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APENDICE A SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE JUNHO DE 1888 1904-A

O sr. Dantas Baracho: - Sr. presidente, começando a fallar na sessão diurna, notei, como não podia deixar de notar, a ausencia do illustre ministro da guerra, quando se tratava de um assumpto da importancia d'este (Muitos apoiados) de que me estou occupando.

Á manifestação da minha estranheza replicou o sr. ministro da fazenda allegando que o sr. ministro da guerra o encarregára de tomar notas referentes aos assumptos de que me occupasse, por isso que o seu collega estava impedido em serviço publico.

Eu acceitei sem protesto esta explicação; mas ao concluir as considerações que fiz de tarde pedi ao sr. ministro da fazenda se dignasse de avisar o seu collega da guerra para comparecer na sessão nocturna, visto que eu estava convencido de que a esta hora s. exa. não podia ter serviço publico...

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - V. exa. dá licença?

O Orador: - Com muito gosto.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Eu escrevi ao sr. ministro da guerra pedindo-lhe o obsequio de vir esta noite á camara, por isso que o illustre deputado desejava tratar de um assumpto na presença de s. exa., e o sr. ministro respondeu-me que estava, incommodado e que não sabia se poderia vir; mas se podesse viria.

Na ausencia do sr. ministro da guerra, eu ou o sr. presidente do conselho estamos promptos a tomar apontamentos do discurso do illustre deputado para os apresentar ao sr. ministro da guerra.

O Orador: - Desde que o illustre ministro não póde comparecer por falta de saude, eu continuarei a passar pelo desgosto de o não ver na camara, sentindo os incommodos de s. exa., e fazendo conjunctamente votos pelo seu prompto restabelecimento.

Espero, porém, que s. exa. possa assistir á sessão de sabbado; e entretanto, irei proseguindo na minha ordem de considerações, na certeza de que, póde v. exa. crel-o e a camara, preferiria que o illustre ministro me ouvisse hoje, tendo eu de tratar, como tenho, de uma questão importantissima, como é a do caminho do ferro de Cascaes, em cuja resolução, prejudicialissima para os interesses publicos, (Apoiados.) s. exa., tem tão pesadas responsabilidades. (Apoiados.)

A presença do illustre ministro collocar-me-ía mais á vontade; mas nem por isso deixarei de cumprir com o meu dever, sem faltar, desnecessario seria dizel-o, á consideração que tenho por s. exa., e não me afastando dos preceitos de delicadeza e de cortezia, que julgo ter sempre cumprido, usando da palavra n'esta casa. (Apoiados.)

E posto isto, eu vou recapitular o mais brevemente possivel o que disse na sessão diurna.

Referindo-me ainda á instrucção e ensino, de que me occupára na penultima sessão, adduzi differentes factos, que ocioso seria recordar agora, para provar quanto n'esse ponto estamos atrazados.

Por differentes vezes alludi ao systema injustificavel, seguido entre nós, de negar aos representantes do paiz documentos cuja publicação seria de grande utilidade, e puz em relevo este processo de mysterios contraproducentes, com o que se pratica no estrangeiro.

Por varias vezes igualmente protestei, quando tratei de fornecimentos, contra a acclimação, que se tem feito, do zangão do intermediario, em prejuizo dos fornecidos e da industria nacional.

Referi-me depois ao deploravel estado em que se encontra a defeza geral do reino, ácerca da qual nem sequer ha um plano estabelecido, e classifiquei como verdadeiras inutilidades as nossas praças de guerra.

Por ultimo, fiz umas ligeiras allusões com relação á defesa ao Lisboa e seu porto, e associadamente ao caminho de ferro de Cascaes, - assumptos estes de que prometti occupar-me com maior desenvolvimento n'esta sessão, como effectivamente o vou fazer.

N'este proposito, lembrarei que as regras de ataque e defeza, nos diversos paizes, não têem, com o decorrer do tempo, sido immutaveis.

Como todos os outros problemas, cuja solução dependo da intelligencia humana, têem passado por transformações, desde que a ninguem ainda foi dado o previlegio de descobrir ou estabelecer preceitos inatacaveis, incontroversos, invenciveis, no campo pratico da applicação.

Assim, sem me alargar em apreciações, que poderiam tomar a feição de uma dissertação mais ou menos enfadonha, relativamente, por exemplo, ao que eram no começo d'este seculo e ao que são hoje os meios, de ataque e defeza, sob o ponto de vista do material de guerra, consignarei, todavia, que no periodo dos ultimos cem annos as praças fortes foram essencialmente preconisadas, com especialidade nas fronteiras, como elementos indispensaveis de defeza, para depois serem, na sua maior parte, condemnadas como inuteis, mormente pelas nações mais poderosas e de caracter mais accentuadamente guerreiro. (Apoiados.)

Na actualidade, estão de novo sendo celebradas e reconhecidas como vigorosos pontos de apoio e de resistencia, quando construidas, guarnecidas e artilhadas segundo as modernas praxes militares.

E ainda mais.

Não se celebra só a sua indispensabilidade.

Dá-se-lhes mais amplidão e desenvolvimento do que antigamente, sob a denominação de campos entrincheirados. (Apoiados.)

E, diga-se de passagem, nós que conservamos as nossas praças na situação decadente de todos conhecida, não possuimos, nem mesmo a titulo de curiosidade, um unico, um solitario campo entrincheirado!

Nem ainda o campo de Tancos mereceu ser convenientemente preparado n'esse sentido!

E no entanto, julgo que todas as opiniões mais abalisadas são conformes em que aquelle ponto deve passar por essa transformação, quando seriamente se tratar da defeza geral do reino. (Apoiados.)

E convem que tudo isto se saiba, que o paiz não o ignore, que o tenha bem presente, para que elle se interesse, mais do que o tem feito até hoje, por uma questão que tão intimamente o devia affectar, como é a da defeza do reino. Porque, a verdade é que, se a opinião publica estivesse mais esclarecida, se melhor comprehendesse quão nocivo é aos interesses geraes o seu indifferentismo, não existiriam hoje muitas das faltas que tenho indicado, e os governos que nos ultimos annos se têem succedido no poder, mais e muito mais teriam feito.
(Apoiados.} Não constituiriamos, por certo, como está succedendo, uma excepção entre as outras nações europeas. (Apoiados.)

Torna-se, portanto, preciso, é da maxima necessidade, fazer propaganda pertinaz, ininterrupta, quer na tribuna, quer na imprensa, no intuito de dar remedio efficaz á perniciosa indifferença que deixo apontada, e que em grande, parte provém do largo periodo de paz, verdadeiramente octaviana, que temos atravessado, a qual, se produz, o que é incontestavel, assignalados beneficios, não é menos certo que enerva os povos, depauperando-lhes os sentimentos viris. (Apoiados.)

E depois, de larguissimo periodo de paz tem disfructado tambem a Suissa, e comtudo não tem deixado de dispensar a mais seria attenção á defeza do seu territorio, cuja integridade se acha porventura melhor garantida do que a do nosso paiz. A previdencia que ha longos annos tem patenteado serviu-lhe para não ser enxovalhada durante a ultima campanha franco-prussiana, e servir-lhe ha naturalmente de futuro, em identicas circumstancias. (Apoiados.) É este, sem a menor duvida, um bom modelo, digno de ser por nós copiado. (Apoiados.)

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1904-B DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Mas, sr. presidente, quer as praças de guerra fossem ou não consideradas como util elemento de defeza, segundo as idéas predominantes nas differentes epochas, é incontestavel que sempre se procurou dotar as capitães dos reinos com as necessarias condições defensivas, por modo que, sendo ellas o principal objectivo a que miram os invasores, possam offerecer ao ataque a maxima resistencia. As nações que, por negligencia, têem esquecido esta salutar doutrina, têem tido sempre de que se arrepender nos momentos criticos e de provação. (Apoiados.)

As grandes cidades maritimas, ainda mais do que as outras, estão sujeitas a esta regra, por mais facil se tornar o seu investimento, quando não devidamente fortificadas e defendidas por poderosas esquadras.

A nossa historia offerece-nos d'isso varios exemplos, pelo que respeita a Lisboa. Não me alargarei na citação de factos numerosos para o comprovar; mas de entre elles destacarei um, como inquestionavelmente significativo. Refiro-me á maneira facil e vergonhosa como ella caíu em poder dos hespanhoes em 1580.

O duque de Alba apoderára-se, como é sabido, de Setubal, que lhe resistiu heroicamente, até ser bloqueada pela esquadra do marquez de Santa Cruz, o qual decidiu ali a sorte da contenda, indicando alem d'isso ao famoso general castelhano o caminho a seguir para mais facilmente se apoderar da capital.

E a indicação não foi desperdiçada. O duque do Alba metteu-se em Setubal a bordo da esquadra do marquez de Santa Cruz, desembarcando pouco depois em Cascaes, que se rendia em seguida. D'ali dirigiu-se para Lisboa, ao mesmo tempo que o almirante hespanhol forçava a barra e lhe auxiliava os movimentos, cobrindo-lhe o flanco direito. No dia 25 de agosto dava-se a batalha da ponte de Alcantara, que teve como resultado sessenta annos de captiveiro para Portugal.

É a nossa historia patria que narra estes factos, de todos nós conhecidos, e que nos ensina por consequencia que devemos escrupulosa e activamente cuidar das fortificações de Lisboa e seu porto, dando a preferencia ás obras de defeza pelo lado maritimo, que é o nosso ponto mais vulneravel, por não podermos contar com importantes forças proprias navaes, e ser muito problematico e contingente que estranhos nol-as forneçam na occasião do perigo. (Apoiados.)

Não admitte duvida que hoje os meios de defeza são muitos differentes do que eram em 1580. Então não se conheciam, nem sequer era dado suppor que, decorridos tres seculos, haveria uns engenhos de guerra, denominados torpedeiros e torpedos. Mas o que é na verdade triste é que, sendo elles, para assim dizer, familiares á nossa geração, seja tão escasso o numero dos que possuimos, (Apoiados.) como mais tarde provarei.

E, em todo o caso, por muito uteis que sejam essas ma chinas de guerra, empregadas em numero apropriado, a sua inefficacia far-se-ha sentir, se a defeza só a ellas estiver adstricta e não for acompanhada pelo effeito produzido por potente artilheria, montada em fortalezas dignas d'este nome. (Apoiados.)

E é n'estas circumstancias que o governo, desprezando as mais elementares conveniencias publicas, faz a concessão do caminho de ferro de Cascaes a uma empreza, que unicamente aspira a tirar o maior beneficio possivel da especialissima mercê que lhe foi feita! (Apoiados). Chega a ser inacreditavel. (Apoiados.)

Sr. presidente, o caminho de ferro marginal de Lisboa a Cascaes, é sob o ponto de vista militar, seguramente um dos mais importantes do paiz. É uma das vias ferreas em que o governo devia fixar toda a sua attenção, e por fórma nenhuma preterir as condições estrategicas em que deveria ser construida, em favor de uma companhia tão poderosa, que promette tudo avassallar. (Apoiados) E quando as emprezas particulares, como aquella a que me efiro, chegam ao ponto de serem um estado no estado, é indispensovel pôr um travão ás suas insaciaveis ambições. (Apoiados).

E a prova de que esta empreza avassalla e assoberba o que não deve ser avassalado, é que ella teve força para obter do governo um caminho de ferro que interessa profundamente á defeza de Lisboa, que, para assim dizer, consubstancia a defeza do reino, (Apoiados.) e nas condições mais prejudiciaes a essa defeza, e menos recommendaveis para quem as sanccionou ou não evitou que se tornassem em realidade. (Apoiados.)

Tanto o illustre ministro da guerra estava convencido de que as affirmações que acabo de fazer representam a boa doutrina, que s. exa. consultou repetidas vezes a commissão de defeza, que foi uniforme nos pareceres que emittiu, todas ellas condemnando a concessão, nos termos em que era feita. E quero crer que a opinião do illustre ministro, quando procedeu a essas consultas, era muito differente da que depois manifestou, quando entrou no caminho das complacencias para com a companhia concessionaria, transformando-se de fiscal rigoroso que tinha sido, dos interesses publicos, no ministro mais genuinamente condescendente de que ha memoria.
(Apoiados.)

Infelizmente, o primitivo rigor manifestou-se apenas em theoria. Na pratica, prevaleceu, como ultima palavra, a condescendencia, a mais latitudinaria condescendencia! (Apoiados.)

E eu disse e repito, sr. presidente, que queria crer que a opinião do illustre ministro era muito diversa, quando pedia consultas á commissão de defeza, da que patenteou depois com as suas indesculpaveis transigencias, ou antes com a sua completa submissão, porque não é admissivel que um conselheiro da corôa estivesse por mero passatempo a exigir consultas, pareceres e opiniões, unica e exclusivamente para soberanamente as desprezar, o que não seria com certeza lisonjeiro para a commissão consultada. (Apoiados.)

Parece-me, pois, fóra de duvida que s. exa. durante o periodo febril das consultas, não estava conforme com o traçado adoptado pela companhia constructora. (Apoiados.) Mas não é menos certo que mais tarde s. exa. poz de parte as indicações que lhe foram feitas, arrependido, porventura, de tanto ter consultado, de se ter revelado tão curioso. (Apoiados.) Deu-se, por consequencia, um completo reviramento na maneira de ver e de pensar de s. exa., o que bom é consignar-se, sem que comtudo eu procure indagar as causas que promoveram tão accentuada metamorphose.

Registo o facto, ponho em evidencia, como julgo que puz, a transformação operada, e isso me basta. (Apoiados.)

E posto isto, sr. presidente, eu vou dar conhecimento a v. exa. e á camara das consultas elaboradas pela commissão de defeza. São ellas em numero de cinco. A primeira tem a data de 23 de julho de 1887; a segunda, de 6 de agosto; a terceira, de 21 de outubro; a quarta, de 5 de novembro; e a quinta, de 15 de dezembro. Cinco consultas em menos de cinco mezes! Como se vê, durante este espaço de tempo, a commissão de defeza não esteve ociosa, pelo menos no desempenho da sua missão de consultora. Ainda não se tinha verificado, desnecessário seria recordal-o, a completa metamorphose a que ha pouco alludi.

Mas vejamos em que termos se expressa a primeira consulta. Diz ella assim:

«A commissão de defeza de Lisboa e seu porto, encarregada de apreciar as condições militares do projecto da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes para o estabelecimento da linha ferrea da torre de Bolem a Cascaes, procedeu a minucioso exame das peças do referido projecto que lhe foram presentes, e ainda ao reconhecimento do traçado no terreno, como era indispensavel, visto que, pelas pegas escriptas, não podia conhecer devidamente

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APPENDICE Á SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE JUNHO DE 1888 1904-C

as disposições da linha projectada em relação ás diversas posições militares da zona que atravessa.

«Não podia deixar de merecer á commissão muito particular interesse o traçado d'esta linha ferrea, por isso que, atravessando ella uma das zonas mais importantes para a defeza de Lisboa e seu porto, é indispensavel que seja estabelecido por fórma que, longe de contrariar as operações da defeza, lhes preste o seu util concurso e auxilio, que póde ser valioso.»

Assim, a commissão declara, e eu chamo a attenção da camara, para este ponto, que procedeu a minucioso exame de todas as peças do projecto, e ainda ao reconhecimento do traçado no terreno, e que o caminho de ferro em questão atravessa uma das zonas mais importantes para a defeza de Lisboa e seu porto.

Estas affirmações são tão categorica e explicitamente feitas, são revestidas de uma tal importancia, que eu entendi dever interromper a leitura que estava fazendo, para bem as frisar, como cilas realmente o merecem. (Apoiados.)

E prosigo na leitura. Continúa a consulta:

«É sabido que uma linha ferrea, como a proposta, marginal e atravessando uma zona essencialmente militar, tem de satisfazer á condição de bem servir os fortes e baterias, tanto maritimas como terrestres, e de favorecer o mais possivel a defeza movel da terra, prestando-se ainda a ser energicamente defendida no periodo da lucta em que possa servir ás forças inimigas.

«Para isto deverá a linha ferrea approximar-se o mais possivel das obras, passando-lhes pela gola e a coberto dos fogos inimigos, - ter extensos alinhamentos á frente das mesmas obras que d'ellas possam ser enfiados e efficazmente batidos, e ter bem a coberto as suas estações e collocadas onde melhor possam servir as obras, tanto no transporte do pessoal como do material de guerra.»

N'esta parte da consulta estabelece a commissão as bases segundo as quaes devia ter sido feito o traçado. Ora vejâmos como a companhia concessionaria respeitou esses principios. É a consulta que ainda nos vae illucidar a este respeito e por este modo:

«O reconhecimento a que se procedeu fez ver á commissão que as condições, que assim ficam summariamente expostas, se não acham realisadas no projecto submettido á sua apreciação.

«Partindo da gola da bateria do Bom Successo, a linha projectada segue encostada ao Tejo, sendo batida de escarpa do Alto do Duque e Santa Catharina até á Cruz Quebrada, mas inteiramente a descoberto do lado do mar. Esta ultima circumstancia, porém, é n'esta parte do traçado de menor importancia que no restante d'elle, porquanto, em rasão da distancia a que se acha da barra, não poderá ser efficazmente batida pelo inimigo, senão depois d'este haver forçado a mesma barra, e n'um periodo de lucta em que a inutilisação d'aquelle pequeno troço de linha não terá inconveniente apreciavel para as subsequentes apreciações de defeza.

«Da Cruz Quebrada a Caxias segue o traçado encostado ainda ao Tejo, mas agora em extenso muro de supporte, sempre visto do mar e sem poder ser batido convenientemente de nenhuma das posições da defeza terrestre.

«A estacão de Caxias, collocada em terreno inteiramente descoberto do mar, mal visto e batido das obras de terra, fóra já do recinto de segurança e sem poder servir nenhum dos pontos do mesmo recinto, é inteiramente inaproveitavel para a defeza.

«Desde Caxias até á estação de Oeiras a linha continúa a descoberto do lado do mar na sua quasi total extensão, tendo apenas alguns alinhamentos que podem ser batidos, mas só de escarpa, pelo forte de Caxias e reducto de Oeiras.

«N'esta parte da linha está comprehendida a obra de arte de maior importancia de toda ella, o viaducto de Oeiras, que é completamente visto e batido do mar.

«Entre a estação de Oeiras e Cascaes, apenas o pequeno troço de linha que vae de Oeiras a Carcavellos segue a coberto do mar e em condições de ser convenientemente batido do reducto do Duque de Bragança e do reducto de Oeiras; toda a parte restante vão a descoberto do fogo do mar e não é batida das posições defensivas da terra.»

Como se observa, o traçado, se não foi feito a preceito, no intuito de prejudicar profundamente a defeza de Lisboa, parece-o. (Apoiados.)

Mas vejamos como a commissão synthetisa o seu parecer:

«Em vista do que assim resumidamente se deixa escripto, é parecer unanime da commissão:

«1.° Que a parte do traçado entre Belém e a Cruz Quebrada póde acceitar-se como sem inconveniente para a defeza;

«2.° Que desde a Cruz Quebrada até Caxias o traçado não satisfaz a nenhuma das condições militares, sendo em especial condemnavel, sob o ponto de vista militar, a collocação da estação em Caxias;

«3.° Que no restante do traçado, só satisfaz ás condições militares a parte comprehendida entre a estação de Oeiras e Caravellos.»

Esta consulta é assignada, e convem que isto se saiba, pelos srs. Ladislau Miceno Machado Alvares da Silva, coronel de engenheria; José Alves de Almeida Araujo, major de engenharia; Jacinto Parreira, capitão de engenheria; José Silvestre de Andrade, capitão de artilheria; Antonio Candido Cordeiro de Almeida Soeiro do Gamboa, capitão de engenheria; Joaquim Lobo d'Avila da Graça, capitão de artilheria; Antonio Sarmento da Fonseca, capitão; José Joaquim da Costa Lima, capitão; Adriano Travassos Valdez, tenente de engenharia; Theophilo José da Trindade, tenente de engenharia; Antonio Augusto Nogueira de Campos, tenente de engenheria; Roberto Correia Pinto, tenente de engenheria; Hermano José de Oliveira Junior, tenente de engenheria; e Carlos Roma Machado de Faria e Maia, alferes de engenharia.

N'esta consulta a commissão não desce a minuciosidades, no sentido a melhorar o traçado.

Condemna-o, na sua maior parte, por maneira tão absoluta, que o que seria rasoavel, se se zelassem devidamente os interesses nacionaes, seria rejeital-o, e determinar á companhia que elaborasse outro, moldado pelas indicações apresentadas pela commissão. (Apoiados)

Mas a companhia, que é poderosa, que conhece o meio em que vive, a ponto de ter começado os trabalhos de construcção sem se preoccupar com os alvitres que poderia formular a commissão de defeza, obteve que a commissão fosse de novo ouvida, e se com isto alguem se humanisou, não foi ella seguramente, a commissão, entenda se bem.

As companhias que dispõem de grandes recursos, essas, pelo contrario, são, por via de regra, muito humanitarias e patrioticas, exactamente como os intermediarios de fornecimentos para o estado são philantropos! (Apoiados.)

E ainda mais, têem a habilidade de, com rarissimas excepções, humanisar quem se lhes approxima. (Apoiados.)

Mas, como não me proponho a entrar no campo das divagações, vou passar a ler a segunda consulta, que, melhor do que eu o poderia fazer, esclarece bastante a questão.

São os consultores que fallam:

«Foi presente de novo á commissão de defeza de Lisboa

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1904 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

è sen porto o projecto do traçado do caminho de ferro entre Belem e Cascaes, proposto pela companhia real dos caminhos do ferro portuguezes, traçado sobre que a mesma commissão já tinha dado o seu parecer, sendo de opinião de que a parte, comprehendida entre a Cruz Quebrada e Cascaes, não satisfaz ás condições exigidas pela importancia da zona militar que atravessa.

«Determina-se agora que a commissão indique os desvios, que, sem alteração profunda do traçado, deverão ser introduzidos na directriz proposta, em harmonia com os principios estatuidos na sua primeira consulta, por fórma a collocar esta linha em condições acceitaveis para a nossa defeza».

Como se vê, começa a operar-se a evolução que teve como resultado final a completa metamerphose a que tenho alludido.

De começo, o illustre ministro não estabeleceu restricções, pedindo a primeira consulta á commissão. (Apoiados.)

Deixava-lhe plena liberdade de acção, e como pelo caso que se faz a pergunta pelo mesmo se deve dar a resposta, ella respondeu muito summariamente que o traçado não satisfazia.

No pedido da segunda consulta, apparecem as restricções, observando-se á commissão que, sem alteração profunda no traçado, ella indique os desvios que devem ser introduzidos na directriz proposta, em harmonia com os principios estatuidos na sua primeira consulta.

Esta ultima parte, que eu muito de proposito sublinhei, tem mais por fim o embellezamento do periodo, o seu arredondamento, (Riso.) do que evidenciar a intenção de se attender, do preferencia a quaesquer outras considerações, ás condições de defeza. (Apoiados.)

Os factos só encarregarão de o demonstrar.

A burocracia tem por vezes veleidades de purismo de linguagem, (Riso.) e quando ella entra n'este caminho é quando mais é para temer. (Apoiados.)

E desgraçadamente, n'esta questão, ella foi, sob esse aspecto, muito exigente, como eu terei occasião de notar.

Mas verdadeiramente a parte succulenta do pedido da segunda consulta, succulenta a todos os respeitos, (Riso) é aquella em que se recommenda que não se façam profundas alterações no traçado. (Apoiados.)

Isto era o essencial. (Apoiados.)

Já aqui se disse, creio que foi até o illustre parlamentar, o sr. Dias Ferreira, que tinha havido substituição na padroeira do reino; que Nossa Senhora da Conceição tinha sido preterida por Santa Apolonia.

Eu não vou tão adianto; mas tenho a intima convicção de que esta milagrosa Santa é a padroeira do governo. (Riso. - Apoiados.)

E feita esta pequena digressão, eu vou continuar na leitura da consulta:

«Para que a commissão podesse apresentar uma opinião circumstanciada do assumpto em questão, seria necessario dispor de tempo sufficiente para proceder aos trabalhos de campo indispensaveis a um reconhecimento do traçado.

«As considerações, pois, que passa a expender, que lhe foram suggeridas pelo conhecimento que possue do terreno, representam apenas uma indicação geral dos principaes pontos por onde deverá seguir a directriz do traçado, obedecendo tanto quanto possivel ás condições militares da zona que atravessa, de accordo com o programma que lhe foi imposto.

«Como de certo á companhia concessionaria será ordenado que proceda ao estudo das variantes que propozemos n'este sentido, e como foram nomeados dois delegados da commissão para acompanharem os estudos d'este caminho de ferro, só então se paciento indicar precisamente os detalhes do traçado, que, obedecendo ás condições prescriptas n'esta consulta, colloquem a linha em condições de favorecer tanto quanto possivel o nosso systema de defeza.»

A commissão vivia no melhor dos mundos possiveis, e isto faz honra á sua sinceridade, manifestando a convicção de que á companhia concessionaria seria ordenado que procedesse aos estudos das variantes propostas.

Os factos estão indicando que tal ordem não foi expedida, porque, se o tivesse sido, a commissão ter-se-ía som duvida desempenhado do compromisso que contrahira, de indicar precisamente os detalhes do traçado, depois dos estudos a que os seus dois delegados deviam proceder com os engenheiros da companhia, e esses detalhes nunca appareceram. Portanto, ou a companhia não foi intimada, ou se o foi, não deu a menor attenção á intimação. (Apoiados.) Em qualquer dos casos o governo fica nas peiores circumstancias, patenteando-se tal qual é, - como servidor submisso da companhia, (Apoiados.) com prejuizo dos interesses do paiz. (Apoiados.)

E não é só o que deixo exposto que o dá claramente a conhecer. N'um assumpto de tanta magnitude, o governo, no seu furor de servir a companhia, nem o tempo preciso concede á commissão para ella proceder aos trabalhos de campo indispensaveis ao reconhecimento do traçado, e a par d'isto coarcta-lhe a iniciativa e restringe-lhe a esphera de acção, impondo-lhe um programma! (Apoiados.) E ella propria que o confessa, porventura para salvaguardar responsabilidades que ella consideraria demasiadamente pesadas, se não fizesse essas declarações. (Apoiados.)

Já se viu acto ministerial de tão caracterisado e revoltante favoritismo? (Apoiados.) Compromette-se a defeza da capital, o que equivale a dizer a defeza do reino, para isso dispensa-se toda a ordem de escrupulos e considerações, e tudo isto para que a companhia folgue e medre, que é o que se quer. (Apoiados.)

Mas não param aqui os attentados commettidos. Outros actos não menos edificantes faltam ainda a ser conhecidos. Prosigo, portanto, na leitura da consulta, a fim de que elles tenham a publicidade que merecem:

«A parte do traçado comprehendida entre a Cruz Quebrada e Caxias segue, como foi indicado na primeira consulta da commissão, sempre encostada ao Tejo, completamente batida do mar e a coberto dos fogos das nossas obras de fortificação.

«A estação de Caxias, assente no areal junto ao forte de S. Bruno, está completamente exposta aos fogos do inimigo. É claro que uma linha n'estas circumstancias não satisfaz a condições algumas militares.

«A commissão é de parecer que poderá sor modificado vantajosamente o traçado n'esta parte, se antes da Cruz Quebrada, pelas alturas do Dáfundo, a directriz se internar cortando de nivel a estrada de Cascaes e atravessar o Jamôr a montante da actual ponte em direcção á quinta do Esteiro, cortando em tunnel a Boa Viagem e dirigindo-se á quinta real de Caxias.

«Por esta fórma, sem uma alteração profunda na directriz do traçado, obteremos esta parte da linha completara ente a coberto dos fogos do mar. Mudando ainda a estação da Cruz Quebrada para um local convenientemente escolhido na quinta do Esteiro, poderemos obter com vantagem uma estação que melhor sirva á nossa defeza e mais convenientemente possa realisar as condições prescriptas no alvará de 9 de abril, para a estação de Caxias.

«É claro que esta parte do traçado ainda não fica sufficientemente protegida pelos fogos das nossas obras de fortificação; comtudo a existencia do tunnel da Boa Viagem, que deverá ser construido de fórma a poder facilmente ser destruido em tempo de guerra, garante-nos a, inutilisação

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APPENDICE A SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE JUNHO DE 1888 1904-E

d'esta parte da linha quando abandonada pelas forças de
defeza.»

Não admitte duvida que este troço da linha é o que se póde chamar uma perfeição, (Apoiados.) para não disser uma belleza. (Riso. -Apoiados.) Mas podemos todos dormir descansados. Se formos atacados, cá temos Santa Apolonia para nos defender. (Riso. -Apoiados.)

Não é preciso mais nada. Ella é tão milagrosa! (Apoiados.) Por exemplo, a commissão assevera que a porção de linha de que me estou occupando não satisfaz a condições algumas militares, e acrescenta que sem alteração profunda na directriz do traçado se póde obter que esta parte da linha fique a coberto dos fogos do mar. A commissão indica depois d'isso os alvitres que acabei de ler.

Pois a despeito de a commissão não se ter afastado, nas suas indicações, da letra do programma que lhe foi imposto, segundo sua propria declaração, Santa Apolonia fez o milagre de que essas indicações todas fossem unica e simplesmente lançadas no cesto dos papeis velhos; - foram consideradas como lixo. (Riso. - Apoiados.)

Até não escapou a esta medida o alvará, acima citado, de 9 de abril do anno preterito, e que depois d'esta exautoração passou com louvavel modestia a ser exclusivamente empregado no arredondamento de periodos. (Riso.) A burocracia, como já tive occasião de observar, quando se entrega á cultura do purismo - note-se que não disso puritanismo - tem d'estas exigencias. (Riso. - Apoiados.)

E o que eu sinto é que em nenhum dos documentos que tenho lido se falle na energia do illustre ministro da guerra, manifestada na defeza dos interesses nacionaes, porque, no caso sujeito, ella tambem serviria unica e exclusivamente para arredondamento de periodos. (Riso. - Apoiados.)

Mas voltemos á consulta, filão de proezas ministeriaes, que ainda está longe de ser esgotado:

«De Caxias até Paço de Arcos o traçado segue em parte a coberto dos fogos do mar e com alguns alinhamentos batidos do forte de Caxias.

«A commissão é de parecer que baixando convenientemente o traçado n'esta parte, e passando mais a montante a ribeira de Paço de Arcos, se obterá uma linha em condições relativamente acceitaveis. Lembra ainda a commissão a conveniencia que haveria em mudar a situação da estação de Paço de Arcos para junto do kilometro 7,300 e 7,600, a fim de melhor poder servir a bateria da ribeira da Lage, as posições de Torreiros, Puxa-feixe e o reducto de Oeiras.»

Segundo o parecer da commissão, é esta uma das partes da linha, traçada em condições menos prejudiciaes á defeza. Com a acceitação das ligeiras modificações que a commissão alvitrava, obter-se-ía um traçado em condições relativamente acceitaveis.

Pois nem estas facilidades demoveram a companhia concessionaria de dotar o paiz com a ratoeira que ella tinha projectado, e cuja execução ella acariciava como um dos seus mais dourados sonhos. (Riso.) E o illustre ministro mais uma vez manifestou a sua infinda condescendencia, subscrevendo aos desejos d'ella. - Santa Apolonia super omnia. (Riso. - Apoiados.)

Parece isto uma lenda, (Apoiados.) mas é perfeitamente exacto. (Apoiados.) - Milagres da nova padroeira! (Riso.- Apoiados.)

E continuam fallando os consultores:

«Entre Paços de Arcos e Oeiras torna-se indispensavel modificar o traçado por fórma a cobrli-o das vistas do mar.

«N'este sentido propõe a commissão que a directriz siga sempre á direita da estrada de Cascaes até á altura do moinho das Antas, inflectindo-se em seguida para o sul a passar á rectaguarda da igreja de Oeiras e atravessando a ribeira da Lage a montante do viaducto projectado.

«Disposto tanto quanto possivel o traçado por fórma a ter alinhamentos enfiados do forte de Caxias, do reducto de Oeiras e do Duque de Bragança, estabelecendo no viaducto da ribeira da Lage camaras de fornilhos convenientemente dispostas para nos garantir a sua rapida inutilisação, julga a commissão que se poderá obter uma linha que não será aproveitavel ao exercito inimigo no segundo periodo de ataque.»

Ácerca d'este troço da linha entende a commissão que é indispensavel modificar-lhe o traçado por fórma a cobril-o de ataques por mar.

Ora se a companhia se não prestou a realisar as pequenas modificações que lhe eram apontadas n'uma parte da linha que não offerecia tantos perigos, como é que ella podia annuir a introduzir importantes alterações, como as que são indicadas pela commissão, a despeito d'esta as considerar indispensaveis? (Apoiados.)

A condescendencia não está no programma da companhia. Monopolisou-a o illustre ministro, que mais uma vez desconsiderou a commissão, desprezando lhe os alvitres, (Apoiados.)e se prestou a satisfazer esta nova exigencia da empreza concessionaria. (Apoiados.)

N'um unico ponto não transigiu s. exa., collocando-se, faça-se lhe essa justiça, ao lado da commissão. Foi n'aquelle em que esta aconselha o estabelecimento de camaras do fornilhos no visiducto da ribeira da Lage. Mas como eu me proponho a continuar agora a leitura da consulta, mais tarde explicarei a causa d'essa intransigencia.

«Da estação de Oeiras a Carcavellos o traçado segue, como vimos no nosso primeiro parecer, em condições acceitaveis para a nossa defeza.

«Entre Carcavellos e Cascaes a directriz segue encostada ao mar, na maior extensão, quasi sempre exposta aos fogos do inimigo.

«É de parecer a commissão que n'esta parte se deverá internar o traçado, baixando o tanto quanto possivel e cobrindo com um espaldão os pontos que ficarem a descoberto. Convem ainda na opinião da commissão que a estação de Cascaes seja mudada para um local, no interior da villa, que esteja completamente a coberto das vistas do mar.

«De resto, o estudo d'esta parte, como das restantes da linha, só poderá ser feito quando a companhia concessionaria proceder ao projecto das variantes que propomos.»

E aqui torna a apparecer a commissão, do fundo da sua sinceridade e boa fé, a formular supposições, cuja realisação depende de a empreza concessionaria proceder ao projecto das variantes propostas!

A companhia a occupar-se de estudos de variantes! Podia ella gastar o tempo e consumir n'isso os seus cabedaes? (Apoiados.)

Seria completamente infantil attribuir-lhe similhante idéa. (Apoiados.)

Ella sabe perfeitamente que o internamento da linha a obrigaria a despender avultadas sommas; e para que? Para melhor garantia da defeza patria?

Defeza por defeza considera ella que deve começar por defender o seu capital. (Riso.) E é por isso que ella, com o beneplacito do governo, taxou de caturrice e lançou á margem, como velharias, as indicações dos technicos para que transferisse estações, construisse tunneis e até levantasse espaldões. (Apoiados.)

Espaldões! Para espaldão bastava o governo, (Riso.) carregando sobre o dorso do paiz. (Apoiados.) Mas ella, assim como defende os seus haveres, defende igualmente as suas costas; e, era logar de ser carregada, como os sim-

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1904-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ples mortaes o estão sendo, gosa do excepcionalissimo privilegio de tambem carregar, e não pouco. (Riso. - Apoiados.) O governo que o diga, (Apoiados.) e mais o paiz. (Apoiados.)

Alem d'isto, sendo Santa Apolonia, banhada pelo Tojo não ficaria bem aos oraculos que ali dão a lei, e n'outros pontos, (Apoiados.) annuirem a internamentos da linha ferrea, como os que propõe a commissão. A sua complacencia n'este caso daria em resultado que a linha tornar se-ía de sequeiro, (Riso.) e o que se pretendo é que ella seja de regadio, por ser mais proveitoso. (Riso. - Apoiados.) O governo assim o entende igualmente. (Apoiados.

A commissão de defeza é que muito louvavelmente se não associa a esta maneira de pensar, e é por isso que ella tira as conclusões que vou ler, da consulta que tenho estado analisando:

«Das considerações expostas julga a commissão poder concluir o seguinte:

«1.° Que a partir do Dáfundo o traçado deverá inflectir-se para a direita da estrada de Cascaes, atravessando em tunuel a Boa Viagem e dirigindo-se á quinta real de Caxias;

«2.° Que a estacão da Cruz Quebrada deverá ser estabelecida na quinta do Esteiro, e que a ella deverão ser prescriptas as condições do alvará de 9 de abril para a estação de Caxias;

«3.° Que de Caxias a Paço de Arcos o traçado deverá seguir proximamente a directriz do projecto sempre á direita da estrada, passando mais a montante a ribeira de Paço de Arcos, internando-se de modo a ficar coberto da vista do mar;

«4.° Que a estação de Paço de Arcos deverá ser mudada para junto dos kilometros 7,300 e 7,600;

«5.° Que entre Paço de Arcos e Oeiras o traçado de verá seguir á direita da estrada até á altura das Antas inflectindo-se em seguida para o sul e passar á rectaguarda igreja de Oeiras e atravessando a ribeira da Lago a montante do viaducto projectado;

«6.° Que entre as estações do Oeiras e Carcavellos o traçado não necessita ser alterado;

«7.° Que da estação de Carcavellos a Cascaes o traçado deverá seguir tanto quanto possivel enterrado, sempre á direita da estrada, cobrindo-se com um espaldão os pontos que ficarem vistos do mar;

«8.° Que a estação de Cascaes deverá ficar situada no interior da villa em local convenientemente coberto;

«9.° Que na construcção do tunnel da Boa Viagem, viaductos da ribeira da Lago e da ribeira do Cacem, dos pontões da ria de Paço de Arcos e da Cascalheira, e em geral das principaes obras de arte da linha deverão deixar-se estabelecidas camaras de fornilhos convenientemente dispostas para uma rapida inutilisação em tempo de guerra;

«10.° Que a direcção mais conveniente dos diversos alinhamentos do traçado, por fórma a assegurar-lhe uma protecção efficaz pelas nossas obras de defeza, e em geral todos os detalhes do traçado deverão ser estudados em harmonia com os principios que estabelecemos, pelos delegados d'esta commissão junto dos estudos do caminho de ferro de Cascaes, quando a companhia concessionaria proceder ao projecto das variantes propostas.»

E, ao concluir a sua segunda consulta, a commissão manifesta pela terceira vez a esperança do que a companhia proceda ao projecto das variantes propostas! É verdade que estes factos davam-se em agosto. Como a commissão hoje deve estar desilludida! (Apoiados.)

Pois a companhia pensou nunca em tal cousa! (Apoiados.) A quem parecia que este assumpto chegou a preoccupar profundamente, foi ao illustre ministro da guerra. (Apoiados.) Mas isto succedeu, pouco depois de ter sido feita a concessão e de ser conhecido o traçado da linha ferrea mandado estudar pela companhia. (Apoiados.)

Com o decorrer, porém, do tempo as apprehensões de s. exa. desappareceram como por encanto; e todavia a commissão de defeza é explicita na fórma como condemna o traçado, e na maneira insistente como pediu remedio para os erros que francamente apontou, - remedio que não seria tão efficaz como ella desejava, em consequencia de o illustre ministro lhe ter imposto um programma, mas que pelo menos muito melhoraria, sob o ponto de vista estrategico, as condições em que a linha está sendo conatruida. (Apoiados.)

Dos dez alvitres em que ella condensa as suas conclusões, apenas o nono foi acceito pelo illustre ministro, do modo que o caminho de ferro de Cascaes, que tão util podia ser á defeza de Lisboa e seu porto, longe de a favorecer, prejudical-a-ha no caso de sermos atacados, como já o temos sido, por um inimigo, cujo objectivo, como ponto de desembarque, seja aquella villa. (Apoiados.)

Batida de toda a parte, dentro e fóra da barra, esta via ferrea está condemnada a ser inutilisada, assim que rompam as hostilidades, sem que possa ser utilisada pela defeza na concentração de tropas, na conducção de viveres e de material de guerra, em cousa alguma emfim (Apoiados.) Quem com ella poderá aproveitar é o inimigo, por d'ella se poder servir como de estrada ordinaria para marchar sobre Lisboa, e estrada para elle excellente, por isso que na sua maior parte está ao abrigo do damno que lhe poderia causar, sendo attendida a commissão de defeza, a artilheria das nossas fortalezas (Apoiados.)

Resumindo, é uma linha ferrea que os contrarios podem inutilisar ou aproveitar, conforme as circumstancias, e que não póde ser por nós batida nem utilisada em circumstancia alguma. (Apoiados.)

E depois d'isto perguntarei eu: ha situação mais deploravel do que esta que o illustre ministro creou para o paiz (Apoiados), e julgo que para s. exa. tambem? (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, o que não menos indigna é que n'um assumpto tão importante como este, as estações officiaes sobre elle ouvidas não se dispensassem de o carimbar com a nota alegre e jocosa, representada pelo que se lê na terceira consulta, de que vou dar conhecimento a v. exa. e á camara.

Antes, porém, que o faça devo declarar que a commissão de defeza responsabilidade alguma tem em que a galhofa, senão o escarneo, appareça intercallada n'uma questão tão séria e grave como esta é. Foi consultada e respondeu á letra, em conformidade com os termos em que lhe foi feita a consulta.

O que ha a estranhar é que só o coronel, o sr. Ladislau Miceno, assigno esta consulta, quando as outras duas são assignadas por grande numero de membros da commissão. (Apoiados.)

Foi o chefe que a não convocou para a ouvir? Não me parece correcto. Terão os seus membros tantos trabalhos de campo, que d'elles não possam ser distrahidos? A esta pergunta a propria commissão se encarrega de responder negativamente na sua quarta consulta, como eu o porei em relevo, quando, a seu tempo, me occupar d'esse ponto.

E feito o registo d'esta omissão, a qual me pareceu conveniente consignar, vou proceder á leitura da terceira consulta, que não vacillo em classificar de curiossima.

«Á primeira repartição do commando geral do engenheria, o coronel chefe da commissão de defeza de Lisboa e seu porto, em resposta á ordem n.° 3:277 da primeira partição, que vinha acompanhada do processo relativo a um viaducto sobre a ribeira da Lage, no ramal do caminho de ferro de Cascaes, tem a ponderar que, segundo o traçado d'aquella directriz, contra a qual a commissão se pronunciou pelas rasões expostas nas consultas de julho e agosto do corrente anno, não tem importancia real para

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APPENDICE Á SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE JUNHO DE 1888 1904-G

a defeza que o viaducto de alvenaria projectado seja substituido por um viaducto mixto, podendo ou não adoptar-se tramos independentes no taboleiro.»

Pela fórma como está formulada esta consulta, reconhece se que não foi o ministerio da guerra que desejou ser illucidado sobre a magna influencia que poderia ter para a defeza (Riso) a substituição do material de construcção no viaducto sobre a ribeira da Lage. (Riso.) Faça-se esta justiça ao illustre ministro, e eu não me poupo a prestar-lh'a, sempre que para isso tenho ensejo. (Apoiados.) Infelizmente poucas vezes se me offerece opportunidade para o fazer.

Quem seria, pois, a conscienciosa entidade, cujos escrupulos attingem o requinte de não admittir que, sem ser ouvida a commissão de defeza, se substituam os materiaes de construcção do extensissimo e monumental aqueducto da caudalosa e larguissima ribeira da Lago? (Riso.)

Eu não posso dizel-o ao certo; mas, a avaliar pela fórma patriotica, acima de todo o elogio, como tem procedido, pela bizarria como tem sacrificado os proveitos proprios em interesse do paiz, pela maneira como não se tem poupado a despezas nem a fadigas, a fim de que a linha ferrea seja um modelo, sob o ponto de vista estrategico, essa escrupulossisima entidadade, que a todos os respeitos bem merece do paiz. parece-me que deve ser a companhia real dos caminhos do ferro portuguezes. (Riso. - Apoiados.)

O sr. Avellar Machado: - Pois não foi. Foi a junta, consultiva de obras publicas.

O Orador: - Perfeitamente, e agradeço reconhecidissimo a v. exa. a preciosa informação que se dignou dar-me, sentindo, comtudo, pela companhia, (Riso) que essa lembrança luminosa não partisse d'ella. (Riso. - Apoiados.)

Mas não podendo caber essa gloria á companhia concessionaria, a quem senão á junta consultiva de obras publicas devia pertencer a iniciativa de um acto que tanto a põe em realce perante a opinião publica, (Riso.) a cujo reconhecimento e gratidão tem incontestavel direito? (Riso.)

É ou não a junta consultiva composta na sua grande parte de militares? É.

Têem elles ou não conhecimento das condições em que deve ser construido um caminho de ferro, a fim de que satisfaça ás exigencias da estrategia? Têem por certo. Nenhum official do exercito, medianamente illustrado, o ignora. (Apoiados.)

Foi ou não submettido á apreciação da junta o traçado de todo o ramal, elaborado pelos engenheiros da companhia? Foi, e, o que é mais, ella approvou-o.

Mas n'uma questão de tanta magnitude, tratando-se de um caminho de ferro tão importante para a defeza de Lisboa, como é o de Cascaes, ella não podia deixar de ter receio de ser perseguida por bem entendidos escrupulos e até remorsos, se désse a sua approvação, sem ouvir a commissão de defeza, á modificação que se propunha no viaducto da ribeira da Lage.

Todo o traçado estava, para assim dizer, impeccavel, a ponto de ella se conformar com elle, excepção feita do famoso viaducto. N'esta parte alimentava serias duvidas, porque n'uma obra de arte d'aquella importancia não é indifferente que se empregue só a alvenaria, ou esta, e o ferro, com tramas...

O sr. Abreu é Sousa: - Tramos, tramos.

O Orador: - Sem distincção de sexo, (Hilaridade.) porque n'esta via ferrea ha de tudo, tramos e tramas. (Riso. Apoiados.)

Mas, sr. presidente, dizia eu que o que preoccupou verdadeiramente a junta foi a substituição do material de construcção no viaducto da ribeira da Lage. N'essa substituição é que poderia estar a chave da defeza. (Riso. Apoiados.)

Esclarecida porém esta questão capital por quem tinha auctoridade para o fazer, e tendo-se conformado o illustre ministro com a commissão de defeza, na parte em que ella indica a conveniencia de se estabelecerem camaras de fornilhos nos viaductos, pontões e em geral nas principaes obras do arte, não deve haver motivo para alimentar suspeitas sobre a excellencia da linha. Só espiritos ridiculamente meticulosos poderão mostrar-se possuidos de receio pelo que respeita ao futuro! (Riso.) Quem, por qualquer fórma collaborou para a realisação d'esta obra prima, póde ter a consciencia tranquilla! (Apoiados.)

É verdade que de dez alvitres indicados pela commissão apenas um, como já tive occasião de notar, foi acceito pelo illustre ministro, - aquelle que precisamente manda preparar para a destruição; e como tambem prometto explicar os motivos da preferencia que s. exa. lhe deu, é d'esta promessa que vou agora procurar desempenhar-me.

Eu creio que esse mesmo não teria tido a sancção ministerial, se não consubstanciasse a mais caracteristica aspiração do partido progressista, que se resume na palavra destruir. (Apoiados.)

O sr. Mattozo dos Santos: - Não apoiado.

O Orador: - O illustre deputado e meu amigo, o sr. Mattozo, não se conforma com a minha affirmação. Pois folgo bem com isso, porque me offerece ensejo de lhe mostrar o erro em que s. exa. labora.

Que outra cousa se tem feito este anno, n'esta casa, a não ser destruir o que se fez no anno passado? (Apoiados.)

As medidas que o governo paternalmente acarinhou no anno anterior, e de cuja approvação fazia até questão de gabinete, têem sido este anno profunda e radicalmente transformadas. (Apoiados.) Que outra cousa quer isto dizer que não seja destruir o existente, como era recommendado pela imprensa progressista quando opposição, - todo o existente, affirmava ella que era preciso destruir. (Apoiados.)

Tanto no governo como na opposição, em que peze ao illustre deputado, o seu partido tem principios definidos sobre a materia. (Apoiados.) No governo, por isso que dispõe do poder, torna effectiva a destruição que evangelisa quando está d'elle afastado. (Apoiados.) Na opposição, se apenas patenteia a sua boa vontade e os seus bons; desejos, e porque não póde ir mais adiante. (Apoiados.) É portanto coherente. É mesmo a unica parte do seu programma em que todos os da grey estão de accordo. (Apoiados.)

Eu podia citar agora as medidas do governo, que por elle proprio foram destruidas; mas não o faço para não insistir n'um assumpto de que já me tenho occupado, representando esta minha abstenção mais uma prova de que tenho, quanto possivel, sido laconico. (Apoiados.)

Parece me, porém, que s. exa. foi relator de alguma d'essas medidas?

O sr. Mattoso dos Santos: - Não é exacto.

O Orador: - Tem v. exa. rasão. V. exa. de que foi relator foi do porto franco, que dorme no seio, não sei de que commissão, um somno profundissimo, naturalmente eterno. (Apoiados.)

É sina dos portos francos: não serem viaveis. (Riso. Apoiados.)

Mas, sr. presidente, dois documentos ainda me restam para ler e commentar, com relação ao caminho de ferro de Cascaes. Reservo-os, porém, para a sessão seguinte, visto não dispor agora de tempo para isso.

Na analyse das tres consultas a que hoje procedi, a todos procurei fazer justiça, sem exclusão da commissão de defeza cuja competencia não contesto, mas para quem, por vezes, não pude ser benevolo, nas minhas apreciações, e ainda menos o serei na proxima sessão.

O sr. Ravasco: - Admira, v. exa. está a dizer que ella é tão competente...

O Orador: - Seguramente, para emittir parecer so-

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1904-H DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

bre se um traçado de caminho de ferro satisfaz ou não ás condições estrategicas. Mas outros trabalhos ha em que ella não está em bom campo, se elles se avaliarem tanto pelo que respeita á qualidade, como á quantidade, que tambem é um factor que não póde nem deve desprezar-se. (Apoiados) Na proxima sessão serei mais explicito.

O sr. Ravasco: - Assim seja.

O Orador: - Não falta muito tempo para que v. exa. o verifique, se quizer.

E por tudo isso eu disse e repito que a todos tinha procurado fazer justiça.

O sr. Ravasco: - E que especie de justiça?

O Orador: - Não foi seguramente de moiro, como está nos moldes, habitos e tradições do partido progressista. (Riso. - Apoiados.)

E, sr. presidente, antes de concluir, de novo faço votos pelo restabelecimento do illustre ministro, que muito estimarei ver aqui na sessão seguinte. Ao sr. ministro da fazenda mais uma vez lembro que se digne avisar o seu collega da guerra d'este meu desejo que, por todas as considerações, me parece estar á altura de ser satisfeito. (Apoiados.)

Vozes: - Deu a hora.

O Orador: - Como deu a hora, peco a v. exa. que me reserve a palavra para a proxima sessão.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

Rectificações

Fazem-se as seguintes rectificações ao discurso proferido pelo sr. deputado Dantas Baracho na sessão de 7 de junho, e que veiu publicado em appendice:

A pag. 1898-A, col. 2.ª, lin. 60, onde se lê «opinião», deve ler-se «oposição».

A pag. 1898-E, col. 1.ª, lin. 7, onde se lê «têem dados», deve ler-se «têem dado».

A pag. 1898-I, col. 1.ª, lin. 21, onde se lê «ser-me-ía mais agradavel», deve ler-se «ser-me-ía ella mais agradavel.

Na mesma pagina e columna, lin. 46, onde se lê «fazem», deve ler-se «effectuam».

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