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SESSÃO NOCTURNA DE 11 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. Sr. João Ribeiro dos Santos

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Parecer da commissão de administração publica apresentado pelo sr. Adolpho Pimentel. - Pede o sr. Lobo d'Avila que se delibere ácerca da proposta mandada para a mesa pelo sr. Eduardo Coelho, na sessão diurna. - Verificou se não haver numero para se votar.
Na ordem da noite continuam em discussão os titulos III, IV, V e VI do projecto de lei relativo á reforma administrativa do municipio de Lisboa, usando da palavra até ao fim da sessão o sr. Elias Garcia, que apresenta e fundamenta em largas considerações uma proposta de alterações a diversos artigos do titulo III; fica ainda com a palavra reservada.

Abertura - Ás nove horas e meia da noite.

Presentes á chamada - 56 srs. deputados.

São os seguintes: - Adolpbo Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Garcia do Lima, A. da Rocha Peixoto, Turres Carneiro, A. J. d'Avila, Carrilho, Santos Viegas. Sousa Pavão, Augusto Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Neves Carneiro, Barão do Ramalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Cypriano Jardim, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Fernando Geraldes, Francisco Beirão, Mouta e Vasconcellos, Guilherme de Abreu, Silveira da Motta, Costa Pinto, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, Sousa Machado; J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Correia de Barros, Dias Ferreira, Elias Garcia, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Julio de Vilhena, Luciano Cordeiro, Luiz Ferreira, Reis Torgal, Manuel d'Assumpção, Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Pedro Franco, Rodrigo Pequito, Sebastião Centeno, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Agostinho Lucio, Sousa e Silva, Garcia Lobo, Firmino Lopes, Sant'Anna e Vasconcellos. Ferreira de Almeida, Lopo Vaz e Tito de Carvalho.

Não compareceram, á sessão os srs.: - Agostinho Fevereiro, Moraes Carvalho, Albino Montenegro, Anselmo Braamcamp, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Antonio Candido, Pereira Côrte Real, Antonio Centeno, A. J. da Fonseca, Antonio Ennes, Lopes Navarro, Pereira Borges, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Pereira Leite, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Ribeiro. Cabral, E. Coelho, Góes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Vieira das» Neves, Correia Barata, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Matos de Mendia, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente. Melicio, Searnichia, João Arrojo, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, J. A, Neves, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Amorim Novaes, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, José Borges, Laranjo, José Frederico, José Luciano, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Pedro Roberto, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

O sr. Adolpho Pimentel: - Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobro o projecto de lei n.º 118-A, que tem por fim applicar ao actual chefe da repartição dos impostos da camara municipal do Torto, Antonio Ferreira Duarte Bessa, a disposição do artigo 353.º do codigo administrativo.
A imprimir.
O sr. Carlos L. d'Avila: - Peço a v. exa. que consulte a camara, se quer ou não votar agora a urgencia da proposta, apresentada pelo sr. Eduardo José Coelho na sessão diurna do hoje, para que na proxima semana, depois de terminada a discussão do tratado do Zaire, sejam discutidas nas sessões diurnas e nas sessões nocturnas as leis de receita e despeza para o futuro anno economico.
O sr. Presidente (João Ribeiro dos Santos): - Vae verificar-se se ha numero na saia para se votar,
Feita a contagem, verificou se não haver numero.

ORDEM DA NOITE

Continua a discussão dos titulos III, IV, V e VI do projecto de lei n.° 109 (Reforma administrativa do municipio de Lisboa)

O sr. Elias Garcia: - Pedi a palavra sobre a ordem e vou mandar para a mesa a minha moção, em virtude da qual proponho uma substituição ao capitulo I do titulo III:
A moção é esta:
«Proponho as seguintes alterações ao capitulo I do titulo III:
«1.ª Que o artigo 28.º seja assim redigido:
«Artigo 28.° Haverá cinco commissões especiaes para os seguintes serviços municipaes:
«1.° Saude e hygiene publicas;
«2.° Instrucção publica;
«3.° Beneficencia publica;
«4.° Fazenda municipal;
«5.° Obras publicas.
«2.ª Que o artigo 29.º seja assim redigido:
«Artigo 29.° As commissões a que se refere o artigo anterior são compostas do sete membros, e organisadas nos termos do artigo.
«§ unico. Á commissão de saude e hygiene publicas serão aggregados mais dois membros, um da commissão de obras publicas e outro do conselho especial de veterinaria, ambos escolhidos pela camara municipal.
«3.ª Que antes do artigo 30.°, e n'este capitulo, se estabelecia o seguinte artigo:
«Artigo ... Duas ou mais conferencias podem funccionar em conferencia, quando se tratar do assumpto da sua

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competencia commum, e assim seja resolvido pela camara municipal.»
Acabei de ler a minha moção:
Rogo a v. exa. que peça á camara que esteja silenciosa, porque eu não posso fallar, senão do vagar, por estar muitissimo cansado.
Se a camara não quer ouvir quem falla, não fallo, ficará á camara a responsabilidade de não ouvir. Eu bem sei que os srs. deputados podem conversar ou deixar de conversar. (Apoiados.)
Mas eu entendo que não se póde conversar de maneira que não se ouça quem falla d'este logar.
O sr. Pereira Carrilho: - V. exa. dirija-se ao sr. presidente e não á camara.
O sr. Emygdio Navarro: - Póde tambem dirigir-se á camara.
O Orador: - Embora esteja voltado para a camará, não me dirijo senão ao tr. presidente.
Tenho outras propostas e outra substituição ao capitulo II d'este titulo.
Comecei por ler a substituição ao capitulo I, e vou tratar de a justificar.
É bem sabido que estamos aqui para expor as nossas opiniões, e para conhecer as opiniões contrarias. N'este debate ha uma cousa singular. É o sr. ministro do reino estar sempre callado, e o sr. relator imitai-o de uma maneira verdadeiramente notavel.
Permitta-me o sr. relator que lhe diga, que á restricta obrigação de quem apresenta uma reforma como esta, não é só votar, é contribuir tambem com a palavra para que o debate se esclareça.
A camara apresenta-se uma proposta d'esta ordem, e eu não comprehendo que os que têm amor ao estudo, venham manifestar esse amor n'esta camara, contribuindo para cessar os debates, em que esse amor pelo estudo se affirmaria. (Apoiados.)
O que vimos praticar é uma violência que não tem nome. (Apoiados.)
Lamento, e sinto principalmente que o sr. relator se associasse a esse acto.
O sr. Augusto Fuschini: - Eu sinto muito o que v. exa. sente, mas eu faço o que quero e entendo.
O Orador: - Bem sei que v. exa. faz o que entende, mas eu posso dizer tambem p que entendo e o que julgo conveniente.
Não me parece licito apresentar-se aqui uma proposta de lei, transformal-a depois em projecto, e o relator da com missão, ou o. sr. ministro, não assistirem aos debates, ou assistirem silenciosos.
Vimos aqui o sr. ministro do reino dar apenas umas ligeiras explicações, com o que s. exa. teve em vista mostrar que se occupava deste assumpto com toda a gravidade.
Eu já mostrei, e por mais de uma vez, que o meu intuito não era protrahir o debate, o meu desejo é, unica e simplesmente, dar a minha opinião ácerca de cada ponto, diligenciando que as disposições d'este projecto sejam aperfeiçoadas, e introduzir n'elle todos os aperfeiçoamentos de que é susceptivel.
O meu intento não é alongar o debate, não é o espirito de partido que me leva a usar da palavra, é sómente o interesse de aperfeiçoar o serviço municipal pelo qual tenho a maior dedicação e amor.
Este capitulo I, trata do serviço municipal, e tem a denominação - Das commissões especiaes.
Eu altero este artigo, e altero-o por esta rasão: esta divisão, que aqui está, é convencional, tanto póde ser esta como qualquer outra.
Póde haver seis serviços, póde haver sete, oito ou nove, por consequencia não ha rasão nenhuma que justifique a divisão que está feita; d'aqui o que se deprehende, é que o pensamento do sr. relator foi unicamente a creação de commissões auxiliares da camara.
Mas não póde admittir-se que, unica e simplesmente para satisfazer um desejo, seja dividido o serviço da camara a capricho; e até no próprio projecto se diz que se houver algum serviço não comprehendido n'esta divisão, seja addicionado áquella com que mais se apparentar.
Eu entendo que deve deixar-se á camara municipal o distribuir os serviços da maneira mais conveniente.
Isto não se fez nem em 1842, nem no ultimo codigo.
A lei de 1842 nada dizia sobre a divisão em pelouros, e comtudo os pelouros existiam, e principalmente na municipalidade de Lisboa.
A divisão em pelouros faz-se para attender aos diversos serviços.
Desde que os serviços crescem, é necessario augmentar o numero de pelouros.
Por exemplo, antigamente não havia o serviço dos carris de ferro americanos, o serviço da instrucção, o serviço das aguas.
Ha vinte annos não tinha ainda a importancia que hoje deve ter o serviço municipal.
As necessidades crescentes da população a isso obrigam, e a situação especial, em que se encontra a cidade de Lisboa, esbulhada e despojada pelo estado dos seus recursos, constitue uma situação penosa, e que se aggrava de dia para dia.
A camara municipal de Lisboa foi esbulhada pelo estado, primeiro dos impostos do consumo...
O sr. Carrilho: - Não apoiado.
O Orador: - Estimo bem que esse não apoiado venha a justificar-se alguma vez.
A camara municipal de Lisboa, não recebe os impostos do consumo, porque o estado os recolhe em seus cofres, dando depois á camara municipal um subsidio que a muito custo tem sido successivamente acrescentado. É isto o que faz o estado com a camara municipal a respeito dos impostos do consumo.
Pelo que se refere ás aguas a camara municipal tambem não as possue, porque estão na posse de uma companhia ácerca da qual não quero dizer nada, porque mesmo não teria duvida em lhe tecer elogios pela maneira como zela os seus interesses.
A camara municipal, depois de ter sido privada do uso das aguas que lhe pertenciam tem de pagar o que se chama - o excesso da agua, que gasta nos serviços municipaes.
Ha outro serviço tambem importante - o da illuminação a gaz; pois esse serviço está nas condições em que todos presenceâmos, e não temos esperança de que elle melhore, apesar do código administrativo estabelecer irrisoriamente um concurso para o fornecimento do gaz; mas, esse concurso não póde verificar-se, em virtude de uma condição estabelecida no contrato de 1870, contrato principalmente feito sob a tutela exercida pelo ministro do reino.
Esse contrato de 1870, feito sob a direcção do sr. ministro do reino de então collocou a cidade de Lisboa sob a pressão constante de uma companhia d'esta ordem.
Ora vejam como nós, habitantes de Lisboa, devemos estar reconhecidos á tutela do governo!
Como disse, a divisão dos serviços municipaes deve fazer-se segundo as necessidades que occorrerem, portanto, não me parece conveniente nem necessario estabelecer o principio que o projecto aqui consigna.
Se o que principalmente se deseja é compor certas commissões competentes e illustradas, para auxiliarem a resolução dos assumptos, que estão commettidos á camara, eu não contrario esse intuito do projecto.
Pela minha parte applaudo sempre todas as disposições que tendem a esclarecer a administração; nunca me opporei a isso. Pelo contrario, tenho sempre julgado singular a resolução d'aquelles que querem ser esclarecidos e elucida-

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dos e depois resolvem como entendem, e contra o voto dos competentes que consultaram.
Nunca comprehendi como a administração superior resolve contra o voto unanime de uma corporação que consulta.
Não comprehendo que um ministro, que não é technico, embora o possa ser, se é advogado como advogado, se é medico como medico, se é engenheiro como engenheiro, mas que como ministro, é ministro simples e unicamente, consultando uma corporação, e sendo o voto d'essa corporação unanime, possa resolver o contrario.
Isto nunca eu pude comprehender.
Não serei eu que me opponha a que haja tantas quantas commissões sejam necessarias, para esclarecer a administração; portanto, se entendem que haja uma commissão de instrucção, outra de saude e hygiene, outra de beneficencia, outra de fazenda municipal, outra de obras publicas, eu darei o meu voto a essa proposta, mas então redigirei este artigo da seguinte fórma:
«Artigo 28.° Haverá cinco commissões especiaes para os seguintes serviços municipaes:
«1.° Saude e hygiene publicas;
«2.° Instrucção publica;
«3.° Beneficencia publica;
«4.° Fazenda municipal;
«5.° Obras publicas.»
No artigo 28.°, §§ 1.°, 2.°, 3.º e 4.°, diz se como as commissões especiaes serão compostas: a commissão de saúde e hygiene, com nove membros; a de instrucção publica, com sete; as commissões de beneficencia publica e de fazenda municipal, com sete membros cada uma, e a de obras publicas, com tres membros.
Parece-me que é mais conveniente compôr estas commissões com o mesmo numero de membros em geral, e por isso proponho que estas commissões sejam compostas de sete membros, e deixo para o artigo correspondente, que vem posteriormente, o dizer como estas commissões hão de ser organisadas...
Redigiria assim o artigo 29.°:
«Artigo 29.° As commissões a que se refere o artigo anterior, são compostas de sete membros, organisadas nos termos do artigo...
«§ unico. A commissão de saude e hygiene publicas, serão aggregados mais dois membros, um da commissão de obras publicas, e outro do conselho especial de veterinaria, ambos escolhidos pela camara municipal.»
Eu propronho que faça parte desta commissão um membro do conselho geral de veterinaria, por uma rasão muito simples.
V. exa. sabe que no Diario do governo foi publicada uma representação do conselho escolar do instituto geral de agricultura, em que, numa exposição extensa e conceituosa, aquelle conselho mostra a necessidade de attender ao que foi esquecido neste projecto, isto é, ao serviço de policia sanitaria veterinaria, que é de muita importancia nas grandes povoações.
Vou ler alguns trechos, para se ver o que diz a representação:
«A França, queixosa pelos grandes desastres que as epidemias toem causado na sua fortuna publica e na fazenda e vida dos seus habitantes, promulgou a lei de 21 de julho de 1881, e o respectivo regulamento de 22 de junho de 1882, sobro a policia sanitaria dos gados, estabelecendo nesses documentos a obrigação, para os municipios d'aquelle paiz, de crearem a fiscalisação sanitaria por intermedio do um veterinario, em todas as feiras, mercados, e postos de importação de animaes.
«A maioria dos municipios cumpriu briosamente esta obrigação, e alguns houve, que exigiram provas tão complexas para a admissão d'aquelles fumcionarios por concurso publico, que sómente veterinarios distinctissimos poderam ser a este admittidos. Portugal, porém, n'este assumpto, como em muitos outros, tem a primasia na adopção de medidas attinentes a estabelecer a policia sanitaria dos animaes, porque no artigo 28.° do decreto de 5 de dezembro de 1885, auctorisou as camaras municipaes a crear partidos aos veterinarios.»
é sabido que entre nós já existe este serviço, e é conveniente não o esquecer.
O conselho do instituto geral de agricultura completa a sua representação, fazendo-a acompanhar de umas indicações em que se esboça a organisação do serviço de policia sanitaria veterinaria, e nessas indicações diz:
«Á commissão de saude e hygiene publicas será aggregado um membro do conselho especial de veterinaria, escolhido pela camara municipal.»
De maneira que eu, estancio do accordo com estas indicações feitas por pessoas tão competentes, e entendendo que é indispensavel que a camara attenda a estas justissimas reclamações, proponho que seja aggregado á commissão de saúde e hygiene o vogal do conselho especial de veterinaria. E digo escolhido pela camara municipal, porque o instituto geral de agricultura assim o pede, e o projecto o diz com respeito ao vogal da commissão de obras publicas.
Portanto, não introduzo novidade alguma.
Aos dois artigos 28.° e 29.°, substituo dois com igual numeração.
Mas ainda proponho mais um artigo e portanto, digo que neste capitulo I se estabeleça o seguinte artigo:
«Artigo ... Duas ou mais commissões podem funccionar em conferencia, quando se tratar da sua competencia commum, e assim seja resolvido pela camara municipal.»
Parece-me que esta disposição fica melhor neste capitulo, mas a camara fará o que entender ácerca d'estas propostas.
Continuando, direi que o capitulo II d'este titulo trata das attribuições e competencia das commissões especiaes. Segundo a minha opinião, estas commissões devem ser apenas consultivas, e tratando-se de estabelecer as attribuições e competencia d'ellas, vou tambem apresentar uma substituição, que na minha opinião se deve adoptar, em voz da doutrina d'este projecto.
No artigo 30.° diz-se:
«Artigo 30.° No dia 30 de dezembro seguinte ao da eleição, as commissões designadas no artigo 29.° reunir-se-hão, a fim de eleger por dois annos, de entre os seus membros, presidente e secretario.
«§ unico. Da commissão de saude e hygiene, só poderá ser presidente algum dos membros eleitos.»
Eu inclino-me á eleição annual, e por isso proponho o seguinte:
«Artigo 30.° No dia 30 de dezembro, as commissões especiaes, designadas no artigo 28.°, reunem-se, a fim de eleger de entre os seus membros presidente e secretario, para o anno civil seguinte.»
A minha opinião é que o presidente seja sempre tirado dos membros da commissão, e por isso, já se vê, julgo desnecessário e supprimo o § unico do artigo 30.°
Portanto, substituo ao artigo 35.° da proposta do governo a minha proposta, e proponho que o § unico seja eliminado.
No artigo 31.° diz-se que os presidentes das commissões especiaes fazem parte da camara, com excepção do das obras publicas.
Sobre este ponto já aqui se têem apresentado diversas opiniões. Nós já tivemos a fortuna de ouvir ao sr. ministro do reino, e parece me que s. exa. já tinha perdido um pouco o amor á sua proposta, porque disse que pouco lhe importava que os presidentes fizessem ou não parte da vereação. Folgo com esta hesitação de espirito do sr. ministro do reino, porque e provavel que venha a desistir da opinão de que os presidentes façam parte da vereação.
O sr. Luciano de Castro tratou d'este ponto, e, comquanto eu não o careça de corroborar as opiniões de s. exa., nem tão

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pouco repetil-as, direi, comtudo, que s. exa. propozera que não fossem considerados como membros da vereação os presidentes d'aquellas commissões; nesse ponto vou apresentar uma proposta para substituir este artigo, porque, desde que continuem a subsistir as commissões, o que é preciso é que ellas sejam o mais uteis.
A idéa de que fossem os presidentes d'aquellas commissões membros da vereação, já eu disse que era inconveniente por diversos motivos; não ha utilidade absolutamente nenhuma nem para os individuos nem para a corporação que os presidentes ali tenham voto deliberativo, apresentando s» como mais competentes; e disso que essa competencia deixava de dar-se nos demais assumptos, o que não os collocava bem em presença dos vogaes electivos.
Eu entendo que as commissões podem fazer se representar nas sessões da vereação, nos debates que ahi se levantem; mas entendo que o devem fazer quando se trate dos assumptos em que essas commissões foram consultadas; é exactamente n'essa oceano que o seu voto póde ser mais necessario.
Desejo que essas commissões se façam ahi representar, mas não se imponha a obrigação de que ellas sejam representadas sempre pelo seu presidente.
Todos sabem que nas commissões quando se estuda qualquer assumpto é o relator sempre o mais competente para tratar a questão e apresentar a opinião do corpo consultivo.
Já se vê, portanto, que se nós incumbissemos o presidente sempre ele representar a opinião da commissão, porventura forcaríamos esse presidente a um trabalho a que elle se não prestará de boa vontade, e que com facilidade e melhor poderá ser desempenhado por outros.
Por consequencia se o que se deseja é esclarecer a vereação; é indispensavel que ella seja esclarecida por quem melhor a possa esclarecer; portanto proponho:
«Art. 31.º Os presidentes das commissões a que se refere o artigo 28.°, ou um delegado por ellas escolhido, assistem e tomam parte nos debates nas sessões da camara municipal, em que se tratar dos assumptos em que as respectivas commissões forem consultadas e podem reclamar que fique registada a sua opinião nas actas da vereação.»
Eu acrescento esta indicação porque ella está no projecto mais adiante, com respeito ao presidente da commissão do obras publicas.
Com respeito a este presidente diz-se que elle tem direito a exigir que a sua opinião fique registada nos actos da vereação.
Já se vê que não desejo privar ninguem do direito de apresentar a sua opinião ou o seu conselho.
Por conseguinte todo o individuo que se apresentar á vereação para a esclarecer, se ella não quizer acceitar a sua opinião, elle tem direito a reclamar que se registe nas actas a sua opinião.
Parecce-me que d'este modo temos satisfeito a tudo.
Por esta minha proposta o serviço não perde, antes melhora.
Sobre o artigo 32.º nada direi. No entretanto farei uma observação ao meu collega o sr. Rocha Peixoto, que hontem aqui notou alguma cousa a este respeito.
A commissão redigiu, e redigiu muito bem, o artigo 32.° do seu projecto, que corresponde ao artigo 37.° da proposta do governo.
Dizia o artigo 37.° da proposta do governo - que as commissões especiaes designadas nos §§ 1.°, 2.°, 3.° e 4.° do artigo 34.° consultarão sobre todos os assumptos da sua competencia.
E a commissão no seu artigo 32.° diz:
«As commissões especiaes designadas nos §§ 1.º, 2.°, 3.° e 4.° do artigo 29.° darão as suas consultas sobre todos os assumptos da sua competencia.»
Esta redacção da commissão estabelece uma disposição mais restricta, mas evitará que se levantem duvidas, como aconteceria com a redacção do artigo da proposta do governo, porque, se os membros essas commissões forem consultados, devem bem saber quaes os assumptos sobre que têem de dar a sua opinião.
Depois diz a commissão que as consultas serão obrigatorias para todas as propostas que envolvem organisação ou regulamentos geraes dos serviços do municipio. Sobre este ponto não faço emenda nenhuma, porque desejo resumir quanto possivel as minhas propostas. O artigo 33.° trata da commissão de fazenda municipal. Sobre este ponto lembrarei ao illustre relator da commissão que, se s. exa. tivesse manuseado o antigo codigo de 1842, lá encontraria que o conselho municipal era tambem formado de maiores contribuintes, e talvez s. exa. ignore como elle viveu tanto tempo, e ao morrer ninguem chorou sobre o sou desapparecimento. O meu illustre collega deve lembrar-se que, quando em 1878 se publicou o codigo administrativo, ninguem deu pela morte do conselho municipal, e a rasão d'isso é muito simples: é porque elle nunca tinha vivido. Isto vem em apoio do que já disse a respeito de outro ponto.
Como é eleita essa commissão de fazenda? É eleita, assim como a de beneficencia, pelos 40 maiores contribuintes do bairro.
Não apresento substituição ácerca d'este modo de formar ás commissões.
De ha um certo tempo para cá a regra ordinaria é chamarem se os 40 maiores contribuintes, quando não apparece ninguem para fazer uma certa e determinada cousa.
Em 1851, em tempos mais retrogados e menos civilisados do que os que vamos atravessando, ao que parece, não se pensava só nos 40 maiores contribuintes, mas tambem nos 40 menores.
O sr. ministro do reino, que é versado em materia eleitoral, deve lembrasse de que a lei de 1851 tinha esse mérito. Mas em 1852 foram logo lançados á margem esses 40 menores contribuintes, ficando só os 40 maiores, I Não lembrarei o trabalho insano que hão de ter os quarenta maiores contribuintes para elegerem essas commissões, e apenas lembrarei ao meu collega o illustre relator do projecto, que se s. exa. se contentava em eleger com os quarenta maiores contribuintes de cada bairro, quando a cidade era dividida em tres bairros, segundo a proposta do governo, agora que a commissão propõe que seja dividida em quatro, talvez conviesse que em vez de quarenta fossem trinta, ficando o mesmo numero de 120.
Se effectivamente a questão dos quarenta maiores contribuintes é uma garantia, a garantia ficava maior desde que fossem trinta.
S. exa. entendeu dever reunir os quarenta maiores contribuintes por bairros, talvez fosse conveniente em relação á cidade toda; não me parece bom este confinamento dentro da própria cidade.
Todos somos da cidade, quer moremos mais para o oriente, quer no centro, quer para o occidente.
Na lei eleitoral estabeleciam-se grupos por bairros porque se julgou necessario constituir diversas commissões; mas desde que pelo projecto se constituiu uma só commissão, não me parece que haja utilidade em ir buscar os quarenta maiores contribuintes a cada bairro. Limito me apenas a lazer esta observação.
N'esse artigo indicam-se os encargos desta commissão de fazenda; não acredito muito na efficacia desta commissão, porque provavelmente ou nada faz, ou é um grave embaraço para a administração municipal; entretanto faça-se a tentativa.
Diz o mesmo artigo que a commissão deve ser consultada sobre empréstimos, sobre creação de empregos, augmento de ordenados, acquisição e alienação de bens.
Eu já disse que a acquisição e alienação de bens municipaes póde ás vezes reduzir-se á alienação de insignificantes bens, como acontece na occasião dos alinhamentos, e

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por isso não comprehenderia este ponto e muito menos o j que diz respeito aos empregos e ordenados, ficando só o que diz respeito a empréstimos, lançamento e cobrança de impostos.
Agora vejamos o artigo 34.° que estabelece a competência da commissão de obras publicas.
Sobre este ponto, permitta-me o sr. relator e o illustre ministro que eu discorde profundamente de tudo quanto aqui está.
Diz o projecto que esta com missão, composta de trez membros, tem de fiscalizar os serviços de obras publicas do municipio, do informar as licenças para a construcção de edificios particulares, etc.
Peço licença para observar ao illustre relator que se s. exa. olhasse com. attenção, por dois minutos, para o serviço que se faz na camara municipal, de certo não apresentaria similhante organisação, que é a mais extravagante que se tem visto.
Eu ainda hei de fallar em outros capitulos, porque o mal é aggravado com prejuizo da sciencia e do bom senso.
Sr. presidente, por todos os lados se está indicando a necessidade de eliminar estes artigos.
É o que eu proponho.
Eu proponho que no artigo 34.° sejam eliminados os n.ºs 1.°; 2.°, 3.° e 4.°, e que o g 1.° seja redigido assim:
«Art. 34.º A commissão de obras publicas será sempre consultada sobre os seguintes assumptos:
«1.° Sobre a utilidade das novas obras municipaes, que se pretenderem realisar, e em que o orçamento d'ellas exceda a importancia de...
«2.° Sobre contratos para fornecimentos, empreitadas e execução de obras, sempre que a despeza exceda...
«3.° Sobre a elaboração dos regulamentos de obras publicas.»
Este ponto não o quero eu tratar agora largamente, porque tenho de referir-me mais tarde a elle, quando se trate do conselho de saude e de hygiene e das attribuições que têem os delegados de saude, por isso que elles tambem são chamados a dar parecer sobre certos negocios municipaes.
Estimo muito ver presente o nosso illustre collega que hontem tanto agradou á camara quando nos entreteve na ultima meia hora, fallando nos serviços de saude, o sr. Agostinho Lucio.
Não o posso acompanhar, porque não tenho nem os conhecimentos nem a illustração que s. exa. tem, com respeito aos assumptos de hygiene.
S. exa. hontem não só fallou aqui como hygienista, mas fallou como medico, e fallou principalmente para ver se convencia esta camara da necessidade que ha de se reformar o serviço sanitario a fim de se salvarem tantas vidas que todos os dias se estão definhando e perdendo.
O meu illustre collega apontou muitas e diversas doenças, e referiu-se principalmente a uma dessas doenças que na nossa cidade apresenta, com respeito ás outras, uma percentagem tão consideravel que o facto devia incitar todos os poderes publicos a introduzirem em Lisboa melhoramentos que podessem fazer variar para menos essa percentagem.
S. exa. citou mesmo, com relação á nossa cidade, o que dizem as estatísticas, e neste ponto, se temos estatísticas, bom e justo é que eu diga uma cousa para gloria da camara municipal e para mostrar como o estado e os seus delegados exercem a sua tutela para com aquella corporação, pelo seu exemplo e pela sua auctoridade.
Durante muito tempo não tivemos estatistica. Hoje temos duas.
Hoje temos a estatistica demographica e medica - da camara municipal, e temos o - boletim demographico sanitario - do governo civil.
É forçoso confessar que a primazia pertence á camara municipal.
Quando a camara municipal organisou um pelouro de hygiene e começou a pubicar o seu boletim de estatistica demographica foi que o governo civil tambem accordou e fez igualmente um outro.
Tentou-se evitar esta duplicação, mas em vez de chegarmos ao bom e util accordo, aproveitando todos os elementos, não foi passivel conseguir este accordo, e assim só tem continuado durante estes quatro annos a publicar os dois boletins.
O sr. Agostinho Lucio: - Todos os subsidios que servem para a estatistica da camara, municipal derivam do governo civil.
O Orador: - Esta maneira por que o meu oollega diz que todos os subsidios que servem para a estatistica da camara municipal derivam do governo civil é galante; tambem eu podia dizer que os subsidios do que se serve o governo civil derivam da camara municipal.
O sr. Agostinho Lucio: - Isso é que não, porque os subsidos do governo civil são officiaes e os da camara municipal não são.
O Orador: - Pois os registos dos enterramentos dos cemiterios não são officiaes?
São mais officiaes do que os registos do governo civil, porque as notas que vem dos cemiterios correspondem a factos verificados.
O sr. Agostinho Lucio: - Quem fornece as certidões de obito?
Quem as passa, quem as visa e por que repartição são expedidas?
É pelo governo civil.
(Interrupção do sr. Santos Viegas.)
(Interrupção do sr. Agostinho Lucio.)
O Orador: - Os meus collegas decidirão quem falla mais verdade, só quem enterra se quem diz que se enterra.
Lembro-me agora do que disse um litterato muito distincto d'esta terra.
Dizia elle que um theatro não se abria quando se abria, mas sim quando se dizia que se abria.
Agora acontece o mesmo: um homem enterra-se não quando se enterra, mas quando se diz que se enterra.
A camara estabeleceu a estatistica demographica e modica, e depois o governo civil fez o seu boletim.
Eu disse que seria conveniente que estas duas estacões combinassem a fim de reunir os esforços de todos para se fazer um boletim melhor.
O governo civil desejou ficar com o seu boletim, que se chama boletim demographico sanitario do concelho de Lisboa; o outro chama-se estatística demographica e medica de Lisboa.
(Interrupção do sr. Agostinho Lucio.)
O da camara municipal é mais antigo.
Já disse hontem que era para lastimar que a mortalidade fosse tão grande.
lnfelizmente ha muitos annos que a mortalidade tem crescido extraordinariamente em Lisboa.
De todas as capitaes da Europa só S. Petersburgo nos leva vantagem n'este ponto.
O sr. Agostinho Lucio: - E Muniche e Vienna.
O Orador: - A respeito da tisica leva-nos tambem vantagem Nice, a cidade dos tisicos.
Ha algumas outras cidades que podiam hombrear com a nossa, mas incontestavelmente a mortalidade da nossa capital anda por trinta e tres e tantos por mil; ao passo que em todas as cidades da Europa em um período de vinte annos tem melhorado esta percentagem.
A mortalidade em Londres, que foi citada pelo sr. Agostinho Lucio, não excede hoje a 24.
E como v. exa. sabe melhor do que eu, em Inglaterra o desejo de que essa percentagem não seja excedida vae

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tão longe, que apenas os boletins correspondentes a um mez accusem uma percentagem de 20 por cento, proceda-se logo á inspecção do estado das habitações, e se estas são insalubres condemnam-se, para não serem habitadas.
Mas que diria v. exa., se se transportasse para cá a legislação ingleza?
O sr. Agostinho Lucio: - Não dizia nada, gostava.
O Orador: - Mas tem acontecido o mesmo em Franca, na Belgica e em outros paizes civilisados, o não se poder conseguir que as habitações sejam salubres, por que para isso seria indispensavel fazer sair os habitantes das casas insalubres transportando-os para outras regiões. Podia citar o que aconteceu uma vez em Londres, não em Lisboa, porque aqui os casos são muitos.
Ha em Lisboa uma legislação, pela qual apenas uma casa ameaça ruina, se intima o proprietário para a concertar; mas a estatistica disso é curiosa, o que não admira que aconteça, numa cidade pobre como a nossa. Mas em Inglaterra algumas auctoridades, dizem que, tendo chegado a fazer essa intimação a muitos proprietarios. Um d'elles dissera:
«Sou muito pobre para fazer o mais insignificante concerto, feche se quer a casa, que eu vou para o hospício.»
Aqui ha muito mais, por causa...
O sr. Fuschini: - Para isso ha lá the building-societies.
O Orador: - Crearam-se muitas cousas mais...
O sr. Carrilho (dirigindo-se ao sr. Fuschini): - Mas os resultados foram nullos!
(Interrupção do sr. Fuschini.)
O sr. Carrilho: - Leia v. exa. um artigo do Economista francez a esse respeito.
O Orador: - Em outro ponto a auctoridade insistindo em que o indivíduo devia sair da casa, porque estava em estado insulubre; o habitante dessa casa recalcitrou com a auctoridade e disse:
«Desafio-o a que me mostre, se alguma casa d'esta povoação está melhor do que a minha!»
No pleito o homem teve rasão. Digo isto para provar, como colectivamente os individuos incumbidos de fazer este serviço muitas vezes se enganam. (Apoiados.)
O meu illustre collega gosta, e eu gosto tambem, d'essas medidas de hygiene; mas ha de reconhecer uma cousa: que é bem differente traçar na imaginação essas reformas, da estabelecer os meios práticos de as executar e de as levar por diante. (Apoiados.)
Mas se o illustre deputado condemna as causas da mortalidade de Lisboa ou se condemna as muitas e variadissimas causas d'esse estado insalubre da capital, como é que occupando ha alguns a imos um logar n'esta casa e tendo já por varias vezes feito essa declaração, não tem ainda empregado os seus bons officios para a tornar salubre?!
Hontem mesmo, dentro d'esta casa, dizia que ella era insalubre; tendo aqui vindo ha uns poucos de annos, é para sentir que não tenha empregado os seus bons officios, para que se tornasse salubre, o que era para agradecer da nossa parte; mas isto prova que os individuos que cultivam a hygiene, embora dêem muitos conselhos, não os dão áquelles que poderiam transformal-os em providencias efficazes, como seria por exemplo, aqui. E talvez v. exa. hontem, quando olhava para esta casa, como eu estou olhando agora, dissesse que esta casa não era hygienica embora não hesitasse, como não hesitava de certo em traçar em quatro linhas, como effectivamente na profissão de v. exa. ao escrever uma receita para qualquer doença, quaes haviam de ser as disposições para tornar esta casa perfeitamente hygienica.
E quem sabe, se depois da obra executada ficariamos ainda peior?!
O sr. Agostinho Lucio: - Talvez não fosse necessario mandar vir o general Morim.
O Orador: - Temos visto applicarem-se certas disposições, e da applicação resultar o ficarmos ainda peior do que estavamos.
Mas desviei-me um pouco do objectivo principal; o meu desejo era pedir ao sr. relator da commissão, que concorde commigo em supprimir estes n.ºs 1.°, 2.°, 3.° e 4.° do artigo 34.°.
Supprima s. exa. tudo isto, porque esta complicação de licenças para novas construcções particulares, é uma cousa que não póde ser assumpto de trabalho para esta commissão; não póde ser assim, e tambem digo já de passagem, que não tem rasão de ser o artigo 62.°, que diz:
«Nenhuma construcção particular poderá ser levada a effeito, ou auctorisada pela camara municipal, noa termos do artigo 34.°, n.° 4.°, sem que o projecto tenha sido previamente estudado pelo respectivo sub-delegado de saúde, e, com a consulta deste, approvado pelo conselho de saude e hygiene do bairro, sob o ponto de vista das indispensaveis condições hygienicas.»
Proponho, portanto, que se supprima este artigo, e proponho porque aqui estão invertidos os papeis; o papel dos hygienistas é um, e o papel dos engenheiros é outro.
É preciso não confundir estes dois papeis; os hygienistas podem, com grande facilidade, indicar quaes são as regras de hygiene que devem ser observadas com respeito a certos edificios, como hospitaes, igrejas, fabricas, escolas, etc., mas o que peço licença para dizer é que elles não têem no nosso paiz competencia para conhecer se o projecto desses edificios está ou não elaborado na conformidade d'essas regras, e s. exas. arriscam-se muito a que lhes passe pelas mãos um projecto em que ellas sejam mal applicadas.
O sr. Agostinho Lucio: - Lá está para isso o engenheiro e o architecto e outras disposições da tabella.
O Orador: - Por isso não deve ir lá o projecto, deve ficar nas mãos de quem entende, para os competentes conhecerem se aquellas prescripções são observadas.
O illustre deputado na sessão de hontem, quando tratou de hygiene, deu conselhos e esclarecimentos muitissimo valiosos com respeito á hygiene das creanças, e mostrou que effectivamente na educação das creanças era indispensavel haver muito cuidado, para que o seu organismo não soffresse em consequencia das más condições hygienicas das escolas, da mobilia mal construida e da má distribuição da luz.
S. exa. referiu-se ás dimensões das mobilias, que são hoje conhecidas e indicadas em muitas partes e que até no nosso paiz, como s. exa. sabe, desde 1866 estão prescriptas pelo ministerio do reino.
O sr. Agostinho Lucio: - Mas não executadas.
O Orador: - Não são executadas, por uma rasão, porque o tutor pouco se importava com o tutelado. Direi mesmo, que algumas dessas prescripções não são as melhores. Tudo progride.
Todos sabemos, porque se observa nos museus, que a mobilia escolar apresenta uma variedade extraordinaria. Muito do que em 1866 se recommendava, é hoje considerado como absoleto.
Nas conferencias que se fizeram em Paris, por occasião da exposição de 1878, reconheceu-se que as mobilias até então conhecidas na Allemanha, França, Inglaterra e America, careciam de modificações.
É pena que o illustre deputado, que tem percorrido tanto, que conhece tanto o nosso paiz, dissesse que não tinha visto as nossas escolas.
S. exa. disse que não tinha visto, e eu sinto-o, porque então devia reconhecer que algumas das suas observações não são bem cabidas.
Se s. exa. se referisse ás mobilias das escolas no tempo do regimen de centralisação, muito bem; mas que se refira as mobilias modernamente adquiridas, é para lastimar que não visse que as cousas não se passavam como anteriormente, e que no seu paiz, com respeito a escolas, já se tem cuidado d'ellas, attendendo á hygiene. Tanto mais, que

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s. exa. já foi ao estrangeiro, e podia estabelecer a comparação entre o que lá viu e o que nós cá temos.
(Interrupção do sr. Agostinho Lucio.)
Mesmo em Paris, as alfaias escolares, em grande parte são inferiores ás nossas.
O sr. Agostinho Lucio: - Eu hontem fiz excepção das escolas municipaes.
O Orador: - N'este ponto posso dizer, que alguns estrangeiros mais solicitos do que os nossos compatriotas, e d'aquelles que se diz serem muito orgulhosos, como os inglezes, têem ido ver as nossas escolas e têem reconhecido que ellas estão melhores do que as que elles têem.
Ora v. exa. sabe que os inglezes não são prodigos em elogios, e que para dizerem que o edificio é bom, é preciso que isso seja verdade.
Este incidente vem ainda a pello para responder ás observações que me fez o illustre collega.
Esta digressão é util e cabida n'este capitulo.
Como não vejo presente, nem o sr. ministro do reino, nem o sr. relator da commissão, esperarei que s. exas. entrem na sala para continuar.
Comprehendo perfeitamente que s. exas. tenham necessidade de sair, e eu mesmo que, já estou um pouco fatigado, aproveito a occasião para descasnar.
(Pausa.)
(Entrou o sr. ministro do reino.)
Proponho que se elimine o n.° 3.° do artigo 34.°, porque não comprehendo que a uma commissão comporta de três engenheiros, e sem ter remuneração, seja incumbido o preparo dos processos do expropriações e indemnisações.
As regras d'este processo estão estabelecidas nas leis.
Se as expropriações são feitas amigavelmente todas as prescripções estabelecidas na lei são postas de parte, e se é necessario fazer as expropriações judicialmente, as prescripções a este respeito estão indicadas na lei e portanto não é necessario uma commissão especial para preparar esses processos.
Com relação ao n.° 2.° que diz: «superintender e fiscalisar os serviços de obras publicas, etc.», entendo que o sr. relator transtornou este organismo completamente, porque transformou o que é de sua natureza consultivo em dirigente.
Proponho portanto que no artigo 34.º sejam eliminados os n.ºs 1.°, 2.°, 3.° e 4.° e que o § 1.° seja assim redigido:
«Artigo 34.° A commissão de obras publicas será sempre consultada:
«1.° Sobre a utilidade das novas obras municipaes que se pretenderem realisar, sem que o orçamento d'ellas exceda a importancia de...
«2.° Sobre os contratos para fornecimentos, empreitadas e execução de obras, sempre que a despeza exceda...
«3.° Sobre a elaboração dos regulamentos de obras publicas.»
Proponho esta redacção, porque ha obras que são apenas concertos ou reparos, e não vejo rasão para que sejam remettidos os projectos a uma commissão gastando-se dinheiro e trabalho sem necessidade, e havendo occasiões em que estas cousas carecem de ser feitas instantemente.
E todos nós sabemos que em muitas occasiões é melhor, não fazer orçamento do custo da obra.
N'uma cidade como Lisboa, todos sabem que muitas vezes ha obras pequenas, simples reparos, que é necessario fazer immediatamente, e para os quaes se não devem exigir orçamentos; ha obras de maior importancia, e para essas é conveniente que se façam os projectos e orçamentos; mas ha outras que são pequenas reparações e para as quaes não é preciso, nem é de utilidade, fazer projectos.
Portanto, entendo que esta commissão de obras seja consultada sempre que se trate de obras novas importantes; e deixei á commissão o marcar a importancia da obra. Proponho por isso que os numeros do capitulo sejam substituidos por aquelles que apresento; mas, repito, não marquei a importância das obras porque desejo que fique á commissão designal-a..
Entendo tambem que a commissão é que deve fixar a quantia para os contratos de fornecimentos ou empreitadas.
E digo que é melhor deixar á commissão esta fixação, porque em outro artigo já se diz quaes são os casos em que se deve admittir concurso para certos e determinados melhoramentos?
O n.° 3.° refere-se á elaboração dos regulamentos de obras publicas.
Se ha assumpto sobre que deva ser consultada a commissão de obras, é sobre estes regulamentos.
Depois vem os artigos 35.º, 36.° e 37.°
Eu proponho a eliminação d'estes tres artigos; do artigo 35.°, porque já consignei a doutrina com respeito aos presidentes das commissões; do artigo 36.°, porque propuz passasse para o capitulo anterior.
O artigo 37.º diz assim:
«Quando os collegios eleitoraes, a que nos termos do artigo 20.° incumbe a eleição das commissões especiaes, se não reunirem nas eppchas fixadas n'esta lei, o governo procederá á nomeação d'estas commissões por decreto.»
Eu proponho a suppressão porque, era primeiro logar, não desejo que o governo suppra o papel dos eleitores, segundo, porque entendo que deste artigo se deve tratar quando nos occuparmos da organisação das commissões.
Portanto, é melhor inserir este artigo na parte d'este projecto em que se tratar da formação das commissões.
Eis porque proponho a eliminação dos artigos 35.°, 36.° e 37.°
Mando para a mesa a proposta.
Fui apresentando successivamente a cada capitulo, desde o primeiro até este, as emendas que entendi dever apresentar, porque não achei outro methodo de discutir o projecto na especialidade mais proficuo do que este, será porventura moroso e incommodo para os meus collegas; mas peço-lhes desculpa, não sei de outra, maneira fazel-o.
Vou ver se posso proceder do mesmo modo com relação aos outros capítulos: porque o methodo adoptado, sob proposta do meu collega que não vejo presente, na sessão de hontem, é que me forca a proceder deste modo. Se não se tivesse votado que com o titulo III se discutissem os titulos IV, V e VI conjunctamente, eu já teria acabado ha muito tempo as minhas considerações; se não se reunissem todos estes artigos não tinha fallado hontem o nosso collega o sr. Agostinho Lucio, e eu não tinha hoje respondido a s. exa., tinha limitado as rainhas observações, ao titulo III e teria coucluido. Mas os nossos collegas entenderam de outra fórma; entenderam conveniente discutir tudo. Tenham paciencia se levamos mais tempo a discutir.
Uma voz: - Temos muito prazer n'isso.
O Orador: - Eu é que não tenho prazer nisso. Será muito agradavel para alguem, não por me escutarem, mas porque a situação de quem está sentado é mais commoda do que d'aquelle que está de pé e fallando; em segundo logar alguns retiram-se; e hontem tivemos um exemplo, individuos que pediram a palavra, quando lh'a deram já não estavam na sessão.
Mas n'este titulo IV, no capitulo I, trata-se da instrucção elementar, e no capitulo II trata-se da instrucção profissional.
Lembro ao illustre relator urna cousa: desde que se diz no artigo 48.° do projecto e 53.° da proposta, que á camara compete tratar do ensino elementar e complementar, o que já está na lei, é melhor dizer: - instrucção elementar e complementar. Assim estavamos de accordo com a legislação. Sobre este ponto peço licença para fazer uma observação, porque discordo do que disse o sr. Luciano de Castro.

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O nosso estimavel collega, o sr. Luciano de Castro, disse que, na sua opinião, havia um defeito n'este projecto, e vinha a ser o seguinte: segundo o sr. Luciano de Castro, o processo que devia ter seguido o sr. ministro do reino era o de fazer um projecto em que accentuasse as differenças que haveria na administrarão municipal na cidade de Lisboa, com relação a todas as municipalidades do reino, e disse s. exa. que, fazendo-se um projecto d'este modo, ficavamos com a legislação geral para todos os municipios, e com uma legislação especial para Lisboa.
Ora se eu tivesse que pedir alguma cousa ao sr. ministro do reino, era que não seguisse o conselho do sr. José Luciano, e que tomasse todas as providencias que se referem á camara municipal de Lisboa e as inserisse em um diploma, inserindo em outro as que se referissem aos outros municipios.
Sinto, pois, que o sr. ministro do reino não tivesse reunido na sua proposta de lei toda a doutrina referente á municipalidade de Lisboa, de modo que, quando tivessemos de saber alguma cousa com relação a Lisboa, tomassemos um diploma, e ahi achassemos tudo quanto lhe diz respeito, porque, de outro modo, temos de recorrer a esta lei e á lei geral, e agora, por causa d'este capitulo, havemos tambem de consultar a lei de instrucção primaria, não só a de 1878, mas a de 1880.
Vejamos o capitulo que trata da instrucção elementar.
Estabeleceu se aqui o preceito da instrucção primaria elementar obrigatoria e gratuita.
Diz o artigo 43.°:
«Art. 43.° A instrucção primaria elementar será obrigatoria e gratuita nos termos da lei de 2 do maio de 1678, e do regulamento de 28 de julho de 1881, salvas as prescripções da presente lei,
«§ 1.° A obrigação abrangerá todas as creanças de ambos os sexos de seis a doze annos de idade, cujos pães, tutores ou outras pessoas encarregadas da sua sustentação e educação não provarem legalmente qualquer das seguintes circumstancias:
«1.ª Que dão ás creanças a seu cargo ensino na propria casa, ou em escola particular:
«2.ª Que seus filhos ou pupilos são incapazes de receber o ensino;
«3.ª Que não podem mandal-os á escola por extrema pobreza.
«§ 2.° A expensas da camara municipal serão fornecidos a cada creança os objectos de estudo escolar.»
Não é nos termos do regulamento que a instrucção é obrigatoria e gratuita, é nos termos da lei. Introduzir n'uma lei uma disposição regulamentar, é transformal-a numa disposição legislativa. Bastaria que se dissesse apenas nos termos da lei de 2 de maio de 1878.
A lei da instrucção primaria estabeleceu no artigo 5.° que a instrucção primaria elementar era obrigatória, e na idade escolar de seis até á que vem aqui marcada, isto é, de seis a doze annos.
Eu creio que o meu collega entendeu dever reproduzir aqui a disposição que está na lei de instrucção primaria, aliás escusava inserir este paragrapho.
O n.º 2.° do § 1.° do artigo 43.° diz que são dispensados da frequencia escolar os filhos ou pupillos incapazes de receberem o ensino. Mas o modo de provar essa incapacidade está estabelecido na lei, e eu não sei qual foi a rasão pôr que o sr. relator supprimiu isso no projecto.
(Interrupção do sr. Fuschini.)
Então o caso é outro; ficamos com duas leis, e não sabemos qual é a que subsiste.
(Interrupção do sr. Fuschini.)
Peço licença para dizer que esse methodo de fazer leis é muito pouco perfeito.
O sr. Fuschini (relator): - Um projecto desta ordem, que envolve, por assina dizer, quasi todos os serviços sociaes, se fosse elaborado, como s. exa. desejava, formaria um grosso volume, em quarto com rnil folhas; o que seria uma cousa impassível. Como elle está, tem já um desenvolvimento tal de materia, que por muita gente tem isso sido censurado.
O Orador: - Se o que está n'uma lei é o mesmo que se pretende consignar aqui, não sei porque se reproduziu essa disposição ou porque não se reproduziu igualmente.
S. exa. diz nos que o artigo 5.°, §§ 1.°, 2.º e 3.° da lei de instrucção primaria fica em execução; então para que o reproduziu aqui?
Se é exactamente o mesmo, é melhor supprimir o que está aqui.
Diz o artigo 5.° da lei de 2 de maio de 1878:
«Artigo 5.° A instrucção primaria elementar é obrigatoria desde a idade de seis até doze annos para todas as creanças de um e outro sexo, cujos pães, tutores ou outras pessoas encarregadas da sua sustentação e educação não provarem legalmente qualquer das circumstancias seguintes:
«1.ª Que dão ás creanças a seu cargo ensino na propria casa, ou na escola particular;
«2.ª Que residem a mais de 2 kilometros de distancia de alguma escala gratuita, publica ou particular, premanente ou temporaria;
«3.º Que esses filhos ou pupillos foram declarados incapazes de receber o ensino em três exames successivos perante os jurys de que trata o § 1.° do artigo 42.°;
«4.º Os que não puderem mandal-os por motivo de extrema pobreza, e que não tenham recebido o benefico constante das disposições do § unico do artigo 7.º
A commissão diz no artigo 38.º do capitulo I o seguinte:
«Art. 43.° A instrucção primaria elementar será obrigatoria e gratuita nos termos da lei de 2 do maio de 1878 e do regulamento de 28 de junho de 1881, sobre as prescripções da presente lei.
«§ 1.° A obrigação abrangerá todas as creanças de ambos os sexos de seis a doze annos de idade, cujos paes tutores ou outras pessoas encarregadas da sua sustentação e educação não provarem legalmente qualquer das seguintes circumstancias:
«1.ª Que dão ás creanças a seu cargo ensino na própria casa ou em escola particular;
«2.ª Que seus filhos ou pupillos são incapazes de receber o ensino;
«3.ª Que não podem mandal-os á escola por extrema pobreza;
«§ 2.° A expensas da camara municipal serão fornecidos a cada creança os objectos do estudo escolar.»
A commissão diz exactamente o mesmo que s. exa. tinha dito no seu projecto e na sua exposição de principios, e por isso a origem foi mantida.
Pergunto se o que está escripto no projecto que se discute, no capitulo I do titulo IV, é differente do que está escripto na lei de 1878? Certamente que não.
Approvo o § 2.º do artigo 38.°, porque entendo que é conveniente que os objectos do estudo escolar sejam fornecidos pelo municipio.
Com respeito ao artigo 39.° não posso eximir-me a fazer uma observação análoga á que homens fez o sr. Agostinho Lucio, quando perguntou se a commissão desejava as leis da Inglaterra, e ella respondeu que sim, das fica com o gosto ou o desejo, porque, não o póde executar. O tempo é o factor essencial de todas as cousas, o quem não conta com o tempo conta mal, e é o que succedeu á commissão.
Diz o artigo 39.°
«Para os effeitos do artigo procedente a camara municipal procederá, dentro do primeiro semestre em que vigorar esta lei, ao estabelecimento definitivo de escolas de instrucçào primaria elementar para ambos os sexos em numero sufficiente, sendo duas pelo menos, uma para cada sexo, em cada nova parochia civil do municipio.»
Ora eu pergunto ao sr. deputado e ao illustre ministro

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se com esta prescripção se quer estabelecer um principio de adiantamento e de progresso ou um principio de retrocesso.
Aqui está consignado que haja uma escola para cada sexo, em cada parochia civil.
A lei de 1878 diz que deve haver para cada parochia duas escolas, uma para cada sexo, e agora o illustre ministro, mais reformador e amigo da instrucção, vem dizer que para cada parochia civil, e não para cada parochia ecclesiastica, como consignava a lei de 1878, haverá duas escolas, sendo uma para cada sexo.
Mas as parochias civis são maiores e o seu numero é inferior, e por consequencia o numero de escolas que s. exa. estabelece é menor.
Debaixo d'este ponto de vista, a doutrina que s. exa. estabelece é incontestavelmente um retrocesso, porque estabelece menos escolas.
Agora peço licença para dizer ao illustre relator, que s. exa. devia ter compulsado todos os dados, reunido todos os elementos para resolver este ponto.
S. exa., que reuniu tantos, e com muita satisfação o applaudo por isso, devia reunir mais ainda, para justificar plenamente o seu trabalho debaixo de todos os aspectos.
A primeira cousa que s. exa. devia dizer comsigo, era: vamos a ver se com isto tenho tantas escolas como as que existem, ou se tenho mais ou menos; vamos a ver se assim satisfaço as necessidades da instrucção em Lisboa, ou se não satisfaço.
Pois se passava a haver duas escolas para cada parochia civil, ao passo que até agora havia duas escolas para cada parochia ecclesiastica, e estas eram em maior numero, s. exa. devia perguntar seriamente a si mesmo se isto satisfazia às necessidades da instrucção em Lisboa.
S. exa. devia saber quaes eram as escolas que, existiam.
Pois então s. exa., para calcular as consequências financeiras do projecto, não teve á vista tantos mappas?
Para calcular isto, tambem era necessario que tivesse á sua disposição certos elementos; assim é que podia ver se o que aqui está disposto satisfazia ou não ás necessidades da instrucção na capital.
S. exa. diz que haja duas escolas em cada parochia civil. Eu disse que o numero das escolas assim era menor, o que já não é bom, mas ha ainda o facto de não se attender á collocação dessas escolas, e a camara municipal tinha attendido a que ellas fossem collocadas onde fosse mais conveniente.
Quem se propõe a reformar um serviço a primeira cousa de que carece é de conhecer esse serviço. Nem comprehendo um reformador que não conheça o serviço que quer reformar.
Não faço idéa de que um individuo que não conheça um serviço, não só nos seus traços geraes, mas ainda nos seus pormenores o possa reformar. Quem se propozesse a reformar as escolas de Lisboa o que devia indagar era em primeiro logar se as escolas existentes chegavam ou não che para as necessidades da população.
O sr. ministro tinha restricta obrigação de saber se as escolas existentes chegavam ou não, para não incorrer na irreflexão de estabelecer uma prescripção que póde ser inexquivel: se estivesse bem ao facto do estado das cousas havia de reconhecer que não se podia facilmente designar que ha de haver na cidade de Lisboa taes escolas dentro de seis mezes. Isto póde dizer quem não sabe como se adquirem casas em Lisboa, porque póde se estar muito tempo sem se encontrar uma casa. (Apoiados.}
Talvez o illustre relator não saiba que em uma freguezia em Lisboa não foi possivel estabelecer uma escola parochial por não haver casa para alugar. (Apoiados.)
Por consequencia, dizer que haverá dentro em seis mezes escolas n'este e n'aquelle ponto não é reformar; é escrever no papel o que se deseja, e é deixar no mesmo papel a prova de que não se tem elementos práticos para levar a reforma por diante.
Eu antes quero uma escóla do que mil leis que as decretem, porque é mais util uma escóla que se levanta do que tudo quanto se dispõe em muitos projectos. (Apoiados.)
Portanto o que convem é fazer as leis de modo que sejam exequíveis, e redigil-as em termos que não estejam a insinuar que não se executem.
Vou citar outra prescripção.
Diz se no § 2.°:
«§ 2.° E permittido substituir as escolas parochiaes por escolas centraes, segundo o artigo 20.° da lei de 2 de maio de 1878, podendo a camara municipal, com previa auctorisação do governo, augmentar o numero de professores d'essas escolas, quando o numero de alumnos nas differentes classes exija desdobramento.»
Ora. sr. presidente, quando a lei de 1878 foi promulgada já se podia estranhar que os nossos legisladores ficassem tão atrazados com respeito ao que se fazia lá fora em relação á instrucção primaria.
Quem ler esta lei, se estiver ao corrente do estado da instrucção primaria elementar e complementar em outras nações da Europa, póde reconhecer o atrazo que entre nós existe com respeito ás prescripcões que se devem estabelecer n'este ramo de serviço. Mas não quero fallar agora da lei em geral, porque ella não está em discussão, mas sim n'este artigo.
Na lei de 1878 introduziu-se um artigo em que se permittia que o ensino, em vez de ser ministrado nas escolas parochiaes, fosse ministrado nas escolas centraes.
Diz a prescripção da lei de 1878 no seu artigo 20.°:
«Nas cidades de Lisboa e Porto e tambem nas outras capitães de districtos administrativos, ou onde por virtude da densidade da população haja mais de uma escola complementar ou elementar, as camaras municipaes, com au-ctorisação do governo, podem estabelecer escolas centraes com tres ou quatro professores ou professoras.»
Em 1878, como dizia, prescreveu-se que podesse haver escolas centraes em que se reunissem tres ou quatro professores, mas era preciso auctorisação do governo. Ora, realmente, esta auctoriação não sei como se explica, nem para que? O governo não paga aos professores, não paga a renda das casas onde funccionam as escolas, não compra a mobília para ellas, não paga a habitação dos professores; não paga cousa alguma para este fim, mas quer que lhe façam o pedido de auctorisação para poder haver escolas centraes.
Não se percebe para que é isto.
Desde que nós temos necessidade de recorrer ao governo encontramos sempre uma grande lição. O governo como tutor esclarece sempre o tutelado de uma maneira irregularissima.
A lei de 1878 não se executou logo. Passou 1879, 1880 e começou a executar-se em 1881. Apenas começou a executar-se foi enviado para o ministerio do reino, por parte da camara municipal de Lisboa, o pedido de auctorisação para o estabelecimento de escolas centraes,
Desde 1881 até hoje, a camara municipal não póde conseguir que o governo desse aquella auctorisação.
Aqui está outro exemplo do que vale o recurso ao governo.
Raras vezes se recorre ao governo que não se obtenha uma solução verdadeiramente incongruente e inacceitavel, ou nenhuma solução.
Posso contar um caso, para maior esclarecimento da camara.
Quando pela primeira vez se estabeleceu a viação por meio dos caminhos de ferro americanos, a camara municipal tomou umas certas resoluções, e depois de algum tempo, achando-se em baraçada, o que fez?

108 *

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Naturalmente, a quem recorre o pupillo quando se vê em embaraços? Ao tutor.
Recorreu ao governo que era o tutor.
Quer v. exa. saber qual foi a resposta do governo? Foi esta:
«Fez mal; pois pague; agora remedeie como poder; vá para os tribunaes e faça o que elles mandarem. Não dou conselho.»
Felizmente, a camara municipal não foi para os tribunaes. Visto que o governo não a aconselhava viu se, por algum modo, podia remover umas certas difficuldades, e ao cabo de algum tempo removeu-as sem ir aos tribunaes, e ao que parece deixando uma lição que nem ao proprio governo aproveitou.
Mas, vamos ás escolas centraes. A primeira cousa que eu proponho é que imo seja preciso auctorisação do governo. Entendo que não. ha necessidade da anctorisação, e basta que a lei auctorise a existencia dessas escolas.
Pelo que respeita ao numero de professores das escolas centraes tambem entendo que não se póde marcar limite, porque é o mesmo que colocar nos em posição atrazada com relação a outras nações.
As escolas centraes começarão por ter tres ou quatro professores, mas o numero dos professores, póde haver necessidade de que vá successivamente augmentando.
Ha um certo numero de disciplinas que é necessario introduzir na instrucção; e por consequencia é preciso augmentar o numero dos professores.
O illustre relator, que tão justamente se interessa pelo melhoramento das classes mais desprotegidas da fortuna, não desconhece que actualmente uma das cousas que mais se está adoptando nas escolas de instrucção primaria é o ensino manual.
Hoje está-se generalizando por todas as formas, não só esse ensino, mas o estabelecimento de museus e bibliothecas.
(Interrupção do sr. Fuschini.)
Tambem eu tenho as mesmas idéas e estou a expol-as.
(Interrupção do sr. Fuschini.)
Mas como s. exa. reduziu a termos muito precisos o que deve constituir a instrucção popular, e consiste em saber ler, escrever e contar, se v. exa. o entende no sentido que tinha no tempo de nossos pães, eu digo que não póde chegar a ter instrucção; isso acabou e já ninguém ensina assim.
Se v. exa. entende, que se deve ensinar a ler, escrever e contar, como nossos avôs entendiam, então não ensina nada. Hoje em paiz nenhum assim se ensina; nem mesmo os congreganistas já ensinam assim.
Hoje os congreganistas têem escolas em Paris para disputarem sobre o modo de instruir e diligenceiam ter escolas melhores do que os anti-clericaes, porque de outro modo ficavam immediatamente vencidos!
Por consequencia, peço que este paragrapho tenha duas modificações: uma para que se tire a auctorisação do governo, porque não serve absolutamente para nada, principalmente quando junto da camara municipal ha a commissão consultiva de instrucção publica, que vem habilitar muito mais a camara municipal a resolver; e faço uma segunda modificação, redigindo assim o § 1.° do artigo 39.°:
«§ 1.° O ensino póde ser ministrado em escolas centraes, com o numero dos professores exibido pelas disciplinas leccionadas, ou pelo numero dos alumnos que exija desdobramento nas classes.»
O § 3.° do artigo 39.° diz o seguinte:
«O edificio deve ser em regra de construcção especial e constituir propriedade do municipio; não podendo os planos dos edificios escolares ser executados sem previa auctorisação do governo.»
Este ponto não é necessario. A administração superior estabelece principios geraes ácerca dos edificios destinados a escolas; principios que hoje se encontram nos livros de architectura e constituem a sciencia ordinaria. Podia ser dispensada disposição para designar os preceitos geraes que se devem seguir na construcção de um edificio destinado a escolas; mas se for necessario, faça-se, mas desde que a haja, não é preciso que o projecto vá ao governo, por isso que ha a commissão de obras publicas junto da camara municipal.
Proponho por consequencia a suppressão d'esta ultima parte.
Segue o artigo 40.°, que trata do recenseamento.
Segundo esta disposição, passa na cidade de Lisboa, o recenseamento das creanças na idade do escola, a ser feito, não pela junta de parochia, mas pela camara municipal. Não discutirei esta innovação, serve ella apenas para accentuar mais uma vez, que as parochias não têem condicções do vida administrativa e por consequencia, registo o facto e mais nada.
Diz se aqui que se deve fazer o recenseamento de modo que os parochos enviem para a camara municipal, uma relação de todas as creanças dos dois sexos, que devem atingir oito annos, no anno seguinte.
Parece-me que ha aqui um engano, creio que deve dizer-se «sete annos», e não oito. É uma pequena emenda que me parece conveniente fazer-se.
Depois diz-se: «que os parochos enviarão relações de todas as creanças da freguezia...» Falta aqui exigir a remessa para a camara municipal, por parte das administrações dos bairros em que haja registo civil, sem o que não se cumpre o principio, e alem disso, uma relação dos individuos de quaesquer outras religiões, que possam porventura existir n'esses bairros, e que estejam tambem em idade de escola.
É por consequencia indispensavel attender a este ponto, porque não basta só considerar os parochos.
Diz aqui quaes são as indicações que devem constar da participação; diz o mesmo em relação aos fallecimentos das creanças que excedem a idade de doze annos, para que desde que ellas fallecerem não se conte mais com ellas.
Eu lembrava porém uma cousa com relação a esta disposição.
No § 7.° vem uma penalidade imposta aos pães ou tutores, quando não dêem estas participações, pelo menos eu supprimiria a pena de prisão, mas parece-me que era isto perfeitamente escusado, porque, se os regedores têem de passar o attestado do fallecimento, elles mesmos podem communicar para a camara municipal, deixando-se assim de dar incommodo e responsabilidade aos pães.
Preferia que se fizesse aqui uma innovação por fórma que se aliviassem os cidadãos de formalidades que podessem ser praticadas pelas auctoridades.
Sobre o artigo 41.° nada tenho a dizer, nem tão pouco sobre o artigo 42.°
No artigo 43.° diz-se: «que a camara municipal poderá crear, se o julgar conveniente, escolas infantis, salas-asylos e créches.»
Isto é a mesma cousa, cada paiz dá-lhe um nome; os inglezes chamam-lhe escolas infantis, outros denominam-as salas asylos, créches, jardins de infancia, e comquanto estas instituições tenham nomes differentes, têem todas o mesmo fim: o ensino de creanças em idade inferior á idade da escola; não é outra cousa. Este artigo diz:
«Artigo 43.° A camara municipal poderá crear, quando o julgar conveniente e opportuno, escolas infantis, salas asylos e créches.
Nas attribuições da camara está previsto o que ahi se dispõe, e é escusado usar esta nomenclatura.
O artigo 44.° diz:
«A camara municipal organisará, nomeando os cidadãos de ambos os sexos que se distinguirem pela sua caridade,

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illustração e civismo, uma grande commissão, cujo fim será crear e administrar as caixas escolares.»
N'este ponto estamos de accordo. Depois acrescenta no § 1.º:
«Esta commissão promotora da instrucção popular, de que farão parte os parochos das differentes freguezias do municipio, elege o seu presidente, secretario, e thesoureiro.»
Ora, sr. presidente, esta inclusão obrigada dos parochos é que eu não entendo. Podia fazer uma historia muito larga, buscando exemplos para mostrar a superioridade d'este ou d'aquelle ensino. Não quero demorar-me n'esse ponto.
O que digo é que não ha rasão para distrahir os parochos das suas funcções, que são muito santas, mas que não são d'este mundo.
O sr. Santos Viegas: - São tanto d'este como do outro.
O Orador: - A Deus o que é de Deus, e a Cesar o que é de Cesar. Não ha necessidade de fazer uma designação especial para os parochos, por uma rasão muito simples.
O artigo 44.° diz que serão. nomeados os cidadãos que se distinguirem pela sua caridade, illustração e civismo. E assim podem ser nomeados os parochos em quem se derem aquellas condições.
Supponho que os parochos não têem o exclusivismo da caridade, illustração e civismo; proponho, portanto, a suppressão deste paragrapho, porque não ha motivo nenhum para que sejam especificados os parochos das freguezias.
Eu entendo que o parocho não tem mais direito a fazer parte d'esta commissão do que o medico, ou o professor, ou outro qualquer individuo, porque não é só elle que tem caridade.
O sr. Santos Viegas: - Mas o primeiro apostolo da caridade deve ser o parocho.
O Orador: - Seja o que for; eu não contesto aos parochos as suas qualidades, mas o que digo é que esta designação, é insustentavel, e então proponho a suppressão desta inclusão designada dos parochos.
Com relação ao artigo 48.°, que diz:
«Á camara municipal compete satisfazer os vencimentos dos professores e ajudantes, de ambos os sexos, das escolas de instrucção primaria com ensino elementar e complementar, dar casa para escola, ministrar habitação aos professores, fornecer mobilia escolar e organisar a bibliotheca das escolas.»
Esta disposição altera o que está estabelecido, alliviando as juntas de parochia dos encargos que as leis actuaes lhes impunham.
Não contesto a disposição, e só pedia que se introduzisse a creação de museus.
Tenho que fazer ainda observações sobre os outros capitulos, e por isso peço a v. exa. que me reserve a palavra.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho as seguintes alterações ao capitulo I do titulo III:
1.ª Que o artigo 28.° seja assim redigido:
Artigo 28.° Haverá cinco commissões especiaes para os seguintes serviços municipaes;
1.º Saude e hygiene publica;
2.° Instrucção publica;
3.° Beneficencia publica;
4.° Fazenda municipal;
5.° Obras publicas.
2.ª Que o artigo 29.° seja assim redigido:
Artigo 29.° As commissões a que se refere o artigo anterior são compostas de sete membros, e organisadas nos termos do artigo.
§ unico. Á commissão de saude e hygiene publicas serão aggregados mais dois membros um da commissão de obras publicas e outro do conelho especial de veterinaria, ambos escolhidos pela camara municipal.
3.º Que antes do artigo 30.°, e n'este capitulo, se estabeleça o seguinte artigo:
Artigo... Duas ou mais conferencias podem funccionar em conferencia, quando se tratar de assumpto da sua competencia commum, e assim seja resolvido pela camara municipal.
Proponho as seguintes alterações ao capitulo II do titulo III:
1.ª Que o artigo 30.° seja assim redigido:
Artigo 30.° No dia 30 de dezembro as commissões especiaes designadas no artigo 28.° reunem-se a tini de eleger, de entre os seus membros, presidente e secretario para o anno civil seguinte.
2.ª Que o § unico do artigo 30.° seja eliminado.
3.ª Que o artigo 31.° soja assim redigido:
«Artigo 31.º Os presidentes das commissões a que se refere o artigo 28.°, ou um delegado por elles escolhido, assistem e tomam parte nos debates nas sessões da camara municipal, em que se tratar dos assumptos em que as respectivas commissões foram consultadas e podem reclamar que tique registada a sua opinião nas actas da vereação.»
4.ª Que o artigo 33.° seja assim redigido:
«Artigo 33.° A commissão de fazenda será sempre consultada sobre os seguintes assumptos:
«1.° Sobre emprestimos;
«2.° Sobre orçamentos ordinarios e supplementares;
«3.° Sobre o lançamento, aggravamento ou diminuição de contribuição.»
5.ª Que no artigo 34.° sejam eliminados os n.ºs 1.°, 2.°, 3.° e 4.°, e que o § 1.º seja assim redigido:
«Artigo 34.° A commissão de obras publicas será sempre consultada:
«1.° Sobre a utilidade das novas obras municipaes que se pretenderem realisar, e em que o orçamento d'ellas exceda a importancia de...
«2.° Sobre os contratos para fornecimentos, empreitadas e execução de obras, sempre que a despeza exceda...
«3.° Sobre a elaboração dos regulamentos de obras publicas.»
6.ª Que os artigos 35.°, 36.° e 37.° sejam eliminados. = José Elias Garcia.
Foi admittida.
O sr. Presidente: - A ordem da noite para segunda feira é a mesma que está dada.

Está levantada a sessão.

Era meia noite.

Discurso proferido pelo sr. deputado José Frederico Laranjo na sessão de 29 de maio, e que devia ler-se a pag. 1840, col. 1.ª

O sr. Frederico Laranjo: - Sr. presidente, eu estava persuadido de que tinha feito um discurso serio; mas pelo modo com que lhe respondeu, pela semcerimonia com que o tratou, parece que o sr. relator está convencido de que eu fiz apenas um discurso jovial; pois eu vou demonstrar á camara que quem fez um discurso jovial em tudo, não fui eu, foi o sr. relator. (Apoiados.)
O sr. relator da commissão, pretendendo responder me ao que eu disse ácerca do tratado com a Hespanha, começou por inverter a ordem que eu seguira; e parecendo-lhe isso pouco, permittiu-se inverter tambem tudo o que eu tinha dito; de modo que s. exa. teve o prazer, pouco vulgar, de responder a um discurso, não feito por mim, mas imaginado por elle. (Apoiados.)
Vou seguir um a um os argumentos do sr. relator, e, se

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a ordem não for a melhor para a deducção das idéas, a culpa não é minha.
S. exa. disse que eu tratara das tarifas do caminho de ferro, e que as tarifas não tinham nada com o tratado que se discute; mas eu havia começado por dizer isso mesmo; acrescentara, porém, que se não tinham nada com o tratado, tinham muito com o governo e com a importação do azeite e de outros productos de fóra o paiz, e por isso me occupava d'ellas.
Quando se faz um tratado pedem-se garantias para a exportação dos productos; e os deputados estuo no seu direito, e vem a proposito pedir ao governo que cohiba os abusos que se dão nos caminhos de ferro, quanto á mudança de taras, visto que no tratado se falla n'essa mudança; e estão no seu direito, e vem a proposito pedir-lhe que não consinta que os productos hespanhoes tenham saída mais facil do que os productos portuguezes, visto que é a facilidade d'essa saída que se procura com a facilidade do transito.
Não é, pois, um assumpto deslocado, nem jovial, é um negocio muito serio. (Apoiados.)
Disse o illustre deputado que a grande elevação das tarifas dos caminhos de ferro portuguezes para os productos hespanhoes a quem prejudicaria menos teria á Hespanha, porque, nessa hypothese, o transito das mercadorias hespanholas iria procurar os portos hespanhoes, e os prejudicados seriam os portos portuguezes.
Mas a quem está respondendo o illustre relator?
Pois não fui eu o primeiro que comecei por dizer: Não peço que se difficulte o transito do azeite hespanhol, com o que se prejudicariam as companhias e os nossos portos? O que eu pedi foram tarifas que dessem facil saída aos productos portuguezes. Se o illustre relator sentia a necessidade de refutar, demonstrasse o absurdo d'esta reclamação; mas, em vez disso, inventa e responde. É um methodo. (Apoiados.)
Pergunta-me o illustre deputado, proseguindo no mesmo systema e na mesma ordem de idéas: Pois o convenio de 1866 não trouxe a Portugal o transito de uma multidão de mercadorias, no valor de quatro mil e tantos contos, actividade aos nossos portos, a muitas das nossas industrias?
Pois houve aqui alguem, respondo eu, que dissesse a s. exa. que o convenio sob este ponto de vista prejudicava Portugal?
Pois não me ouviu s. exa. dizer que eu queria o transito livre, e que não pedia, como alguns agricultores, um imposto de transito?
O que eu disse foi que á sombra d'esse convenio, e devido á incuria do governo, se praticaram abusos, e que o governo os não tinha reprimido. Não querer os abusos não é o mesmo que não querer o transito; é diverso; não querer o transito seria uma idéa obscurantista, que eu não tenho, que não é minha.
O que eu não quero é que os convénios e as praticas de transito sejam taes que permitiam que o transito se converta em exportação fraudulenta ou em exportação de origem simulada. É diverso, repito. (Apoiados.)
Disse mais o sr. relator: Vem o sr. deputado com a eterna questão da mudança de taras, - e a este propósito ensina-me que não podia deixar de se consignar o preceito relativo ás taras pela maneira por que está no tratado; porque o azeite vem em odres de Hespanha, e quando chega a Portugal é necessario mudal-o dos odres para outras vasilhas.
Eu respondo que o artigo do tratado que eu atacava não se refere simplesmente ao azeite, mas a todas as mercadorias; e respondo ainda que eu não queria que se impedisse sempre a mudança, só exigia que não se permittisse senão quando houvesse necessidade d'ella.
Parece-me que a hypothese que s. exa. apresentou, do azeite e dos odres, estava comprehendida na emenda que mandei para a mesa, porque eu propunha que se permitisse a mudança quando fosse necessaria; porque, não o sendo, tem por fim inverter o transito em commercio; e é isso o que eu não quero, nem o sr. relator, que pertence a uma casa fiscal, o póde e deve querer. (Apoiados.)
Disse mais o illustre relator que eu me queixara de que nos armazéns dos caminhos de ferro se davam differentes abusos. Queixei-me de dois, um a respeito do qual s. exa. nada disse, e outro, a respeito do qual disse alguma cousa.
O primeiro abuso a que me referi foi o de se conceder a armazenagem gratuita durante dois mezes às mercadorias procedentes de Hespanha, quando se dava apenas uma armazenagem de poucos dias ás mercadorias portuguezas. Nada objectou o sr. relator; parece, portanto, que me é licito continuar a pensar que nos caminhos de ferro portuguezes as mercadorias portuguezas não podem estar numa situação inferior ás mercadorias hespanholas (Apoiados.)
O segundo abuso era o da baldeação.
Diz o illustre relator que parecia que eu ignorava que pelo artigo 45.° dos preliminares da pauta é permittida a armazenagem, que constitue uma parte das alfandegas, e que está sujeita á inspecção d'ellas; que as mercadorias vem em wagons sellados, os quaes são depois inspeccionados, guardados á vista, e seguindo-se outras formalidades; dê modo que não é possivel darem-se os abusos que eu referi á camara.
Conheço a legislação citada pelo sr. relator; mas infelizmente a existencia de uma lei não prova a não existencia dos factos que ella prohibe, e não fui eu só que affirmei a existencia desses abusos; affirmam-na todas as representações que têem vindo a esta camara. Quando s. exa. me responde negando o facto, não me responde só a mim, mas a todos os negociantes e productores portuguezes, que affirmam a existencia d'elle. (Apoiados.)
Verdade é que eu não tenho ido aos armazens verificar o que lá se passa; mas tenho conversado a este respeito com muitos negociantes portuguezes, negociantes que gosam da mais seria reputação, e dotados da probidade mais incontestada, e todos elles são concordes em dizer que esses abusos se dão. Na outra camara affirmou tambem ha annos que elles se praticavam o digno par o sr. Pereira de Miranda.
Portanto, quando o illustre relator do projecto diz que nega o facto por mim referido, não me dá o desmentido só a mim, mas tambem a todos aquelles que têem fallado nisto, pares e deputados, e ao que se affirma nas representações que têem sido enviadas ao parlamento. (Apoiados.)
Continuava s. exa. dizendo que quando quizemos impor as marcas nas mercadorias vindas de Hespanha, da parte daquella nação houvera reclamações, e em virtude d'ellas o governo desistira da sua pretensão.
Eu tinha apontado o facto; mas acrescentara que se de via ter negociado neste sentido, porque era uma d'aquellas questões em que a Hespanha não tinha rasão alguma para oppor ás nossas. Que nos podia oppor, com effeito, quando nós apenas pediamos que o transito se conservasse transito, e que a exportação hespanhola conservasse as provas, os signaes da sua origem?
Era exigir que um convénio se interpretasse no seu sentido natural, e que á sombra d'elle não se praticassem actos que o transformavam completamente. (Apoiados.)
Respondeu o sr. relator: Houve, com effeito, negociações, houve troca de notas diplomaticas, sem nada podermos conseguir.
Mas, se houve essas notas, onde estão ellas? Onde ficaram?
Eu ainda não vi nenhuma no Livro branco, nem noutro qualquer documento. E se o governo quiz impor as marcas aos volumes procedentes de Hespanha para exportação, foi porque reconheceu a necessidade de o fazer, e eu pergunto porque foi que não consignou agora no tratado, claro e explicito, e sem excepções, esse direito de que então

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queria usar, e que lhe contestaram? Quer ter o prazer de recuar de novo perante qualquer reclamação hespanhola? (Apoiados.)
Disse mais o illustre relator, repetindo as minhas palavras num tom tão alegre, que realmente parecia que eu tinha dito as cousas mais comicas e mais para rir d'este mundo: commetteu-se um delicto; não se lembraram de metter o oleo de algodão n'este tratado!...
Acrescentou s. exa.: Pois a Hespanha havia de acceitar uma imposição desta ordem?!...
O illustre relator parece desconhecer que um tratado não é uma imposição para ninguem.
Para fazerem um tratado, as nações dizem o que lhes convém, fazem as suas propostas uma á outra, e cada uma d'ellas acceita ou não essas propostas. De modo que, se nós entendessemos que deviamos propor á Hespanha que o óleo de algodão ficasse n'aquelle paiz em circumstancias iguaes aquellas em que está em Portugal, para que não acontecesse que lá podes sem com elle falsificar o azeite, vindo depois prejudicar o azeite, portuguez, creio que era uma proposta que podiamos fazer sem melindrar a nação vizinha.
A Hespanha dizia que sim ou que não, que nós lhe diriamos tambem depois que sim ou que não a respeito de qualquer outra cousa e mesmo a respeito do resto d'este tratado. (Apoiados.)
Continua ainda o illustre relator, e chamo a attenção da camara para este ponto, que revela os muitos conhecimentos económicos de s. exa.
Tinha eu apresentado aqui os dados estatisticos da exportação do nosso azeite para os diversos mercados do inundo e os dados estatísticos da importação de azeite para o nosso mercado.
Vi por esses dados que n'uns periodos a exportação augmentava e a importação diminuia, e que n'outros periodos a exportação diminuia e a importação augmentava.
Precisava saber a causa d'isto para tirar qualquer conclusão.
Se tivesse os dados estatisticos da producção e da venda em Portugal, é claro que recorria a elles; mas, como os não tinha, tive de recorrer a meios indirectos, e nenhuns outros me podiam dar conclusões sobre a abundancia e deficiencia das colheitas senão a estatística dos preços era diversos annos; procurei-a pois.
Por essa estatistica conheci que nalguns annos a exportação augmentava quando os preços baixavam, e vice-versa; conclui que nesses annos as variações da exportação tinham a sua causa nas variações dos preços, e que estes dependiam da abundancia ou escassez da producção.
Mas nos ultimos annos o phenomeno apresentou-se diverso; os preços baixavam, decresciam, e ao mesmo tempo decrescia a exportação - é claro que já não podia tirar-se agora a mesma conclusão. Agora não é deficiência de producção, porque aliás os preços seriam altos; é perda de mercados; é difficuldade de concorrencia, por circumstancias, muitas das quaes são sociaes; é o complexo de causas que mencionei.
Foi por isso que vim pedir que se removessem todos os obstaculos ao commercio do azeite; foi por isso que vim pedir que se obtivessem das companhias de caminhos de ferro tarifas reduzidas; foi por isso que vim pedir que a armazenagem para o azeite hespanhol não fosse gratuita por mais tempo do que é para o azeite portuguez; foi por isso que vim pedir que não houvesse o drawback para o azeite que vem da Italia, se se demonstrasse que elle não é indispensavel para as nossas industrias da conserva do peixe no Algarve.
Pois sendo da estatistica dos preços, que eram absolutamente essenciaes para a argumentação, que eu tirava estas conclusões; pois ficando tudo isto clarissimo no meu discurso, o illustre relator, que pertence ao conselho geral das alfandegas, e que devia saber por isso que o preço das mercadorias é um elemento importante, indispensavel quasi, na maioria das questões economicas, admirou se que eu viesse fallar no preço do azeite. (Apoiados.)
Para que vem cá os preços, pergunta s. exa.? Para que vem cá a pergunta? respondo eu. (Apoiados.)
E porque eu trouxe aqui as estatisticas derivadas dos diversos mercados; porque uma d'ellas dizia qual era o preço do decalitro atestado ou não atestado; o illustre relator achou-as ridiculas, e ridiculo que eu as lesse taes quaes me foram remettidas.
Não lhe soou bem a phrase «decalitro atestado e não atestado»; mas fique tranquillo o illustre relator; para a outra vez hei de pedir estatisticas feitas com todas as regras, com todos os preceitos, com todos os requintes da arte, para satisfazer as exigencias de harmonia dos ouvidos do illustre deputado. (Riso.)
O districto de Portalegre, o meu circulo; Abrantes, o circulo do sr. Avellar Machado; e Lisboa, a capital do reino - que foram as terras a que pedi estatisticas -, hão de curvar-se, e hão de fazer e mandar-me estatisticas sonoras e cheias de rythmo, quando eu tenha de as ler perante o illustre deputado. (Riso.) Eu podia, todavia, lembrar ao sr. relator, que seria justo que quem tem taes exigencias de arte nas estatisticas que os outros lêem, pozesse mais algum cuidado e esmero nas suas palavras, e, fallando na camara dos deputados, não suppozesse os negociadores de duas nações a dirigirem-se uns aos outros nestes termos: - Vocês saibam isto; vocês façam aquillo. - Ora vejam: Vocês! (Riso e apoiados.)
Diz mais o illustre relator que eu tirei conclusões que realmente não podia tirar-que a media dos ultimos cinco annos com relação a importação e exportação do azeite, mostra que nos falta o azeite necessario para o nosso consumo; e é isso que dá logar á importação.
Mas foi exactamente o que se passou durante alguns annos, e o que eu reconheci.
O augmento da nossa importação era o resultado da deficiencia de colheitas; mas actualmente não acontece a mesma cousa; e está a prova disso na baixa dos preços.
Partindo d'esta base - que nos falta azeite para o nosso consumo - o sr. relator não quer que o azeite hespanhol fique pagando 700 réis por decalitro; 500 réis parece-lhe mesmo um direito muito elevado; e falia-nos a este proposito dos interesses do pobre consumidor, sacrificado aos interesses de poucos.
Mas eu respondo a s. exa. pela seguinte forma: Em 1882 apresentou-se aqui um projecto elevando o direito do azeite de 000 a 700 réis, e sujeitando-o ao pagamento dos direitos de consumo em Lisboa e do real de agua nas outras terras do reino; como votou o illustre relator? Votou esse augmento que paga o consumidor! Então não lhe causava magua o consumidor, sacrificado aos interesses de poucos! (Apoiados.)
O sr. Pinto de Magalhães: - Depois disso mudaram as circumstancias.
O Orador: - Ainda agora referia-se aos ultimos cinco annos, e dizia que durante elles tem havido falta de azeite; agora diz que as circumstancias de hoje não são as de 1882! Mudaram as circumstancias? Pois faça favor de me ouvir a respeito da mudança das circumstancias.
S. exa. votou, que o direito de importação do azeite passasse de 500 a 700 réis, e que elle pagasse alem d'isso o direito de consumo, quando entrasse em Lisboa, e o de real de agua quando entrasse nas outras terras, exactamente quando o preço do azeite era mais elevado do que agora, e portanto quando o imposto ia elevar o preço ainda mais, e prejudicar o consumidor; s. exa. não quer já os mesmos impostos que votou, exactamente quando o preço do azeite é menor e quando os impostos não vão eleval-o tanto, e causam menor prejuizo ao consumidor! Mudaram as circumstancias, diz s. exa.; é verdade; mas mudaram

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exactamente no sentido inverso áquelle em que uma mudança de factos poderia servir de base para uma mudança de providencias legislativas e de opiniões do sr. relator.
Diz o illustre relator que são tão originaes as minhas idéas, tão comicas, (S. exa. não empregou esta expressão, mas a idéa era esta) que eu até estava muito afflicto, por que a França nos vem comprar as nossos vinhos.
Não me affligi por isso; indicava uma idéa que é tambem indicada pelos srs. António Augusto de Aguiar e Ferreira Lapa e por todos que entendem de fabricação de vinhos. Portanto quando o sr. relator acha que as idéas que apresentei a este respeito são muito dignas do desprezo de s. exa., faça favor de se voltar para os srs. Aguiar e Ferreira Lapa e indereçar lhes os epigrammas que me dirigiu. (Apoiados.)
O que pedi eu? O seguinte: Simplesmente que o governo proponha a mudança da legislação que diz respeito aos agronomos que ha pelos districtos, para que elles em cada região fizessem as conferencias necessárias a fim de que os agricultores dessas regiões renovassem as suas antigas idéas relativamente a culturas. O que pedia era que a respeito da viticultura se fizesse saber e conhecer aos nossos viticultores que em vez de fabricarem vinhos, que servem simplesmente para os francezes lotarem os seus, para, depois de preparados, os venderem em garraras, por um preço superior áquelle por que lhes vendemos o decalitro, podiam e deviam fabricar vinhos de consumo directo.
Uma voz: - Provavelmente havemos de fabricar vinhos de Bordéus.
O Orador: - E seria isso mais facil do que fabricarem lá fora vinho do Porto. Mas eu não peço que fabriquemos vinho de Bordéus; o que desejava era que com as uvas que temos fabricassemos os melhores vinhos que ellas podem dar.
Se estas idéas são sensatas; se são as idéas das Conferencias do sr. Aguiar e doutras obras de viticultura e de fabricação de vinhos; se foram as que eu expuz, para que vem o sr. relator da commissão dizer que eu me; afflijo com a exportação dos nossos vinhos para a França? (Apoiados.)
Eu estou no meu direito e tenho a justiça pela minha parte, pedindo ao sr. relator, que quando me responda a algum discurso que eu aqui faça, responda áquillo que eu efectivamente disse, e não áquillo que s. exa. inventou. (Apoiados.)
Diz me o sr. relator, «que, a respeito de azeite, não lhe venham pedir medidas protectoras, porque o azeite, por diversas circumstancias, já não serve para nada, a não ser para o alimento do pobre, em consequencia do que desceu de preço, e que portanto o que os proprietarios de vem fazer é plantar vinhas!!» E arrancar as oliveiras, accrescento eu, tirando a consequencia do conselho.
Amanha, em observancia ao conselho do sr. relator da commissão, comecem todos por esse paiz a plantar vinhas e a arrancar as oliveiras, que se mandam, já se vê; para casa do sr. relator. (Riso)
O sr. Pinto de Magalhães: - Póde mandar.
O Orador: - Mas como é por decreto do illustre deputado que os proprietarios são expropriados das oliveiras, elles mandam-lhas, e, para não ficarem prejudicados, o illustre deputado paga-lh'as. (Riso. - Apoiados.)
O sr. Pinto de Magalhães: - Como é engraçado!
O Orador: - Quasi tanto, um poucochinho menos do que s. exa. (Apoiados.) S. exa. respondendo ao meu discurso, e voltando-se para os srs. deputados da maioria dizia: «Como é ingenuo este pensamento do illustre deputado!» Agora que lhe digo alguma cousa que não lhe agrada diz: «que tem graça!!» (Riso. - Apoiados.)
Com relação ao gado diz o illustre relator: «Não se lembra o illustre deputado, que não se podiam alcançar as concessões que a principio se promettiam, porque a Hespanha tinha feito um tratado com a França, tinha cedido á França o tratamento de nação mais favorecida, e que portanto, se a Hespanha nos concedesse a isenção para a importação de gado, o resultado era que tinha de fazer a mesma concessão á França?»
Lembro, sim senhor; e tanto assim é, que apresentei no meu discurso essa circumstancia.
S. exa. é que se esqueceu de que eu lhe dissera tudo isso, e mais, que o sr. Casal Ribeiro sugerira a idéa de que, no tratado que se ia celebrar com a França, a Hespanha resalvasse a faculdade de nos conceder a isenção de direitos para os gados que exportássemos para lá, sem que a isenção se applicasse á França, e que a Hespanha promettera estipular a dita resalva.
Os negociadores portuguezes, que tinham obrigação de saber isto, tinham a obrigação de vigiar para que esta promessa fosse cumprida. Eu perguntei: Fizeram alguma cousa n'esse sentido? O sr. relator diz que sim; mas o que é certo é que no Livro branco não se diz cousa alguma a este respeito. (Apoiados.)
Disse o sr. relator: «O sr. deputado, tratando da importação e da exportação do gado, queixou-se de que nós tivesse-mos concedido isenção ou tivessemos applicado um pequeno direito ao gado hespanhol, ao passo que ficaram direitos importantissimos para o gado portuguez.
Nós não fômos prejudicados, o sr. deputado é realmente ingenuo, (foi esta a phrase do sr. relator) nós temos a industria da engorda.
Mas no meu primeiro discurso já estava respondido este famoso argumento. Nós concedemos não só a isenção de direitos ao gado magro, mas tambem ao gado gordo, ao passo que na Hespanha não se nos concede isenção de direitos nem para um, nem para outro.
Vem o sr. relator com uma estatística em que mostra que nós importamos gado suino magro e exportamos gado suino gordo, e conclue d'ella que tudo ficou muito bem, porque o gado gordo que nós exportámos póde supportar o direito de 1$520 réis, ao passo que o gado magro não póde supportar mais de 90 réis por cabeça.
A estatistica apresentada pelo sr. relator, prova exactamente contra s. exa. Eu tinha dito que o imposto de réis 1$520 por cabeça de gado suino é um imposto prohibitivo da exportação do gado suino magro; o sr. relator demonstra com a estatística que é um facto não exportarmos nunca esse gado magro.
O que ao sr. relator esqueceu foi investigar a rasão do facto; rasão que está na elevação do direito. Seria maravilha, com effeito, haver tal exportação com tal imposto!
Quer o illustre deputado provar alguma coisa contra o que eu disse a este respeito? Demonstre que nunca teremos necessidade de exportar gado magro, o que equivale a demonstrar-nos e a prometter-nos que as sobreiras e azinheiras de Portugal hão de todos os annos ter fructo em abundancia, e que as sobreiras e azinheiras de Hespanha hão de todos os annos dar uma producção escassa. (Apoiados.)
Affirmou o sr. relator que eu disse que ás disposições do tratado sobre pescarias eram de quasi nulla importância.
Eu disse o contrario.
Disse que a respeito de pescarias o contrato nos era favoravel; mas que este favor não era igual aos que tinhamos concedido, e que alem d'isto podia ser temporario; porque, como aqui disse uma vez o sr. Corvo, as nossas costas não têem o privilegio perpetuo de serem mais abundantes em pescarias do que as costas hespanholas.
Uma VOZ: - São sempre.
O Orador: - Póde ser que o tenham sido até agora; mas não se póde assegurar que o sejam de futuro.
O sr. Pinto de Magalhães: - É um argumento de auctoridade.
O Orador: - Oh! Para o sr. relator não ha argumen-

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tos de auctoridade! O sr. relator não tem um unico conhecimento que fosse adquirido por este modo! Tudo viu por si! tudo observou! tudo experimentou! Principalmente sobre pescarias; porque o illustre relator... anda sempre no mar. (Riso.)
Mas vem agora um ponto, perante o qual o sr. relator poz muitos pontos de admiração.
O sr. relator não póde perceber o que são uns parallelos que eu fiz entre mercadorias diversas importadas e exportadas; não sabe para que isso sirva na discussão de um tratado.
Pois eu digo ao sr. relator que esses parallelos, em que se comparam, não mercadorias diversas, mas direitos que recáem sobre mercadorias diversas, são o unico modo de preparar um tratado, e o unico modo de o avaliar.
A Hespanha exporta para Portugal um genero; Portugal exporta para Hespanha outro genero; comparam-se as concessões que se fazem ás duas exportações, e não se comprehende um tratado de commercio feito e avaliado de outra maneira.
Pois o que é um tratado de commercio?
É um tratado sobre a troca de productos similhantes?
Eu não vou trocar productos identicos; mas productos differentes.
Uma nação tem outros principaes e especiaes, mas differentes.
O sr. Pinto de Magalhães: - Mas com a Hespanha não se dá esse caso.
O Orador: - Agora faça favor de ouvir, e escusa de fazer... ápartes. O áparte do illustre deputado é mais um erro economico, porque nem o tratado, nem o commercio entre a Hespanha e Portugal existiram, se as duas nações não tivessem productos differentes que trocar.
Uma nação pede protecção para uma cousa, para uns certos artigos, e outra nação pede-a para outros artigos.
É claro que quando se tem de fazer um tratado de commercio tem de se attender a certas bases e a certas circumstancias, sob pena do individuo encarregado de negociar o tratado o fazer de um modo leviano. Toma-se a escala das producções de um paiz e a escala das producções de outro paiz, consultando se as estatisticas; e quando não ha escala de producção, derivada da estatistica, tem de se tomar a escala das importações e exportações; foi o que eu fiz; fui tomar a escala das exportações de Hespanha; fui ver qual era o producto principal d'essa exportação de Hespanha para o nosso paiz, e d'elle para Hespanha; depois comparei as concessões que se fizeram aos productos da 1.ª classe das escalas dos dois paizes, e assim por diante.
Póde o sr. relator dizer que não comprehende; é apesar d'isso innegavel que é o unico methodo por que se póde fazer um tratado de commercio com vantagem para ambas as nações, o que não se alcança com tratados feitos á ligeira e levianamente, como este. (Apoiados.)
Vozes: - Deu a hora.
O Orador: - Como deu a hora peço a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

Discurso do sr. deputado José Frederico Laranjo, proferido na sessão de 30 de maio, em continuação do segundo do dia 29, e que devia ler-se no «Diario», a pag. 1867, col. 2.ª

O sr. Frederico Laranjo: - Sr. presidente, o meu primeiro discurso de hontem, foi, é verdade, um discurso de opposição, mas reflectindo e serio, e demonstrado, por isso mesmo, qeu eu tenho pelos negocios do meu juiz, e pela camara perante a qual fallo, a consideração sufficiente para não me occuparde um assumpto, sem primeiro o ter estudado.
O tom que dei ao segundo discurso, foi provocado pelo tom do do sr. relator. Digo isto como justificação minha, e como satisfação ao sr. relator; satisfação que ninguem me pede, mas que eu apresento, porque o meu desejo,quando tomo a palavra, é sempre discutir um assumpto, e nunca melindrar ninguem; pareceu-me, porém, e parece-me que o papel de um relator é esclarecer e não acirrar os debates.
Dadas estas explicações, vou procurar hoje responder em breves palavras a algumas considerações apresentadas pelo sr. relator e a que ainda não respondi de todo.
Dizia o sr. relator que se o partido progressista tivesse celebrado em tempo proprio o tratado de commercio com a Hespanha, teriamos obtido as isenções de direitos que não se poderam obter agora.
O partido progressista não chegou a estar dois annos no poder; o partido regenerador tem-se apoderado das secretarias d'estado, das juntas geraes de districto, das camaras, do concelho d'estado, e não sei se se tem apoderado de mais alguma cousa; de todos estes elementos se servia para nos mover difficuldades, e é claro que, n'estas circumstancias, seria desculpavel que o partido progressista quando esteve no poder não fizesse o tratado, mesmo se o tempo proprio e melhor occasião propicia, se tivesse apresentado sob o governo d'esse partido.
Mas o illustre deputado esquece os factos e as datas. Quando o partido progressista esteve no poder não era occasião de obter isenções para a exportação dos gados, porque o impedia o antigo tratado com a França, como o impediu agora o actual; o tempo proprio para isso era o intervallo entre a denuncia do antigo tratado e a celebração do novo; e esse intervallo deu-se, estando já no poder o partido regenerador.
E mesmo fóra d'esse intervallo, todo o tempo seria bom, se se tivesse tido o cuidado de viajar e zelar que a Hespanha pactuasse com a França a resalva que nos tinha promettido.
Da falta d'esse cuidado e de deixar escapar a occasião propria, é pois culpado o governo regenerador; e é a elle que se póde dizer - negociasse em tempo.
E, mesmo que não existisse todas estas circunstancias, o facto de o governo progressista não ter negociado, não era um titulo justificativo para o governo regenerador negociar mal.
A respeito das lãs, disse o illustre relator, que estranhava o que eu dissera, por isso que sendo uma materia prima, não era para nós prejudicial, antes pelo contrario favoravel, admittir em relação a ellas a isenção de direitos. Eu não combati essa isenção; tinha estranhado simplesmente que em relação á classe correspondente na tabella da exportação portugueza, que era a madeira em bruto, ou quasi em bruto, a Hespanha nos não tivesse feito concessão igual áquella que nós tinhamos feito para as lãs.
A respeito de vinhos uma das observações que fiz, a principal e essencial, foi notar que no tratado se dispozesse que os vinhos hespanhoes não pagariam nunca maiores direitos interiores de caracter geral do que os actuaes, clausula desusada, e que poderia collocar os vinhos portuguezes em difficeis circumstancias de concorrencia, pois que para elles podem augmentar os mesmos impostos.
O illustre relator, em apartes, reclamou muito contra a interpretação que eu clava á clausula a que me referia; mas depois, quando usou da palavra, não respondeu cousa alguma ao que eu tinha dito a este respeito, e senti.
O sr. Pinto de Magalhães: - É verdade, esqueci-me.
O Orador: - Ainda a respeito de vinhos, já expliquei que não me tinha affligido que os nossos vinhos se exportassem para França. O que eu queria era que os exportassemos em condições melhores do que os exportamos actualmente. Dizia o sr. relator a este respeito que a phylloxera nos tinha beneficiado, porque, tendo atacado as vi-

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2264 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

nhas em França, tinha dado logar a que nós exportassemos para lá os nossos vinhos. Mas se a phylloxera deixar aquelle paiz, que hade procurar os meios de a combater, o que havemos de então fazer, se ficarmos simplesmente a bemdizer essa exportação, occasionada por um triste flagello?
Haviamos de naturalmente arrancar as vinhas, e pôr de parte essa cultura, do mesmo modo que o illustre relator pretende agora que se ponha de parte a cultura da oliveira?
Infelizmente não se mudam as culturas no mesmo tempo em que, segundo a biblia, Deus faz o mundo; e, mesmo quando uma cultura ou uma industria está definitivamente condemnada, são necessarias e uteis providencias sociaes, que obstem a uma crise aguda e violenta, e lhe permitiam que se substitua por outra, lenta e gradualmente.
Disse o sr. relator que as palavras que eu citei do sr. Corvo a respeito da importancia das vantagens do tratado não provavam nada; porque o sr. Corvo não havia de dizer á Hespanha que as concessões que nós lhe fazia-mos não valiam de nada, e que as concessões que a Hespanha nos fazia valiam muito ou valiam tudo.
O illustre relator esqueceu-se de tudo que eu disse.
Quando apresentei as palavras do sr. Corvo, fui eu o primeiro a perguntar se essas palavras eram simplesmente uma manifestação do seu zelo louvável pelos interesses do paiz, ou a singela expressão dos factos. Se eu simplesmente acreditasse nas palavras do sr. Corvo, não analysava o tratado; limitava-me a cital-o e ao sr. Antonio de Serpa, e mais nada; já vê o illustre relator que eu não commetti o erro, que me attribue, de julgar o tratado pelo que d'elle dizem os negociadores. Nesse ponto não segui auctoridades; analysei.
Disse o sr. relator que a Hespanha não nos concede só a secunda columna da sua pauta; concede-nos tambem a tabella B do seu tratado com a França. Mas eu tambem tinha dito isto; simplesmente dera pouca importância atai concessão, porque na realidade é nulla.
A respeito da concessão desta tabella B, diz o sr. António de Serpa que ella podia aproveitar muito a uma nação industrial, mas não aproveitava cousa alguma a uma nação agricola, como nós somos.
Que valor terão estas palavras do sr. Serpa? Serão um exagero? São a expressão da verdade.
É claro que os pedidos de uma nação industrial, como é a França, feitos a uma nação agricola, como é a Hespanha, não pódem ser os pedidos que convem a uma nação agricola, como Portugal; e por isso, mesmo sem analyse, se póde conjecturar que a tabella de concessões feitas pela Hespanha á França para nós pouco póde valer; mas visto que este raciocinio não basta; visto que, para avaliar e elogiar o tratado, se lança numa das conchas da balança em que se ponderam as concessões as da pauta B. do tratado da Hespanha com a França, eu vou fazer uma breve analyse dessa pauta e mostrar que não nos aproveita em cousa alguma.
A primeira concessão da pauta B para as importações em Hespanha, refere-se a ladrilhos, tijolos e telhas ordinarias; ora, toda a nossa exportação de productos ceramicos, tomando a estatistica de 1881, somma apenas réis, 7:000$000, dos quaes foram para a Hespanha apenas réis, 308$000; ao passo que a nossa importação dos mesmos productos, no mesmo anno, importou em 23:252$000 réis, vindo da Hespanha 464$000 réis; fomos pois importadores e não exportadores d'este genero, e nada lucrâmos com a concessão.
Seguem-se reducções do direitos a diversas classes de vidros e crystaes; mas da estatistica portugueza que mencionei, vê-se que exportámos vidro em obra no valor de 5:236$000 réis, indo para a Hespanha 143$000 réis; e que importámos 166:566$000 réis, vindo da Hespanha 1:207$000 réis. Estamos pois no mesmo caso; a reducção que aproveita á França, nada vale para nós.
Vem depois na pauta B diversas classes de louça, e pela nossa estatistica a exportação de louça ordinaria, faiance e grés foi de 9:055$000 réis, indo para a Hespanha 1:157$000 réis; sendo a importação de 54:563$000 réis, vindo da Hespanha 1:919$000 réis.
Em porcellana exportamos 3:180$000 réis, não indo nenhuma para a Hespanha; importámos 28:727$000 réis, vindo da Hespanha 100$000 réis. As conclusões persistem as mesmas.
Depois segue-se na pauta B o ferro coado e em manufacturas. Na estatistica portugueza todo o ferro em bruto e em obra que exportámos somma era 111:563$000 réis, indo para a Hespanha 6:255$000 réis; sendo a nossa importação, só em ferro fundido, em bruto e forjado, de réis, 756:808$000, sendo porém a nossa exportação para a Hespanha um pouco, mas levemente, maior que a nossa importação do mesmo paiz.
Vejamos ao acaso outros artigos, por exemplo, perfumarias.
Exportámos 749$000 réis, indo para a Hespanha 20$000 réis; importámos 36:099$000 réis, sendo da Hespanha 221$000 réis.
Muitos artigos da pauta referem-se á classe que nós inscrevemos - lãs e pellos -; n'esta classe exportámos réis 241:453$000, indo para a Hespanha 8:101$000 réis; importámos, tirando a lã em rama, 1.888:267$000 réis, vindo da Hespanha 5:700$000 réis.
Ha muitos outros artigos, como papeis pintados, veludos, luvas, pianos, chapeus de sol, etc.; mas a camara não precisa que eu lhe leia estatisticas, para saber que não somos exportadores, mas importadores, d'estes artefactos.
A applicação que a Hespanha nos fez da pauta B, e que concedeu á França, para nós não tem, pois, valor; pelo contrario, a tabella B que nós concedemos á França, e que applicámos á Hespanha, é provavel que ainda lhe possa valer alguma cousa, porque as industrias hespanholas vão em progresso maior do que as industrias portuguezas. Nem admira isso, prque é uma nação maior.
Póde parecer que me queixo de que a Hespanha lucre com o tratado; mas não me queixo de tal, repito-o; o que eu desejava era que elle fosse tambem proporcionalmente lucrativo para nós. Não quero cansar mais a camará, estirando mais o assumpto, e por isso vou terminar.
Parece que o que irritou hontem um pouco o sr. relator foram as accusações de incúria que eu fiz ao governo e aos seus negociadores; mas em que sou eu culpado dessas observações, se apenas relato factos? Essa incuria foi real, existiu. Querem uma nota comprovativa d'ella?
Eu pedi, quando se estava para discutir este tratado, alguns documentos, e entre elles as tabellas de que o sr. Andrade Corvo fallava no Livro branco, e que dizia que estava preparando para entregar ao governo hespanhol, com o fim de mostrar, que nós, pelo lado fiscal, dávamos mais do que recebiamos.
Requeri esses documentos, e devo dizel-o em honra do sr. ministro dos negocios externos, recebi-os, e são os unicos que tenho recebido nesta sessão; porque os documentos pedidos pelas outras secretarias, apesar de não serem muitos, porque eu não peço documentos por gosto, mas só os que me são indispensáveis para as discussões, nenhum tenho recebido.
Tendo-se tornado a remessa de documentos um facto singular e extraordinário, eu agradeço a s. exa. ter-me enviado aquelles a que me estou referindo.
Comecei a estudar os documentos, e houve n'elles uma parte que por muito tempo não percebi.
Os documentos são dois; um tem por titulo - Mercadorias hespanholas importadas em Portugal conforme o mappa hespanhol de 1879.
Traz o nome das mercadorias, as suas quantidades, observações, o direito pago, o quanto do direito, o direito a pagar segundo o tratado, e o quanto do direito.

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SESSÃO NOCTURNA DE 11 DE JUNHO DE 1885 2265

Chega-se n'este documento aos resultados seguintes:

Direitos pagos .... 168:189$231
Direitos a pagar segundo o tratado .... 51:877$085
Differença para menos .... 116:312$146

Ou em pesetas .... 646:178

O outro tem por titulo Mercadorias portuguezas importadas em Hespanha segundo o mappa hespanhol.
Traz indicações da mesma natureza, e chega ao seguinte resultado:

Direitos pagos (em pesetas) .... 712:729
Direitos que pagariam segundo o tratado .... 481:791
Differença para menos .... 230:938

Ou em réis .... 41:568$840

Em ambos os documentos se acrescenta o seguinte:

Valores importados de Hespanha e exportados para Hespanha Estatística portugueza de 1877 (reduzido a pesetas)

Importação de Hespanha .... 14.619:622
Transito de Hespanha .... 18.648:166
33.267:788

Direitos .... 939:220

Exportação portuguesa .... 6.300:000

Direitos .... 83:838

Valores exportados de Hespanha e importados de Portugal Estatistica portugueza de 1879

xportação de Hespanha .... 31.210:545
Direitos .... 21:005
Importação de Portugal .... 6.545:322
Direitos .... 769:407

Está conforme. - Madrid, 20 de outubro de 1882. = Luiz de Soveral.
Comprehende-se, dizia eu a mim mesmo, que em 1877 uma exportação hespanhola que valia 1.619:622 pesctas, pagasse de direitos 939:222, e uma exportação portugueza que valia 6.300:000 pesetas, pagasse de direitos 83:338; mas como, e porque foi que em 1879 uma exportação hespanhola para Portugal, que valia 31.215:545 pesetas. pagou 21:005, e a importação de Portugal na Hespanha, ou a exportação portugueza, que valia apenas 6 545:322 pesetas, pagou 769:407?
Confesso que perdi muito tempo na decifração do enigma, que depois verifiquei pela estatistica portugueza que era um erro.
Os direitos que estão adiante da exportação de Hespanha, devem estar adiante da portugueza, e vice-versa; mas erro, que se repete duas vezes, e indesculpavel num documento d'esta natureza, de nação para nação.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Seria um erro de copia.
O Orador: - Diz s. exa. que seria um erro de copia; por baixo do documento vejo o Está conforme, que indica que foi assim que o documento se remetteu ao governo hespanhol.
O governo hespanhol ou não percebeu os estranhos algarismos, ou, só percebeu, riu se; nós não nos podemos rir, mas podemos lamentar que um documento internacional se lavrasse com tal descuido, demonstrando ainda por essa forma a incuria que houve com todo o tratado.
Tenho dito.

Redactor = S. Rego.

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