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DIARIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

PRIMEIRA SESSÃO ORDINARIA DA QUINTA LEGISLATURA

DEPOIS DA RESTAURAÇÃO DA CARTA CONSTITUCIONAL

PUBLICADO PELA EMPREZA DOS EMPREGADOS DA SECRETARIA DA MESMA CAMARA.

VOL VI. JUNHO-1853.

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DIARIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

PRIMEIRA SESSÃO ORDINARIA DA QUINTA LEGISLATURA

DEPOIS DA RESTAURAÇÃO DA CARTA CONSTITUCIONAL

PUBLICADO PELA EMPREZA DOS EMPREGADOS DA SECRETARIA DA MESMA CAMARA.

VOL VI. JUNHO-1853.

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DIARIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS.

N.º 1. SESSÃO DE 1 DE JUNHO. 1855.

PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 79 srs. deputados.

Abertura: — Ao meio dia.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Declarações: — 1ª Do sr. Secretario Rebello de Carvalho participando que o sr. Avila, por haver hoje conselho de estado, não poderá comparecer na sessão, ou virá mais tarde. — inteirada.

2.ª Do sr. visconde de Monção participando que por incommodo de saude não pôde comparecer á sessão de hontem. — Inteirada.

Officios: — 1.º Do sr. Pereira Carneiro, participando que por justos motivos não póde comparecer á sessão de hontem, nem poderá comparecer a algumas das seguintes — Inteirada.

2.º Do sr. Julio Guerra participando que em consequencia do fallecimento de sua mãi, não póde comparecer na camara por alguns dias. — Inteirada, resolvendo a camara que fosse desanojado.

3.º Da camara dos dignos pares participando ter sido ali approvado o projecto desta camara, que approva os decretos, que contém disposições legislativas promulgadas pelo governo durante as dictaduras; e que esse projecto, reduzido a decreto de coites, vai. ser submettido á sancção regia. — Inteirada.

Uma representação: — Da camara municipal de Gouvêa, pedindo que se mande concertar e reparar a estrada que do porto da Foz-Dão se dirige ao Carregal, atravessando o concelho de Cêa em direcção aquella villa, e mais terras do concelho de Gouvêa. — Á commissão das obras publicas.

SEGUNDAS LEITURAS.

Projecto de lei (n.º 37 Q). — As côrtes devem ser as primeiras a prestar homenagem aos principios; e mal podem ellas exigir dos outros corpos do estado o cumprimento da lei, se a não cumprirem pela sua parte. A publicação das contas é um dever de quem administra, e como não sei que haja ou deva haver excepção a respeito das côrtes, tenho a honra de propôr o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º As contas das commissões o juntas administrativas das duas casas do parlamento, depois

de approvadas, serão impressas annualmente, addicionando-se-lhes todas as demonstrações que sejam necessarias, para se conhecer a applicação dos fundos recebidos do thesouro, para despeza das côrtes.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Camara dos srs. deputados, em 31 de maio de 1853. — Antonio dos Santos Monteiro, deputado por Faro.

Sendo admittido, foi enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei (n.º 37 S). — Considerando que a actual divisão judicial do nosso territorio contém defeitos, que sobre modo prejudicam a causa publica; já concorrendo para estorvar tanto o facil accesso aos tribunaes, como a regular e prompta acção da justiça, que tanto cumpre promover; já indo de encontro ás commodidades, e aos habitos dos povos, a que tanto convem attender; considerando que os melhoramentos, que desde já são reclamados, e que são uma necessidade que urge remediar, não seriam sufficientes para elevar este ponto de administração do estado ao gráo de perfeição de que ella é susceptivel; convindo portanto que muitas outras reformas continuada e progressivamente se vão levando a effeito, ao passo que se forem colhendo os dados necessarios sobre que assente a sua conveniencia; por Isso tenho a honra de propôr o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.º É o governo auctorisado para proceder á reorganisação das comarcas existentes, á creação das outras novas que se mostrarem necessarias, e a ir corregindo successivamente os defeitos, que se forem descobrindo nas circumscripções feitas, ou que se fizerem, tendo em vista a prompta acção da justiça, os habitos, e as commodidades dos povos.

Art. 2.º Os juizes de direito, no fim de cada correição, farão um relatorio do estado das suas comarcas, e nelle tambem dirão sobre as alterações que na divisão dellas convenha fazer.

§ unico. Estes relatorios serão remettidos para o ministerio da justiça, terão publicação official, e servirão de principal base para os trabalhos do governo.

Art. 3.º No principio de cada sessão, o governo dará conta as côrtes do uso que tiver feito desta auctorisação.

Art. 4.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 15 de maio de 1853. — Francisco de Almeida Coelho de Bivar, deputado pelo circulo de Lagos.

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Foi admittido, e enviado a commissão de legislação.

Projecto De Lei (n.º 37 R). — Senhores: Um do mais importantos serviços que, sem duvida, se podem fazer ao Algarve, é o melhoramento das barras de seus portos, porque sendo pela sua posição e configuração um paiz essencialmente maritimo, abrir-lhe as portas para o Oceano é dar um valioso impulso para promover facilidade de suas naturaes communicações, de que tanto depende a sua prosperidade. Pedir, porém. que desde já se comecem em todos os portos daquella parte do reino, os melhoramentos de que carecem, seria pedir um impossivel, attentas as circumstancias do nosso thesouro; porém exigir que seja melhorado um delles, o mais importante, que é ode Villa Nova de Portimão, cujo commodo, segundo as ultimas estatisticas, monta acima de 100:000$000 réis, é reclamar a satisfação de uma necessidade, que não é nem justo, nem conveniente preterir. Felizmente já o governo de Sua Magestade concebeu este pensamento. Pelo engenheiro Peserat, que o anno passado foi mandado ao Algarve, acham-se habilmente levantadas as plantas de um complexo de obras, que tendem a elevar o porro da Villa de Portimão á posição de que elle é merecedor, com grande proveiro tanto do commercio interno como do externo, e da navegação em geral. Do commercio interno; porque melhorada a navegação da pequena extensão de rio, que de Portimão vem até Silves, e lançada que seja uma ponte sobre o mesmo, junto á mencionada villa, ligando com ella o concelho de Lages, e mui estreitamente os 3 concelhos, que são talvez os principaes focos das producções agricolas que fornam a glande riqueza do Algarve. Do commercio externo, e da navegação em geral; porque desobstruída a barra das areas, cessam os embaraços que actualmente soffrem tanto na entrada como na saida os navios que demandam o porto, que ficando de facil accesso a embarcações de todos os lotes, lindo um fundeadouro profundo e segurissimo, e estando a 9 legoas a leste do cabo de S. Vicente, e por consequencia magnifico para os arribados, torna se um precioso porto de refugio ião necessario na nossa costa do sul. O orçamento das obras é de 125:000$000 reis. As receitas, que na localidade se podem levantar, provenientes de um imposto sobre a importação, expoliação e tonelagem, e do rendimento das barcas de passagem estabelecidas no rio de Portimão, cujo exclusivo pertence á fazenda, segundo a lei de 20 de maio de 1813, podem já ser calculadas pelos dados estatisticos fornecidos pela alfandega respectiva em relação aos annos de 1849, 1850, 1851, e mais esclarecimentos locaes, na quantia de 7:576$000 íeis. Comtudo lai somma por si só é insufficiente; um subsidio annual fornecido pelo thesouro torna-se por tanto indispensavel, e não menor de 3:000$001 réis, subsidio este, porém, que será apenas um mero adiantamento de fundos; porque o thesouro será bem depressa compensado pelo incremento que necessariamente se ha-de verificar nos rendimentos da alfandega de Portimão.

Senhores, as obras que deixo indicadas são, como fica demonstrado, de maxima importancia para o Algarve, e uni dia talvez venham a ser de glande vantagem não só para o baixo Alemtéjo, mas tambem para o reino em geral. A linha ferrea do sul ha-de ser o complemento necessario da do norre; porque a base bem intendida de todas as nossas communicações internas deve ser um grande caminho de ferro que corte Portugal em todo o seu cumprimento, e Villa Nova de Portimão, por todas as circumstancias, é um dos limites naturaes desta grande arteria, que acabando com as distancias entre nós, irá derramar a vida e o fomento por centenares de povoações que arrastam uma existencia mesquinha e difficultosa pelo marasmo industrial e commercial em que vivem.

Assim, senhores, com o intento de promover os Interesses materiaes, cujo desenvolvimento é hoje o grande desejo dos povos, submetto á vossa consideração o seguinte projecto de lei

Artigo 1.º O governo mandará procederá construcção das obras necessarias para o melhoramento da barra e do porto de Villa-Nova de Portimão da navegação do rio até Silves e á feitura de uma ponte sobre este, junto áquella villa, na conformidade das plantas levantadas pelo engenheiro Peserat, que ficam fazendo a parte desta lei.

§ unico. A execução das obras será confiada a um engenheiro nomeado pelo governo.

Art. 2.º Para fazer face ás despezas necessarias para levar a effeito taes obras, são auctorisadas e applicadas as seguintes receitas:

N.º 1. A percepção, durante vinte annos, dos impostos de 1 1/2 por cento ad valorem sobre os objectos de exportação, e dos declarados na tabella junta sobre os objectos de importação, e sobre a tonelagem, que serão arrecadados com os do estado, na respectiva alfandega, mas lendo escripturação especial.

N.º 2. O rendimento do exclusivo dos barcos de passagem no rio de Portimão, até que a ponte se preste ao transito publico.

N.º 3. Um subsidio annual de 3:000$000 reis, fornecidos pejo thesouro em prestações trimestres.

§ unico. A applicação destas receitas para outro qualquer fim, sujeitará, a quem a ordenar, ás penas estabelecidas contra os concussionarios.

Art. 3.º A administração e fiscalisação das obras de que tracta o artigo 1.º, e dos rendimentos que se mencionam no artigo antecedente, será feita por uma commissão administrativa, composta de 3 vogaes ordinarios, o 2 substitutos todos nomeados pelo governo, sob proposta da camara de Villa-Nova de Portimão, reunidos com o conselho municipal, e feita em lista, que contenha os nomes de 10 dos mais abastados commerciantes e proprietarios do conselho.

§ 1.º A commissão escolherá de entre si o seu presidente e secretario, que nas suas fallas serão substituidos, aquelle pelo vogal mais velho, e este pelo mais moço.

§ 2.º Os substitutos funccionam no impedimento dos vogaes, segundo a ordem da nomeação.

Art. 4.º Os vogaes da commissão administrativa, bem como Os seus substitutos, ficam isentos do jury e dos aboletamentos durante o tempo em que estiverem em effectivo serviço.

Art. 5.º Todos os rendimentos mencionados no artigo 2.º serão arrecadados na alfandega de Portimão em cofre especial de 3 chaves, uma das quaes estará em poder do presidente da commissão administrativa, outra do secretario, e outra do thesoureiro da referida alfandega.

§ 1.º Tanto das entradas como das saídas de di-

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nheiro do cofre se fará a competencia escripturação, em livro numerado e rubricado pelo director das obras publicas do districto.

§ 2.º A contabilidade da commissão administrativa será publicada no Diario do Governo, no fim de cada trimestre.

Art. 6.º A commissão administrativa, devidamente auctorisada pelo governo, poderá (ornar de emprestimo, até ao juro de 6 por cento, as sommas de dinheiro que se puderem obter para mais prompto andamento da obra.

§ unico. A satisfação do capital e juros das referidas sommas serão hypothecados os rendimentos provenientes das fontes de receita mencionados no artigo 2.º

Art. 7.º A commissão administrativa poderá dar por empreza a feitura lotai ou parcial das obras, submettendo ao governo as condições da arrematação. Para isto precederá concurso publico pelo espaço de sessenta dias, declarado por editaes e annuncios no Diario do Governo.

§ 1.º As propostas deverão, com o parecer do engenheiro director das obras, ser remettidas para o conselho de obras publicas, a fim de que, ouvido este, ellas possam ser approvadas pela commissão administrativa.

§ 2.º As obras, feitas por empreza serão executadas debaixo da fiscalisação do engenheiro nomeado pelo governo.

Art. 8.º Se antes do prazo de 20 annos forem pagas todas as despezas, e concluida a amortisação do capital e juros de qualquer emprestimo, cessarão os impostos especificados, bem como o subsidio estabelecido no artigo 2., e o corpo legislativo providenciará sobre os meios necessarios para a conservação e reparo das mesmas obras.

Art. 9.º O governo fará os regulamento, necessarios para a execução da presente lei.

Art. 10.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões. Lisboa, 10 de maio de 1853. = O deputado por Lagos, Francisco de Almeida Coelho de Bivar — O deputado por Faro, Joaquim Ramalho de Macedo Ortigão = O deputado por Faro, Antonio dos Santos Monteiro —. O deputado por Faro, D. Antonio José de Mello e Saldanha.

Tabella dos impostos sobre a exportação e tonelagem.

[VER DIARIO ORIGINAL]

Foi admittido, e enviado á commissão de obras publicas.

Proposta: — Renovo a iniciativa do projecto n.º 49 A, apresentado a camara transacta, sobre a creação de uma comarca na ilha de Santa Maria. — Soares de Albergaria = Julio Guerra = Maia (Carlos).

Foi admittida, e enviado o projecto á commissão de legislação.

(O projecto a que se refere a proposta supra é o seguinte:)

Projecto de Lei (N.º 49 A) - (da sessão de 1852) — Não ha talvez parte alguma do territorio portuguez, onde os povos estejam em maior desgraça do que na ilha de Santa Maria; e uma das principaes causas consiste na falla de administração de justiça. Collocados a 18 legoas de distancia de Villa Franca do Campo, a cuja comarca pertence aquella ilha, acham-se privados das audiencias geraes, desde que foi extincta a comarca que alli havia, porque além de não terem communicações com a séde da comarca, senão nos mezes deverão, accresce que, mesmo quando nas épocas competentes apparece algum navio, os juizes não se sujeitam aos riscos do mar, que são reconhe-

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Cidamente grandes entre Os Açôres, e seria injusto obriga-los a uni sacrificio.

Dota manifesta denegação de justiça só tiram proveito os litigantes doloso, e de má fé; porque esses lucram sempre com as delongas, que protegem a chicana; e nos processos executivos é onde esta melhor póde, presentemente, triunfar naquella ilha; porque se devem denegar Os recursos de aggravo de petição, que a lei concede do juiz ordinario para o de direito, ou se deve permittir contra lei os de aggravo de instrumento, que são mais morosos e dispendiosos, porque é sahido que o, autos originaes não devem arriscar-sr em viagens de 18 legoas de mar, todas as vezes que as partes interpozerem aquelles recursos. Além disto estão alli paralisados muitos processos crimes;

delictos impunes; e talvez alguns innocentes gemendo nas prisões.

A ilha de Santa Maria já foi comarca antes do decreto n.º 21 de 16 d»e maio de 1832, e já depois o foi por alguns annos; mas a carta de lei de 28 de novembro de 1840 no § unico do artigo 1.º determinou que as comarcas nas ilhas dos Açôres fossem de novo divididas pelo governo, e permittiu sómente a creação de nove, as quaes effectivamente alli foram estabelecidas, mas a da ilha de Santa Alaria veiu a ficar extincta. Sendo pois da mais reconhecida utilidade que alli continue a haver uma comarca, é necessario que o governo seja auctorisado a crea-la; e por isso tenho a honra a de apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º O governo fica auctorisado a crear uma comarca judicial na ilha de Santa Maria.

Art. 2.º Fica revogado nesta parte o § unico do artigo 1.º da lei de 28 de novembro de 1840. = J. J. de Sousa Loureiro.

Proposta: — Renovo a iniciativa do projecto de lei II. 72, apresentado em 28 de junho de 1850 pelas commissões de fazenda, e de commercio e artes, o qual tem por objecto conceder durante 4 annos a restituição dos direitos da importação, que tiverem pago nas alfandegas os algodões estrangeiros tecidos em peça, quando estes se depositarem nas alfandegas de Lisboa ou Porto, depois de tintos ou estampados nas fabricas nacionaes, para serem exportados para paizes estrangeiros, ou para as nossas possessões. = Julio Pimentel.

Foi admittido á discussão o projecto, que é o seguinte

PROJECTO de lei (n.º 62) — Senhores: — As commissões de fazenda e de commercio e artes, attentamente examinaram o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado pela provincia da Estremadura, José Joaquim Lopes de Lima, em que propõe a isempção dos direitos de importação nos algodões estrangeiros tecidos, que, sendo tintos ou estampados nas fabricas nacionaes, se reexportarem, e as representações que a esta camara dirigiram a sociedade promotora da industria nacional, e 28 negociantes desta praça e fala lemites da classe de tinturaria e estamparia, em que pedem a approvação do referido projecto: e reconhecendo as commissões as muitas vantagens que podem resultar de tão justa e economica providencia, e querendo combinar todos os in lei esses de nossas industrias fabris e commerciaes, tem a honra de submetter a consideração da camara, de accôrdo com o governo, o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.º Durante quatro annos, contados da publicação desta lei, é concedida a restituição dos direitos de importação que tiverem pago nas alfandegas os algodões estrangeiros tecidos em peça, que depois de tintos ou estampados nas fabricas nacionaes, se depositarem nas alfandegas de Lisboa e Porto, e forem reexportados para portos estrangeiros, ou para os portos nacionaes de que tractam a lei de 27 de maio de 1843, e o decreto de 2 de maio de 1844, quando permittem a reexportação dos generos estrangeiros depositados nas ditas alfandegas.

Art. 2.º O governo fará os regulamentos necessarios para fiscalisar a execução desta lei.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das commissões, em 22 de junho de 1850. = Agostinho Albano da Silveira Pinto (com declarações) — Bernardo Miguel de Oliveira Borges — Antonio Roberto de Oliveira Lopes Branco — Augusto Xavier da Seiça = José Lourenço da Luz — Joaquim José Falcão =. Tem voto do sr. Roussado Gorjão = José Antonio Ferreira Vianna Junior = João de Sande Magalhães Mexia Salema = Francisco José da Costa Lobo = Lourenço José Moniz = José Izidoro Guedes = José Maria Eugenio d'Almeida.

O sr. Rebello de Carvalho (Secretario): — Tendo este projecto sido remettido originariamente ás commissões de fazenda o de commercio e artes, parece-me que deve ser agora remettido tambem a estas duas commissões.

O sr. Maia (Francisco): — Como este projecto de lei diz respeito a pautas, intendo que deve ser remettido á commissão que hontem foi nomeada para revêr o decreto de 1852.

O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, este projecto nada tem com a reforma das pautas; e por isso intendo que deve ser remettido ás duas commissões, que foram indicadas pelo sr. secretario.

O sr. Julio Pimentel; — Este projecto que acabou de ser lido na mesa, em 1850 foi tambem remettido á commissão de commercio e artes, ouvida a commissão de fazenda; porque são estas as commissões competentes para fazerem o estudo, e dar o seu parecer sobre este objecto, liste objecto nada tem com a commissão encarregada de rever o decreto de 31 de dezembro; é objecto inteiramente differente daquelle que se incumbiu a essa commissão; e por isso intendo que elle deve ir ás commissões de fazenda, e de commercio e artes

Resolveu-se que fosse remettido eis commissões de fazenda e de commercio e artes.

Proposta: — Proponho:

1. Que seja nomeada uma commissão de inquerito, composta de tres membros, para examinar e relatar á camara o estado da nossa industria manufactora, a fim de que o seu relatorio seja tomado em consideração, quando se proceder á revisão do decreto de 31 de dezembro de 1852.

2. Que se confiram a esta commissão poderes bastantes para funccionar no intervallo das sessões legislativas, visitando por si, ou por delegados da sua confiança, os mais importantes estabelecimentos fabris, a fim de obter todos os esclarecimentos e dados estatisticos necessarios ao preenchimento da sua missão.

3. Que, de combinação com as commissões do commercio, artes e manufacturas, e revisora das pautas, elabore o programma dos seus trabalhos, e o

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submetta com urgencia á approvação desta camara.

4. Que á proporção que houver completado os seus estudos sobre qualquer ramo das industrias do paiz, remetta o respectivo relatorio á commissão revisora das pautas, a fim de que esta sirva de base aos trabalhos da referida commissão.

5. Que seja o governo auctorisado a satisfazer todas as despezas necessarias aos catados da commissão de inquerito, dando depois conta ás côrtes do resultado desta auctorisação. — Julio Pimentel — Gomes Corrêa.

Foi admittido, e entrou em discussão. O sr. Maia (Francisco): — Quando votei, e concorri para que se approvassem os decretos da dictadura, muito explicitamente declarei que com esta votação ou approvação não me ligava, nem creio que nenhum deputado se ligou a approvar todas as disposições, que se continham naquelles decretos; e lauto isto é assim, que o proprio governo deu uma prova de que reconhecia que elle não era infallivel, por isso que não julgava que fossem perfeitas todas aquellas disposições. E por isso que o governo se comprometteu a mandar proceder á revisar) do codigo penal; é por isso que elle adiou para o anno a lei da contribuição predial de repartição; é por esse mesmo motivo que elle fez igual declaração a respeito de outros decreros Mas como acabo de dizer, eu declarei nessa occasião muito explicitamente, que não me compromettia a approvar todas as disposições contidas naquelles decretos, e que havia de propôr algumas revogações, ou alterações nesses decretos, que foram approvados por uma só votação.

Sr. presidente, o objecto de pautas da alfandega não é objecto que passe assim de leve, como passou a promulgação dos decretos da dictadura. O sr. ministro da fazenda, quando creou uma commissão para tractar deste importante objecto, fez um magnifico relatorio, em que estavam consignados os melhores principios, que devem preceder á confecção de uma nova pauta. Mas sinto dizer a v. ex.ª e á camara, que estes principios não foram convenientemente desenvolvidos, nem convenientemente applicados ao paiz; porque, com quanto as theorias pareçam muito boas, comtudo na practica é muitas vezes necessario contrariar os principios da sciencia.

Por experiencia e practica de mais de 50 annos de commercio, e algum csludo que tenho feito, tambem sei o que têem dicto a este respeito os escripto res sobre economia politica, e sobre objectos que lêem relação com a administração da fazenda dos differentes estados: não farei prelecções á camara, nem repelirei o que disseram aquelles escriptores, porque repillo isto unia offensa á intelligencia da camara; todos sabem, e conhecem quaes são estes principios; mas a applicação delles é em que eu faço consistir a difficuldade. Muitas vezes na practica e necessario modificai os principios da sciencia, como acontece em Inglaterra, apezar de ser nesse paiz onde Adam Smith creou os primeiros principios da sciencia economica, e os levou ao ponto que podiam ser levados; principios que depois tem sido desenvolvidos por muitos auctores, mas sempre debaixo das bases que elle estabeleceu. Porém em Inglaterra, quando se contraiam estes principios economicos, e quando a practica mostra que ha nisto vantagens e conveniencias. Na administração publica não há axiomas; ha axiomas na sciencia, mas não ha axiomas na applicação. Nós temos errado muitas vezes, quando tentamos seguir sómente os principios da sciencia; e foi isto o que aconteceu agora na ultima reforma das nossas pautas, porque algumas das suas disposições não só contrariam os principios economicos, mas foram inconvenientemente applicadas.

Portanto opponho-me a que se nomeie uma commissão de inquerito para averiguar o estado da nossa industria, porque a julgo desnecessaria, listou convencido que o governo tem em si todas as informações e esclarecimentos, que póde obter por meio desta commissão de inquerito. Esta proposta que está sobre a mesa, não é mais, na minha opinião, do que adiar algum remedio que se poderia dar, e que é de urgente necessidade dar á industria portugueza, que de algum modo se ressentiu, e se reputa offendida e arruinada em consequencia da nova reforma da pauta. Ora eu não digo que as disposições da nova pau la ferem mortalmente algumas das industrias; o que digo, e quando fôr occasião opportuna eu o demonstrarei, é que algumas dessas industrias foram offendidas gravemente. Não quero entrar agora nessa questão, porque isso me levaria muito longe; mas direi sómente, porque sou franco, e não costumo dizer senão o que sinto, embora desgoste alguem, que sinto muito que algumas pessoas que influiram na confecção desta nova pauta, não julgassem necessario para dar este grande passo ouvir as commissões de inquerito, e que só agora venham propôr que as haja.

Eu estou persuadido que o governo tem em si todas as informações necessarias sobre o estado das nossas industrias; aliás não leria feito a reforma das pautas; e por isso não julgo necessario recorrer a este meio de se nomear uma commissão de inquerito; acho o governo perfeitamente habilitado para satisfazer a este fim; e a commissão de pautas que hontem elegemos, deve julgar-se tambem habilitada, por isso que pode haver do governo as necessarias informações.

Creio que a camara na sua sabedoria ha-de votar provavelmente que se eleja a commissão de inquerito; mas qualquer que seja a resolução que houver de tomar, eu desde já declaro que hei-de usar do direito de iniciativa para apresentar um projecto de lei, pedindo a attenção sobre a pauta existente. Sobre este objecto ha algumas cousas que carecem de remedio immediato. As industrias nas tres provincias do norte, (principalmente na provincia do Minho, estão alteradas; os fabricantes desses estabelecimentos intendem que hão-de ser extremamente gravados, se continuarem a existir as providencias da pau la que actualmente rege; o ainda que eu seja mais sectario da liberdade do commercio do que das restricções, intendo comtudo que não e compativel com as circunstancias do paiz para que se legislar, nem a liberdade absoluta, nem as restricções.

Portanto nomeie a camara muito embora a commissão de inquerito; mas neste caso hei-de mandar um additamento para a mesa, para que esta commissão não embarace os trabalhos da commissão que hontem foi nomeada para revêr o decreto de 31 de dezembro de 1852, isto é, que não se faça dependente dos trabalhos da commissão de inquerito, a continuação da revisão do decreto de 31 de dezembro; porque é necessidade acudir com remedio prompto ao, males que produziu a ultima reforma das pautas, e tranquillisar a este respeito os fabricantes, que an-

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Ciosamente esperam providencias; e que de certo leriam dado alguma demonstração menos agradavel, senão fosse a persuasão em que estão de que, quer o governo, quer o corpo legislativo, attenderia devidamente as suas reclamações; e eu sentirei que se diga a esses homens donos (te fabricas, e a esses innumeraveis braços que nellas se empregam, que nós não temos em consideração, ou lhe recusamos o que pediram. Por consequencia voto contra a nomeação da commissão de inquerito

O sr. Santos Monteiro — Sr. presidente, eu vejo que esta proposta não contém só um principio; não diz que se nomeie só uma commissão de inquerito para um fim determinado; estabelece differentes disposições, que todas ellas constituem 5 artigos, e não me parece que uma rapida leitura feita na mesa, nos habilite para votar sem mais exame, não sómente o principio da nomeação ou não nomeação da commissão de inquerito, mas ainda as differentes disposições contidas nestes 5 artigos da propo-la. Ora parece-me que o principio da nomeação da commissão de inquerito, de certo modo deve neutralisar os effeitos da proposta do meu illustre amigo o sr. visconde de Castro Silva, o que desejo que náo aconteça por maneira nenhuma. Além disso vejo tambem que essa commissão traz comsigo uma tal ou qual despeza, que ha-de resultar deste serviço, e se esta mesma commissão, composta só de 3 membros, tiver de se encarregar de examinar todas as industrias do paiz, nós podemos contar que o resultado deste trabalho ha-de ser daqui a 4 a 5 annos. (O sr. Corrêa Caldeira: — Para as calendas gregas.) Por consequencia é debaixo deste ponto de vista que eu não posso concordar de maneira nenhuma com a nomeação da commissão de inquerito.

Eu não teria duvida em vir ao mesmo termo de outro modo, que me parece muito melhor, isto é, que em logar de uma commissão de inquerito, composta de 3 membros, que lenha de correr todo o reino, porque em toda a parte ha mais ou menos industria, mais ou menos desenvolvida, e que só no fim de uns poucos de annos é que póde vir dar conta á camara dos seus trabalhos, se encarregasse a todos os illustres deputados das differentes localidades o constituissem em commissões informantes durante o intervallo da sessão, e que viessem para o anno habilitados competentemente, cada um pela sua respectiva localidade, a informarem a camara do estado em que se acham as differentes industrias do paiz, para em vista dos esclarecimentos que tiverem colhido, se tomarem as medidas que se julgarem convenientes.

Mas eu não queria por fórma nenhuma que se demorassem os trabalhos da commissão revisora do decreto de 31 de dezembro de 1852; e apezar de que eu não tenho tamanhas apprehensões como o meu amigo o sr. Maia sobre a reforma das pautas, mas tenho algumas, e eu senti que hontem quando se approvou a nomeação da commissão para revêr o decreto de 31 de dezembro de 1852, ella não fosse igualmente auctorisada para revêr um decreto um pouco anterior ao de 27 de dezembro do mesmo anno, que é o que regulou a maneira de se fazerem as alterações nas pautas, e nomeou a commissão permanente das pautas, dissolvendo outra commissão, decreto que contém em si disposições de tal maneira calculadas tanto á estrangeira, que estou persuadido que algumas dellas só podiam escapar por um lapso, porque estabeleceu um processo tão moroso, que por exemplo a exportação do trapo, a que se impoz um direito maior por entrada, não obstante dizer a commissão das pautas que deve ser revogado, eu duvido muito, seguindo-se o processo na conformidade do decreto de 27 de dezembro, que d'aqui a 4 ou 5 mezes possa ser resolvido esse negocio. Ora, por isto, junto a outros inconvenientes que se têem notado, reconhecer-se-ha que a nomeação da commissão de inquerito em logar de remediar estes males, póde prejudicar ou annullar os effeitos da commissão nomeada hontem.

Eu concluirei declarando, que não me opponho á nomeação da commissão de inquerito, mas quereria que em logar de uma fossem muitas. Não voto por uma commissão de inquerito, que nos gaste dinheiro. (Uma voz: — Pois de graça não as ha) E mesmo não vejo possibilidade de que uma commissão de inquerito composta de tres deputados possa dividir-se pelo remo, para ir visitar as differentes industrias, quando alias os deputados das diversas localidades lêem interesse em se informarem, e hão de trazer para o anno essas informações sobre as necessidades a que é necessario occorrer. Voto portanto contra a nomeação de uma commissão de inquerito, que dilecta ou indirectamente possa neutralisar os trabalho da commissão nomeada hontem, porque eu creio que se não se póde remediar tudo de uma vez, podem comtudo remediar-se alguns males mais urgentes.

O sr. Julio Pimentel — Sr. presidente, eu começarei por fazer uma moção de ordem, que me parece evitará a perturbação desta discussão. Eu intendo que seria melhor mandar a minha proposta a uma commissão, para dar o seu parecer sobre ella, e inclino-me a que esta commissão seja a que foi hontem nomeada, que é aquella que está mais em relação com o objecto proposto. (Apoiado)

Não responderei a algumas asserções que se apresentaram, principalmente por parte do primeiro orador, porque apezar de eu fazer parte da commissão externa das pautas, depois de uma certa época não me julgo sufficientemente auctorisado para vir justificar o governo a respeito das medidas que tomou nessa occasião. Como membro dessa commissão fiz o que pude, mas estou intimamente convencido da necessidade da creação de uma commissão de inquerito, e quando se discutir o parecer sobra esta proposta, então apresentarei as minhas ideas. Agora peço a v. ex.ª que consulte a camara, se esta proposta deve ir a uma commissão, e se esta deve ser a nomeada hontem.

O sr. Presidente: — Esta proposta que faz agora o sr. deputado, equivale a um adiamento, por consequencia precisa ser apoiada por cinco srs. deputados.

Foi apoiada, e entrou em discussão.

O sr Macedo Pinto (Sobre a ordem): — Sr. presidente, eu pedi a palavra para offerecer uma substituição á proposta do sr. Julio Pimentel; queira v. ex. submetel-a á decisão da camara, para ir á mesma commissão, a que aquella fôr remettida, porque assim parece-me que se concilia tudo. Não é occasião de a motivar, e por isso nada direi por agora.

A substituição é a seguinte:

Substituição: — Proponho

1.º Que esta camara determine um inquerito relativo ás industrias manufactoras, que são exercita-

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das nas cidades e villas de Lisboa, Porto, Covilhã, Portalegre, e Braga, e outros centros industriaes, e principalmente a respeito daquellas industrias sobre que tenha havido representação por parte dos cidadãos que dellas se occupam.

2. Que os deputados residentes naquellas localidades, hajam decompor outras tantas commissões de inquerito quantos os centros commerciaes acima referidos; e que estas commissões associando-se a quaesquer cidadãos, cujas luzes julguem dever aproveitar, trabalhem soba protecção e coadjuvação dos respectivos governos civis ou administradores dos concelhos respectivos.

3.º Que as referidas commissões funccionando no intervallo das sessões desta camara, hajam na sessão seguinte de apresentar os seus relatorios, para servirem de base e serem considerados pela commissão revisora das pautas, que esta casa acaba de nomear, sem que com tudo isto haja de prejudicar a marcha dos trabalhos, que esta commissão possa por ventura executar sem aquelles relatorios. — Macedo Pinto.

Não havendo quem mais tivesse a palavra, resolveu-se que tanto a proposta do sr. Julio Pimentel, como a substituição do sr. Macedo Pinto, fossem enviadas á commissão revisora das pautas.

O sr. secretario Rebello de Carvalho deu conta de Um Officio do ministerio do reino, acompanhando o seguinte

Decreto: — Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74 § 4.º depois de ler ouvido o conselho de estado nos termos do artigo 110 da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes da nação portugueza ate ao dia 2 de julho do corrente anno. O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha intendido para os effeitos convenientes. Paço das Necessidades em o 1. de junho de 1853. = Rainha. = Rodrigo da Fonseca Magalhães.

A camara ficou inteirada.

Teve ainda segunda leitura a seguinte

Proposta: — Proponho que se nomeie uma commissão especial, a quem seja encarregado o exame dos decretos de 5 de novembro de 1851, e de 24 de dezembro de 1852, que regulam o modo de tomaras contas dos legados pios, não cumpridos; e proponha a esta camara a reforma desses decretos no sentido de remediar os males, e queixumes dos povos contra a execução de taes decretos. — Barão d'Almeirim.

Foi admittida, e ficou em discussão.

O sr. Nogueira Soares: — Sr. presidente, quando se discutiram aqui as leis da dictadura, eu disse que em algumas dellas havia muitos defeitos, e que não duvidava concordar na emenda daquellas que estivessem neste caso. Não estudei ainda maduramente a legislação relativa aos legados pios; mas algumas disposições ha, creio, que sáem tanto do direito commum, que não se podem conservai taes como estão, e que convém muito reformar; por isso estou concorde em que se examine essa legislação, e estou concorde com a proposta do sr. barão d'Almeirim, para se chegar ao fim necessario.

O sr. deputado Bordallo já apresentou um projecto emendando essa legislação; foi remettido á commissão de legislação, que hade dar o seu parecer; e como o illustre deputado o sr. barão d'Almeirim, que propoz a reforma daquelles decretos, hade le-los estudado e conhecido os defeitos, póde mandar para a commissão de legislação qualquer projecto, ou quaesquer idéas que elle tenha a esse respeito, a fim de que essa commissão, que é a competente, examinando esses decretos, e o projecto do sr. Bordallo, traga aqui um projecto que emende a legislação existente, e que proveja, como se pede, ás necessidades do paiz.

O que desejo pois é que, em logar de se nomear uma commissão, que no adiantamento em que está a sessão nada poderá fazer, o sr. barão d'Almeirim mande quaesquer idéas que lenha sobre este assumpto, para a commissão de legislação, redigidas em fórma de projecto, a fim da commissão, examinando-o conjunctamente com o do sr. Bordallo, apresentar aqui quanto antes um parecer a esse respeito.

O sr. barão d'Almeirim: — Todas as observações que acaba de fazer o meu illustre amigo o sr. Nogueira Soares, são de certo muito rasoaveis, e eu as tive em vista na occasião em que apresentei a minha proposta. Apezar disso resolvi apresenta-la, porque sendo de nós todos conhecida a morosidade com que trabalham as commissões, em consequencia de muitos trabalhos, decerto, que lhes estão encarregados, e intendendo que este objecto era de summa urgencia, porque os povos estão soffrendo vexames, pelo modo porque se executam aquelles decretos; pareceu-me de summa conveniencia que houvesse uma commissão especial nomeada por esta camara, a qual fosse encarregada da revisão daquelles decretos, para que quanto antes désse o seu parecer sobre elles; porque não tendo a rever senão aquelles decretos em especial, e nenhum outro trabalho, esta commissão em muito poucos dias, querendo com sollicitude encarregar-se deste negocio, podia aqui apresentar o seu parecer.

Além disso o governo comprometteu-se perante a camara a promover a reforma de taes decretos, por que reconheceu que effectivamente as suas disposições tinham vexado os povos na execução que delles se fazia. Estando por consequencia provado perante a camara, com o reconhecimento do governo, que aquelles decretos precisam de uma revisão prompta, eu intendi que era muito mais conveniente, que della fosse encarregada uma commissão especial, do que ser encarregada a commissão de legislação, que, por ter tantos trabalhos que lhe estão affectos, não tem podido até hoje apresentar aqui trabalho algum.

Por consequencia este negocio é daquelles que não admitte demora, porque os povos estão soffrendo funestas consequencias. Aqui tenho eu documentos que posso apresentar á camara, que provam o que acabo de dizer. Ha concelhos onde sendo a administração dos hospitaes e das misericordias, encarregadas ás mesmas mesas, assentaram que era muito mais conveniente que alguns dos rendimentos das misericordias, que eram applicados para os legados pios, não fossem para esse fim, mas sim para a sustentação dos pobres, e dos hospitaes. As mesas effectivamente applicaram grande parte daquelles rendimentos para este fim, que intendo ser muito mais conveniente, e mais util do que applica-lo para o cumprimento dos legados pios; e agora em virtude destes decretos essas mesas tem sido intimadas para apresentar peremptoriamente as contas daquelles legados pios não cumpridos, e as mesas acham-se em circumstancias, não só de não apresentarem as contas, mas de fechar esses hospitaes, mandando pôr fóra os doentes que lá estão, com grave prejuizo delles, e talvez promover desta fórma o acabamento da sua existencia.

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Isto não admitte demoras; e por consequencia não fia razão nenhuma, pela qual esta camara deixe de approvar a minha proposta; pelo contrario, todas as razões são para que ella a approve, e nomeie com urgencia a commissão, para dar tambem com urgencia o seu parecer, porque seria muito conveniente que ainda nesta sessão este projecto podesse ser discutido, e resolvido.

O sr. Passos (Manoel) — Quando se discutiram as leis da dictadura, os ministros declararam que haviam de apresentar uma reforma á lei dos legados pios, e outra a respeito do codigo penal. A respeito do codigo eu intendo que a reforma é necessaria e de urgencia (Apoiado) sobre tudo em um ponto importante, que é o direito de associação. A este respeito não ha senão revogar completamente aquelle artigo do codigo. A respeito da inquisição religiosa que o codigo restabeleceu, é preciso tambem revogai a.

Pelo que toca a legados pios os decretos tem uma tendencia funesta, que é a de negar ao paiz a appellação para a sua justiça ordinaria. Este principio foi uma das grandes conquistas da civilisação moderna, e uma grande conquista realisada pelo Imperador, e pelo grande ministro José Xavier Mousinho da Silveira, que deve ser citado no parlamento com grande louvor, e com estima de todos aquelles que se sentam nestas cadeiras, porque foi elle quem fez a divisão administrativa, separando-a inteiramente das attribuições de julgar. Portanto eu intendo que a tendencia funesta e retrograda da lei dos legados pios não cumpridos, deve ser emendada; porque não é possivel continuar a conceder-se aos administradores dos concelhos o direito de julgarem, o que é um contrasenso. Eu julgo que quando entre as partes se concorda no direito de receber, e na obrigação de pagar, o processo, nestes termos, corra administrativamente; não quero obstar á continuação do processo por assentimento das partes; até ahi admitto eu a decisão administrativa; mas desde o momento em que qualquer cidadão intende que não deve pagar, e outro intende o contrario, estabelece-se a questão de direito, e esta questão não póde ser decidida pelo leigo administrador, mas sim pelos tribunaes de justiça do paiz. Por consequencia esta disposição da lei dos legados pios contém a denegação da justiça e a exacerbação da justiça administrativa, principio absolutamente absurdo e repugnante e contra o qual se declaram as nações mais illustradas como a Inglaterra e os Estados Unidos. Além disso desde o momento em que um individuo qualquer apresenta um documento e diz que tem satisfeito um legado pio, se esse documento não é verdadeiro, se é falsificado, o crime de falsificação é julgado administrativamente; é um dos maiores crimes em toda a legislação e em todos os povos que nunca póde ser julgado, senão judicialmente: entretanto a lei dos legados pios manda que seja julgado administrativamente!... A respeito do hospital de S. José a lei dos legados pios é uma lei especialmente transitoria, porque desde o momento em que os homens que são obrigados a cumprir esses legados, dêem as suas contas regularmente, este recurso financeiro estanca completamente para o hospital; mas em quanto ao passado a questão tem muita difficuldade, porque effectivamente ha muitos casos, em que parece que não ha obrigação de satisfazer a esses legados pios; pelo menos é uma questão muito duvidosa, e que deve ser decidida pelo poder judicial. Mas supponhamos que existem essas dividas agglomeradas n'uma porção de cidadãos portuguezes; que faz a lei dos legados pios? Exige o prompto e integral pagamento dessas dividas, e desde o momento em que se exige o prompto e integral pagamento de dividas preteritas, é querer a ruina dos devedores. Segundo o stricto direito quem deve, tem obrigação de pagar, é o summum jus; mas neste ponto a legislação provê sempre com equidade. Por exemplo nós commettemos um erro, isto é, a administração de setembro, n'uma lei de fazenda, segundo a qual para o pagamento de toda e qualquer contribuição a propriedade podia ser arrematada; o principio de direito é inquestionavel e a consequencia logica, rigorosa; entretanto nós commettemos uma grande injustiça, a legislação antiga era melhor porque ao summum jus oppunha a equidade, e estabelecia, que quando a propriedade fosse avaliada no dobro da divida, não se arrematasse a propriedade, mas sim o rendimento. Eis-aqui a equidade que é preciso trazer para todas as situações da vida, e equidade que sempre tem sido estabelecida, como por exemplo em 1824 a respeito de dividas de fazenda em que o sr. conde de Murça, ministro da fazenda permittiu o pagamento em grandes espaços; na lei dos foraes, onde se achavam dividas accumuladas, tambem se deram grandes espaços para as pagar, e na lei que mandou vender os bens nacionaes, tambem se consignou o mesmo principio: por consequencia a respeito dos legados pios não cumpridos é preciso consignar o principio do pagamento em prestações a longos prazos, porque de outra maneira vamos arruinar uma parte dos cidadãos portuguezes, e a camara e o governo nada lucra com isso.

Ora, como á commissão de legislação estão commettidos muitos outros trabalhos, tambem importantes, ver-se-ía embaraçada se fosse encarregada de mais este. A commissão de legislação está encarregada da lei dos foraes, da reforma do processo e dos emolumentos e além disso tem a tractar da questão dos vinculos; talvez que a commissão de legislação não possa já com todos estes trabalhos, e comtudo são objectos de que a camara deve tractar, são estas as questões que ao paiz importa, que intendem directamente com o povo, porque o povo queixa-se, por exemplo, que em muitas partes os emolumentos são exaggerados (Apoiados) que fazem com que os escrivães sejam uns grandes potentados, e que os povos estejam a pagar o seu serviço d'uma maneira excessiva, como ainda ha pouco ponderou o sr. barão d'Almeirim a respeito da cultura do arroz, chegando a custar uma licença para essa cultura 14$000 e 15$000 réis, quando o processo podia ser muito simples permittindo-se a cultura do arroz naquelles sitios, que a camara municipal ou o administrador do concelho designasse que eram proprios para essa cultura.

A respeito da lei dos foraes é necessario considerar a questão dos foros particulares, porque devemos manter a propriedade particular, a questão dos foros da corôa, e depois a questão da remissão.

Em quanto á remissão, dando a lei um praso fatal para ella ter logar, os foreiros que não tem dinheiro para remir, carecem pedi-lo emprestado, mas o juro é arduo, e não podem remir por emprestimo; hão-de remir unicamente economisando: por consequencia é necessario dar tempo para que os foreiros possam por

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meio de economias obter recursos para poderem remir. Nos vemos pelo Diario da Governo que já estão vendidos 6:300 foros; quer dizer 6:300 tractos de terra que são postos fóra da lei da allodialidade e estabelecidos dentro do vinculo, e eu creio que a propriedade allodial é preferivel á propriedade vinculada. Todos os paizes onde a propriedade e allodial, prosperam com uma rapidez immensa; os paizes onde a propriedade é vinculada, não prosperam... (O sr. Nogueira Soares: — O Minho) E um paiz onde a acção dos arabes não chegou se não momentaneamente; os paizes que por muito tempo estiveram debaixo do dominio dos christãos, onde por menos tempo dominaram os arabes, foram aquelles que se cultivaram principio; mas incontroversamente o principio da allodialidade é preferivel; neste ponto não ha nada a discutir; entretanto eu, dizendo isto não quero destruir o principio enfiteuta, porque esse principio é uma instituição velha no paiz, está nos seus habitos e costumes; mas desde o momento em que appareceu um grande facto, em virtude do qual uma grande parte dos dominios directos passaram para a corôa ou para a fazenda, o que se devia ter em vista era acabar com os dominios e estabelecer a lei da allodialidade na regra geral, porque em todos os pontos onde a lei dos foraes se executou, vemos que a cultura augmentou; e naquelles onde não se executou, a cultura não teve progresso. Este objecto é da maior importancia para o paiz; entretanto eu trouxe-o para mostrar que a commissão de legislação tinha objectos de muita importancia de que tractar, e que não se poderia occupar dos legados pios, questão que é preciso resolver de alguma maneira, mas resolve-la urgentemente. Voto pela proposta do sr. barão d'Almeirim.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, eu pedi a palavra sobre esta questão para dizer que apoio o requerimento do sr. barão de Almeirim, e annuo ás observações feitas pelo illustre deputado o sr. Passos; mas esta discussão prova uma cousa, a inconveniencia que a camara practicou, quando votou em globo os actos da dictadura; esta discussão prova mais: prova o arrependimento e os escrupulos da camara, porque a camara estando todos os dias por assim dizer, a reconsiderar aquellas medidas que approvou, dá um documento da ligeireza com que procedeu.

Sr. presidente, sobre os decretos ácerca dos legados pios, cumpre-me dizer a v. ex.ª e á camara o seguinte: — eu tinha tenção, quando se discutiram os actos da dictadura, de dizer a minha opinião ácerca destes decretos; mas alguns cavalheiros interessados na modificação do decreto ácerca dos legados pios não cumpridos, procuraram-me e disseram-me — que em resultado de varias conferencias que tinham tido com o sr. ministro do reino, me pediam que não fallasse, porque fallando eu contra o decreto, podia ser que prejudicasse a questão. Eu disse — não me parece que procedam bem, porque embora o ministro tenha promettido, não ha-de fazer cousa alguma — Tem-se verificado a minha profecia; a camara ap provou o decreto ácerca dos legados pios não cumpridos, e as promessas do sr. ministro ate agora não se tem realisado.

Ha uma proposta do sr. Bordallo na commissão, cujo relatorio é um processo feito á maioria; mas v. e a camara devem ficai desenganados uma

Vez por todas, de que proposta que vai á commissão de legislação, e que contrai ía de (eito alguma opinião do governo, não ha pai crer sobre ella.

Um dos actos mais iniquos da dictadura foi o decreto dos legados pios não cumpridos, porque havia-a accumulação de dividas de 20 annos, e foi-se exigir o pagamento destas dividas; ora exigir o pagamento destas dividas é absorver a propriedade, e absorver a propriedade é matar muitissimas familias que tinham um certo rendimento de que viviam. Mas o governo mandou responder a isto, por folhe-los que publicaram os empregados do hospital de S. José, que a modificação do decreto da dictadura de pendia do enfermeiro-mór; se elle não quizer ser benigno para com este ou aquelle credor, muito bem; se quizer, não dá seguimento e não executa o decreto. Os legados pios foram dados a troco de Certas condições. Dava-se, por exemplo, um legado pio a uni convento por occasião da morte do legatario dizer um certo numero de missas; o legatario tinha o suffragio de direito e feudo. Ora os convenios foram supprimidos, quero dizer, a indemnisação dos legados pios não existe, e o governo 20 annos depois poz em pé uma lei, sem consultar a camara, que o sr. D. Pedro por um decreto de dictadura tinha aboli do! Hoje exigem-se vinte annos de dividas accumuladas, o que, como sabe toda a gente, e mais que o rendimento da propriedade.

Diz-se que não se exige este rendimento da propriedade todo de uma vez; concordo nisto; mas exige-se alguma cousa de cada vez; póde-se exigir parcialmente, o de quatro annos primeiro, depois o de dois annos etc; entretanto isto é sempre um vexame, e é contra elle que eu me levanto e me insurjo.

Eu disse quando discuti aqui os actos da dictadura, e ainda digo, que desejava por meu amor proprio, por amor proprio de profeta, que o governo não fizesse cousa alguma, para, aquelles proprietarios que hoje são acabrunhados com a exigencia de legados pios não cumpridos, se arrependerem do que me pediram, e para se desenganarem uma vez por todas os portuguezes que habitam este desgraçado paiz, e não confiarem em promessas do governo, e todos nós não deixarmos ir o nosso direito pela agoa abaixo. Se todos nós tivessemos tractado de pôr peas aos arbitrios e desvarios do governo, não faria o governo o que faz. O governo ganhou as eleições em toda a parte, mas não em Béja, porque os cidadãos de Béja cada um intendeu que devia cumprir o seu dever. Se todos os portuguezes cumprissem o seu dever, o governo não havia de exorbitar, porque no momento em que o fizesse, havia de se arrepender. Não se importem com o governo, não rojem aos pés do governo, não queiram rojai aos pés do governo por despachos de escrivães para Evora (Riso) e de regedores e barões, que o governo, o qual, como já disse, é uma emanação muito humilde do governo constitucional, ha de respeitai os direitos do povo, e não ha de estar dando exemplo de os menoscabar todo, os dias, em todas as occasiões.

Eu não espero cousa alguma; estou sceptico em politica, porque as lições de uma experiencia severa têem-me desenganado, de que não ha nada que nos levante da prostação em que jazemos. Nós somos um povo perdido; somos uma raça degenerada e somos a expiação de um grande peccado, — qual elle sej I não sei eu. Esta camara, este governo, esta nossa es-

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terilidade, este desprezo quasi acintoso por tudo quanto é sagrado, por tudo quanto é respeitavel e respeitado, mostra a decadencia da nossa raça, e que nós estamos aqui para ser illudidos, e para ser o joguete de qualquer aventureiro que empolgue o poder.

Sr. presidente, todos os dias entro nesta camara com a cara coberta de vergonha e o sangue a ferver-me nas veias por ver o meu paiz assim escarnecido e vilipendiado.

O que fez a camara approvando os decretos da dictadura? Quer saber a camara em poucas palavras o que tem feito? Reconsiderou a questão da moeda; ha de reconsiderar os legados pios não cumpridos; ha de reconsiderar o codigo penal; ha de reconsiderar a contribuição directa de repartição; depois de votar cegamente tudo, ha de por meio da reflexão emendar o seu desacerto em approvar 235 decretos em uma só discussão.

Eu, sr. presidente, se pudesse abstrair a minha qualidade de homem particular e ficar só deputado, por uma analyse e por uma synthese havia de mostrar que, de todas as medidas publicadas pelo governo como dictador, nenhuma dellas tem ido por diante. Prometteram mundos e fundos, e nem uma só medida foi por diante. Só o que foi por diante, foram as medidas de saque para haver dinheiro para pagar em dia. Melhoramentos, interesses matei taes, fomento, augmento da riqueza publica, nada ha de ir por diante. Tinham-nos aqui embalado com o caminho de ferro, parece-me que já morreu, constipou-se (Riso) houve muita chuva e o caminho de ferro constipou-se. (Riso) Quizeram entreter as esperanças com a rescisão do contracto do tabaco; mas parece-me que já se não falla nisso. De sorte que o contracto do tabaco e o caminho de ferro estão como a machina infernal, que nos primeiros dias fez certa impressão, hoje ninguem falla em tal. E no entretanto esta camara a quem o governo fez ião solemnemente estas grandiosas e quantiosas promessas, ha de continuara apoial-o depois desta mangação!

Sr. presidente, eu apoio o requerimento do sr. barão de Almeirim, e uno-me ás observações do sr. Passos (Manoel); mas declaro a v. ex.ª que apoio e uno-me sem esperar resultado nenhum, porque faço a profecia, e muitas das profecias que eu tenho feito, têem-se realisado, e aquellas que vou fazendo hão de realisar-se com o andar do tempo — a commissão de fazenda põe pedra em cima sôbre o negocio, porque hoje o hospital de S. José não sei porque caiu nas boas graças do governo, e então ha de insistirem que os legados pios sejam satisfeitos, e o governo assim tomo foi á junta do credito publico e ás mezadas do contracto do tabaco e a outras muitas cousas, póde ir amanhã ao hospital de S. José, e dizer — dá para cá para pagar mais quinze ou vinte dias ao exercito e aos empregados publicos.

Eu approvo o requerimento, mas desta approvação não conclua a camara que é a contradicção do que disse agora, e que me retracto; approvo, mas não tenho confiança nenhuma no resultado. O resultado ha de ser nenhum; e é muito bem feito que assim aconteça para este paiz aprender a tractar aqui dos seus negocios, e para, quando um deputado preenchendo todas as condições do seu encargo e vindo á Camara anathematizar e fulminar o que elle reputa injusto, não virem aquelles que são interessados e que o deviam coadjuvar, pedir-lhe que se calle, porque o governo tinha promettido que os havia de attender. É preciso que o paiz se desengane uma vez por todas, e se resolva a tractar mais seriamente dos seus negocios.

O sr. Nogueira Soares: — Sr. presidente, respondendo em primeiro logar ao illustre deputado por Béja, que disse — que quando um paiz quer ser livre o e sempre, e que citou para exemplo o districto de Béja, que contra a vontade do governo o elegeu deputado e aos seus dignos collegas ornamentos desta camara — observarei que esta é tambem a minha opinião — um povo, sempre que quer, é livre e senhor absoluto de seus destinos, e quando o não é, podia-se estabelecer como regra, que não merecia sei o. (Muitos apoiados)

Felizmente o povo portuguez quer a liberdade (Apoiados) e é no exercicio dessa liberdade que elegeu a camara actual, e todos os seus membros e cada um delles são tão legitimos representantes dos circulos que aqui os mandaram, como o illustre deputado e os seus nobres collegas são representantes de Béja. (Muito bem.)

A camara está assim organisada, porque assim o está tambem o paiz, cujos matizes ella reflecte. Sei que a opinião é mutavel, que os partidos, os systemas, e os governos gastam-se, e que vem outros substitui los — esta é a marcha dos governos representamos. O que acontece em outras partes, tem acontecido e hade continuar a acontecer entre nós. Os nobres deputados que são hoje opposição, já foram maioria e hão de talvez tornar a se-lo um paiz — e então hão de se-lo tambem na camara. Hoje não o são na camara, porque o não são no paiz. (Apoiados) E esta a confissão implicita que acaba de fazer o meu illustre amigo, que eu registo e ponho em relevo. (Apoiados)

Com respeito á questão que propriamente se agita, direi ao meu nobre amigo o sr barão de Almeirim, que não contesto de nenhum modo a reforma da nossa legislação actual sobre legados pios — tracto só de discutir qual será o melhor meio, e o mais prompto de a conseguir. Julgo que uma nova commissão como propõe, o illustre deputado, ou hade sair de entre os membros da commissão de legislação, que são de certo os mais proprios para tractar um assumpto todo de legislação como este, ou de entre os membros da camara, que não pertencem áquella commissão; estes não são tão competentes, não tem pelo menos sido julgados taes pela camara; aquelles podem fazer melhor serviço na commissão de legislação do que tirados de alli para outra.

Voto por isso para que a proposta do illustre deputado por Santarem seja remettida á commissão de legislação como uma recommendação para ella se occupar com preferencia do projecto do sr. Bordallo, e tanto o illustre deputado como outro meu amigo, tambem deputado por Santarem, que pelos seus discusos mostram ter estudado a materia, podem offerecer á commissão o poderoso auxilio dos seus conhecimentos.

Por esta occasião direi que não sou dos que estranham o vagar com que a commissão de legislação tem andado na apresentação de pareceres; os meus conhecimentos na materia chegam para avaliar a glande difficuldade que ha em resolver certos problemas; as questões de foraes o vinculos, o em geral todas as que locam com a organisação da propriedade

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são questões de alia indagação, que se não podem decidir sem o mais maduro exame.

Sr. presidente, é sobre a propriedade que assenta a sociedade. As modificações na constituição da propriedade mais cedo, ou mais tarde, trazem a modificação no modo de ser da sociedade. Não é por consequencia este um assumpto que possa tractar-se de leve.

Por esta occasião responderei a uma observação do meu nobre amigo o sr. Passos (Manoel). Este distincto ornamento da camara lamentou que se tivesse vendido 6 mil e tantos fóros, e captivado assim um grande tracto de terra; porque, asseverou o distincto deputado, a allodialidade era muito preferivel á emphyteuse — só com aquella era compativel o verdadeiro progresso, e o grande melhoramento da agricultura.

Eu, natural de uma provincia toda emphyteutica, e affeiçoado aos costumes della, não posso deixar passar uma proposição que é desmentida pela theoria e pela practica.

A extrema divisão da propriedade retalha-a de modo que a reduz quasi a pó; consome uma grande parte della em caminhos, sebes, paredes, e servidões; torna impossivel a applicação á agricultura do grande principio da divisão do trabalho; e lira o esperança de todos os melhoramentos. E isto o que começa a succeder em França, onde nem já se julga possivel por causa da extrema divisão, o estabelecimento do credito territorial.

Em Galiza estão-se tambem sentindo as consequencias fataes do mesmo systema. Todos são proprietarios alli, ou para melhor dizer, ninguem e proprietario; porque ninguem tem propriedade de que possa viver, e em que possa consumir toda a sua actividade. São obrigados a saír dalli para não morrerem á fome, a ir buscar trabalho a outras provincias de Hespanha, e mesmo a Portugal; nem são lavradores, nem industriaes; a agricultura está alli n'um estado miseravel, e neste anno as nossas provincias do norte tem sido inundadas de milhares de desgraçados daquella provincia de Hespanha, que pedem pelas portas um bocado de pão. É este o bello estado a que a extrema divisão de propriedade levou aquella provincia. (Apoiados)

Pelo contrario no Minho com o systema emphyteutico ha uma população de mais de 3 mil habitantes por légua quadrada, e está cultivado como um jardim. E não se diga que é porque os mouros haviam dalli sido expellidos primeiro; porque a provincia de Tras-os-montes, fertilissima pela natureza do solo, libertada na mesma época em que o foi o Minho, regida pelo systema allodial, tem apenas 800 habitantes por legua quadrada.

O Minho, como todos sabem, foi, no começo da monarchia, propriedade das ordens religiosas, e de alguns fidalgos; da mão destes por meio da emphyteuse saíu para a mão do povo que o foi cultivando pouco a pouco até o elevar ao estado em que agora se acha.

A emphyteuse, sendo por um lado um grande meio de divisão de propriedade, emquanto faculta aos proletarios adquirirem terras sem cabedal, por outro obsta a extrema divisão, que tolhe todos os progressos da agricultura. (Apoiados) A emphyteuse, estendendo o poder de dispor, reforça o patrio poder, que é tanto mais necessario sustentar e fortalecer, quanto mais se enfraquece o poder publico. (Apoiados)

No Minho, todo emphyteutico, as fortunas são, como todos sabem, muito pequenas: a emphyteuse não tem obstado a uma rasoavel divisão.

A emphyteuse, tendendo a conservar as familias, tem estreitado os seus vinculos — radicado alli os principios de moral severa, que torna a sua população a mais proba, a unis energica, a mais capaz de grandes cousas, no que excede a de todas as outras provincias. (Apoiados)

Por estes motivos penso que bem longe de vir estygmatisar-se aqui a emphyteuse, valia mais elogia-la, como ella merece.

É pelos afloramentos que a grande propriedade deve passar para o povo; mas para que isto lenha logar, é necessario que se não esteja todos os dias pondo em duvida os direitos dominicaes. (Apoiados)

Penso que o verdadeiro, o unico meio de colonisar o Alemtéjo, são os afloramentos; mas ninguem os faz, se ameaçarem Os senhorios com a remissão. (Apoiados)

Concluirei pedindo perdão á camara de a haver occupado com um assumpto estranho á materia que se discutia; mas quando uma voz tão forte, como a do meu illustre amigo, o sr. Passos (Manoel), se levanta para estygmatisar a emphyteuse, era mister que alguem se levantasse para a defender. Eu sou filho da provincia do Minho, muito affeiçoado aos seus costumes, e por isso hei de defende-los sempre. (Apoiados — muito bem.)

O sr. Alves Martins: — A questão é muito simples, e consiste em saber se se deve ou não nomear uma commissão especial, para reformar um decreto da dictadura: esta é que é a questão. O sr. barão de Almeirim deseja que se nomeie uma commissão especial para reformar um decreto da dictadura; mas parece-me que não ha motivo nenhum para que se faça similhante nomeação. As commissões são nomeadas no principio da sessão, e nomea-se um certo numero de commissões, para tractarem de todas as materias provaveis que tenham de vir á camara; e só quando se apresente uma materia que não pertença proximamente a uma destas commissões, então é que ha razão para se nomear uma commissão especial; mas ninguem dirá que a materia dos legados pios é uma materia especial.

Parece-me, que este objecto pertence á commissão de legislação, e se esta commissão intender que está sobrecarregada com trabalho, não ha nada mais natural do que pedir 2 ou 3 membros da camara que julgue competentes na materia, para a ajudarem. Não sei para que é trazer aqui o caminho de ferro, e muitos objectos que nada teem com a questão; e portanto limito-me unicamente ao ponto em discussão, que é saber se se julga preciso ou não nomear uma commissão especial para reformar a lei dos legados pios, e é isto o que acabo de fazer, emittindo a minha opinião — de que não é preciso nomear tal commissão. (Vozes: — Votos, votos)

O sr. Bazilio Alberto: — Sr. presidente, a commissão de legislação tem sido alvo de repetidas arguições pela morosidade no expediente dos seus trabalhos; porém apesar de ser membro daquella commissão, não me levanto para estranhar essas arguições, porque conheço serem filhas do zelo dos seus auctores pelos trabalhos desta camara; zelo que louvo em logar de estranhar; mas a commissão tem motivos para se justificar, e são esses que vou expor.

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O primeiro desses motivos e a importancia daquelles trabalhos, que não são de naturesa, que se possam expedir sem grande reflexão: taes são as reformas de morgados, foraes, legados pios, e a judicial, as quaes se forem feitas sem essa reflexão, sómente servirão para amontoar reformas sobre reformas, e sempre para peior (Apoiados).

O segundo motivo e o estarem muitos dos membros da commissão sobrecarregados com o pezo de outras, como me succede, que tenho tres, a de instrucção publica, a de legislação, e a ecclesiastica; e tendo concorrido a esta camara muitos srs. deputados, depois da eleição das commissões, que se acham desoccupados, parece-me justo, que o trabalho se reparta por todos.

Por tanto, deve-se eleger uma commissão especial, que tracte dos legados pios, como propõe o sr. barão de Almeirim, e dos foraes como propôz o sr. Passos (Manoel); e serem dispensados das commissões aquelles que tiverem mais do que uma, com que devem ficar, sendo nomeados para as outras os srs. Deputados que se acham sem nenhuma.

Eu assim o requeiro a meu respeito, porque não me acho com forças para desempenhar, senão a de instrucção publica, que é a mais propria da minha profissão, fallando-me para satisfazer ás outras saude e tempo, sem o qual nada se faz.

O sr. Presidente: — Previno a camara de que já deram duas horas; vou dar a palavra ao sr. Corrêa Caldeira, que é o unico que se acha inscripto, mas depois de fallar este sr. deputado, não dou a palavra a mais ninguem.

O sr. Corrêa Caldeira: — Eu tinha pedido a palavra para dizer á camara que a consideração que a maioria dava á proposta apresentada para a nomeação da commissão significava duas cousas, que ambas são para mim muito lisongeiras; a primeira é que a maioria reconhece que o decreto de 24 de dezembro que estabeleceu o modo de tomar as contas aos legados pios não cumpridos, contem em si inconvenientes, absurdos em legislação, o disposições tão contrarias ao desenvolvimento da riqueza e propriedade territorial, e aos principios geralmente admittidos a respeito do processo e regras que o regem, que não póde ser inautido como está; e contem uma segunda confissão, que é a maioria da camara não crer nas promessas que o governo aqui fez de que havia de apresentar a reforma deste decreto.

Feitas estas declarações, que não podem deixar de ser lisongeiras para mim, por isso que já mostrei a inconveniencia deste decreto, declaro que não posso deixar de approvar a proposta do sr. barão de Almeirim, sustentada pelo sr. Passos; mas desejai ia que do meu assentimento a esta proposta não pudesse inferir se nem leve, nem remotamente que duvido da sabedoria, zêlo, intelligencia, e actividade dos membros da commissão de legislação. Se da approvação da proposta póde deduzir-se por mais remota, ou indirectamente que seja, que a camara põe em duvida ou a proficiencia ou zêlo dos membros da commissão, nesse caso serei o primeiro a não a approvar.

A commissão de legislação não desconhece a gravidade do objecto e ha de querer tractar delle o mais breve possivel, e parece-me que o sr. barão de Almeirim faria bem em encarregar a commissão deste negocio, ou então, no caso da commissão declarai que senão póde occupar delle, nomear-se então a commissão que se propõe: de contrario poder-se-ha intender que a camara quer fazer uma injuria á commissão de legislação.

O sr. Presidente: — A commissão de legislação já declarou pela bocca do sr. Bazilio Alberto que se acha muito sobrecarregada de trabalhos, e que não podia dar prompto andamento no negocio. Vai por tanto, ler-se, a proposta do sr. barão de Almeirim, para se submetter á votação.

Foi approvada.

O sr. Presidente: — Resta resolver de quantos membros deve ser composta a commissão.

O sr. Barão de Almeirim: — De 5 ou 7, e propunha, que fosse nomeada pela mesa. (Apoiados)

A camara resolveu que a commissão seja composta de 5 membros.

O sr. Presidente: — Parece-me que a camara acaba de approvar a nomeação desta commissão, no sentido de a eleger.

O sr. Nogueira Soares: — Peço que v. ex.ª proponha á camara se a commissão deve ser eleita pela camara ou nomeada pela mesa.

O sr. José Estevão: — Visto que se adoptou o methodo da commissão cuja experiencia tem sido instructiva, pediria ao menos se tomasse uma resolução para que esta commissão e outras, que por ventura ainda hajam de ser eleitas, sejam nomeadas pela mesa: pediria se adoptasse este plano geral, fazendo o a mesa de modo que não haja deputados ociosos, porque a grande vantagem das commissões é fazer que o parlamento fique todo occupado quando é dia de trabalhos em commissões, e não aconteça que uns deputados ficam trabalhando, e outros vão-se embota passear....

O sr. Presidente: — Parece-me que esse objecto era mais proprio para outra occasião.

O Orador: — Bem; então peço a palavra para ámanhã fazer esta proposta.

Resolveu-se que a commissão fosse nomeada pela mesa.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto n.º 34, sobre a fixação da força de mar.

O sr. Presidente: — Previno aos srs. deputados se não ausentem, porque, depois das 3 horas, ha de constituir-se a camara em sessão secreta.

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, uso ainda hoje da palavra por estar presente o illustre deputado que me precedeu, e que o não estava hontem, e direi só duas ou tres palavras por vêr que a camara tem pressa de votar esta questão, attenta a urgencia que disso ha para poder entrar-se na discussão do orçamento.

Quando vi pedir a palavra contra o parecer da commissão ao sr. deputado, membro da maioria, esperava que s. ex. refutasse uma a uma as asserções do relatorio da commissão de marinha, e que s. ex.ª provasse á camara que as differentes repartições do ministerio da marinha não se acham em um estado quasi indefinido e pouco harmonisado, e estava ambicionando vêr provar que a nossa marinha não está no triste estado em que eu a figurei; mas pelo contrario, e com grande admiração, vi o sr. deputado, carregando ainda muito mais o quadro, confirmar tudo o que a commissão disse no seu relatorio.

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O fim do s. ex.ª foi provar que as illustres commissões de marinha antecessoras desta, e principalmente a de 1850, não mereciam a censura que s. ex. julgou que eu lhe tinha feito. Declaro que não tive a menor intenção de censurar essas commissões, e que se alguma palavra me escapou no calôr da discussão, que possa ler esse sentido, a retiro completamente. E pelo que diz respeito á de 1850, declaro que se houve perfeitamente, pois não tinha mais do que approvar as propostas do sr. ministro de então; e se a actual commissão se visse agora no mesmo caso, leria feito o que aquella fez.

S. ex.ª disse, que não era a primeira vez que se dizia no parlamento, que a nossa marinha estava em um estado decadente. Que em 1850 já aqui o disse

O sr. ministro da marinha de então, em um longo relatorio, e que por isso propuzera mais 1200 contos de reis, para o material do arsenal e machinas da cordoaria.

Eu peço licença a s. ex. para dizer, que nem os 72 contos que alli se pediam, e se votaram para madeiras, nem os 10 contos para machinas da cordoaria tiveram un) a lai applicação, nem no orçamento actual vem verba alguma para esse fim, e por isso a nossa marinha está agora em muito peor estado, do que estava nesse tempo, porque não ha novos navios, e uma grande parte dos que então figuravam como em estado de navegar ou precisando fabricos, teem sido condemnados pelo abandono em que os deixaram; sorte que de certo espera os que agora pedem fabrico, por não haver meios de fabricar no estado actual do arsenal.

S. ex.ª disse, que nunca viu na camara uma accusação mais formal a um governo, do que era este relatorio. Mas eu peço licença a s. ex.ª para lhe dizer que já veiu uma accusação mais forte, que era a que acaba de fazer o illustre deputado o sr. Palmeirim.

S. ex.ª não negou, nem uma das asserções da commissão em quanto ao estado da nossa marinha; unicamente quiz mostrar, que em 1850 houve um governo, que tinha proposto os meios de salvar a nossa marinha do seu abatimento, e uma commissão que os tinha approvado.

Sr. presidente, isto póde traduzir-se na seguinte accusação: — Em 1850 a nossa marinha estava em perigo; o ministro de então propoz os meios de a salvar: esses meios não foram aproveitados, este governo não os propõe, e por isso abandona a nossa marinha ao seu destino fatal. Tendo s. ex.ª visto neste relatorio uma accusação ao governo, devia propôr uma moção para destruir o effeito, que poderia produzir a votação do que s. ex.ª julga accusação contra um governo, que s. ex.ª diz que apoia.

Termino reflectindo que muito me admirei de vêr que s. ex.ª tractasse a commissão de visionaria por julgar que 200 contos por anno é uma cousa, que Portugal póde votar para salvar a nossa marinha, parecendo a s. ex. que o estado geral de Portugal em 1853 em que a receita e a despeza estão equilibradas, não é para votar 200 contos, em quanto em 1850 que havia um deficit de 2.000 contos, achou muito justo que se votasse essa quantia para o mesmo fim.

A commissão julga o contrario visto que o paiz póde muito mais agora do que em 1850; a marinha tem muito menos do que então da receita geral, não obstante estar muito mais precisada do que nesse anno. Por ultimo a commissão votou a força na certeza em que está de que o sr. ministro da marinha na proxima sessão apresentará á camara as propostas que a commissão ambiciona para salvarem a nossa marinha do seu abatimento, definindo por uma vez o destino da nossa marinha de guerra. Li este relatorio póde ser ainda tomado como um convite formal ao sr. ministro, a fim de que s. ex.ª se comprometta em publico a isto mesmo, e, se tal se conseguir, tem a commissão feito já um grande serviço ao seu paiz.

O sr. Pegado: — Sr. presidente, é sabido que, quando os ministerios veem pedir aos parlamentos quaesquer meios governativos, teem os parlamento, o direito, e até a obrigação, de inquirir quaes são os objectos e quaes os fins para que se querem os meios pedidos.

A commissão de marinha collocou-se logo, ao examinar a proposta do governo, inteiramente no mesmo terreno, em que se tinha collocado o nobre deputado que encetou a discussão, o benemerito primeiro magistrado, que foi ha pouco, da nossa boa ilha da Madeira.

A commissão subiu exactamente á mesma ali um, em que se postou o distincto administrador, e interrogar-se a si mesma. O que deve ser para Portugal uma marinha de guerra? Precisa Portugal, como nação maritima, de uma força naval? Precisa, como senhor dos muitos territorios no além dos mares, de armamento naval? Ou precisa desta força por uma e outra causa? Nenhum portuguez podia hesitar sobre a resposta.

Uma outra pergunta se seguiria, naturalmente, a estas perguntas. Portugal precisa mais de força terrestre, ou de força maritima. E desta decorreria, não menos naturalmente, est'outra. — Qual é a organisação que mais conviria ao exercito portuguez? Nem a primeira, nem a segunda destas duas questões foi considerada pela commissão; nem mesmo ahi proposta ou suscitada.

Mas passou logo a examinar, se a força naval, proposta pelo governo, seria bastante para todas as precisões de um reino, que é formado de uma orla de terra sobre o oceano entre o antigo e o novo mundo, e de muitos territorios fóra e longe dessa orla, disseminados por toda a parte, e mui separados uns dos outros. A solução não podia ser, nem menos facil, nem menos prompta.

A commissão de marinha, informada pela commissão de fazenda, de que para o proximo futuro anno economico não podia o thesouro publico concorrer com maiores sommas para o armamento naval do que aquellas que veem consignadas no respectivo orçamento, disse: este estado de cousas na nossa marinha de guerra deve reputar-se provisorio; e devemos dizendo ao parlamento e á nação, para que ninguem pense, fóra ou dentro do paiz, que nós não conhecemos o valor da nossa posição geografica, e a importancia de todas e cada uma das diversas partes integrantes da monarchia portugueza. Devemos, além disso, considerar este estado como provisorio, porque é forçoso organisar melhor, e harmonisar todas as diversas repartições da marinha.

Sr. presidente, em um dos mais recentes relatorios officiaes, publicados em França, lia-se — que a instrucção publica primaria reclama a mais séria attenção do governo, porque não corresponde o seu actual estado ás necessidades daquelle imperio.

Porque nos devemos admirar, pois, que as cousas

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entre nós estejam mal, e muito peior do que em França! E não se pense que só na marinha as cousas não estão bem. Se se entrar alguma vez em exame mais circumstanciado do estado de todas as outras repartições publicas, procurarei tambem fazer a devida comparação. O que é necessario, e tudo o mais é superfluo e doloroso, é reconhecer que tudo carece entre nós de melhoramentos, e que todos unidos devem empregar os meios de os conseguir progressivamente; mas é indispensavel reconhece-lo e dize-lo.

Não ha muitos mezes que no parlamento e na imprensa ingleza se clamou, que o littoral da Gram-Bretanha não estava fortificado de modo, que pode-se resistir a um desembarque inimigo inopinado; e todos conhecem a memoria de um jovem official da marinha franceza, principe de uma dynastia em exilio, sobre o estado pouco lisongeiro da marinha franceza comparativamente á marinha de algumas grandes nações. Nem o francez, nem o inglez, receiou descobrir a verdadeira situação das suas nações neste sentido, e fizeram ambos grande serviço aos seus paizes.

Tambem um portuguez fez igual serviço á sua patria, do qual não se tirou ainda proveito, é verdade; mas espero que se tire.

Sr. presidente, eu li o relatorio do ministerio dos negocios da marinha e ultramar, publicado em 1850; mas já me não recordava das expressões do seu preambulo, e quando V: ex. deu para ordem do dia o parecer que se discute, (juiz reler aquele documento. Foi com tanta admiração como prazer, que achei nas suas primeiras paginas exactamente tudo quanto sinto a respeito da nossa marinha militar — do seu actual estado, e dos seus destinos. Permitta-me a camara, que leia, pelo menos, algumas passagens destas duas paginas. São palavras proferidas pelo proprio ministro da marinha de então, e que acredito que nenhum outro receará repetir, porque são verdades, cujo enunciado e publicação não póde ser-nos senão mui util. Estas palavras são as seguintes:

Tenho empregado a minha mais seria attenção em conhecer, quaes são os melhoramentos, que convem fazer no serviço deste ministerio, tanto para estabelecer nelle a maior economia e fiscalisação da fazenda publica, e simplificar o expediente dos negocios, assegurando o acerto da sua decisão; como para fazer saír esta importante repartição da progressiva decadencia em que caminha

Esta força não foi calculada com relação ao serviço, que a marinha e chamada a preencher, e que sem um rasoavel augmento nella, será impossivel estabelecer, como tanto convem, communicações regulares entre as nossas possessões e provincias do ultramar com a metropole, e deixarem el as de se sentir abandonadas, e sujeitas a repelidos insultos.

«Com este augmento de força, não nos fica, comtudo, em reserva uma força capaz de fazer respeitar a nossa bandeira, se circumstancias se derem que nos obriguem a isso.

Desde muito o desejo de realisar economias nesta importante repartição, tem levado os ministros, meus antecessores, a reduzir de anno para anno as despezas deste ministerio, a ponto de que, sendo ellas calculadas no orçamento de 1835-36 em 1.295:690$601 réis, acham-se hoje reduzidas a 775:391$202 réis.

E necessario, portanto, que as côrtes, possuidas das verdadeiras necessidades desta repartição, habilitem este ministerio a fazer saír a marinha do estado decadente em que se acha.

As repartições do arsenal e da cordoaria precisam, é certo, de uma reforma radical; mas essa reforma não póde consistir na annullação do trabalho, pela falla de materias primas, n'um momento em que a nossa marinha apresenta o triste quadro, que della tenho exposto.»

Agora apresentarei a força pedida pelo ministerio nestes ultimos 6 annos, sempre em diminuição:

Anno de 16 a 17: 3:000 praças, 3 fragatas, 5 curvetas, 7 brigues, 6 escunas, 2 transportes, 2 vapores: total -25 embarcações.

Anno de 48 a 49: 2:600 praças, 2 fragatas, 4 curvetas, 5 brigues, 6 escunas, 2 transportes, 4 vapores: total 24 embarcações.

Anno de 49 a 50: 2:400 praças, -2 fragatas, 5 curvetas, 6 brigues, 6 escunas, 2 transportes, 3 vapores: total 24.

Anno de 50 a 51: 2:600 praças, 2 fragatas, 4 curvetas, 5 brigues. 8 escunas, 5 transportes, 4 vapores: total 25.

Anno de 51 a 52: 2:600 praças, 2 fragatas, 4 curvetas, 5 brigues, 8 escunas, 4 transportes, 4 vapores: total 27.

Anno de 52 a 53: 2:383 praças, 1 fragata, 3 curvetas, 4 brigues, 8 escunas, 5 vapores: total 21.

Devo, comtudo, reflectir, que nos annos anteriores em que tinhamos fóra mais navios armados, havia tambem mais movimento em trabalhos e construcções em todos os mais ministerios; porém tudo estava pago com atraso; as diversas classes de funccionarios do estado, os operarios, e machinistas, e até os proprios materiaes de construcção, fornecimentos, etc. E é forçoso confessar, que não é possivel, no actual estado das nossas finanças, acudir ao mesmo tempo ao pontual pagamento do pessoal e material.

Não vejo outro meio, em quanto não tivermos mais fontes de receitas, senão prescrutar donde se póde economisar, para gastar em outra parte, O exercito, por exemplo, póde repartir alguma cousa com a marinha.

A nossa marinha mal chega para o indispensavel e immediato, sendo o serviço bem distribuido; mas não é possivel deixar de cuidar incessantemente em augmenta-la, sob pena de decairmos cada vez mais como nação Tambem a actual marinha de Hespanha está assim, em melhor estado, desde estes ultimos dez annos; e a Hespanha não cessa de a melhorar e augmentar. Mas não sei se tem peneirado bem na convicção do povo portuguez a importancia deste assumpto.

Todos Os estados maritimos de segunda ordem, menos a Grecia, tem a sua marinha maior que a de Portugal; ainda neste seculo teve 14 náos. Napoles só em navios de vapôr tem 14, dos quaes 6 são fragatas da força de 300 cavallos cada uma. E dirá alguem que Napoles precise mais de força naval que Portugal? Tenho por indispensavel, que o governo se habilite nesta sessão ainda para mandar construir uma fragata de vapôr. Esles vapores servem de transportes, e armam-se em guerra quando é preciso.

Se as côrtes votassem maiores sommas para o armamento naval, do que aquellas que estão no orçamento, dentro em pouco tinhamos armadas 1 não, 1 fragata, 5 corvetas, 5 brigues, 8 a 10 vasos de menor lotação, e 7 vapores, que sommam uma fôrça motriz

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effectiva de 1:100 cavallos porque nesse numero de vasos uns já estão em estado de saírem, o outros promptificam-se com aquelles fabricos proprios dos navios, que ainda tem vida, e que os classificam no estado de poderem navegar.

Cada navio tem um numero de annos de vida, que se calcula, que se determina mathematicamente, suppondo, já se intende, que tem tido sempre o que se chama conservação. Depois destes fabricos uteis, remoçam. A curveta íris acabara de remoçar, e já vem em caminho revêr Lisboa. Foi fabricada pelos nossos bons operarios indianos, com as nossas boas madeiras indianas, e debaixo das vistas de uma auctoridade intelligente, activa e energica; póde considerara como um navio novo. Mão me é possivel deixar de contribuir neste ponto para o elogio daquella auctoridade, e até mesmo juntar á voz da verdade a dos meus agradecimentos; porque apenas o governador geral da India recebeu ordem do ministerio para apromptar a curveta, de modo que podesse de novo accommetter os mares da China, desenvolveu tal actividade, que aquelle navio em pouco tempo se converteu em unia curveta nova. Foi sim com bastante sacrificio do cofre de Gôa, e por isso tambem agradeço aqui aos seus representantes.

Houve depois melhores rasões para se preferir a ida a Macáo da curveta D. João, que em breve estará tambem como uma nova curveta. Estou certo que ella deixará o Tejo para ir directamente á minha patria talvez d'aqui a um mez, porque ás ordens do sr. ministro da marinha sei que tem correspondido a maior actividade e zelo das respectivas auctoridades do arsenal. E peço licença a s. ex.ª para emittir aqui a minha opinião sobre todo o partido que se póde tirar desta proxima partida de uma curveta portugueza para Macáo.

A curveta irá sem duvida ao norte da China, onde está já o pavilhão portuguez, ainda que sobre um navio de muito menor porte. Poderá ir a Siam, onde até agora só tremula como estrangeira a nossa bandeira. Deverá apparecer no Japão, cujas portas estarão em breve abertas de novo para Portugal, e pela primeira vez ás demais nações do mundo; porque em abril deve sair da altura de Macáo para as ilhas do Japão tuna grande esquadra americana. Se a curveta depois da sua commissão na China vier á Oceania, ahi achará tambem dominios portuguezes. Póde descer á Australia, não levada pela séde do oiro, mas para mostrar em Sydney e na Victoria as lusas quinas. Póde, passando ao Pacifico, vir pelo Mexico e pelo Chile, e dobrando o cabo, mais tormentoso ainda, de Horn, navegar para o rio da Prata e o Brazil. Quando regressar ao Tejo, lerá corrido todos os oceanos, e feito mais do que uma volta inteira do mundo.

Depois de uma tal viagem, tem os seus officiaes e marinheiros adquirido muito saber na arte e sciencia de navegar, e muitos conhecimentos sobre os mais variados objectos.

Estas viagens de rasoavel duração, e de muitas escalas são a verdadeira escola dos officiaes de mar.

Tambem penso que os navios da estação de Angola devem cruzar-se com os da estação do Brazil.

Em todo o caso intendo que os nossos navios, onde quer que estejam, devem achar-se no melhor estado de armamento, de fornecimento, de sobrecellentes, e toda a sua guarnição paga em dia. Quando não pudermos ter 6 navios fóra nestas circumstancias, tenhamos 4; quando não pudermos ter 4, tenhamos 2; mas sempre de modo que nos acreditem.

Direi, sr. presidente, duas palavras sobre a curveta de instrucção dos guardas marinhas e aspirantes. Eu estivo alguns annos no primeiro porto militar da França, Brest. E ahi que está a escola naval franceza. Tinha uma curveta de instrucção, mas esta curveta não navegava senão na Rada. Só em 1838, quando o curso da escola passou a ser de dois annos, ordenou o governo, que nas ferias do 1.º para o 2.º saissem os aspirantes em navios de guerra, que viesse ao Tejo ou ao Mediterraneo.

O primeiro ensaio, que entre nós se fez de viagens do instrucção nas ferias, foi no ministerio do sr. visconde de Sá. Sairam alguns aspirantes n'uma escuna, e muito pouco tempo se demoraram fóra. Foi no verão do anno passado, e a bordo de uma curveta, a segunda vez que essa viagem de instrucção se emprehendeu. Permitta-se-me dizer tambem alguma cousa sobre este ponto. Assim como acabo de dizer, que o navio que fôr á China pelo Cabo da Boa Esperança, locando, já se intende, em diversos portos, volte pelo Cabo de Horn, locando igualmente em algumas paragens do novo mundo, fazendo assim o serviço da estação, o ao mesmo tempo apparecendo em muita parte, assim tambem me parece, que a curveta de instrucção, em logar de ir sómente á Madeira e Açôres todos os annos, poderia ir a Gibraltar, Cadiz, Mediterraneo, e locar em alguns portos da Hespanha, França, Italia, no Mediterraneo. Deste modo conseguir-se-ia certamente mais variada instrucção, e mais gosto de viajar, e a bandeira portugueza seria vista em muita parte.

Tambem se póde considerar como escola de instrucção para os nossos maquinistas do arsenal da marinha a officina de construcção das caldeiras de maquinas de vapor. É mui digno de louvor o pensamento de maudar vir um caldeireiro inglez para construir em Lisboa caldeiras tubulares; porque é construcção que tem sua difficuldade. O par das caldeiras tubulares, que se concluiu ha pouco, é digno de vêr-se. Foram as primeiras deste systema fabricadas em Portugal; e o mestre inglez já deixou alguns discipulos. Sempre me tem parecido, que em objectos scientifico-practicos é preferivel formar discipulos em Portugal com bons mestres estrangeiros que se ajustem, do que, em geral, mandar aprender e estudar fóra.

A respeito da nossa escola naval, e do corpo dos marinheiros militares, reservo-me para alguma cousa dizer pela occasião da discussão dos orçamentos.

Sr. presidente, tempo houve em Portugal, que eram os navios de guerra, que davam marinheiros aos navios mercantes, que os preferiam por mais peritos e intrépidos; mas, em geral, são os navios mercantes os viveiros dos marinheiros do estado. Tem havido, nestes ultimos tempos, bem recentes (porque se começou a pensar um pouco mais nas cousas do ultramar) diversos pensamentos, para augmentar a nossa navegação mercante para as possessões de álem-mar.

O conselho ultramarino fez subir ao ministerio, haverá 3 mezes, uma proposta, da qual, na minha opinião, devem provir os melhores effeitos. O ministerio da marinha remetteu logo este projecto para o da fazenda; e eu já representei ao sr. ministro da fazenda sobre a sua grande urgencia.

Pondero ao sr. ministro da marinha, que é de ab-

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soluta necessidade que seja approvado nesta sessão; peço mesmo mui encarecidamente a s. ex.ª, o favor de recommendar ao seu collega, o sr. ministro da fazenda, a apresentação á camara deste projecto; porque os negocios do ultramar, póde-se dizer, que são todos mui urgentes. Este projecto, a que alludo, tem por fim conceder direitos protectores a quaesquer generos e mercadorias, nacionaes ou estrangeiras, que venham das nossas possessões, com tanto que alli tenham sido importadas por navios, e embarcações proprias daquellas, e reexportadas para o reino em cascos portuguezes, e que tenham tambem pago ahi algum direito. Já sé vê que póde provir desta providencia um grande augmento na navegação costeira, e do alto mar.

Concluo, Sr. presidente, dizendo que espero que o sr. ministro da marinha tome em consideração as observações que acabo de fazer.

O sr. Presidente: — Já são 3 horas e um quarto; em virtude do art. 10.º do acto addicional, a camara dos srs. deputados da nação portugueza vai constituisse em sessão secreta.

Sendo 4 horas e meia continuou a sessão publica.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje. Está levantada a sessão.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo

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