouco produzido.

E entretanto, afigura-se-me que para qualquer se elevar ás vertiginosas alturas em que pretendem pairar os officiaes das armas pomposamente chamadas scientificas, precisa mostrar que a sua sciencia não é só para dentro. A sciencia ou sáe pela bôca fallando, ou pelos dedos escrevendo. (Apoiados.) Sciencia para dentro, authenticada unicamente em diplomas, cartas, e até cartazes, não admitto, nem acceito. (Apoiados.) Provas e factos, escrever e fallar, e o que é indispensavel. (Apoiados.)

Como disse, sr. presidente, não designarei obras, mas citarei alguns nomes de officiaes de cavallaria e de infanteria, que andam ligados a producções de bastante valor. Prestarei por este modo justa homenagem a quem a ella tem direito, e pôde v. exa. crer que muito folgo com isso. Apontarei, portanto, os nomes de Vidigal Salgado, Celestino de Sousa, Claudino Dias, Mardel, Hugo de Lacerda, Xavier Machado, José Estevão de Moraes Sarmento, Mesquita de Carvalho, e mais poderia designar, mas não me occorrem agora.

Mesmo sem saír d'esta casa, poderia augmentar a lista de nomes. Não o faço, porém, para não ferir a reconhecida modestia dos meus illustres collegas. Todavia, notarei que, com excepção da minha humilde pessoa, todos os outros officiaes de cavallaria e de infanteria, que aqui occupam logar, estão indiscutivelmente em condições de desempenharem missões militares no estrangeiro.

O sr. Avellar Machado: - Seguramente, como v. exa. tambem. (Apoiados.)

O Orador: - Agradeço penhoradissimo a extrema amabilidade de v. exa., na parte que me diz respeito, e consinta que registe a sua auctorisada opinião relativamente aos outros officiaes, nossos collegas, a que eu me referi; mas nem por isso elles deixaram de ser votados ao ostracismo, podendo d'este facto tirar-se illações em desabono do merito, bons desejos e applicação que elles têem notoriamente manifestado. (Apoiados.) Foi contra esta flagrante injustiça que eu me insurgi.

Mas, sr. presidente, entre os nomes dos illustrados officiaes, que citei, figura o do sr. Mesquita de Carvalho, a quem não tenho a honra de conhecer pessoalmente. Julgo, por consequencia, que me acho em campo completamente desassombrado para emittir parecer ácerca do seu ultimo livro, que tem sido criticado, pela imprensa, por diversas maneiras, segundo os varios paladares, chegando a critica a penetrar no parlamento, pela voz do meu illustre correligionario, o sr. Avellar Machado, com cujas apreciações não estou de accordo n'esta parte.

Aquelle official, possuido de boa vontade, escreveu recentemente um livro intitulado A verdadeira situarão militar de Portugal. Poderia n'um ou n'outro ponto inspirar-se em idéas pessimistas? É possivel; mas o que é certo é que mostrou patriotico empenho de ser util ao paiz, apontando os erros, as faltas e defeitos que encontrou no estudo e analyse a que procedeu, e fez muito bem. (Apoiados.) Eu não tenho senão a louval-o por isso.

Parece-me, portanto, que o illustre deputado, o sr. Avellar Machado, não foi positivamente justo, alludindo áquelle official pela fórma como o fez, Permitta-me s. exa. que lh'o diga.

O sr. Avellar Machado: - Eu creio que v. exa. labora n'um erro. Não me recordo de ter dito cousa alguma, em desabono do sr. Mesquita de Carvalho.

O Orador: - Afigura-se-me que v. exa. foi um pouco injusto para com o escriptor, não para com o individuo; mas se tambem eu o fui agora para com o illustre deputado, espero que s. exa. me desculpará, porque tem benevolencia para isso e para muito mais ainda, - tanta benevolencia que até se inscreveu a favor d'este projecto, (Riso.) a despeito de se prever, como os factos se encarregaram de o demonstrar que, com esse seu acto de abnegação, incorreria nas iras do illustre relator, e meu amigo, o sr. Carrilho. (Apoiados.)

Mas o mau humor do sr. relator da commissão já passou, felizmente, como o denota a sua prasenteira e jovial phisionomia; e eu, aproveitando esta sua boa disposição de espirito, verdadeiramente primaveral, (Riso.) vou como prometti, occupar-me de fornecimentos, no que, contra os meus desejos, terei de consumir algum tempo, tantas são as revelações que tenho de fazer á camara, e que ouso taxar de curiosas.

N'esta quentão dos fornecimentos, eu devo declarar desde já que sou pelo sr. ministro da fazenda contra o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da guerra.
Rarissimas vezes me tem succedido estar, nas questões parlamentares, ao lado do sr. Marianno de Carvalho.

Creio que é até esta a primeira vez, o que não me impede de que admire o seu previlegiado talento e que me prezo de ser seu amigo pessoal.

V. exa. agradece?

Nada tem que me agradecer.

Julgo que nunca pequei por lisonjeiro, e as espontaneas declarações que fiz agora são exclusivamente promovidas pelo desejo que tenho de ser verdadeiro e recto.

Mas, ainda assim, para estar ao lado de s. exa., é preciso que esteja contra o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da guerra, - o que prova a boa harmonia que existe na igreja progressista. (Apoiados.)

E tudo isto provém do modo como é interpretada a lei de contabilidade publica, que, pelo que se observa, é de molde para que faça cada um o que melhor lhe parecer. (Apoiados.)

O sr. ministro da fazenda interpreta a lei de uma maneira; o sr. ministro da guerra por outra; mas o que é mais original é o sr. ministro do reino, que, pelos seus actos, manifesta o mais soberano desprezo pelo cumprimento da lei.

S. exa., que se jacta de ser sentinella vigilante de tudo e de todos, dentro da orbita do seu partido, sem exclusão dos seus collegas do gabinete, está igualmente em perigo de que o vigiem, bem como aos seus delegados, quando se trata do fornecimento dos fardamentos para a policia civil de Lisboa e Porto.

Eu me explico, e muito claramente.

O sr. ministro da fazenda sustenta a genuidade do concurso; o sr. ministro da guerra e apologista do concurso degenerado, como os factos se encarregarão do evidenciar; o sr. presidente do conselho é mais radical, mais rasgado, muito mais avançado, porque não quer o concurso. Pelo menos não usa d'elle.

E, portanto, como sentinella vigilante do cumprimento

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1898-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

das leis, está, pela sua parte, a reclamar que o vigiem visto que tambem as não cumpre (Apoiados.)

E deixando bem accentuada a divergencia e diversidade de opiniões d'estes tres illustres conselheiros da corôa, ei devo dizer a v. exa. e á camara que não me foi só recusada a copia do inquerito a que se procedeu, e a que já alludi, depois do celeberrimo exercicio do Sabugo.

Varios documentos relativos a fornecimentos tambem não me foram remettidos.

Eu me explico.

Na sessão de 28 de março, mandava eu para a mesa um requerimento pedindo, com urgencia, pelo ministerio da guerra, os seguintes documentos:

1.° Copia do auto de arrematação de capacetes, arrematação que se realisou em 24 de julho de 1886, e indicação de se tinham sido ou não cumpridas, em todos os seus pontos, as condições do contrato.

2.° Nota do numero de capacetes comprados no estrangeiro pelo delegado especial do governo, para esse fim no meado, e qual o preço por que saiu cada um.

3.° Designação dos nomes dos arrematantes cujos productos figuram na analyse a que, por ordem do ministerio da guerra, se mandou proceder no fim do anno passado, quaes d'esses arrematantes cumpriram o seu contrato, fornecendo em conformidade com os padrões typos.

D'estes documentos foram-me apenas enviados: a copia do auto de arrematação de capacetes, e a nota do numero de capacetes comprados no estrangeiro e o preço por que saiu cada um. Era presença d'esta fórma de proceder, conclui immediatamente que havia empenho era occultar se tinham sido cumpridas ou não as condições do contrato acquisição de capacetes, e bem assim os nomes dos arrematantes que não forneciam em conformidade com os padrões typos. (Apoiados.)

Da leitura da analyse a que me refiro no meu requerimento, deprehendi facilmente que havia productos fornecidos, segundo os modelos officiaes, e outros que não estavam n'essas condições. Entre os primeiros reconheci, pelas indagações a que me entreguei, que figuravam os artefactos de brim, produzidos pelas fabricas de Torres Novas e tive com isso satisfação, porque, comquanto não tenha o menor interesse pecuniario ligado a essas fabricas, estão ellas estabelecidas na terra da minha naturalidade, e folga-se sempre, havendo mesmo um certo orgulho, em que os conterraneos não se afastem do correcto caminho da lisura e da probidade. (Apoiados.) Outro tanto apurei com relação aos productos da fabrica da Arrentela, o que é de justiça tambem consignar.

Mas na analyse, a qual tinha sido feita por um distinctissimo official de cavallaria, o tenente coronel o sr. Vasconcellos o Sá, não se indicavam os nomes dos arrematantes, e era precisamente este um dos esclarecimentos que eu desejava obter. Não sendo, pelo que respeita ao ministerio da guerra, as fabricas productoras as que fornecem directamente os seus artefactos, e sim os intermediarios, conhecidos estes, e o que fornecia cada um, apurava-se com facilidade os que traficavam e os que honradamente exerciam o commercio, e até se havia alguem que falsificasse os productos das fabricas nacionaes. (Apoiados.) Em tal caso, estas naturalmente apressar-se iam a reclamar, prestando-se-lhes com aquelles esclarecimentos um bom serviço era favor do seu credito e da sua reputação. (Apoiados.) Mas o illustre ministro da guerra entendeu não dever completar o excellente trabalho do sr. Vasconcellos e Sá, e os injustificaveis processos mysteriosos de administração de s. exa. mais uma vez prevaleceram, com prejuizo do negocio licito, do exercito e do paiz. (Apoiados.}

E tenho pena, sr. presidente, que todos os documentos que pedi me não fossem enviados, porque eram especialmente os que me recusaram que eu pretendia ver inseridos na folha official. E creia v. exa. que, se elles tivessem chegado á minha mão, eu teria pedido que se publicassem, como proclamaria agora os nomes dos traficantes e os dos industriaes e negociantes honestos, a fim de que a opinião publica formasse o seu juizo sobre uns e outros. (Apoiados.} Fique, pois, registado que, se assim não procedo, a culpa não é minha. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, eu affirmei que havia no ministerio tres modos de pensar diversos, tres systemas, ácerca de fornecimentos: o do sr. ministro da guerra, o do sr. ministro da fazenda, e o do sr. ministro do reino. O systema do illustre presidente do conselho o ministro do reino, é o mais curioso, como já tive occasião de notar, e por isso talvez os policias civis de Lisboa e Porto não apitem, só quando ha desordens. (Riso.) Terão, porventura, n'outras occasiões, os seus motivos tambem para apitar. (Riso. - Apoiados.}

O systema do sr. ministro da fazenda é o que seguia o sr. Fontes Pereira de Mello, depois da ultima mudança do uniformes, e não é novo. É o que se emprega no estrangeiro, na Allemanha, por exemplo, onde se tem em attenção que nem o fornecedor nem o fornecido sejam prejudicados, dispensando ao mesmo tempo á industria nacional toda a protecção que possa dispensar-se-lhe. (Apoiados.) E é por isso que ali não se acceita por principio algum o intermedierio, que é considerado um cancro, uma calamidade, não só para o fornecido, como para a industria, principalmente se o intermediario dispõe de uma certa influencia. (Apoiados ) como não faltam entre nós os exemplos. (Apoiados.)

Portanto, bem fazia o sr. Fontes seguindo o systema estrangeiro. Tinha elle estabelecido que os fornecimentos se fizessem em globo, por concurso entre as fabricas productoras, por modo a haver completa igualdade, em qualidade e em preços, para todas as localidades, e que os uniformes fossem effectivamente uniformes, a todos os respeitos, nas differentes terras do reino. (Apoiados.) Alem d'isto, tinha adoptado mais estas precauções:

Que os productos fabris fossem fornecidos com a marca da fabrica productora das amostras escolhidas, a fim de se evitarem falsificações e outras alicantinas;

Que o governo estivesse sempre habilitado, por intermedio de delegado seu, a verificar se nas fabricas fornecedoras se empregavam as materias primas, usadas na feitura das amostras preferidas em concurso.

Por esta fórma ficavam salvaguardados todos os interesses legitimos, e ao mesmo tempo conseguia-se que o uniforme fosse o que devia ser, verdadeiramente do mesmo padrão em todo o exercito. (Apoiados.)

Estes principios, que foram ha bem pouco tempo muito louvavelmente adoptados pelo sr. conselheiro Peito de Carvalho, quando se tratou de fardar a policia fiscal, produziram o melhor resultado, como eu tive ensejo de verificar na respectiva repartição da administração geral das alfandegas. Estou convencido de que nenhum regimento ou qualquer outra corporação, cujo fardamento seja fornecido por arrematantes, está melhor fardado, e mais barato, do que o corpo de policia fiscal. Mas para isto foi necessario, como e notorio, que o dignissimo administrador geral se livrasse em proveito dos seus subordinados, dos importunos especuladores que o assetiavam, o que lhe faz honra na verdade. (Apoiados.}

Se com esse mesmo escrupulo se procedesse no ministerio da guerra, não se dariam factos tão pouco edificantes como o que vou narrar.

Um fabricante da Covilhã, e de bons creditos, arrematou o melton para capotes. Pouco depois apparecia a fornecel-o, pelo mesmo preço, um intermediario.

Como elle obteve esta concessão, não o sei; mas o que positivo é que esta anomalia existe e dá margem ás seguintes interrogações:

Como faz elle este milagre?

Por amor da arte? (Riso.}

Para beneficiar a nação? (Riso.}

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APPENDICE Á SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1888 1898-G

Duvido muito que aquelle apparente benemerito ande servir desinteressadamente de procurador de fabricante da Covilhã, ou que esteja a fornecer melhor ou tão bom como este o poderia fazer. (Apoiados.)

A philantropia tem limites, até entre os intermediarios, em geral, e principalmente, e em especial entre os que dispõem de influencias politicas. (Apoiados.}

Pela parte que me respeita, tenho observado que a philantropia, a que alludi, tem produzido nos capotes, as cores mais variegadas e phantasticas. Para combater a monotonia da uniformidade, nada ha mais efficaz. (Riso.) Agrada á vista, e talvez console o paladar, (Riso.) dos taes philantropos, entenda-se bem, que são entes privilegiados. (Biso. - Apoiados.)

O vestuario de uma opera cuja acção se passe no Oriente, não produz melhor effeito, - do Rei de Lahore, por exemplo. (Hilaridade.}

E note v. exa. e a camara que, a despeito de o assumpto se prestar, ponho aqui ponto nas minhas considerações. Nem sequer peço explicações ao governo sobre o assombroso milagre, que acabo de denunciar, e pela simples rasão de que, se as pedisse, perdia o meu tempo. Elle não m'as dava. Tem para isso as suas rasões.

Se eu tivesse a ingenuidade de acreditar que o governo cumpriria o seu dever, informando o paiz de certos factos que as mais elementares conveniencias publicas aconselham que não se lhe occultem, perguntaria ao illustre ministro da guerra:

Que motivos ponderosos imperaram no animo de s. exa.; para renegar o systema inaugurado pelo sr. Fontes, e seguido pelo sr. Marianno de Carvalho na administração geral das alfandegas?

Está s. exa. disposto a voltar ao bom caminho, resgatando o fornecimento do exercito, da praga dos intermediarios?

Está s. exa. resolvido a dar á industria nacional a protecção a que ella tem direito, e a melhor zelar os interesses do exercito e do thesouro, ainda que tenha para isso de contrariar o flagello dos intermediarios?

Mas, como disse, não tenho a simpleza de julgar que me seja dada resposta. E se alguem ha que assim não pense, recommendo-lhe, por caridade, que a espere sentado ou deitado, para não se fatigar. (Apoiados.) E entretanto, ir-me-hei eu occupando da maneira como tem sido feita a acquisição de capacetes, e das variadas questões de que ainda tenho que tratar.

Começarei pelos capacetes, era cuja arrematação continua a florescer o zangão do intermediario, que parece estar incrustado no ministerio da guerra. (Apoiados.)

Pelos documentos que recebi, reconhece-se que depois da ultima transformação geral de uniformes, se adquiriram por duas vezes capacetes para o exercito. Da primeira vez recorreu-se directamente ás industrias e aos mercados allemães e francezes. Para esse fim foi mandado á Allemanha, em commissão do governo, o illustre official, a quem já me tenho referido, o sr. Vasconcellos e Sá. A compra em França foi feita por intermedio de Esteves & C.ª, firma commercial d'esta cidade.

O sr. Vasconcellos e Sá comprou 360 capacetes de couro e 5:000 de feltro, os primeiros pelo preço de 1$932,22, réis, cada um, e os segundes por 1$588,68 réis, tambem cada um, é claro. Esteves & C.ª compraram 1:600 de couro a 2$672 réis, e 3:400 de feltro a 2$220 réis.

A segunda vez que se adquiriram capacetes foi o seu fornecimento contratado com as firmas Francisco José Ferreira e Costa Braga & Fihos, e Bello & Pinto. Registe se entre parenthesis, que os filhos a que acabo de alludir, são de Costa Braga, e não de Francisco José Ferreira. (Riso.) A minha imparcialidade aconselhava-me a que fosse lucido, extremamente claro n'este ponto, e parece-me que o fui., (Apoiados.)

É verdade que no contrato assigna, por Francisco José Ferreira e Costa Braga & Fihos, A. Francisco Ribeiro Ferreira, mas devia para isso estar legalmente habilitado, e não sei mesmo se tem algum parentesco com Francisco José Ferreira. (Riso.)

A Ferreira & Costa Braga foi adjudicado o fornecimento de 17:000 capacetes de feltro, pelo preço de 2$415 réis cada um; e a Bello & Pinto, o de 7:000 capacetes de couro, por 3$080 réis.

Este contrato, que foi assignado em 24 de agosto de 1886, devia ser integralmente cumprido dentro do praso de um anno. Segundo a crendice popular, n'esse dia andava o diabo á solta (Riso.); e se assim é, não esteve ocioso, podem crel-o.

Mas, sr. presidente, como aquella clausula foi satisfeita, eu mais tarde o direi, apesar de me terem sido negados os documentos officiaes, que, para esse fim, solicitei do governo. Por agora vou proceder a comparações que só tornam necessarias para que o paiz possa avaliar como se zelam os interesses publicos, - comparações cujo resultado eu creio que ha de ser curioso.

N'este proposito, começarei por pôr em relevo que, emquanto Ferreira e Costa Braga e Bello & Pinto dispozeram de um largo praso para cumprirem o seu contrato, o sr. Vasconcellos e Sá o Esteves & C.ª tiveram de se desempenhar da missão que lhes foi confiada, n'um curto periodo. A causa d'isso reside na necessidade que houve de fazer uma parada, por occasião do enlace matrimonial do herdeiro presumptivo do throno, e na qual as tropas que n'ella tomaram parte deviam apresentar-se com os novos uniformes, como effectivamente succedeu.

Para que isto se conseguisse foi preciso, por exemplo, que o sr. Vasconcellos e Sá tivesse de pagar aos operarios allemães salarios muito mais elevados, do que em circumstancias normaes. Alguns chegaram a vencer de jornal 1$800 réis, o que para elles foi uma inesperada fortuna.

A firma Esteves & C.ª é natural que lutasse tambem com embaraços em França; e se assim aconteceu, como eu supponho, igualmente os soube vencer.

Em presença das considerações que tenho feito, julgo que as situações respectivas, dos primeiros e dos segundos fornecedores, estão nitidamente definidas (Apoiados.}: - para os agentes do governo, difficuldades derivadas do pouco tempo de que podiam dispor (Apoiados.); para os outros, facilidades provenientes da largueza do praso que lhes foi marcado. (Apoiados.)

Estabelecidos estes preliminares, vou proceder a alguns confrontos de algarismos, para que d'elles se possa deduzir, por modo incontestavel, que só um acto de mais caracterisado favoritismo poderia imperar no animo do governo para adjudicar ás firmas Francisco José Ferreira e Costa Braga & Filhos, e Bello & Pinto, o segundo fornecimento de capacetes; e muito intencionalmente me dirijo n'esta occasião ao governo, e não apenas ao sr. ministro da guerra, porque o termo do contrato foi approvado era conselho do ministros, como d'isso dá testemunho a copia official d'elle, que aqui tenho.

E dando começo a essa escabrosa, mas indispensavel operação, (Apoiados.) principiarei por comparar os preços dos capacetes comprados, nas circumstancias extraordinarias que indiquei, pelo sr. Vasconcellos e Sá e pela firma Esteves & C.ª, tirando do resultado que apurar as correspondentes illações.

A differença entre os capacetes de couro comprados pelo sr. Vasconcellos e Sá, e a firma Esteves & C.ª é, em cada um, de 739,78 réis; a differença entre os capacetes de feltro e tambem a favor, para a fazenda, da compra do sr. Vasconcellos e Sá, é de 631,32 réis. Ora como Esteves C.ª compraram 1:600 capacetes de couro o 3:400 de feltro, se os tivessem adquirido pelo preço por que os obteve o official commissionado pelo governo, realisar-se-ía

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1898-H DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a economia de 1:184$548 réis para o primeiro caso, e a de 2:146$488 réis para o segundo.

Como se vê, a compra realisada pelo sr. Vasconcellos e Sá foi feita em muito melhores condições para o thesouro, do que a de Esteves & C.ª

Influiriam para isso as circumstancias do mercado?

Produzirá a industria allemã mais barato do que a industria franceza?

Ê possivel.

Mas se se attender a que é bastante avultada a differença dos preços dos productos adquiridos por um e pelo outro agente, que os direitos que pagaram na alfandega foram íguaes, e o transporte das mercadorias exportadas da Allemanha não é seguramente menor do que o das exportadas pela França, conclue-se naturalmente que Esteves & C.ª são pouco mais ou menos tão philanthropos e desinteressados, como os outros seus congeneres, os intermediarios. (Apoiados.)

E não se lhes deve estranhar isso.

Ninguem trabalha para não tirar resultado.

O que é estranhavel é o governo ignorar, ou fingir ignorar, estas cousas elementarissimas, e distribuir de mão beijada os redditos da nação, que muito melhor e mais util applicação podiam ter. (Apoiados.)

A diferença apontada está em que Esteves e C.ª conduziram-se como, sob o ponto de vista commercial, tinham o direito de se conduzir, emquanto que o delegado do governo se portou como official brioso e honesto, zelando o mais que pôde os interesses da fazenda. (Apoiados.)

E não foi unicamente com a compra dos capacetes que este official tem dado provas do seu zêlo.

Na acquisição de outros artigos de fardamento, igualmente o tem manifestado.

Assim, para a guarda fiscal, as esporas que custavam 1$320 réis cada um par, obtem-as elle por 490 réis, pagos os direitos.

Outros factos podia citar; mas, para não fatigar a camara não o farei, limitando-me apenas a assegurar-lhe que as economias resultantes dos bons serviços prestados pelo sr. Vasconcellos e Sá áquelle corpo aduaneiro, elevam-se a alguns contos de réis.

Reconhece-se, pois, pelo que fica exposto que, se o illustre ministro da guerra mandasse a França um official commissionado do governo, como mandou á Allemanha, ter-se-ia feito, na acquisição dos capacetes, uma economia de mais do 3:000$000 réis, que embolsou o intermediario a que recorreu. (Apoiados.)

Houve, é fóra de duvida, um augmento importante de despeza, por culpa exclusiva do illustre ministro, - augmento que eu ainda podia acceitar e comprehender se elle fosse destinado á compra de capacetes de gelo para uso dos srs. ministros, (Riso. - Apoiados.), porque na realidade é preciso estar se completamente doido para se desprezarem por similhante fórma os interesses do thesouro e os dos soldados. (Apoiados.}

E, sr. presidente, ainda agora terminei o prologo do que tenho a dizer sobre o assumpto.

Por isso vou continuar na minha ordem de considerações, procedendo a outros confrontos mais instructivos, se é possivel, do que os que tenho feito.

A differença de preço dos capacetes de couro comprados pelo sr. Vasconcellos e Sá e os fornecidos por Bello & Pinto é de 1:147,78 réis em cada um, note-se bem, 1:147,78 réis!

Qualquer dos meus illustres collegas o póde verificar, porque já indiquei os preços por que os de uma e outra procedencia foram adquiridos.

Eu é que não desço ás minucias de repetir os algarismos para não me alargar demasiadamente.

A differença entre os comprados em França por Esteves & C.ª e os fornecidos por Bello & Pinto é de 408 réis.

Na totalidade, haveria uma economia de 2:850$000 réis, se Bello & Pinto fornecessem pelo preço que forneceram Esteves & C.ª, e de 8:034$460 réis, se Bello & Pinto fornecessem pelo preço por que comprou o sr. Vasconcellos e Sá.

E passo á comparação entre os preços por que foram adquiridos os capacetes de feltro.

A differença entre os comprados pelo sr. Vasconcellos e Sá e os fornecidos por Francisco José Ferreira e Costa Braga & Filhos é de réis 826,32, em cada um; e a dos fornecidos por estas mesmas firmas e Esteves & C.ª é de 195 réis, tambem em cada um.

Na totalidade far-se-ía a economia de 1:365$000 réis se Ferreira e Costa Braga fornecessem pelo preço que forneceram Esteves & C.ª; e a de 5:584$240 réis, se aquella mesma firma fornecesse pelo preço por que comprou o sr. Vasconcellos e Sá.

Sr. presidente, o governo é o unico culpado e responsavel por estes esbanjamentos, que só aproveitam aos intermediarios. (Apoiados.)

Nem sequer elle protegeu a industria nacional, procedendo como procedeu.

Elle sabe-o tão bem como eu que, no paiz, não ha industria de fabricação de capacetes. (Apoiados.)

Os capacetes do segundo fornecimento foram, como os do primeiro, adquiridos no estrangeiro. Entraram nas alfandegas, por peças, que depois cá foram armadas.

Foi o unico trabalho nacional que houve, o da armação, a que, por muito original que seja este governo, não me parece ainda assim que se aventure a conceder fóros de industria. (Riso. - Apoiados.}

E entretanto, a industria da fabricação de capacetes podia-se ter creado. D'isso manifestou desejos um estabelecimento que é digno de toda a protecção. Refiro-me á casa de correcção de rapazes, cuja direcção empregou altos esforços para que o fabrico de capacetes, na totalidade ou em parte, lhe fosse encommendado. Assisti eu proprio uma vez, na secretaria da guerra, ás instancias que se faziam n'esse sentido.

O governo, porém, foi inabalavel. É-lhe completamente indifferente que se criem industrias novas, com o que augmentaria a riqueza publica. (Apoiados.} O que elle protege não é a arte, são as artes, (Riso} com cujo emprego mais possam engordar os já anafados intermediarios, seus protegidos. (Apoiados.}

Não sou eu que vagamente o affirmo. São os seus actos, por mim aqui revelados, o fundamentados nos documentos officiaes do que tenho feito uso. (Apoiados.)

Nem os rogos e supplicas, por parte da casa de correcção, foram attendidos, nem tão pouco os bons resultados que se obtiveram com a ida de um commissionado á Allemanha, foram recordados, quando se tratou de proceder ao segundo fornecimento.

Se da segunda vez se tivesse mandado, como da primeira, um official ao estrangeiro a fazer a acquisição, ter-se-ía economisado a importante verba de 13:618$460 réis, e o fornecimento completo teria sido satisfeito em mais curto praso, como o demonstrou a primeira experiencia. (Apoiados.}

Porque, é preciso que se saiba, que a despeito das firmas Francisco José Ferreira e Costa Braga & Filhos, e Bello & Pinto, se terem compromettido pelo seu contrato a darem-lhe integral cumprimento no periodo de um anno, de 24 de agosto de 1886 a 24 de agosto de 1887, ainda em novembro d'este ultimo anno alguns corpos estavam recebendo capacetes. Posso assegural-o, sem receiar que ninguem me desminta, apesar de me terem sido negados os documentos officiaes comprovativos d'esta affirmação.

Houve, portanto, como já tive occasião de dizer, falta de cumprimento do contrato.

E que motivos ponderosos se deram, para que isso succedesse?

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APPENDICE Á SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1888 1898-1

Que ratões allegaram os adjudicatarios para que lhes fosse concedida prorogação de praso?

Em que ordem de considerações se inspirou o illustre ministro para graciosamente annuir ao pedido que lhe foi feito?

Creio que estas minhas perguntas não podem ser taxadas de indiscretas. (Apoiados.) Mas supponho igualmente que ellas ficarão sem resposta. Ainda não será n'este assumpto que o mysterio e a reserva deixarão de adejar sobre o ministerio da guerra. Ver-se-ha.

E para cumulo de tudo isto, o sr. ministro da guerra não se acha presente, como o não está tambem o illustre presidente do conselho; e pôde v. exa., sr. presidente, e a camara acreditar que eu sinto profundamente a sua ausencia. Alem de me ter occupado de actos, que reputo graves, (Apoiados.) das respectivas gerencias de s. exas., o que aconselhava a presença, n'esta casa, dos dois illustres conselheiros da corôa, a assistencia de s. exas. aos debates parlamentares é sempre muito apreciada, pelo menos, pela opposição. (Apoiados.)
E n'este momento, pelo que me respeita, ser-me-ia mais agradavel do que nunca. Desejava vel-os, na bancada ministerial, hombro com hombro, com o sr. ministro da fazenda, porque ficariam assim ao lado uns dos outros, estando na questão dos fornecimentos, cada um para seu lado. (Riso. - Apoiados.)

Mas como não me é dado desfructar essa ventura, direi, pondo por este modo termo ás minhas observações sobre fornecimentos, que n'esta questão ha nas regiões officiaes tres opiniões: a do sr. ministro da fazenda, que é a orthodoxa; a do sr. ministro da guerra, que é a schismatica; e a do sr. presidente do conselho, que não é uma nem outra cousa. (Apoiados.) N'esta materia s. exa. não se filia em seita alguma definida. É pelos amigos. (Riso. - Apoiados.)

E feita a classificação de opiniões, em conformidade com o procedimento dos tres illustres ministros, passo a occupar-me da defeza geral do reino.

A defeza do reino é seguramente um dos serviços que mais deve prender a attenção do paiz e do parlamento, principalmente a defeza de certos pontos capitães, como a de Lisboa e seu porto, (Apoiados.) de que mais tardo especialmente me occuparei.

E entretanto, triste é confessal-o, não ha um plano geral estabelecido, tudo n'esta parte está por fazer, a despeito das varias tentativas que ha mais de trinta annos se fazem, no sentido de remediar tão grande mal, de preencher tão condemnavel lacuna! (Apoiados.)

E não é por falta de commissões que o problema não tem sido resolvido. Têem-se ellas succedido, com pequenos intervallos, umas ás outras, desde 1857 até hoje, em que vivemos sob o signo da commissão superior de guerra, recentemente nomeada.

Será ella mais feliz do que as suas antecessoras?

Sinceramente o desejo, como o devem desejar todos os que se interessam pela manutenção da nossa autonomia, - questão esta que deve estar fóra da alçada da politica partidaria, e em que deve haver completa uniformidade de pareceres. (Apoiados.)

Para isso bastaria que ella se conduzisse como as suas homonymas, existentes na Allemanha, porque foi ali que se foi buscar a denominação com que foi baptisada a neophyta. Oxalá se importassem, ou antes se podessem importar d'aquelle poderoso paiz as latissimas attribuições de que ellas ali desfructam e - porque não o hei de dizer - os homens experientes e superiores que d'ellas fazem ou têem feito parte. (Apoiados.)

Na Allemanha, a commissão superior de guerra é sempre presidida por um dos vultos mais proeminentes do imperio. Nos ultimos annos da vida do imperador Guilherme I, exerciam as funcções, de presidente, o herdeiro do throno, que depois foi o imperador Frederico III, e de vogaes, o marechal Moltke, chefe do estado maior general, o ministro da guerra e alguns dos mais abalisados commandantes de corpos de exercito.

Para se fazer idéa da largueza e extenção das suas attribuições, basta dizer que nenhum caminho de ferro é construido sem que os respectivos planos sejam submettidos á apreciação da commissão superior de guerra que, sem appellação de especie alguma, os modifica, altera ou rejeita, como melhor entende.

Por isto se vê, quanto estamos distanciados d'aquelle grande paiz! (Apoiados.) Aqui, as commissões de defeza, se pouco trabalham, como é facil provar, e eu provarei com documentos publicos, não são tambem por via de regra, attendidas nas suas consultas, a que se sobrepõem as influencias das companhias e dos boyardos financeiros melhor cotados, como o demonstrarei igualmente quando me occupar do caminho de ferro de Cascaes. Parece até que são exclusivamente ouvidas, para servirem do ludibrio e serem escarnecidas, pelos syndicatos de negocios, paternalmente apadrinhados por este governo. (Apoiados.)

N'estas condições seria melhor, mais conveniente e menos affrontoso não as consultar. (Apoiados.) Pelo menos lucraria com isso o decoro publico. (Apoiados.)

Á decadencia de costumes, que estes factos revelam, á ineficacia com que, ha mais de trinta annos, as varias commissões têem procurado assentar n'um plano geral de defeza do reino, corresponde naturalmente o estado miseravel em que nos encontrâmos sob o ponto do vista defensivo, a começar pelas nossas praças de guerra. (Apoiados.)

A respeito d'estas praças, emitti eu a minha opinião no anno passado, quando aqui appareceu um projecto com enxertia de officiaes superiores para a engenheria e para a artilheria. O projecto, diga-se de passagem, foi approvado; mas os enxertos não pegaram.

Uma voz: - Eram de garfo.

O Orador: - Exactamente, eram de garfo, (Riso.) como podiam ser de borbulha, (Riso.) porque é o que não escasseia. (Apoiados.) Mas como não pegaram, como disse, ninguem medrou com elles. (Riso. - Apoiados.)

Dizia eu, pois, sr. presidente, que no anno passado emittira a minha opinião sobre as nossas praças de guerra. Não irei agora repetir á camara os argumentos que então expuz, porque, mais uma vez o asseguro, desejo ser breve quanto possivel. Limitar-me-hei, portanto, a consignar que, se então considerava inuteis quasi todas ellas, hoje não tenho que fazer excepções. Assim as reputo a todas, depois das experiencias feitas ultimamente no estrangeiro com os novos explosivos. (Apoiados.)

D'essas experiencias concluiu-se que, até as blindagens metallicas de maior espessura não resistiam, por muito tempo, á melinito. Por isto se pôde avaliar o que resistirão as nossas praças, desmanteladas, construidas com antigos materiaes, dos mais primitivos, deveria eu dizer. Na sua maioria não resistem a um quarto de hora de investimento. (Apoiados.)

E é por isso que, no estrangeiro na França, por exemplo, as praças que se acham n'essas condições vão ser arrazadas.

Conserval-as em tal estado é mais prejudicial do que as não ter. Obrigam a despezas improductivas, embaraçam o desenvolvimento das edificações ordinarias, e até submettem, em caso de guerra, a população a provações perfeitamente estereis, e a que poderia não estar sujeita se não estivesse n'um recinto fechado. (Apoiados.)

Do que deixo exposto conclue-se: que nenhuma das nossas praças de guerra, incluindo a de S. Julião e a de Monsanto, está nas circumstancias de offerecer resistencia que tal nome mereça, logo que o inimigo empregue contra ellas os novos explosivos; e que, a par d'isso, não ha um plano, nem sequer um projecto de plano geral de defeza do reino, o que prova que as commissões nomeadas para esse fim pão têem encontrado o indispensavel apoio nas altas

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1898-J DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

regiões do poder, ou têem sido compostas de incompetentes ou não têem trabalhado com o zêlo e a boa vontade que seriam para desejar. (Apoiados.)

Mas como as verdades, em assumpto de tanta ponderação o magnitude, não devem occultar-se, por mais amargas que sejam, eu não vacillo em declarar que, por maiores que fossem as difficuldades que as differentes commissões encarregadas de estudar a defeza geral do reino encontrassem nos varios governos, que ha trinta annos se succedem nos conselhos da corôa, ellas poderiam pelo menos ter formulado estudos completos, simples projectos. (Apoiados.)

N'este caso, não seriam ellas as principaes responsaveis do que se está presenciando. Seriam os governos, que lhes não tinham acceitado os alvitres. (Apoiados.)

Perante o que se observa, e que salta á vista do mais myope, os governos têem principalmente sido culpados de as não fazer trabalhar, porque, nem mesmo se lhes pôde exigir responsabilidade por as não terem substituido. Até foi substituida a que era presidida por José Feliciano da Silva Costa, meu illustre patricio, com o que muito me honro, e que, como o marquez de Sá da Bandeira e o sr. Fontes Pereira de Mello, foi dos que mais trabalhou para preparar em bons termos a defeza geral do paiz.

Mas, sr. presidente, o mal do tudo isto provém em grande parte de se encarregarem trabalhos d'esta natureza a commissões numerosas, em que tem voto deliberativo cada um dos seus membros.

O proloquio popular diz assisadamente: «cada cabeça, cada sentença»; e digo assisadamente, porque os factos, entre nós, o comprovam.

Com rarissimas excepções, questão submettida ao estudo de uma commissão, é uma questão adiada indefinidamente. É um dos flagellos que atropina a administração publica, o das commissões. (Apoiados.)

Na Romania, ao que, parece, succede outro tanto; e foi talvez por isso que, precisando ella ha annos de proceder á defeza do reino, pediu á Belgica a cedencia temporaria do general Brialmont, que, com effeito, ali foi desempenhar, com a annuencia do seu governo, a commissão para que fôra convidado.

Ha dois annos, porém, o governo belga entendeu dever fortificar o valle do Mosa e reforçar as fortificações de Antuerpia, e o general Brialmont foi chamado ao seu paiz, onde em poucos mezes, como já tive occasião de notar aqui, levantou o plano geral de todas essas obras, as quaes mesmo no anno passado começaram a ter execução.

A Romania, cujas tropas se tinham pouco antes conduzido brilhantemente na campanha contra a Turquia, não hesitou em recorrer a um general belga, a quem foi pedir o auxilio do seu comprovado talento e reconhecida aptidão, em proveito da defeza patria. Desistiu do apparato das commissões mais ou menos pomposas, sacrificou, porventura, um pouco do seu orgulho de nação nova, que dera provas de aguerrida, e entregou a organisação da sua defeza a uma só cabeça, e cabeça estrangeira.

A Turquia, cujo exercito se conduziu acima de todo o elogio, na ultima campanha com a Russia, tem ao seu serviço dezenas do officiaes estrangeiros, em que avultam os allemaes, nos quaes está confiado o levantamento das fortificações de Andrinopla, do Bosphoro, de Constantinopla e outros pontos. Tambem acima de quaesquer prejuizos e preoccupações, considera que está a louvavel missão de preparar a defeza nacional (Apoiados.)

Eu, sr. presidente, não tiro de todos estes factos as deducções que poderia tirar; mas afigurou-se-me que, na conjunctura em que nos encontrâmos, eram apropositadamente citados. Ao criterio de quem me ouve deixo aquelle encargo.

Do que, porém, me não dispenso, visto que me occupei da Belgica, é de confrontar o que lá se faz com o que se passa entre nós. Ali, primeiro que se pensasse em dotar o porto de Antuerpia com todos os commodos e facilidades que o commercio reclama, procedeu-se á sua fortificação. Recentemente, obtendo-se a convicção de que os trabalhos que se tinham effectuado estavam antiquados, tratou-se de os modificar e de augmentar os meios defensivos com a construcção de novas fortalezas, com a renovação do material de guerra, e todos os outros melhoramentos modernos, aconselhados pela arte militar. E note se que a Belgica tem tido sempre ao seu lado, nas crises mais difficeis, a Inglaterra, como garante da sua neutralidade.

E o que se passa em Portugal? As obras de fortificação do porto de Lisboa nem mesmo estão todas esboçadas; a respectiva commissão de defeza confessa n'um documento official, que eu tenciono ler á camara n'uma das proximas sessões, que no estudo da defeza avançada do porto de Lisboa não está feito»; as insufficientes fortalezas que existem nem estão guarnecidas nem artilhadas com as necessarias bocas de fogo, tanto pelo que respeita ao sou numero, como á sua qualidade; e é em presença d'este vergonhoso quadro que se procede, não ás obras, em realisação, do porto commercial, cuja urgencia era palpitante, mas que se pensa em interpostos, em portos francos, em obras dispendiosissimas, desde Belem até Cascaes, e não sei se em mais algum projecto com que tenham gaudio os syndicatos! (Apoiados.)

E, a par d'este cortar largo pelas finanças do estado, d'esta elaboração de projectos grandiosos, nega-se pertinazmente ao sr. ministro da guerra a insersão, no orçamento, de um credito para compra de material de guerra, e para que se dê maior impulso ás obras em começo. Debalde s. exa. solicita essa concessão, que, pela tenacidade na recusa, vae adquirindo feitio de graça ou mercê. (Apoiados )

E note-se que a verba não é exagerada, é de réis 100:000$000! Mas parece que estão atravessados na garganta do sr. ministro da fazenda.

Verdadeiramente não sei se é s. exa., se o sr. relator da commissão, que se oppõe a que se consigne essa verba no orçamento, - verba que é igual á que já ali tem figurado, e que ainda figurou no ultimo orçamento do sr. Fontes Pereira de Mello!

Mas é que então o sr. Carrilho não marcava o compasso tão fortemente. (Riso.) E o curioso é que o sr. visconde de S. Januario se sujeira á nova cadencia (Riso.), porque não se pôde comprehender que s. exa. apresentasse no anno passado uma proposta de lei pedindo aquelle credito, só para que ella continue jazendo no seio, que n'este ponto não se póde dizer uberrimo, (Riso.) das commissões.

Pois, pelo que respeita á commissão de fazenda, a uberdade tem sido a sua divisa. A tyrannia, portanto, do seu secretario, por assim dizer, vitalicio (Riso.), para com o illustre ministro da guerra, é por tal fórma excepcional, que eu, denunciando-a n'este momento, tenho, sobretudo, em vista, que este facto fique registado nos annaes parlamentares.

Sr. presidente, tendo-me occupado a largos traços da defeza geral do reino, ou mais apropriadamente, tendo posto em evidencia as miserrimas condições em que se encontram as nossas praças de guerra, chamemos-lhes assim, proponho-me a tratar agora do caminho de ferro de Cascaes e associadamente da defeza de Lisboa e seu porto, assumpto este de que muito perfunctoriamente me occupei, e que, pela sua importancia incontestavel, merece que se lhe dedique toda a attenção. (Apoiados.) É por isso, que com a explanação d'estas duas questões eu tenciono alargar-me um pouco; e faço-o tanto mais desassombradamente, quanto é certo que os assumptos militares só aqui têem sido analysados este anno, durante a discussão d'este projecto, e é indispensavel que o sejam minuciosamente. (Apoiados.)

Quando se discutiu a resposta ao discurso da corôa alguns srs. deputados, mens prezados correligionarios e ami-

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APPENDICE Á SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1888

gos, se inscreveram com tenção de tratarem da questão militar. Recordo-me que n'esse intuito pediram a palavra o sr. Ferreira do Almeida, o sr. Serpa Pinto, o sr. Avellar Machado e eu.

O sr. Ravasco:- E eu também.

O Orador: - V. exa.!? Só se foi para abafar. (Hilariedade.)

O sr. Ravasoo: - Eu só uma vez abafei.

O Orador: - Mas fel-o muito distinctamente; (Riso.) revelou uma vocação. (Riso.) Deve ficar encartado. (Hilariedade.)

Estavam, como disse, sr. presidente, alguns srs. deputados inscriptos da opposição. A maioria, porém, houve por melhor abafar o debate, sem que nenhum d'elles tivesse feito uso da palavra, e eu pela minha parte não me queixo. E creio que os meus illustres collegas tambem não.

Todos elles têem já fallado durante a discussão d'este projecto, occupando-se d'elle com a esmerada intelligencia que todos lhe reconhecem, e muito desenvolvidamente.

Eu estou ha tres sessões no exercicio d'esse mesmo direito, e se não tenho sido mais rapido é porque absolutamente me tem sido impossivel.

Contra qualquer objecção que em contrario se possa fazer, observarei eu:

Como é possivel eu tomar pouco tempo á camara, tendo de me occupar, por exemplo, do caminho de ferro de Cascaes, quando este importantissimo assumpto levantou por mais de uma vez discussão na outra casa do parlamento, consumindo-se nos debates grande numero de sessões, e havendo dignos pares que occuparam, no uso da palavra, duas sessões e mais até? (Apoiados.)

E deve ter-se em attenção que o caminho de ferro de Cascaes ainda até este momento aqui não foi discutido. (Apoiados.) Não deve, portanto, admirar que eu consumma algumas horas a analysar essa desastrosa concessão, (Apoiados.) indefensavel, sob o ponto de vista militar, tão prejudicial, emfim, que até fortes, cuja conservação foi reclamada pela commissão de defeza como podendo prestar muito bom serviço na defeza de Lisboa, têem sido arrasados pela companhia concessionaria, que, pela fórma como procede, parece estar fazendo o seu negocio em paiz conquistado. (Apoiados.)

Por este modo respondo eu antecipadamente a quem tenha a veleidade ou a phantasia de contra mim assacar o epitheto de obstruccionista. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Obstruccionista! obstruccionista é o governo, que, com as desordens que os seus actos têem produzido no paiz, com os fuzilamentos do povo, provocados pelas suas medidas draconianas, com os seus erros ininterruptos de administração, tem forçado, tem compellido os deputados opposicionistas a que lhe tomem amiudadas e severas contas. (Apoiados.) N'isto se tem gasto a maior parte do tempo. (Apoiados.)

Se aspira, se pretende caminhar desembaraçadamente, administre bem, sem dar margem ás justissimas reclamações de que se tem feito echo o parlamento. (Apoiados.)

Obstruccionista! obstruccionista é o governo.

O sr. Franco Castello Branco: - Só isso?

O Orador: - Observa o illustre deputado e meu amigo muito bem. Não é só isso. Se elle tivesse força e tino politico, tambem não succederia o que tem succedido. (Apoiados.) Se elle tivesse força, não teria consumido, apesar de todos os pezares, cinco mezes de sessão, para apenas fazer votar cinco projectos de lei. (Apoiados.)

E tenha-se presente que d'esses projectos dois, o das licenças e o dos tabacos, representam a transformação radical das doutrinas por elle aqui sustentadas no anno passado, e que fez converter em leis, (Apoiados.) leis, é certo, puramente platonicas, que não poderam ter execução. (Apoiados.) E n'isto que se malbarata o tempo; em dizer e desdizer, em fazer e desfazer. (Apoiados.)

Ora quando o ministerio se acha tão accentuadamente empenhado em patentear a instabilidade das suas obras, é de esperar que o seu procedimento faça escola, e a quem lhe succeder ainda reste alguma cousa para emendar e transformar. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, como a hora está a dar, reservarei para a sessão nocturna a analyse da concessão do caminho de ferro de Cascaes. Aproveitarei, no entanto, os poucos momentos que me restam para reclamar a presença do illustre ministro da guerra, na sessão da noite.

Não sei, nem quero saber, se o governo está contrariado com o modo como têem corrido os debates parlamentares, o se o sr. ministro da guerra está, n'esta occasião, mais agastado do que os seus collegas. O que ninguem ignora é que a desculpa do illustre ministro, dada pelo sr. ministro da fazenda, para não assistir á sessão da tarde, é inadmissivel. (Apoiados.)

É precisamente quando se discutem as questões militares, que s. exa. tem serviço publico, (Apoiados.) como se comparecer no parlamento não fosse serviço publico, (Apoiados.) como se o serviço no parlamento não devesse prevalecer a qualquer outro serviço. (Apoiados.)

Tratando-se de assumptos tão importantes, como os que têem estado em discussão, podia s. exa. desculpar-se com o chavão do serviço publico? (Apoiados.)

Se s. exa. estivesse doente, como já esteve, eu nada diria, como o não disse, e nem sequer me referi a um assumpto militar, durante o forçado impedimento de s. exa.

Aquella circumstancia impunha-se naturalmente á delicadeza de todos nós. (Apoiados.)

Mas s. exa., estando bom, como felizmente está, porque já está effectivamente restabelecido, não podia deixar de vir assistir a esta discussão, que tão de perto lhe toca e deve interessar. (Apoiados.)

E devo dizer a v. exa. e á camara que, se o illustre ministro não estiver aqui presente á noite, ou hei de reclamar energicamente contra tão estranho acto, porque não é natural que s. exa. tenha á noite serviço publico. (Riso - Apoiados.)

Na questão de que me vou occupar tem o illustre ministro pesadas e bem definidas responsabilidades, tornando-se por conseguinte a sua comparencia indispensavel. (Apoiados)

Vozes: - Deu a hora.

O Orador: - Como deu a hora, peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

Rectificações

Fazem-se as seguintes rectificações ao discurso proferido pelo sr. deputado Dantas Baracho na sessão de 6 de junho, e que veiu publicado em appendice:

A pag. 1892-A, col. 1.ª, lin. 18, onde se 16 «com a largueza que um assumpto», deve ler se «com a largueza que assumpto».

A pag. 1892-B, col 1.ª, lin. 62, onde se lê «contra o bom senso», deve ler-se «sobre o bom senso».

A pag. 1892-D, col 1.ª, lin. 19, onde se lê «mereceu tambem», deve ler-se «merecera tambem».

A pag. 1892-F, col. 2.ª, lin. 14, onde se lê «não pôde haver disciplina, deve ler-se «não pôde haver instrucção».

A pag. 1892-G, col. 2.ª, lin. 33, onde se lê «é inadmissivel», deve ler-se «é admissivel».

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