1993
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
dem do dia, em sessão secreta, era uma das proximas sessões.
Parece-mo que em pontos tão importantes a camara deve conhecer a urgencia que ha em os resolver.
Estou convencido de que estes assumptos são tão importantes que, apesar do voto de desconfiança que a camara deu ao governo, não deixará sem duvida do corresponder a este pedido do governo, cuja importancia ella não póde desconhecer. (Apoiados.)
O sr. Julio do Vilhena: — Mundo para a mesa o parecer da commissão diplomatica, approvando a prorogação do tratado do commercio com a França.
Mandou-se imprimir.
O sr. Sá Carneiro: — Eu não queria fazer uso da palavra na ausencia do sr. ministro da guerra, mas o objecto que tenho de tratar é delicado, o como não tenho a certeza do ámanhã ou n'outra sessão proxima poder usar da palavra, vou usar d'ella n'este momento, esperando que alguns dos srs. ministros presentes informo o seu collega da guerra d'aquillo que vou dizer.
Hontem n'esta casa trocaram-se entre o sr. ministro da guerra e a minha humilde pessoa phrases as mais amáveis.
Eu disse a s. ex.ª que não pedia a minha exoneração de director do collegio militar porque, não sendo a minha commissão de confiança politica, eu não queria dar cem isto motivo a censuras, como aconteceu quando, tendo caído o ministerio presidido pelo sr. Fontes e que foi substituido pelo sr. duque d'Avila, eu pedi a minha exoneração, o que me foi censurado, dizendo-se que a minha commissão não era de confiança politica.
Eu disse ao sr. ministro da guerra actual que não tivesse contemplação commigo, que não tivesse as delicadezas de camaradagem que é habitual entre soldados, e que se s. ex.ª entendesse que eu devia ser substituido, que ficasse bera certo que deixaria a commissão sem saudades. S. ex.ª respondeu-me com a maior amabilidade, pedindo-me que continuasse, o ate me disse que desejava que eu o auxiliasse nos trabalhos da organisaçao da referva.
Já se vê que a minha resposta foi na linguagem franca do soldado que sabe que o pequeno cabedal intellectual que tiver deve estar á disposição do seu paiz como está a sua vida!
Mas, talvez á mesma hora em que estas phrases amáveis se trocavam entre o sr. ministro e a minha individualidade, um capitão de artilheria, do quem tenho as melhores informações, o que vae ser chefe do gabinete do sr. ministro da guerra, ía á repartição do processo perguntar por uma ordem em que o sr. Fontes me tinha mandado abonar 3:000$000 réis de gratificação, quando eu estava para marchar para o estrangeiro!
Conhecendo a patranha soccorreu se de outro pedido, o da ordem da renda da casa! Novo desapontamento, porque a renda da casa devia sair das economias do collegio.
A respeito dos 3:000$000 réis, custa-me a acreditar que um ministro da corôa se deixasse levar por estes ditos, que são ditos de soalheiro. Ora o desapontamento igualou a convicção em que se estava da existencia de esbanjamentos injustificaveis.
E se os factos fossem verdadeiros, já se vê que o fim era apresentar ao paiz o ministro corrupto e esbanjador, e o general um grande corrupto o comilão.
Isto não podia deixar do me ferir.
E a primeira vez na minha vida que vou ser immodesto em publico, porque me custa que quizessem comprometter-me na opinião publica e no exercito, dizendo-se que eu recebia 3:000$000 réis que não me pertenciam por lei.
Sr. presidente, posso dizel-o afoutamente, não ha militar nenhum n'este paiz, hoje, que tenha tantas campanhas e tantos ferimentos como eu tenho. (Apoiados.) Nenhum tem mais serviços do que eu á liberdade, e se o ha, que se apresente quem os tiver. (Apoiados.)
Pois eu não me havia de molestar ao saber que se andavam explorando estas miserias para desconceituar-me! Pois desconceituem-me se podem, Repito, é um facto que me magoa, e que repellirei sempre com indignação. (Apoiados.)
(Quanto á renda de casas, sim, senhores, tenho uma quantia para renda de casas, o quem deu essa ordem foi o sr. Sousa. Pinto, porque o numero dos alumnos entrados no collegio militar foi tal, que eu tive de deixar a casa que ali tinha para se accommodarem. (Apoiados.).
Se os curiosos quizerem ir a minha casa eu lhes mostrarei no deve e no lia de haver o saldo negativo que me. ficou da viagem.
E tanto isto é assim, que, quando regressei a Portugal, disse ao sr. Fontes que não contasse mais commigo para ir ao estrangeiro, porque eu preferia fazer figura do pobre na minha terra do que em terra estrangeira.
Repetirei ainda, que eu não era capaz do receber uma quantia que não me pertencesse; (Apoiados.) portanto, não gastem tempo n'estas miseraveis pesquisas, em que nada aproveitam!
Podem mandar fazer uma syndicancia ao collegio militar, podem lembrar-se de mil meios diversos para conhecer a verdade dos factos, que estes, conhecidos, me collocarão em posição mais alta.
Quer saber a camara a minha biographia? Eu sou um soldado que só fui uma vez praso, no reinado do anjo Miguel, e fui intimado, mas só intimado, para responder a conselho por ter fugido do hospital em que me achava ferido, para ir para o fogo.
O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): — O sr. ministro da guerra não está presente, o eu pela muita consideração e deferencia que tenho para com o illustre general o sr. Sá Carneiro, que acaba do fallar, não posso deixar de dizer algumas palavras para socegar o seu espirito e assegurar que não póde s. ex.ª ver no acto que se diz praticado pelo meu collega o sr: ministro da guerra nenhum proposito do magoar e menos de desconsiderar a s. ex.ª
Não sei o que ha a este respeito; não sei se se deu alguma ordem no sentido em que o illustre deputado indicou, ainda que só por um abuso de confiança praticado no ministerio da guerra, o sr. deputado podia por informado do facto a que se referiu.
Realmente é lastimavel que não possa um ministro no seu respectivo ministerio pedir uma informação, sem que esse pedido seja logo divulgado, publicado e levado ao conhecimento das pessoas a quem diz respeito.
Mas pondo de lado esta minha apreciação sobre o facto a que s. ex.ª se referiu e que me surprehendeu muito, porque não tinha a menor informação d’elle, devo dizer ao illustre deputado que é possivel que o sr. ministro da guerra mandasse pedir informações para satisfazer a alguma requisição feita na camara dos dignos pares a respeito de gratificações dada" pelos diversos ministerios.
Para satisfazer a essa requisição, pela qual na camara dos dignos pares tem instado um dos seus membros, póde muito bem ser que o sr. ministro da guerra se visse obrigado a pedir esses esclarecimentos.
Se o fez, s. ex.ª não póde contestar o direito de o fazer, porque se não póde contestar a nenhum ministro o direito de pedir informações sobre objectos de serviço publico. (Apoiados.) Agora o que s. ex.ª não póde é ver n'esse facto um proposito de o maguar.
Estou convencido de que se o sr. ministro da guerra procedeu do modo por que referiu á camara o sr. general Sá Carneiro, certamente o fez com a intenção de satisfazer a alguma exigencia de serviço publico, e sem o minimo proposito de melindrar ou de maguar a s. ex.ª, e tanto que s. ex.ª mesmo declarou ter recebido da parte do sr. ministro da guerra as maiores provas do deferencia.
Quanto aos serviços o qualidades que exornam a pessoa do sr. Sá Carneiro, creio que n'esta camara não ha ninguem que não faça a devida justiça, e que não preste o de-
Sessão de 10 do junho de 1879