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2272 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A commissão central dizia em 1876:
«Que nos ha de porém succeder, Senhor, se uma outra raça não menos energica, e todavia, dotada de muitos mais recursos, penetrar nesse centro africano... e pozer mão nas riquezas d'essas regiões, permittindo-lhe o capital e a industria abrir caminho por esses rios e lagos, ou a favor de outros meios de locomoção que a sciencia moderna proporciona, e trazer por elles aos dois littoraes os productos e riqueza d'essa parte central d'aquelle vasto continente?
«É, pois, indispensavel avisar, e com tempo, para precaver quanto possivel o mal, e sem resistir ao impulso natural de um progresso aliás desejavel, e do qual a todos é licito aproveitar, tomarmos nós a parte que possa ainda pertencer-nos, acompanhando por todos os meios esse progresso, e convertendo-o em propria utilidade...
«O justo alvoroço produzido pela viajem do tenente Cameron vae leval-o de novo á Africa...
«A região do Zaire será por elle invadida pela costa occidental... e o perfeito conhecimento da extensa linha de aguas atravez do grande continente será de todo obtida, adquirindo-se para a sciencia da geographia, o resultado talvez o mais assignalado dos nossos tempos, e provavelmente para a civilisação da Africa e para o commercio do inundo a conquista mais importante que modernamente haja sido feita...
«Movida, pois, por todas estas considerações, a commissão não podia deixar de insistir em recommendar a organisação de uma expedição africana cujo fim principal continue a ser, como o das expedições anteriores, a ligação das duas costas, com respeito sobre tudo aos pontos por nós occupados, a mais perfeita apreciação do interior respectivo e mais especialmente dessa interessante região dos lagos que lhes serve de intermédio e que poderá ajudar a abrir o caminho que facilite o maior commercio interno e quantas mais relações aproveitem aos nossos interesses e á civilisação do mundo.»
E, parallelamente, referindo-se áquelle grande movimento que o problema africano, «em si e nas suas relações mais remotas, nas suas mais longiquas consequencias» estava suscitando «na Inglaterra, na Allemanha, na França, na Italia, em toda a parte», movimento não só de dedicações e de heroismos, mas «de ambições que podem triumphar, no ardor dos seus impulsos, e até pela excellencia dos seus resultados, das maiores, e porventura das mais legitimas objecções,» a sociedade acrescentava:
«Seria desrespeitar a alta intelligencia e patriotismo de Vossa Magestade querer expor-lhe aqui, como e porque o nosso paiz não póde, honradamente; não deve pelos mais graves e caros dos seus interesses sociaes, políticos e económicos, permanecer indifferente e alheio áquelle movimento tão sabiamente patrocinado por outros governos, senão dirigido e estimulado por elles, até; - como e porque, não ha para nós tempo a perder em entrar séria e energicamente, em acção; - como e porque, finalmente, se nos levanta em face, saliente a todos os olhos, incontestavel a todas as intelligencias, grave para todos os animos, um problema de vida ou de morte n'este movimento a um tempo scientifico, politico e economico...
«Que será do nosso dominio africano, da nossa soberania colonial, do nosso commercio de alem mar; que será do nosso nome, das nossas tradições, das nossas esperanças, dos nossos grandes interesses em Africa, se outro povo, se outros povos, arredando justamente desdenhosos a nossa inércia, emquanto não arredarem orgulhosos, o nosso direito, lograrem sem nós e contra nós, abrir o enorme e opulento continente que nós, ha seculos, descobrimos, trilhámos, conquistámos e evangelisámos em tantas direcções; que nós, de ha seculos, possuimos e occupámos em tamanha parte, á effectiva e inteira conquista da civilisação e do esforço ingente do commercio e da industria moderna?...
«E se do meio d'esses estrangeiros se alevanta uma propaganda acerrima contra a nossa soberania... que não esqueçâmos no nosso legitimo despeito, o que ha de fundamentado e do dolorosamente verdadeiro nessas censuras, nem tão pouco os fins que póde ter ou os resultados que póde attingir essa propaganda singularmente insistente, senão systematica, a que não menos singulares exclusões do nosso conselho e do nosso nome em assumpto que tão de perto nos interessa, devem dar uma importância maior do que aquella que até hoje nos tem merecido.»
E peticionava e aconselhava e requeria, em face «das condições geraes do paiz e no estado actual do problema africano, que se entrasse com uma acção immediata, effectiva e energica no movimento de estudo, de exploração e de tentativa de occupação do interior de Africa», promovendo-se e iniciando-se desde logo uma forte expedição scientifica, etc.
Stanley chegava então a Nyangue, e as aguas do Lualaba, correndo para o norte, mysteriosas e sarcasticas, offereciam ao intrepido aventureiro o enygma que Levingstone não podéra decifrar e Cameron acabava de deixar insoluto.
Se a expedição portugueza tem partido mais cedo, sob o impulso da sua primeira inspiração, quem sabe se o nosso Serpa Pinto, em vez de receber era Cabinda o illustre explorador, não teria logrado sair lhe ao encontro no alto Zaire, reunindo no nome portuguez a nova e a primeira descoberta, reconquistando, de um salto, para o paiz, o logar que lhe competia na vanguarda da exploração africana? (Apoiados.)
Desde que ao chegar a Loanda, encontravam desflorado o problema do Zaire, pareceu aos nossos briosos exploradores que estava prejudicado em parte o plano inicial, - já de certo modo inscientemente reduzido nas instrucções, - e resolveram então, com nobre denodo, lançar-se n'outro problema importantissimo que não sómente condizia com o pensamento primeiro, mas se continha expressamente n'elle.
Rompendo pela região do Cunene, subindo ás cabeceiras do Cubango, procurando o Zambeze e saíndo na contra costa, - resolução annunciada n'um officio de 22 de setembro de 1877, - affirmariam valentemente o nosso concurso no empenho geral, á face da justa e ruidosa prosapia alheia; - continuavam a nossa tradição da travessia, - e renovavam, armados de especiaes recursos, aquella idéa tão ousada, e tão portugueza, que vinha já dos séculos passados, da ligaçãotrans africana da nossa influencia e dominio. (Apoiados.)
Mas nem nas asperezas do seu trabalho e nos impetos generosos do seu patriotismo, os pouparam as estreitas preoccupações e ciumes do formalismo official, que tantas vezes nos embaraçam aqui, assoberbando e prevertendo as capacidades governativas mais intelligentes e melhor fadadas. (Apoiados.)
Para encurtar rasões, ou para encurtar tristezas, direi apenas que uma ordem, uma portaria, um papel qualquer foi enviado aos exploradores, «dando por novamente recommendado» o objectivo da exploração que as respectivas instrucções elaboradas, mezes antes, em Lisboa, haviam phantasiado.
Sem nada saber d'isto, Serpa Pinto salvou a situação.
Isolado, doente, empobrecido, escrevia do Bihé, em 28 de março de 1878, ao ministro do ultramar: «Volto a Portugal, mas volto por Quilimane.»
E pouco depois recebia eu, de Lialui, no Barotse, já no alto Zambeze, com as ultimas disposições do heroico moço, estas singelas palavras:
«Creio que vou morrer, mas fica certo de uma cousa, e é de que morro voltado para o oriente...»
O que é certo é que quando toda a Europa soube que Serpa Pinto chegara a Pretoria, o nome portuguez contou-se de novo, sincera e justamente applaudido; no grande movimento africanista. Entendeu-se então que reoccuparamos o logar que nunca deveramos deixar deserto, n'essa crescente, e universal campanha. (Apoiados.)