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SESSÃO NOCTURNA DE 9 DE JUNHO DE 1888
Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barros Coelho e Campos (vice-presidente)
Secretarios os exmos srs.
Francisco José Machado
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral
SUMMARIO
Dá-se conta de um officio do ministerio da marinha, participando, em satisfação a um requerimento do sr. Fuschini, que por aquelle ministerio não foi concedido subsidio algum pecuniario á companhia das aguas; outro do ministerio do reino, remettendo, em satisfação a um requerimento do sr. Consiglieri Pedroso, as copias da correspondencia trocada entre a estação de saude de Bolem e o governo, a proposito da concessão do cabo telegraphico do Tejo á companhia «English portuguese telephone company». - O sr. Carrilho apresentou o parecer da commissão de fazenda sobre a proposta do governo, auctorisando a cobrança dos impostos e a applicação d'elles ás despezas do estado.
Na ordem da noite continua a discussão do orçamento rectificado. Usa da palavra o sr. Francisco Machado, que apresenta uma moção de ordem. - No fim da sessão, cabendo a palavra ao sr. Franco Castello Branco, emprega-a, fazendo algumas considerações sobre o processo por que se está fazendo o trabalho da revisão das matrizes e censurando a transferencia de empregados, de modo que ha escrivães de fazenda babeis que estão hoje peior collocados do que estão outros que ainda ha dois annos eram simples escripturarios de fazenda.
Abertura da sessão - Ás nove horas da noite.
Presentes á chamada 60 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Moraes Sarmento, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Goes Pinto, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Almeida e Brito, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Lucena e Faro, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, João Arroyo, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Alves de Moura, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, Eça de Azevedo, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, Alpoim, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Santos Reis, Abreu e Sousa, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marianno de Carvalho, Marianno Presado, Martinho Tenreiro, Matheus de Azevedo, Pedro Monteiro, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho e Visconde de Silves.
Entraram durante a sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Antonio Villaça, Tavares Crespo, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Francisco Beirão, Guilherme de Abreu, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Barbosa de Magalhães, Lopo Vaz, Manuel d'Assumpção, Miguel Dantas, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor e Estrella Braga.
Não compareceram á sessão os srs.: - Alfredo Pereira, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Candido, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Barão de Combarjua, Bernardo Machado, Conde de Fonte Bella, Eduardo Abreu, Elvino de Brito, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Mattoso Santos, Freitas Branco, Firmino Lopes, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Cardoso Valente, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Correia Leal, Alves Matheus, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Amorim Novaes, José Castello Branco, Pereira de Matos, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Laranjo, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Ferreira Freire, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José Maria dos Santos, Simões Dias, Pinto Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Miguel da Silveira, Vicente Monteiro, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
Do ministerio do reino, em satisfarão ao requerimento do sr. deputado Zophimo Consiglieri Pedroso, remettendo as copias da correspondencia trocada entre a estacão de saude de Belem e o governo, a proposito da concessão do cabo telegraphico do Tejo á companhia «English portuguese telephone company».
Para a secretaria.
Da direcção geral de contabilidade publica, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Augusto Maria Fuschini, declarando que por via da repartição de contabilidade de marinha não fôra abonado subsidio algum pecuniario á companhia das aguas de Lisboa.
Para a secretaria.
ORDEM DA NOITE
Continuação da discussão do orçamento rectificado
O sr. Francisco José Machado: - Sr. presidente, obedecendo ás prescripções do regimento, começo lendo a minha moção de ordem:
«A camara considerando que o governo e principalmente o sr. ministro da guerra têem procurado por todos os meios ao seu alcance melhorar as condições do exercito e aperfeiçoar successivamente a organisação de 1884 em conformidade com os recursos do thesouro, passa á ordem do dia.»
Sr. presidente, cabe-me a honra de responder ao extensissimo discurso do meu illustre amigo e collega o sr. Dantas Baracho, e cabe me a honra de responder quando a discussão do orçamento rectificado vae de tal modo adiantada como não ha memoria que tal tenha succedido.
Será difficil, senão impossivel, responder a todos os pontos em que s. exa. tocou, porque tenho tambem de me referir a muitos dos assumptos do discurso do nosso illustre collega e meu particular amigo o sr. Avellar Machado, que não obstante ter-se inscripto a favor, ha muitos pontos do seu discurso que requerem uma resposta demorada e desenvolvida.
Mas, sr. presidente, quando a discussão do orçamento rectificado está tão adiantada, seria para mim de uma gra-
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vissima responsabilidade protelar mais ainda essa discussão e impedir que ella termine.
Não quero assumir perante o paiz a responsabilidade de prolongar uma questão que tem tido um desenvolvimento tal, como não ha memoria nos annaes parlamentares.
Sr. presidente, eu tenho aqui defronte do mim cinco folhas de papel cheias do apontamentos, que tomei dos discursos dos meus distinctos amigos os srs. Avellar Machado e Dantas Baracho.
E note v. exa. e note a camara, que apenas apontei o que mais carecia de resposta, porque se tomasse nota de todas as passagens dos discursos de s. exas. eu teria defronte de mim um grosso volume d'esses apontamentos.
Se os dois illustres deputados a que me refiro levaram cinco ou seis sessões a atacar o governo, principalmente o sr. Dantas Baracho, póde v. exa. calcular que, tendo a defeza de ser mais desenvolvida, não seriam necessarias menos de doze a quinze sessões para rebater todos os pontos a que se referiram os illustres deputados. Para dar o desenvolvimento necessario ás minhas respostas, seria indispensavel um tempo excessivo que eu não quero tomar á camara, que tem negocios de uma altissima importancia a tratar para bem do paiz.
Sr. presidente, são tão vastos os assumptos dos dois discursos a que mo tenho referido, que a sua materia está compendiada em tão grande numero de volumes, que constituiria uma verdadeira bibliotheca.
Não houve assumpto da vasta sciencia militar em que s. exas. não tocassem.
Não houve ponto por mais secundario ou insignificante que fosse, a que s. exas. se não referissem.
Vê v. exa., sr. presidente, e vê a camara, por estas simples e breves palavras, qual a difficuldade em que me encontro para responder aos extensissimos discursos dos meus illustres amigos e distinctos collegas, e por isso tenho de resumir tanto quanto possivel as minhas considerações, satisfazendo a um dever que mo é imposto pela minha consciencia, pelo logar que occupo n'esta casa, e pela honra que tenho de ser um humilde membro do exercito portuguez.
Sr. presidente, para me justificar perante v. exa., perante a camara e perante o paiz, de não dar uma resposta cabal e completa aos dois discursos que começaram ha uns poucos de dias e tiveram o seu termo ha poucas horas, - no fim da sessão diurna, - vou provar que a discussão do orçamento rectificado tem tido um desenvolvimento acima de tudo quanto se podia esperar e como não ha memoria na historia do nosso parlamento. (Apoiados.)
Este anno fica-nos exemplo para tudo e os que se nos seguirem de nada terão que se admirar.
É bom? é mau? o paiz nos avaliará a todos e fará a devida justiça. (Apoiados.)
Sr. presidente, estou admirado do grande desenvolvimento que tem tido a discussão de um assumpto d'esta natureza, e creia v. exa. que estou ao mesmo tempo contristado de ver o tempo que estamos perdendo e que podia ser melhor aproveitado.
A sessão vae para seis mezes, ha assumptos importantissimos que requerem a nossa attenção e maduro estudo, e eu lamento que estejamos a protelar este debate, em deterimento dos interesses do paiz. (Apoiados.}
Sr. presidente, novo n'esta casa, pouco habituado ás luctas e debates parlamentares, fui estudar os annaes d'esta casa e pasmei de ver que o orçamento rectificado tenha tido tão larga discussão.
Assim encontrei, que o orçamento rectificado foi discutido nos annos de
1830, em 2 sessões
1881, não se discutiu.
1882, em l »
1883, em l »
1884, em 2 sessões
1885, em 12 »
1886, em 4 »
1887, em 3 »
Em 1888 já temos consumido, com esta, 17 sessões!!
Por consequencia vejo que desde 1880 a 1887, excluindo o anno de 1885, em todos os annos sommados se gastaram menos sessões a discutir o orçamento rectificado do que se tem gasto este anno.
Eu mostro isto em face dos annaes parlamentares.
Temos já gasto esto anno 17 sessões a discutir o orçamento rectificado, e não sabemos quando terminará, porque estão ainda inscriptos os oradores mais intelligentes, mais brilhantes e de maior pujança da opposição, e quando até aqui cada um tem fallado tres e quatro sessões, é de suppor que este estado de cousas continue e que cada um dos oradores que se vae seguir não queira ficar atraz do que o antecedeu.
Estão inscriptos ainda para fallar contra; os srs. Franco Castello Branco, João Arroyo, Moraes Carvalho e Alfredo Brandão.
É natural que outros tantos oradores se inscrevam a favor e por muito pouco que fallem, é impossivel calcular o numero de sessões que ainda se hão de gastar para fechar mos este debate e votarmos este orçamento.
N'estas condições, eu não quero assumir perante o meu paiz a responsabilidade do que se está passando, e é esta a rasão por que não dou uma resposta desenvolvida, completa e cabal como merece o assumpto de que se occuparam os srs. Avellar Machado e Dantas Baracho.
Os assumptos militares merecem ter uma larga e desenvolvida discussão n'esta casa; mas, na altura em que vão a sessão é impossivel satisfazer os nossos desejos.
Disse o sr. Baracho que, se tomava tanto tempo á camara, discutindo as diversas materias que dizem respeito ao exercito, em porque ainda este anno não se tinha tratado de questões militares, e era esta a occasião propria para o fazer.
Se os illustres deputados não têem discutido assumptos militares, a culpa não é nossa, é de s. exa., que não aproveitaram o tempo e occasião para os discutir, pois creiam que haviam receber da nossa parte inteira e cabal resposta.
Sr. presidente, entro n'este debate pelas rabões já expendidas, e para que a illustre opposição não diga que d'este lado da camara não ha quem responda aos seus argumentos.
Não desejo dar largas ao meu discurso, hei de ser laconico e tão conciso quanto me seja possivel; mas hei de cumprir o meu dever.
Emquanto lograr a honra de ter assento n'esta casa, nunca faltarei ás obrigações a que me impuz, acceitando o mandato de deputado.
Sempre que entender que devo pedir a palavra, hei de fazel-o, respondendo aos meus illustres adversarios como souber e podér.
O sr. Baracho disse muitas vezes durante o seu longo o substancioso discurso, que, só tomava tanto tempo á camara, era porque ainda este anno não se tinham n'esta casa tratado de assumptos militares.
Assim, disse o illustre deputado, estando inscriptos muitos oradores da opposição para discutirem a resposta ao discurso da corôa, foi esta discussão abafada antes de poderem fallar as oradores militares.
Esta declaração, tantas vezes formulada, tão categorica e energicamente annunciada, surprehendeu-me, e, como novato n'esta casa, fui procurar aos annaes parlamentares se havia ou não motivo que justificasse os lamentos e queixas de s. exa. por se ter abafado a discussão da resposta ao discurso da corôa.
Encontrei, sr. presidente, que este anno não foi menor o numero de sessões em que se discutiu tão importante
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documento. Portanto, se os illustres deputados não discutiram os assumptos militares, foi porque não quizeram, e não por falta de tempo.
Se tivessem verdadeiro empenho em discutir os negocios que dizem respeito á pasta de guerra, podiam ter-se inscripto em altura conveniente, ou pedido aos seus collegas que não fossem tão prolixos.
Não fizeram nada d'isso, e depois vêem para aqui dizer que não lhes deram tempo de discutir os importantissimos problemas militares, quando n'este anno a resposta ao discurso da corôa teve um largo e desenvolvido debate muito superior aos outros annos.
Assim em:
1880, discutiu-se em l sessão
1881, em 8 »
1882, em 4 »
1883, em 3 »
1884, em 3 »
1835, em 12 »
1886, em 4 »
1887, em 9 »
1888, em 9 »
Portanto, se as questões militares não foram discutidas, a opposição e só a opposição foi a culpada.
(Interrupção que não se percebeu.)
Podem os illustres deputados crer que não omitto nada, e não desejo faltar á verdade, porque quero tirar as legitimas conclusões dos factos e dos meus raciocinios.
Mostrei eu, que de 1880 para cá só houve um anno, o de 1885, em que a resposta ao discurso da corôa teve mais amplo desenvolvimento, e d'ahi concluo que, se nos outros annos foram discutidos os assumptos respeitantes á pasta da guerra e este anno não, foi porque os illustres deputados assim quizeram e não por falta de tempo.
Creio ter amplamente demonstrado que nada justifica esta desenvolvida discussão, que já excede todos os limites, e não tem precedentes nos fastos parlamentares.
Apresento estes argumentos, porque desejo justificar-me perante v. exa., perante a camara e perante o paiz de não dar uma resposta desenvolvida aos pontos iniciados pelos meus illustres collegas os srs. Avellar Machado e Dantas Baracho.
Sr. presidente, eu tomei apontamentos em cinco folhas de papel e vejo-me embaraçadissimo sem saber por qual dos pontos hei de começar a responder aos meus illustres collegas, porque os assumptos que s. exas. trataram foram muitos, variados e importantes.
Mas, vamos fazer um esforço e comecemos por um ponto qualquer.
Podemos começar do principio para o fim ou do fim para o principio.
Sr. presidente, declaro a v. exa. e á camara, que o final do discurso do meu amigo o sr. Dantas Baracho me molestou profundamente e me causou uma dolorosa impressão.
Vou dizer porque.
O sr. Baracho foi de uma crueldade pungente, de uma injustiça flagrante, para a memoria do seu antigo chefe sr. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, e foi talvez sem o querer, porque eu estou certo que s. exa. respeita a memoria do sr. Fontes, não só como seu chefe prestigioso mas como um dos homens que mais querido foi do seu partido.
E eu declaro a v. exa., que respeito a memoria do sr Fontes, porque este illustre estadista deixou de pertence só ao seu partido, para pertencer ao paiz e á historia.
Por isso digo, magoou-me profundamente o ver a crueldade com que s. exa. tratou a memoria d'este illustre estadista, que devia merecer-lhe outra consideração.
Quem me diria, sr. presidente, que havia de ser eu, que n'esta casa teria de levantar a minha voz humilde para efender a memoria de Fontes Pereira de Mello tão atacada pelos seus amigos?
Quem me diria, sr. presidente, que eu teria ainda de levantar a minha voz para combater os argumentos com que s amigos do sr. Fontes tentam denegrir-lhe a memoria e destruir-lhe a sua ultima obra - a reforma do exercito?
O illustre deputado o sr. Baracho, enumerando á camara os diversos ministros que têem gerido a pasta da guerra, mostrou que desde 1871 para cá essa pasta tem estado nas mãos de cavalheiros pertencentes ás armas especiaes, e que á preponderancia das armas especiaes no ministerio da guerra se devia a desgraça do exercito.
Disse s. exa., com sua voz mais emphatica, «a sciencia produz d'estes resultados!»
O sr. Baracho: - Eu disse que as acquisições do material se deviam ao sr. Fontes.
O Orador: - Eu demonstrarei a v. exa. que o illustre ministro da guerra o sr. visconde de S. Januario mais alguma cousa tem feito em favor do exercito.
Tenho pena de não poder dispor do tempo que seria necessario para tratar largamente d'esta questão, porque havia rebater como podesse e soubesse os argumentos dos illustres deputados que me precederam.
Todos sabem, que no largo periodo de quinze annos, de 1871 a 1886, foi o sr. Fontes que quasi exclusivamente geriu a pasta da guerra.
Portanto, se o exercito está no estado lastimavel que os illustres deputados apontaram, deve-se exclusivamente ao sr. Fontes.
Não foi certamente em dois annos, que tanto é o tempo que o sr. visconde de S. Januario gere esta pasta, que o exercito se estragou.
Espero demonstrar plenamente que o illustre ministro da guerra tem, como poucos, correspondido á sua missão.
Sr. presidente, eu respeitei sempre o talento, o caracter e a dignidade do sr. Fontes, divergindo comtudo dos seus procesos politicos, atacando-os muitas vezes na imprensa com a energia e o vigor de que podia dispor, mas respeitando sempre o homem e o cavalheiro, e hoje que elle pertence á historia, nunca deixarei do lhe prestar a minha homenagem de consideração, e por isso me senti profundamente maguado ao ver que os illustres deputados nem ao menos respeitam a memoria do chefe, que lhes devia ser tão querida.
Creio que, se o exercito está mau, e não é agora occasião de discutir este thema, não foi o sr. visconde de S. Januario que o estragou.
Quem geriu a pasta da guerra de 1871 a 1886 foi o sr. Fontes, á excepção de pequenos periodos em que s. exa. foi substituido pelos srs. Sousa Pinto, João Chrysostomo de Abreu e Sousa e José Joaquim de Castro; mas estes, póde dizer-se, nem aqueceram o logar.
Ainda assim, todos sabem que o sr. Abreu é Sousa deixou um rasto muito luminoso na sua curta passagem por aquella pasta. (Apoiados.)
Se o exercito está longe de satisfazer ao seu fim, se não corresponde ao que d'elle se espera, não é certamente o sr. visconde de S. Januario que tem a culpa, e eu demonstrarei que o illustre ministro tem empregado todos os meios ao seu alcance para instruir, disciplinar e administrar o exercito o melhor que é possivel.
Não é em dois annos que se póde levantar esta instituição do abatimento em que a deixaram.
Não é tambem em dois annos que se podia dar cabo do exercito se elle estivesse bom, a não ser que houvesse proposito firme e caso pensado, e eu creio que tanto não dizem nem pensam os illustres deputados.
Sr. presidente, nenhum dos oradores e jornalistas do partido progressista vibrou golpes mais crueis á reforma de 1884 do que o têem feito os oradores e jornalistas do
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partido regenerador, mas só depois da morte do sr. Fontes.
Eu hei do demonstrar que ha uma cruzada que pretende destruir a cupula do edificio politico do sr. Fontes - a reforma de 1884 - e que essa cruzada parte dos que foram seus amigos politicos.
Sr. presidente, o partido progressista está vingado, porque os oradores que em 1885 discutiram o bill de indemnidade não condemnaram tanto a reforma como o têem feito depois os que n'essa occasião tão ardentemente a defendiam.
A reforma não foi boa, como nós todos progressistas mostrámos. (Apoiados.)
Uma voz: - Mas o sr. ministro da guerra fez parte da commissão que organisou o exercito?
O Orador: - Eu direi a v. exa. qual é a responsabilidade que o sr. ministro da guerra tem n'esse ponto.
O sr. Avellar Machado: - Mas o sr. ministro da guerra defendeu a organização na camara dos pares?
O Orador: - Fez o illustre ministro muito bem em defendel-a, e eu já vou provar como s. exa., defendendo uma cousa má a que tinha ligado o seu nome, cumpriu o seu dever, sem comtudo deixar de reconhecer que a reforma não satisfazia completamente.
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Diga sempre que censurei as bases.
O Orador: - Exactamente.
O sr. ministro da guerra o que defendeu, foi o seu trabalho e o da commissão, e eu tambem defendo.
A commissão foi encarregada de organisar o exercito doutro de umas certas e determinadas bases, das quaes não podia afastar-se.
Não podia fazer melhor com os elementos que lhe deram e foi o que se fez que o illustre ministro defendeu, censurando comtudo as bases dentro das quaes apertaram a commissão.
Mas, quer isso dizer que as bases dentro das quaes se obrigou a commissão a fazer o seu trabalho foram boas? Já se tem dito que não, e foram as bases que principalmente mereceram as mais vehementes censuras.
Porém, como não desejo afastar-me da ordem de considerações que ía fazendo, voltarei outra vez ao ponto de que me occupuva e que tinha por fim provar a v. exa., sr. presidente, e á camara, que a reforma de 1884 tem levado os golpes mais crueis dos oradores e jornalistas amigos do sr. Fontes, e até se têem escripto livros pretendendo destruir por todos os modos e formas essa organisação. (Apoiados.)
Nenhum de nós, repito, nem como oradores n'esta casa, nem como jornalistas, temos vibrado golpes tão crueis á reforma, de 1884 como s. exas. (Apoiados.)
Vou proval-o.
Toda a gente sabe, principalmente quem é militar, que a organização do exercito de 1884 se baseou no alargamento dos quadros, de modo que n'um momento dado podesse conter maior numero de unidades e as diversas unidades podessem conter maior numero de soldados.
Foi esta principalmente a base da organisação.
Foi isto pelo menos o que disse e escreveu a commissão especial do bill em 1885.
Eu li todos os discursos que de um lado e outro se proferiram n'esta casa a respeito do bill, e encontro no relatorio o seguinte: «Podemos porém mencionar como facto de alta valia: - o alargamento e fixação dos quadros, de modo a permittir em qualquer eventualidade uma facil mobilisação de um forte, contingente, de tropas, a regularisação das promoções nos quadros de todas as armas por uma fórma equitativa (Quanto foi illusoria esta medida!) e a distribuição da força publica era mais numerosas fracções, o que, alem de concorrer para femiliarisar as populações, com o serviço militar deverá facilitar no futuro a adopção de uma lei de recrutamento regional».
Ora, toda a gente sabe, que a base do exercito é a infanteria; é em relação a esta arma que se fixam os quadros das outras armas, attendendo aos principios scientificos que se acham estabelecidos.
A creação de mais seis corpos de infanteria foi o que serviu de base para a organisação de 1884, augmentando tambem o numero de unidades das outras armas; é verdade que não de um modo proporcional. Pois é exactamante o augmento d'estes seis corpos de infanteria que se tenta destruir, e portanto toda a organisação.
O sr. Avellar Machado sustentou estes principios já perconisados nos jornaes politicos e militares.
(Interrupção do sr. Avellar Machado.)
Se não foi claramente o que s. exa. disse leva as mesmas voltas.
S. exa. disse, que não podia continuar o estado em que está o exercito sem soldados, e que, ou se devia reduzir o numero de unidades, ou augmentar o numero de soldados.
O que é pois reduzir o numero de unidades?
E nem mais nem menos que destruir a organisação de 1884, que se fundou exactamente no augmento d'esse numero de unidades. (Apoiados.)
Pois a organisação de 1884 em que se fundou?
(Interrupção do sr. Avellar Machado.)
Eu vou demonstrar a v. exa. que sem este numero de unidades não é possivel introduzir o numero de homens que está fixado para pé de guerra, que é para isso que temos exercito. V. exa. sabe que a organisação de 1884 fixou o effectivo de pé de guerra em 120:000 homens; d'estes 120:000 homens hão de pertencer 90:000 a infanteria, e como nós temos 36 regimentos d'esta arma, dá-nos 2:777 praças proximamente por cada regimento.
Se dividirmos estas 2:777 praças pelas 12 companhias, que tantas são as que constituem os 3 batalhões que cada regimento ha de ter em pé de guerra, dá-nos 231 por companhia, o que é alem de todo o limite fixado nos exercitos mais bem organisados.
V. exa. sabe muito bem que o maximo do effectivo das companhias é de 200 homens, e não póde ser maior pelas rasões que todos nós militares sabemos.
Percorrendo os livros de organisação militar, achei que na Allemanha, Russia e Belgica as companhias têem 200 homens.
Na Austria, cada companhia tem 180, fóra os graduados.
Na Italia, cada companhia tem 160, fóra os graduados.
Na Inglaterra, cada companhia tem 90, fóra os graduados.
Já vê v. exa. que entre nós as companhias ficam com um numero de homens superior ao que existe em todos os exercitos bem organisados. Se fossemos reduzir as unidades como querem os illustres deputados, ainda maior ficaria esse numero, o que é impossivel, alem de destruir pela base a organisação do sr. Fontes, que, diga-se a verdade, nunca mereceu as minhas sympathias, e antes pelo contrario lhe dirigi vigorosos ataques.
Hoje tenho de me conformar com o que está feito, e tratar de melhorar; não póde ser outro o caminho.
Mas, não são só os illustres deputados que dão golpes crueis na organisação do sr. Fontes; são tambem os escriptores do seu partido.
Li ha poucos dias um livro escripto por um distincto official de artilheria que tem grandes sympathias pelo partido regenerador e que tambem é de opinião que se supprimam os seis regimentos. Vê-se que é uma cruzada que fazem todos os cavalheiros regeneradores para destruir a obra do sr. Fontes.
Este livro pertence á biblioteca do Povo e das escolas, de David Corazzi, e diz respeito e Artilharia.
Na pagina 61 diz:
«E fazendo-se isto (a suppressão dos seis corpos), que se ha de fazer fatalmente mais tarde ou mais cedo, o effectivo dos demais corpos seria menos reduzido, porquanto
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já a distribuição dos recrutas que a nação póde annualmente chamar ao serviço, segundo as forças do seu orçamento, seria feita apenas por trinta regimentos em vez de o ser por trinta e seis, isto é, cada regimento poderia teimais um quinto da força que actualmente tem, o que é importante para as questões de instrucção e serviço.»
Mas ha mais e melhor.
Eu hei de provar que o partido progressista está vingado; porém o que não esperava é que fosse tão cedo.
Gazeta de Portugal, redigida por cavalheiros regeneradores e dos mais ferrenhos, tem publicado uns artigos referentes a artilheria em que diz no segundo d'elles o seguinte:
«Não chega, portanto, a haver dois terços da artilheria de campanha que devia haver no exercito portuguez, pois faltam dezoito baterias; - adiante provaremos que faltam mais, - para se guardarem os principios tacticos em que assenta a constituição de qualquer exercito. Se, porém, falta um terço da artilheria de campanha para se regular a constituição do exercito, em compensação sobeja um terço da actual infanteria, para tambem ser regular a sua constituição em referencia á divisão provavel do exercito em tres corpos de exercito.»
Como te vê ha uma harmonia completa e uma verdadeira uniformidade de pensar. (Apoiados.)
Mas quem tem a culpa de tudo isto? Quem organisou o exercito d'este modo e que tão grandes censuras merece aos illustres deputados e escriptores do partido regenerador?
Todos sabem que foi o sr. Fontes. (Apoiados.)
Ha mais e melhor.
No mesmo artigo ainda se lê:
«Ou conservando tres regimentos de caçadores para o serviço das ilhas adjacentes, ha de mais do que necessario parece, segundo a regular constituição dos exercitos, nove regimentos de caçadores!»
Este illustre escriptor, pelo que se vê, quer a suppressão de nove regimentos.
Os seus confrades não são tão exigentes, porque se contentam com seis.
Mas quem diria que a reforma do sr. Fontes havia de levar botes tão crueis?
Desejo explicar bem o meu pensamento, porque não quero falsear as minhas opiniões, nem esconder aquillo que penso. (Apoiados.)
O sr. Fontes entendeu que a base da sua organisação era augmentar os effectivos. Conservemos o que este illustre estadista apresentou, mas tratemos de melhorar, porque é necessario e muito.
Agora não temos outro remedio senão auguentarmo-nos com o que está.
Uma voz: - Mas por que se não ha de reformar?
O Orador: - Eu vou dizer a v. exa. porque não se póde reformar, e vou fazel-o com as proprias palavras do sr. Fontes.
Dizia o sr. Fontes que era muito grave estar a fazer reformas do exercito muito a miudo, que quando se fazia uma reforma era necessario esperar o tempo sufficiente para ver o seu resultado.
Que nenhuma nação tem reformado o seu exercito de um dia para o outro; e quando se faz uma reforma leva muito tempo a ver o resultado que produz.
Eu argumento com as proprias palavras do sr. Fontes, que devem ter valor para os illustres deputados.
É verdade que eu já provei que são os amigos do sr. Fontes que têem vibrado os golpes mais crueis á reforma.
Querem s. exas. ver mais umas linhas do livrinho que ha pouco citei?
Propondo uma organisação diz: «organisadas assim as tres armas combatentes e dando-se uma organisação tambem apropriada aos varios serviços accessorios, poder-se-ía dizer que o exercito portuguez tinha uma determinada organisação - emtanto que agora só se póde convictamente affirmar que a organisação actual do nosso exercito tem apenas o defeito capital de ser uma organisação que não organisou o exercito, e antes o desorganisou, porque concorreu poderosamente para difficultar toda e qualquer futura e inevitavel modificação.
Que tal acham?
Creio ter provado que são os amigos do sr. Fontes que mais têem censurado a sua reforma de 1884.
A nossa opinião está bem sabida, porque antes e depois da reforma dissemos por todas as formas o mesmo que dizem agora os que então a achavam uma maravilha.
Entendo que a reforma de 1884 tem defeitos, porque deixou o exercito no mesmo estado, não remediando nenhum dos males e antes os aggravou.
Ficou com a mesma falta de instrucção technica; a mesma lei do recrutamento, que produz as bellezas que os illustres deputados apontam; o mesmo systema de promoções; a mesmas insufficiencia da administração militar; os mesmos conselhos administrativos nos corpos, etc. (Apoiados.)
O sr. ministro da guerra e o governo têem já remediado muitos d'estes inconvenientes (Apoiados) e eu espero que os outros se hão de ir remediando successiva e gradualmente.
Tratemos de remediar os defeitos da organisação de 1884, tratemos do aperfeiçoar a reforma, porque não é possivel voltar atrás, e deixemo-nos de pensar em supprimir os seis ou nove corpos ou infanteria como v. exas. querem.
Entendo que, desde o momento que devemos ter em pé pé de guerra 120:000 homens, não é possivel reduzir os corpos de infanteria.
E não se imagine exagerado este numero de homens, porque na guerra peninsular tivemos em armas 110:000 homens, e todos babem que a população do paiz tem augmentado, assim como os recursos financeiros.
Em 1860, na receitas do estado foram de 4.500:000$000 réis, emquanto que para este anno estão orçadas em réis 38.273:000$000 proximamente.
Foi este tambem o numero de 120:000 homens de que o sr. Fontes partiu para fazer a sua organisação.
Este illustre estadista, respondendo em 1885 ao sr. José Luciano disse:
«Estabeleci que o exercito seria de 120:000 homens, porque é pouco mais ou menos a proporção, que quando eu estudei nas escolas, me diziam, e tenho depois na pratica visto que se confirma que podem sustentar as nações em relação ao computo da sua população.»
O sr. Fontes ainda dava outras rasões para justificar este numero de homens que o nosso exercito deve conter em pé de guerra.
O sr. Bocage, no seu livro sobre organisação do exercito, fixa a força em 138:000 homens para pé de guerra.
Creio ter demonstrado que não devem reduzir-se as unidades, porque se tal se fizesse, seria impossivel conter o numero de homens com que se conta.
O sr. ministro da guerra tem procurado por todos os modos melhorar e aperfeiçoar a organisação de 1884, mas tem procedido em harmonia com os recursos financeiros.
O sr. Dantas Baracho censurou o illustre ministro da guerra, porque, segundo a sua opinião, nada tem feito; censurou a commissão de guerra igualmente, porque pouco tem trabalhado; e eu devo dizer a s. exa. que o sr. ministro da guerra tem feito muito e a commissão de guerra tem cumprido o seu dever.
Não sei já o que havemos de fazer para agradar á opposição.
Se as commissões apresentam muitos pareceres, os illustres deputados censuram-as, porque abarrotam a camara
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1924 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
do projectos que trazem augmento do despeza; se a commissão de guerra apresenta unicamente os projectos constitucionaes e os que são necessarios para governar, gritam aqui de El-Rei que apresenta poucos projectos.
Mas ha ainda uma outra circumstancia importante.
Os illustres deputados da opposição todos os dias atacam o governo porque augmenta as despezas; talvez n'um ou outro ponto eu esteja de accordo com s. exas., mas o que não comprehendo é como censuram a commissão de guerra por não dar parecer sobre projectos que trazem augmento de despeza.
Que coherencia é esta?
Como havemos nós proceder de maneira que lhes agrade? Nem s. exas. são capazes de atinar. (Apoiados.)
Portanto, repito, a commissão de guerra tem cumprido o seu dever de modo a não merecer censuras.
Tem dado parecer sobre todos os projectos constitucionaes; ha de dar parecer sobre outros projectos que sejam necessarios para melhorar e aperfeiçoar o exercito e ha de difficultar tanto quanto possivel os projectos que tragam augmento de despeza.
Creio que, procedendo d'este modo, satisfará inteiramente as aspirações dos illustres deputados da opposição, se por acaso s. exas. dizem o que pensam, como supponho.
Creiam os illustres deputados que a commissão de guerra deseja proceder de modo que s. exas. fiquem contentes.
Descansem s. exas., que no resto do tempo que nos falta para se encerrar a sessão hão de vir a esta camara mais alguns projectos e oxalá que s. exas. não se insurjam contra elles.
Quasi que acredito, que s. exas. hão de fazer opposição energica a muitos dos projectos que a commissão ha de apresentar.
Queira Deus me engane.
Sr. presidente, creio ter demonstrado que a commissão de guerra tem cumprido o seu dever.
Agora vou tambem demonstrar que o sr. ministro da guerra durante o tempo que tem gerido aquella pasta tem feito muito; seria mesmo difficil, senão impossivel fazer mais. (Apoiados.)
Desejava evitar leituras que são sempre fastidiosas, mas é tão importante a lista do que tem feito o illustre ministro da guerra, que desejo tornar bem conhecido do exercito e do paiz os serviços que s. exa. tem prestado.
Sabe v. exa. e sabe a camara que, quando um exercito chega ao estado de abatimento a que deixaram chegar o nosso, não se póde fazer melhorar de um dia para o outro; não é por artes magicas que se ergue um exercito que só deixou abater tanto, e não é de repente que se póde eleval-o ao nivel dos exercitos das nações mais adiantadas.
Tenho pezar não poder dispor de tempo, porque desejava dar a este debate todo o desenvolvimento necessario, para que a illustre opposição não diga mais uma vez, que d'este lado da camara se deixam de pé todos os seus argumentos.
Creiam s. exas., que hão de ter sempre resposta cabal e completa, e que tanto eu como os meus amigos politicos havemos de cumprir o nosso dever. (Apoiados.)
Sr. presidente, declaro a v. exa. que eu mesmo fiquei surprehendido quando tive conhecimento dos importantes trabalhos que o sr. ministro da guerra tem feito em proveito do paiz e do exercito, e por isso julgo necessario que fiquem registados nos annaes parlamentares.
Eu sabia de uma ou outra cousa, mas do que não sabia era do conjuncto de medidas que s. exa. tinha promulgado; e por isso desejo dizer ao paiz que s. exa. tem trabalhado constantemente, tem nomeado commissões compostas de Cavalheiros muito competentes, para estudar e confeccionar os regulamentos, a fim de se executarem muitos dos servires determinados na organisação de 1884; tem cumprido emfim o seu dever, não tendo havido ministro algum que durante tão curto tempo tenha feito mais.
Permitta-me v. exa. que passe a enumerar á camara a serie de medidas que o illustre ministro da guerra tem feito adoptar.
O illustre ministro publicou o seguinte:
Auctorisação ao commando geral de artilheria, para fabricar um carro modelo para transporte de cartuchos de infanteria nas columnas de munições, em março de 1888.
Ordem para se fazerem experiencias de carregamento na viatura de bagagens da companhia de caminhos de ferro do regimento de engenheria, a fim de se fixar o modelo d'essas viaturas e a composição do trem regimental das diversas unidades em fevereiro de 1888.
Mandou redigir um manual para o ensino nas casernas dos corpos de infanteria. Está a imprimir.
Fez acquisição de ferramentas para os sepadores de infanteria, em Italia, em 1887.
Deu auctorisação para fazer experiencias com arreios de cavallaria e porte da carabina em bandoleira, em 1887-1888.
Deu ordem para estudar um novo modelo de viatura de ambulancia regimental e modificação das antigas em 1887.
Mandou proceder ás experiencias com estas ultimas em fevereiro de 1888.
Ordenou o estabelecimento de cantinas para officiaes, em janeiro de 1888.
Determinou a fixação do municiamento em cartuchos por praça de infanteria, em 1887.
Fixação da composição das columnas de munição, em março de 1888.
Compra de material de caminhos de ferro Decanville, para o polygono de Tancos em 1887.
Compra de uma ponte de equipagens do caminho de ferro, systema Eiffel, em 1887.
Estabelecimento, em novembro de 1887, de um deposito provisorio de remonta.
Construcção de carreiras regimentaes em Braga e Viana, em 1887.
Exercicios de brigada de cavallaria em Villa Viçosa, do brigada no Porto e de divisão em Lisboa, no outono de 1887.
Adopção das argolas do bivaque, em janeiro de 1888.
O sr. ministro comprou em Italia o parque de pé de paz da companhia de caminhos de ferro, em 1886.
Comprou o parque telegraphico de campanha, sendo uma secção em Inglaterra e outra na Suecia, em 1887.
Ordenou a:
Compra, por arrematação, de uma divisão de equipagem de pontes, em 1887.
Compra, em Hespanha, de uma secção do parque de montanha de sapadores mineiros, em 1887.
Compra de um balão captivo, em 1887.
Compra de um apparelho de luz electrica e respectiva viatura, em 1888.
Foi este um dos grandes serviços que s. exa. fez ao exercito e ao paiz, e que não me cansarei de o enumerar.
Eu não sei se estou fatigando a camara; mas, continuando a ler e a enumerar os importantes serviços feitos pelo sr. ministro da guerra, só desejo que elles fiquem registados, para que todos saibamos que s. exa. tem trabalhado muito para melhorar a reforma de 1884.
Vozes: - Leia, leia.
O Orador: - O illustre ministro nomeou uma commissão superior de guerra (Decreto de 7 de março de 1888. Ordem n.º 8.)
Publicou as:
Instrucções relativas á espingardas de 8mm (K) m/1883. (Portaria de 4 de junho de 1887.)
Instrucções sobre os serviços de segurança em campanha, para regular provisoriamente o ensino dos corpos de cavallaria, 1887.
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SESSÃO NOCTURNA DE 9 DE JUNHO DE 1888 1925
Escola de brigada de cavallaria, 1887.
Riscindiu o contrato para a fabricação das espingardas systema Guedes, e ordenou a compra da arma de repetição de 8mm (K) m/ 1886, e machinas para a fabricação de cartuchos.
Foi este um dos grandes serviços prestados pelo illustre ministro. Quando s. exa. tomou conta da pasta da guerra, estava contratada a fabricação da arma Guedes com a fabrica Steyr. S. exa. mandou dois distinctos officiaes de artilheria os srs. Mathias Nunes e Agostinho Cardoso, assistir á fabricação, os quaes informaram o sr. ministro que a arma não satisfazia. Immediatamente foi rescindido o contrato, fazendo-se outro para o fornecimento da arma Kropatschek, que já está distribuida a muitos regimentos do nosso exercito.
Nomeou uma commissão para formular um projecto de regulamento de remonta. (Portaria do 20 de janeiro de 1888. Ordem n.° 2.)
Publicou o:
Regulamento para a execução da lei do recrutamento. (Decreto de 29 de dezembro de 1887. Ordem n.° 3, de 1888.)
Regulamento da escola regimental de engenheria. (Decreto de 8 de fevereiro de 1888. Ordem n.° 4.)
Instrucções para o ensino theorico-pratico das tropas de engenheria. (Portaria de 9 de fevereiro de 1888. Ordem n.º 4.)
Instrucções para o serviço theorico pratico nos corpos de cavallaria. (Portaria de 22 de fevereiro de 1888. Ordem n.° 6.)
Instrucções para a concessão de licenças registadas em cumprimento do disposto no artigo 11.° da carta do lei de 12 de setembro de 1887. (Portaria de 18 de novembro de 1887. Ordem n.° 26.)
Modificações na organisação da guarda fiscal. (Decreto de 24 de dezembro de 1887. Ordem n.° l, de 1888.)
Instrucções para regular a transferencia das praças de pret que vão servir no ultramar. (Decreto de 31 de dezembro do 1887. Ordem n.° 2, de 1888.)
Instrucções para ensino theorico-pratico nos corpos de artilheria. (Portaria de 20 de janeiro de 1888. Ordem n.° 2.)
Ordenou a fixação da bagagem dos officiaes em manobras e em campanha. (Portaria de 20 de janeiro do 1888. Ordem n.° 2.)
Tornou extensivas aos sargentos guarda-portas do cominando geral de artilheria as vantagens concedidas aos officiaes inferiores, por carta de lei de 23 de junho de 1880, (Carta de lei de 23 de agosto de 1887. Ordem n.° 19.)
Modificou as attribuições dos commandantes geraes de engenheria e o artilheria. (Carta de lei de 24 de agosto de 1887. Ordem n.° 19.)
Concedeu pensão de sangue ás familias dos officiaes do exercito, fallecidos no cordão sanitario (Carta de lei de 24 do agosto de 1887. Ordem n.° 19.)
Organisou o quadro das praças de guerra. (Carta de lei de 27 de agosto de 1887. Ordem n.° 20.)
Abriu um concurso para a traducção e adaptação de algumas obras militares estrangeiras. (Officio do 7 de setembro de 1887. Ordem n.° 20.)
Lei do recrutamento. (Carta de lei de 12 de setembro do 1887. Ordem n.° 23.
Novas tarifas de soldos e reformas. (Carta de lei de 22 de agosto de 1887. Ordem n.° 19.)
Augmentou os quadros de infanteria e cavallaria para o serviço da guarda fiscal. (Carta de lei de 22 de agosto de 1887. Ordem n.° 19.)
Organisou a escola pratica de infanteria e cavallaria. (Carta de lei de 22 de agosto de 1887. Ordem n.° 19).
Regulamento da mesma escola. (Decreto de 9 de novembro de 1887, Ordem n.° 26.)
Publicou a carta de lei, determinando que possam sei importados, livres de direitos, os artigos de material de guerra. (Carta de lei de 22 de agosto de 1887. Ordem n.º 19.)
Publicando o regulamento para o recenseamento e requisição de animaes e vehiculos. (Decreto de 27 de abril de 1887. Ordem n.º 12.)
Estatutos da sociedade portugueza da Cruz Vermelha. (Decreto de 4 de maio de 1887. Ordem n.° 13.)
Regulamento para a instrucção especial das praças da companhia de telegraphistas do regimento de engenheria. (Decreto de 8 de junho de 1887. Ordem n.° 15.)
Carta de lei, auctorisando o governo a organisar os quadros do pessoal, que vence feria, em serviço no deposito geral de material de guerra e estabelecimentos fabris do commando geral de artilheria. (Carta de lei de 4 de agosto de 1887. Ordem n.° 18.)
Decreto, usando d'esta auctorisação, publicado em 22 de dezembro de 1887. Ordem n.° 29).
Regulamento para a escola pratica de artilheria. (Portaria de 15 de janeiro de 1887. Ordem n.° 5.)
Modificação nas comedorias dos officiaes em viagem para as ilhas adjacentes. (Decreto de 23 de fevereiro de 1887. Ordem n.° 7.)
Instrucções provisorias para o serviço da segunda companhia de administração militar. (Decreto de 7 de março de 1887. Ordem n.° 7.)
Instrucções relativas ao armamento dos corpos de infanteria e cavallaria de 8mm (K)m 1885. (Decreto de 8 de março de 1887. Ordem n.° 7.)
Regulamento para a organisação das reservas do exercito activo. (Decreto de 9 de março de 1887. Ordem n.° 8.)
O illustre ministro creou 36 batalhões de reserva, que se acham hoje devidamente commandados e têem o pessoal necessario para a escripturação, podendo haver a instrucção quando se determine e hajam os meios necessarios.
Portaria facilitando aos officiaes a acquisição dos artigos de armamento, correame e equipamento. (Portaria de 20 de dezembro de 1886. Ordem n.° 34.)
Portaria regulando a subvenção para o rancho. (Ordem n.° 34 de 1886.)
Esta medida deu uma grande economia para o thesouro e tornou harmonico um serviço que se achava anachronico.
Auctorisou a creação do centro militar do exercito e armada. (Decreto de 30 de dezembro de 1886. Ordem n.° l de 1887.)
É talvez esta a medida do sr. ministro da guerra que menos sympathias me merece pelas rasões que não desejo expor n'este momento.
Nomeação de uma commissão para propor a reorganisação da escola do exercito. (Portaria de 31 de dezembro de 1886. Ordem n.° 2 de 1887.)
Como v. exa. sabe, a commissão já apresentou os seus trabalhos, e o projecto está submettido á commissão de guerra, que não deixará de fazer um estudo demorado e consciencioso, visto a gravidade d'este assumpto. Não é elle negocio para ser resolvido de animo leve.
Publicou o regulamento do professorado do real collegio militar. (Decreto de 31 de janeiro de 1887. Ordem n.° 3 de 1887.)
Regulamento do serviço de aspirantes a officiaes. (Decreto de 24 de novembro do 1886. Ordem n.° 29.)
Experiencia da distribuição, quanto possivel, regional dos recrutas. (Circular de 19 de novembro de 1886. Ordem n.° 30.)
Instrucções para o ensino theorico-pratico nos corpos de infanteria. (Portaria de 10 do dezembro de 1886. Ordem n.° 21.)
Nomeou uma commissão com o fim de propor as reformas hygienicas de que necessita o hospital militar permanente de Lisboa. (Portaria de 16 dezembro de, 1887, Ordem n.° 33.)
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Esta commissão já apresentou os seus trabalhos e estão em construcção dois annexos ao hospital. Este serviço é muito importante porque os doentes avolumavam-se no hospital e era portanto necessario fazel-os remover para aquelle estabecimento se tornar mais salubre. Esto melhoramento era reclamado desde longa data.
Publicou o regulamento para a concessão da medalha militar. (Decreto de 21 de dezembro de 1886. Ordem n.° 34.)
Regulamento para a remonta dos officiaes montados de infanteria. (Decreto de 28 de julho de 1886. Ordem n.° 17.)
Reorganisação da companhia de torpedeiros. (Decreto de 29 de julho de 1886. Ordem n.° 17.)
Introduziu modificações no plano de uniformes, decretado em l de outubro de 1885. (Decreto de 27 de outubro de 1886. Ordem n.° 24.)
Publicou o:
Regulamento geral para a escola e serviço de torpedos. (Portaria de 30 de outubro de 1886. Ordem n.° 25.)
Regulamento litterario do real collegio militar. (Decreto de 3 de novembro de 1886. Ordem n.° 27.)
Regulamento de serviço para os destacamentos da companhia de caminhos de ferro do regimento de engenheria. (Decreto de 18 de novembro de 1886. Ordem n.° 29.)
Nomeou outra commissão encarregada de escolher um projecto para a melhor organisação da padaria militar. (Portaria de 30 de junho de 1886. Ordem n.° 14.) - Já entregou o relatorio dos seus trabalhos.
Este relatorio é de tal maneira importante, que foi publicado no Diario do governo com as propostas do sr. ministro da fazenda relativas aos cereaes, e forneceu valiosissimos subsidios para a elaboração d'estas propostas. N'uma d'ellas propõe a creação da manutenção militar, segundo os principios n'esse relatorio estabelecidos.
Regulamento da escola pratica de engenheria. (Decreto de 3 de maio de 1886. Ordem do exercito n.° 5 de 1886.)
Instrucções provisorias para a execução do artigo 232.º do decreto com força de lei de 30 de outubro de 1884. (Ordem n.° 5 de 1886.)
Prohibição das pretensões serem enviadas, a não ser pelas vias competentes. (Portaria publicada na ordem n.° 6 de 1886.)
Quasi todos os ministros da guerra têem recommendado esta disposição, mas em pouco tempo ella é letra morta, emquanto que o sr. visconde de S. Januario até agora a tem mantido, pelo que eu sinceramente o felicito.
Regulamento dos serviços dos commandos das divisões militares territoriaes. (Decreto de 9 de junho de 1886. Ordem n.º 12.)
Regulamento para o serviço das inspecções geraes de infanteria e cavallaria. (Decreto de 9 de junho de 1886. Ordem n.° 12.)
Nomeou uma commissão encarregada de rever o codigo de justiça militar e regulamento disciplinar. (Portaria de 30 de junho de 1886. Ordem n.° 15.) - Esta commissão ainda não apresentou os seus trabalhos.
Mandou publicar um manual para os sapadores de infanteria. - A impressão está quasi concluida.
Deu ordem á inspecção de infanteria para propor um novo modelo de equipamento em 1887.
A commissão encarregada de formular um projecto de reforma de administração militar apresentou os seus trabalhos em abril de 1888.
Apresentou um projecto de lei para levantar um emprestimo para construcção de quarteis, este projecto apresentado na sessão legislativa de 1887.
Foi distribuido ao nosso collega o sr. Lucena e Faro para o relatar, o consta-me que s. exa. tem já o relatorio concluido, devendo breve ser assignado pelos membros da commissão o presente á camara.
Projecto de lei para a compra de artilheria para as fortificações de Lisboa apresentado na sessão legislativa de 1887.
Projecto de lei para a reorganisação do serviço de saude, apresentado na sessão legislativa de 1888.
Basta de maçar a camara; mas desde que se disse que o illustre ministro da guerra nada tem feito, não podia deixar de mostrar que, quem tal affirmou desconhecia os trabalhos que acabo de enumerar.
Sobre cada um d'estes pontos desejava fazer largas considerações, mas vejo-me apertado pela estreiteza do tempo, que me não permitte desenvolver os meus raciocinios.
Assim, por exemplo, não me conformo com a maneira como a commissão encarregada de formular um plano de uniformes se desempenhou do seu encargo.
Parece que aquella illustre commissão, a cujos bons desejos eu presto homenagem, a unica cousa que a preoccupou foi em escolher artigos, quanto mais caros melhor, para sobrecarregar os officiaes.
Parece que foi a unica mira que visou.
Andou pacientemente procurando os artigos de mais alto preço, sem se importar se tinham sufficiente duração, se davam a necessaria commodidade e a conveniente elegancia; e os uniformes foram depois architectados, subordinando-se a estas bases.
Mais nada os recommenda senão o serem caros.
Nem a elegancia, nem a duração, nem a commodidade, nem a simplicidade lhe mereceram estudo e reflexão.
A commissão collocada entre dois artigos optou sempre e invariavelmente pelo mais caro.
Se s. exas. não favoreceram o exercito, em compensação as industrias e as artes foram amplamente attendidas.
Já mostrei á camara, de outra vez que aqui me referi a estes assumptos, que o uniforme completo de um capitão de infanteria custa entre 150$000 e 100$000 réis. N'essa occasião enumerei o preço de cada artigo e provei que o seu custo importa n'esta verba.
Porém, o que n'essa occasião não estabeleci foi a differença de preço dos artigos, que a commissão poz de parte, e os novos.
Assim, um bonet que custava 1$200 réis passou a custar 3$200 réis; a barretina, que custava 4$500 a 4$800 réis foi substituida pelo capacete, que custa 9$500 réis o minimo.
E note a camara que me refiro aos uniformes do infanteria, que são os mais baratos.
O meu capacete custou-me 18$500 réis!
Ora, passar de um artigo que custava uma libra para outro quatro vezes mais caro, devemos confessar que é ter muito amor á industria o ao commercio.
Mas continuemos: as charlateiras, que custavam réis 3$000, foram substituidas pelos macarrões, que custam 6$000 reis, e com a duração de metade do tempo.
Alem d'isso, as charlateiras eram mais elegantes e livravam o hombro do golpe.
Foram os officiaes obrigados a deitar fóra as espadas, que duravam a sua vida, para comprarem uns espadins de custo de 9$000 réis, com a marca de Toledo gravada na Allemanha, e, portanto, falsificados, como já tive occasião de mostrar á camara.
O panno adoptado para a infanteria é detestavel, não tem duração, e seis mezes depois muda de côr.
Antes da alteração dos uniformes, o official podia ter apenas o casaco, porque o raglan era facultativo, emquanto que hoje tem casaco e dolman obrigado, custando este mais caro e destinado a todo o serviço.
O dolman, com a quantidade de fitas e cordões com que é ornamentado, custa, pelo menos, 25$000 réis.
Por menos preço faz um paizano um fato completo, com o qual póde ter mais cuidado e póde poupal-o melhor.
Sendo os vencimentos dos officiaes relativamente exiguos, não podem, de certo, com uma despeza tão exagerada, por isso mandam fazer os uniformes de modo que possam pagar a prestações, sendo, portanto, mal servidos.
Ficam os uniformes mais caros, os artigos são de pes-
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sima qualidade, e o official que uma vez cáe nas mãos do alfaiate, nunca mais se livra.
Para evitar este estado de cousas, eu já tive a honra de apresentar n'esta casa um projecto de lei, para estabelecer casões com o fim dos officiaes se vestirem.
Esta medida que propuz não dá augmento de despeza, e os officiaes podiam vestir com 50 por cento de abatimento, o que é importante para os seus recursos.
Se este projecto fosse convertido em lei, os officiaes lucrariam bastante, sem que o thesouro soffresse o mais leve desfalque.
Uma organisação de exercito não produz logo os seus resultados. É necessario esperar algum tempo para se fortificarem as medidas adoptadas, é necessario ir sempre cautelosa e prudentemente melhorando os diversos serviços accessorios, e acompanhando os progressos que vão fazendo as nações mais adiantadas.
A guerra é hoje uma sciencia que vae constantemente progredindo.
Novos inventos se descobrem para substituir os antigos, que são postos de parte como obsoletos; novos serviços se melhoram e aperfeiçoam pacientemente.
Todos sabem que, se a Alemanha teme o seu exercito no estado de perfeição a que chegou, é porque tem emprega do toda a sua actividade, todos os seus cuidados e desvelos em melhorar esta instituição que é a primeira d'aquelle paiz, e a que deve toda a sua gloria, grandeza e prosperidade.
Desde a paz de Tilsit, que se seguiu á derrota de Jena, que a Prussia emprega, todos os seus cuidados na reconstituição do seu exercito. É preciso mais dizer, que todas as classes cooperam e contribuem ali para o desenvolvimento o aperfeiçoamento do exercito, facto este que entre nós infelizmente não acontece.
O lemma de Moltke de que o primeiro dever de uma nação é cuidar do seu exercito, de modo que elle possa com segurança defender-se dos seus inimigos internos e externos, é ali convenientemente comprehendido e executado.
O exercito é o verdadeiro paladium da nação. É ao abrigo das suas bandeiras que os povos vivem e se engrandecem, que o commercio e industria prosperam e as artes se desenvolvem.
Portanto é necessario que toda a nação contribua para o desenvolvimento do exercito, a fim de chegar á altura de bem defender a patria (Apoiados.)
Em quasi todos os paizes do mundo ha uma lucta constante para interessar as classes sociaes no progresso e desenvolvimento do exercito, não comprehendendo que é a instituição que lhe devia merecer mais desvelos, e com a qual a nação devia estar perfeitamente identificada.
Os paizes que assim não pensam cedo ou tarde pagam os seus erros.
Na Inglaterra, lord Wellington, por muitas e variadas vezes chamou a attenção do parlamento para o estado de desarmamento em que se achavam as costas e os arsenaes d'aquelle paiz, o que era devido a não se terem votado depois de 1815 os fundos necessarios para as obras militares, não progredindo as que se achavam em construcção e deteriorando se as que havia.
Este illustre general encontrou uma resistencia tenaz á realisação dos seus desejos patrioticos.
Porem, quando o principe Luiz Napoleão foi elevado a presidenta da republica franceza, houve em Inglaterra um verdadeiro panico, com receio de uma invasão franceza.
Então os voluntarios correram a alistar-se nos regimentos, o parlamento votou logo £ 12.000:000 ou réis 54.000:000$000, para fortificar os arsenaes e os portos, e a tudo se deu impulso com uma notavel actividade.
Todos lamentavam não ter dado ouvidos aos conselhos patrioticos de Wellington.
Por consequencia lá como cá, só se lembram de Santa Barbara quando ha receio de trovões.
Quero com isto mostrar que não é original o que se dá entre nós.
Não sejamos pessimistas; o nosso exercito não está bom, mas póde ir-se melhorando successiva e gradualmente, se ara isso concorrerem todos os esforços e e paiz se convencer que, do bom exercito depende a sua independencia.
Mas o que é mau, é quasi toda a gente, que não é militar, cooperar para difficultar o desenvolvimento e o progresso d'esta instituição que é a salvaguarda das instituições e a garantia da independencia da patria. (Apoiados.)
Diz-se, por exemplo, que nós estamos livres de ter uma guerra, e que por isso não necessitâmos ter uma organisação militar como têem as nações poderosas e ricas.
Este principio é completamente falso, e a historia diz-nos se devemos estar confiantes n'estas theorias.
Porém, dado de barato, que têem rasão os que assim pensam, no que todos estamos de accordo, creio eu, é em conservar as nossas instituições, e manter a nossa autonomia e neutralidade.
Para isso, é necessario um exercito forte, aguerrido, e disciplinado, porque do contrario não podemos garantir nenhuma d'estas cousas.
O illustre deputado e meu amigo o sr. Avellar Machado disse, e disse muito bem, que quando ha lucta entre as grandes potencias, sempre estão em jogo as nações pequenas.
Assim a Belgica, quando se deu a guerra de 1866 entre a Prussia e a Austria, esteve em risco de ser absorvida pela França.
Foi com este plano que a Prussia comprou a neutralidade da Franca.
Se a Belgica não tivesse um exercito, pequeno é verdade, mas aguerrido e disciplinado, e um bom plano de fortificações e sufficiente systema militar, talvez tivesse perdido a sua autonomia.
Em 1870 as duas nações que se gladiaram, a França e Allemanha, pensaram cada uma pelo seu lado, na hypothese de terem de atravessar o territorio suisso com o seu exercito, e ambas, o notificaram áquella nação.
A Suissa, porém, declarou que se recusava a consentir que o seu territorio fosse atravessado pelas forças de qualquer dos dois paizes belligerantes.
Immediatamente poz o exercito em pé de guerra e conservou a sua autonomia e neuturalidade, e todos sabemos que esta nação pequena se fez respeitar.
Por conseguinte se as nações pequenas não devem pensar em ter exercito para fazerem a guerra offensiva, precisam comtudo ter exercitos aguerridos e disciplinados para manterem a sua autonomia e neutralidade.
Todos sabem e o sr. Avellar Machado o disse, que sempre que ha uma lucta entre duas nações poderosas, a nossa autonomia está muito arriscada, a nossa independencia está priclitante, porque estamos em risco de ser absorvidos pela Hespanha.
A annexação de Portugal á Hespanha é a instante aspiração d'aquelle povo.
Para a união iberica não ha em Hespanha divergencias, todos estão de accordo, todos ligados pelo mesmo pensar.
Este plano tem entrado nos calculos do governo hespanhol em mais de uma conjunctura.
Sempre que for necessario conquistar a adhesão da Hespanha ou mesmo a sua neutralidade, Portugal é logo offerecido para amaciar resistencias.
Tudo só conseguirá da Hespanha comtanto que lhe consintam apoderar-se do nosso paiz.
Comprehende-se bem que não podemos adormecer, nem viver a respeito da nossa independencia n'uma tranquillidade absoluta, porque quando menos pensarmos póde estar arriscada.
Eu vou provar a v. exa., á camara e ao paiz, que ha menos tempo do que muita gente imagina estivemos em risco de ser absorvidos pela Hespanha.
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1928 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Todos se lembram do conflicto que esteve imminente entre a Hespanha e Allemanha, por causa da questão das ilhas Carolinas, e todos sabem que foi a attitude inergica e digna do povo hespanhol que evitou que a Allemanha ficasse de posso d'aquellas ilhas.
N'aquelle momento de effervescencia não faltou quem dissesse que a Allemanha tinha procedido d'aquelle modo em virtude de combinações com Affonso XII e com o governo Hespanhol.
N'essa occasião eu estava fazendo serviço na praça de Peniche, tinha abandonado a imprensa, mas uma ou outra vez, para não perder o costume, escrevia algum artigo para um ou outro jornal que me dava a honra de pedir a minha fraca collaboração.
Muitos emigrados hespanhoes, dos que tinham feito a revolta de Badajoz, estavam deportados n'aquella praça.
Aquelles emigrados recebiam jornaes do seu paiz.
Um d'elles mostrou-me um jornal hespanhol, que trazia um periodo notavel, periodo que transcrevi no Jornal de Torres Vedras e que vou ler á camara para mostrar o risco em que esteve Portugal.
Escreveu este jornal o seguinte, e peço á camara que attenda no que vou ler para ver, que ha pouco tempo es tivemos em risco de ser absorvidos pela Hespanha. O Progresso jornal do paiz vizinho, foi processado e suspensa a sua publicação por desvendar o mysterio em que andava envolta esta tyrannia.
Segundo o mesmo jornal, a Allemanha foi apoderar se das Carolinas com o consentimento tacito da Hespanha, sob conditione de que esta nação se apoderaria de Portugal, fornecendo a Allemanha se fosse necessario 20:000 homens para se realisar esta empreza.
Feita a unificação de Portugal com a Hespanha, Affonso XII seria proclamado imperador da Iberia e as possessões portuguesas da Asia passariam para o poder da Allemanha.
Macau e Timor seriam o premio d'esta torpeza!!
D. Luiz I passava a governar a Roumelia e Roumania, etc., para o indemnisar da perda de Portugal.
O que é facto, é que o emigrado que me deu o jornal, não obstante estar desesperado com o seu governo, mostrava a mais viva satisfação, e contentamento suppondo que ía já realisar-se o que o periodico annunciava.
Ainda mais, depois d'este artigo, a efervescencia em Hespanha declinou.
Mas, verdade ou não verdade, todos nós, creio eu, presentimos que n'uma occasião de conflicto europeu a nossa independencia é posta em jogo.
V. exas. sabem que todos os partidos em Hespanha cubicam a posse de Portugal. N'este ponto não ha divergencias, o até quando se falla n'isto terminam as que possam haver, e todos se põem de accordo.
Ainda hoje os jornaes da noite publicam em telegramma o extracto das palavras proferidas esta tarde na sessão do congresso hespanhol pelo ministro dos negocios estrangeiros o sr. Moret, na parte referente ao tratado do commercio com Portugal. O sr. Moret declarou que as relações commerciaes com Portugal íam ser collocadas no terreno das represalias.
Por tudo isto se vê que devemos ter o exercito preparado para qualquer eventualidade, porque se estivermos desprevenidos, não é n'um momento que o podemos collocar em circumstancias de resistir.
Portanto, devemos cooperar todos para melhorar o exercito, porque elle é a salvaguarda das instituições e o penhor seguro da independencia da patria.
As nações pequenas, que têem o seu exercito bem preparado, podam resistir por bastante tempo e fazer deter um exercito invasor de muito maiores proporções.
Assim podem dar tempo de ser soccorridas pelas suas respectivas alliadas, que certamente nada farão se succumbirem logo ás primeiras investidas.
Se o nosso exercito estiver bem organisado, se tiver a força que deve ter, podemos resistir muito tempo e durante elle Deus sabe o que poderá sobrevir.
O exercito deve ser a nação armada; deve todo o paiz convencer-se que elle é a salvaguarda da nossa independencia.
Mas, infelizmente, uma grande parte dos que não são militares, cooperam para que o exercito não seja o que deve ser, e não chegue ao nivel a que deve chegar.
Emquanto as diversas classes sociaes não se convencerem de que o exercito é indispensavel á nação, e não cooperarem todas para lhe dar força e prestigio, elle não poderá satisfazer ao seu fim. No momento dado, será sacrificado ingloriamente e com elle a patria, que durante tanto tempo o desprezou.
eferiram-se os illustres deputados, a quem tenho a honra de responder, á lei do recrutamento e aos poucos soldados que tem o nosso exercito.
Isto não é novo.
Os varios oradores que em 1885 combateram n'esta e na outra casa do parlamento o bill de indemnidade, disseram exactamente o mesmo que agora dizem os illustres deputados, e previram, o que não era difficil, o que agora está acontecendo.
Quer a camara ver o que em 1885 disse o nosso mallogrado amigo o sr. Thomás Bastos?
«Não nos illudamos, as remissões, com mercancia ou sem ella, são, na phrase do sr. Fontes, em 1873, a negação da ordem, a negação da organisação do exercito, o a negação da existencia do proprio exercito.»
Dizia mais o orador:
«Commentou, depois, s. exa. esta opinião, e eu vou fazer tambem meu o seu commentario, se s. exa. m'o permitte, apenas mudando o tempo dos verbos e os algarismos; e direi que, quando a camara votar 12:000 homens de contingente, o governo não poderá apurar nem 6:000. Quando se disser ao governo que promova os meios de termos um exercito verdadeiramente organisado, á altura das circumstancias do paiz, um exercito compativel com as posses da população, o governo por mais que queira não o poderá conseguir.»
Parece-me que não era possivel prever melhor o futuro.
Sr. presidente, parece-me ter provado que as accusações que agora fazem os illustres deputados, vão todas reflectir-se no seu antigo chefe, porque tudo quanto está acontecendo foi previsto por nós.
Mas ha mais.
Dizia ainda o mesmo orador:
«S. exa., (referindo-se ao sr. Fontes) ou o ministro da guerra que lhe succeder, ha de vir aqui, em virtude das reclamações constantes dos officiaes que querem cumprir o seu dever, em nome das necessidades da guarnição do paiz, pedir ás camaras que lhe votem meios de supprir os 270:000$000 réis das remissões, porque de outro modo não tem soldados. Disse o sr. relator que as remissões deviam dar 400:000$000 réis. Isto só póde provar que o governo terá dinheiro para gastar, e os corpos não terão soldados para servir.!
Que mais querem os illustres deputados?
Quem tem a culpa do exercito não ter soldados?
Será porventura o illustre visconde de S. Januario?
A resposta é escusada porque foi dada em 1885.
O sr. Thomás Bastos ainda disse:
«A minha opinião é que com tal organisação não podemos ter mobilisação e creio ter agora demonstrado que em taes bases tambem não podemos ter exercito nem para a paz nem para a guerra.»
Acertou.
Mas o que eu admiro, é ouvir agora os illustres deputados lançarem a culpa do que está succedendo ao sr. visconde de S. Januario.
Se eu estivesse no logar de s. exa. vinha aqui confessar
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SESSÃO NOCTURNA DE 9 DE JUNHO DE 1888 1929
que me tinha enganado, e pedir que se remediasse o mal. Isso sim, isso é que seria logico e coherente.
Agora querer attribuir a culpa do que está succedendo áquelles que tres annos antes disseram muito claramente isto mesmo, é que não é justo.
Admirou-se muito o sr. Baracho de que outro dia fosse uma bateria de artilheria a um funeral levando quatro officioes e só oito soldados da propria bateria.
Tenho de provar outra vez, que nada ha que admirar e que esse facto que tanta estranheza causa ao illustre deputado é uma consequencia da organisação de 1884.
Como s. exa. sabe, n'esta organisação foram destinadas 400 praças de pret para cada regimento de artilheria de campanha e tendo cada regimento 10 baterias, corresponde, o maximo, 45 a cada bateria.
Descontando:
1 primeiro sargento;
4 segundos sargentos;
6 primeiros cabos serventes;
4 primeiros cabos conductores;
6 segundos cabos serventes;
4 segundos cabos conductores;
1 ferrador;
1 aprendiz de ferrador;
2 clarins;
1 aprendiz de clarim;
4 impedidos dos officiaes;
3 quarteleiros;
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ficara exatamente os oito soldados que tanta admiração causaram ao meu illustre amigo.
S. exa. admirou se de que na bateria houvessem tão poucos soldados, e eu admiro-me de que houvessem tantos.
Provei de um modo irrecusavel, que oito é o maximo numero de soldados que fica na bateria.
É das baterias que se tiram os impedidos dos officiaes superiores, medicos, capellão, picador, veterinario, ajudante, casão, ranchos, limpeza, etc., etc., e portanto, nem esses oito podem existir. S. exa. foi mal informado.
N'essa tal bateria a que s. exa. se refere não era possivel levar oito soldados da propria bateria, porque os não tem.
E note v. exa., que eu não conto, com pelo menos doze conductores para guiarem as muares que pucham as peças; e que supponho, que nem um só soldado está no hospital, e nem um está de fachina, guarda etc., etc.
Já vê o meu illustre amigo que tudo isto dá um numero de soldados superior aos quarenta e cinco, que a organisação de 1884 destinou a cada bateria.
Marchar a bateria, levando oito soldados da propria bateria é caso digno de registar-se, e devemos felicitar o sr. ministro da guerra ou o commandante do regimento pelo milagre que fizeram.
E, ainda eu não entro em linha de conta com as passagens que constantemente se pedem.
(Interrupção do sr. Serpa Pinto.)
Talvez s. exa. já tenha pedido algumas.
Temos pedido todos nós, umas vezes pedimos para passarem de Lisboa para os corpos de fóra e outras vezes para passarem dos corpos de fóra para Lisboa.
O que é necessario é tratarmos todos de remediar o estado actual, em vez de estarmos a lançar a culpa do que succede ao sr. ministro da guerra que a não tem.
Tem-se dito aqui, que os effectivos do exercito são muito pequenos.
São; mas não temos nós culpa d'isso. (Apoiados.)
O numero de recrutas é muito pequeno.
É; mas não somos nós os culpados. (Apoiados.)
Vou ver se consigo proval-o, apesar da rapidez com que me vejo obrigado a fazer estas considerações para não tomar muito tempo á camara.
Eu tomei as minhas notas referidas ao anno de 1880; e a rasão da minha preferencia pelo periodo que decorre de 1880 para cá, é porque desde essa epocha tenho notado mais attentamente os factos da nossa politica.
Em 1880 a força do exercito de terra foi fixada em 30:000 praças de pret
Em 1881, em 30:000 »
Em 1882, em 30:000 »
Em 1883, em 30:000 »
Em 1884, em 30:000 »
Em 1885, em 24:000 »
Em 1886, em 24:000 »
Em 1887, em 30:000 »
Em 1888, em 30:000 »
Vê-se, pois, que sempre se pediram 30:000 praças de pret para o nosso exercito.
Mas, caso verdadeiramente notavel e phenomenal; em 1885, quando se augmentaram dez corpos, o numero de soldados em vez de augmentar tambem, diminuiu de 30:000 para 24:000, e isto no primeiro anno que seguia a organisação!
Que culpa temos nós de tudo isto? (Apoiados.)
Os illustres deputados confiaram pouco da nossa memoria e do nosso estudo para nos virem impor responsabilidades que não temos e que são exclusivamente suas. (Apoiados.)
Sr. presidente, necessito declarar a v. exa. e á camara, que o meu fim é simplesmente expor os factos como os encontro, e tirar as conclusões do que vi e estudei, sem idéa de censurar ninguem.
Se o sr. ministro da guerra d'aquella epocha pediu apenas 24:000 homens foi certamente porque entendeu que os recursos do thesouro não lhe permittiram pedir mais.
As circumstancias do thesouro são muito attendiveis, e prendem muito tambem os estadistas dos outros paizes, porque os exercitos custam hoje muito dinheiro.
Se eu quizesse ler documentos, havia provar que todas as nações, mesmo as que tomam a serio o seu exercito, e o consideram como a principal instituição, hesitam muitas vezes diante das despezas extraordinarias.
Por isso repito, não quero censurar ninguem, exponho os factos para mostrar, que o que está succedendo agora foi previsto, e é perfeitamente racional e regular e não podia mesmo deixar de acontecer.
Como vimos, em 1885 e 1886, exactamente nos dois annos que se seguiram á reforma do exercito e em que se augmentaram dez corpos, foi quando se pediram menos soldados.
Em 1887 e 1888 voltou-se outra vez aos 30:000 homens.
Estes ainda são poucos para preencher os effectivos e dar a devida instrucção.
Alem d'isso, parte d'esta força é licenciada e o orçamento não marca verba para pagar senão a um numero de homens muito inferior.
Assim as camaras só auctorisaram a pagar:
Em 1880 a 23:000 homens
Em 1881 a 23:000 »
Em 1882 a 23:000 »
Em 1883 a 23:000 »
Em 1884 a 21:000 »
Em 1885 a 21:000 »
Em 1886 a 21:900 »
Em 1887 a 21:000 »
Em 1888 a 21:000 »
Vê-se igualmente, que no anno em que se fez a reforma
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1930 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
foi que se destinou menos dinheiro paro pagar aos soldados.
Em 1884 augmentaram dez corpos e diminuiram 2:000 soldados; de então até agora tem succedido o mesmo.
Estes factos dispensam commentarios.
São de tal modo illucidativos que basta apresental-os para demonstrar que não podia deixar de succeder o que está succedendo.
Se não fosse o sr. Fontes que fizesse isto, difficilmente seria acreditado; porém s. exa. com a auctoridade do seu nome conseguir que o parlamento lhe votasse o bill que o absolvia de ter feito o que fica exposto.
Vamos ver tambem qual o numero de recrutas que as camaras votaram de 1880 para cá e quantos faltaram:
[ver tabela na imagem]
Observações
Ao numero dos que realmente se alistaram devem descontar-se ainda as mortes, as baixas pela junta, os desertores e os extraviados, etc., etc.
Mostram estes dados, que são officiaes, e portanto absolutamente exactos, que de 1880 a 1887 deixaram de se alistar, como tinham obrigação, 42:364 homens, os quaes não receberam instrucção militar e por tanto são menos 42:364 homens que deixaram de se habilitar para defender a patria no momento preciso. (Apoiados.)
Nos tres annos de 1885 a 1887 deixaram de entrar 17:489 recrutas, que hoje estariam nas fileiras, não havendo portanto a falta de soldados que os illustres deputados apontam. (Apoiados.)
Por aqui se vê que a culpa não é do sr. ministro da guerra.
O sr. Baracho: - Então é do sr. ministro do reino.
O Orador: - Tambem não é, porque no tempo do governo regenerador, que o illustre deputado apoiava, dava-se a mesma cousa e antes se nota que de 1885 a 1887 o numero de recrutas tem sempre augmentado.
Eu logo direi a s. exa. a causa d'isto, fundando-me na opinião do sr. Fontes.
Além d'isso, quando o partido do illustre deputado governava o paiz, era presidente do conselho o sr. Fontes, que era ao mesmo tempo ministro da guerra e tinha uma notavel influencia em todos os ministerios, não conseguindo obter o numero de recrutas votados pelo parlamento.
As causas são outras e muito complexas.
A culpa não é do sr. ministro da guerra, nem do sr. ministro do reino, como não era do sr. Fontes; é de nós todos, do paiz inteiro, que não dá ao exercito a importancia que deve dar, e não se convence da sua necessidade.
Portanto, se o sr. Fontes presidente do conselho, chefe de partido, ministro da guerra, general, e com uma notavel preponderancia na posta do reino não conseguiu remediar a falta que todos conhecemos, como havemos exigir que os ministros actuaes remedeiem! (Apoiados.)
É bom lançar as culpas para os outros, sem nos lembrarmos que temos culpas iguaes e mais aggravadas.
Porque seria, que sabendo o sr. Fontes os inconvenientes resultantes da falta de recrutas, não remediava este mal?
Naturalmente porque não podia.
O illustre estadista reconhecia o mal, e tanto que em 1874 disse, que era indispensavel uma boa lei de recrutamento e de promoções.
Em 1879 não deixou passar na camara dos pares o pedido que o então ministro da guerra o sr. Abreu e Sousa fizera, para reformar o exercito sem augmento de despeza, porque entendia não se dever fazer reformas sem primeiro termos uma boa lei de recrutamento.
O que é notavel é que tendo o sr. Fontes estas idéas tão accentuadas reformasse o exercito cinco annos depois, em 1884, augmentando muitissimo a despeza, e sem a tal lei do recrutamento, que segundo a opinião de s. exa., era indispensavel.
Estes é que são os factos, que não podem ser contestados.
Portanto, se o exercito tem um pequeno effectivo, a culpa não é do sr. visconde de S. Januario, é da reforma de 1884, e de não termos uma boa lei de recrutamento, como o sr. Fontes reputava indispensavel.
Vou ver se posso entrar no caminho que ía seguindo e de que me affastei, para responder á interrupção do meu meu illustre amigo o sr. Baracho.
É evidente que as diversas unidades que constituem o exercito são para ser grupadas segundo os principios scientificos e que a pratica tem reputado mais convenientes.
O nosso exercito ha de ser organisado como os outros, em brigadas, divisões e corpos de exercito.
As opiniões militares mais auctorisadas do nosso paiz são de parecer que devemos ter tres corpos de exercito.
Cada um é constituido por duas divisões e cada divisão por duas brigadas, tendo cada brigada dois corpos de infanteria.
Portanto, temos para este agrupamento vinte e quatro corpos do infanteria.
A cada uma das seis divisões podemos addicionar um corpo de caçadores, restando-nos ainda seis, que serão, tres para guarnecer as ilhas, o que não é nada se as quizermos defender convenientemente, e os tres restantes serão destinados a guarnecer alguma das praças de guerra mais importantes do paiz.
Vê-se pois, que não temos infanteria de mais, como a muitos se lhe afigura.
Vejamos agora o que acontece ás outras armas.
Visto termos seis divisões, pertencerá a cada uma um regimento de cavallaria, que deve ser organisado em esquadrões e não em companhias, como está, e a restante cavallaria ficaria portanto para constituir a cavallaria independente, que tem a desempenhar na guerra serviços especiaes e differentes dos da cavallaria que pertence aos corpos do exercito.
Vamos á artilheria.
Todos sabem que na organisação dos exercitos estrangeiros ha a chamada artilheria divisionaria, e a de corpo de exercito.
O menor numero de baterias que podemos ter são quatro por divisão, o que dá vinte e quatro; é necessario igualmente oito baterias por cada corpo de exercito, o que dá outras vinte e quatro, ao todo quarenta e oito baterias.
Segundo a nossa organisação, temos em pé de guerra trinta e seis baterias, devendo ainda para isto organisar-se seis que pertencem á reserva; falta-nos portanto doze, que não sabemos onde se vão buscar; porque ninguem ignora que esta arma não se arranja de um momento para o outro.
Podemos ainda calcular a artilheria que deve ter o nosso exercito, attendendo a outros principios.
O minimo numero de bocas de fogo, costuma ser de 3 por cada 1:000 homens.
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SESSÃO NOCTURNA DE 9 DE JUNHO DE 1888 1931
Ora, devendo o nosso exercito ter em pé de guerra pelo menos 120:000 homens, claro está que devemos ter 360 tocas de fogo ou 60 baterias, mais 12 do que as calculadas pelo outro processo.
O que desejo com isto provar, é que a artilheria está muito longe de satisfazer as necessidades do exercito e não conserva a proporcionalidade que em toda a parte se acha estabelecida e que tem sido reputada a mais conveniente.
Estudando a organisação dos exercitos allemão e francez em 1870 achei que um corpo do exercito allemão de 32:000 homens tinha 96 bôcas de fogo, o que dá 3 por 1:000 homens conforme os principios.
Um corpo de exercito francez com perto de 33:000 homens tinha 90 a 120 bôcas de fogo o que dá 3 a 3,6 por 1:000 homens. (Apoiados.)
Vê-se portanto que este é o numero regular de bôcas de fogo que deve haver, e que não temos a artilheria necessaria para satisfazer as necessidades do nosso exercito.
Isto mesmo foi dito pelo sr. Fontes na occasião em que organisou o exercito, porque s. exa. declarou que a artilheria estava muito longe de satisfazer ás necessidades do serviço.
Bem sei, que as circumstancias do thesouro se impõem de uma maneira imperiosa, mas podemos e devemos ír pouco a pouco, como se faz em toda a parte.
Sr. presidente, quero demonstrar a v. exa. e á camara que esta circumstancia se tem reflectido de tal modo, que o atrazo das promoções na arma de artilheria relativamente ás outras armas é bastante frizante.
Não imaginem v. exas. que digo isto por mim, pois estou tão afastado do posto immediato, que hei de ser o capitão Machado chronico. (Riso.)
Eu argumento sempre no campo dos principios e os que me conhecem, sabem bem que me não movem interesses, nem despeitos, que não tenho, não tive e espero não terei.
Na organisação do exercito de 1884 fixaram-se os quadros das diversas armas sem subordinação a principios, sem regras, sem normas, sem cousa alguma que seja harmonico, e antes pelo contrario tudo previa que as promoções nas diversas armas relativamente umas ás outras, haviam de correr muito tumultuosamente.
[Ver tabela na imagem]
Se estabelecermos a proporção entre os capitães das diversas armas e os seus respectivos officiaes superiores e compararmos com a artilheria, vê-se quanto esta arma se acha distanciada.
Assim para a engenheria:
40 : 30:: 82 : x
x=61,5
Porém tendo a artilheria só 47 officiaes superiores, vê-se que vem a faltar 14,5 para haver proporcionalidade nas duas armas.
Procedendo do mesmo modo para o estado maior temos
20: 18:: 82: x
x = 73,8 officiaes superiores que deviam pertencer a artilheria para haver a proporção.
Façamos o mesmo para a cavallaria
74:44::82:x
x=48,7
Infanteria
324 : 183:: 82
x = 46,3
É na cavallaria e na infanteria que a proporção se approxima, porém se attendermos a que n'estas duas armas o maior numero de reformas é nos postos de capitão para major e de coronel para general de brigada, sendo rarissimo haver no primeiro posto reformas na artilheria, vê-se claramente quanto esta arma está desfavorecida relativamente a todas as outras armas.
O que nos diz a theoria acha-se confirmado na pratica.
Vou ler á camara uma nota do tempo de serviço que os tres capitães mais antigos de todas as armas, têem n'este posto, referente a 31 de dezembro de 1887, e por ahi se avaliará que a pratica confirma a theoria.
[ver tabela na imagem]
Desejando ainda esclarecer mais o meu espirito, fui comparar o tempo de serviço que estes capitães têem desde a sua promoção do posto de tenente até 31 de dezembro ultimo, e encontrei o seguinte:
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[ver tabela na imagem]
Da inspecção d'estes dados vê-se claramente que artilheria e cavallaria são as armas mais atrazadas.
Vejâmos agora qual o movimento que no anno ultimo teve logar nas diversas armas e no posto de capitão.
No estado maior foram promovidos 5 capitães a majores.
Na engenheria, 2.
Na artilheria, 4.
Na cavallaria, 1.
Na infanteria, 25.
Portanto no estado maior foram promovidos 1/4 dos seus capitães.
Na engenharia, 1/20.
Na artilheria, 1/20.
Na cavallaria, 1/74.
Na infanteria, 1/23.
Foi o estado maior e a infanteria que tiveram maior promoção no anno ultimo.
Comparemos agora os tres majores mais antigos da engenheria com os tres capitães mais antigos da artilheria, e temos:
[ver tabela na imagem]
Armas Nomes Alferes Tenente Capitão Major
Por aqui se vê que o major que na engenheria é n.° l para tenente coronel, terminou o curso tres annos depois do capitão que na artilheria é n.° l para major. Ao n.° 2 e 3 do mappa succede-lhe o mesmo.
Não se imagine que desejo melindrar nenhum dos meus camaradas, porque entendo que todas as armas prestam serviços importantes ao paiz, todas são indispensaveis e necessarias. (Apoiados.)
Apresentei estes factos para demonstrar a necessidade que ha em fazer uma boa lei de promoções, de modo a não se darem d'estas anomalias, que prejudicam a disciplina e a boa harmonia que deve haver entre todos os officiaes das differentes armas.
Desejo muito que o sr. ministro da guerra procure remediar o mal, porque elle deve ter remedio.
Mas, para que se não imagine que quero occultar a verdade, resta-me ainda dizer que, em absoluto, não se póde affirmar que uma arma está adiantada ou atrazada relativamente a outra; depende isso do posto em que fórmos fazer a comparação e do individuo d'esse posto.
A arma de engenheria que está adiantadissima relativamente a todas as outras armas, tem alguns tenentes coroneis mais antigos que os tenentes coroneis de todas as outras armas, e até mais antigos que alguns coroneis.
Queixa-se o sr. Baracho de que a arma de cavallaria está atrazada relativamente á infanteria.
Em absoluto não se póde dizer tal, porque se compararmos os ultimos coroneis das duas armas, vemos que os de infanteria são alferes de 1851, emquanto que o ultimo coronel de cavallaria promovido, é alferes de 1855.
Se o illustre deputado comparar os capitães mais antigos da arma de cavallaria com os mais antigos da infanteria, acha que os de cavallaria estão atrazados; porém, se os comparar com os de artilheria, ha de ver que estão adiantados.
Mas os primeiros sargentos de cavallaria estão saindo alferes com menos tempo n'este posto que os primeiros sargentos de infanteria.
Quer isto dizer que é difficil affiançar em absoluto que tal arma está mais adiantada ou atrazada que qualquer outra; que a confusão é enorme, e que necessitâmos de uma lei de promoções, o que já era reconhecido pelo sr. Fontes que dizia que, antes de se emprehender uma reforma de exercito, era indispensavel uma boa lei de recrutamento e de promoções.
A primeira, já este governo fez; a segunda, se tiver tempo, ha de tambem fazer.
Estou convencido que a lei de recrutamento que nós votámos o anno passado, e que começa a vigorar este anno, ha de dar bons resultados.
Estou convencido que ha de melhorar o mal que todos apontâmos, de não serem satisfeitos os contingentes, principalmente, se todos cooperarem para esse fim, porque, como v. exas. sabem, quasi todos os individuos pertencentes ás classes civis empregam todos os meios ao seu alcance para afastar os mancebos do exercito.
O sr. Serpa Pinto: - Até recenseiam os mortos para livrar os vivos, como outro dia aqui demonstrei.
O Orador: - Eu conheço cousa melhor.
O sr. Serpa Pinto: - Seria difficil.
O Orador: - Eu vou referir á camara, e ella avaliará qual dos casos é mais edificante, se o relatado pelo sr. Serpa Pinto, se o que vou contar, e depois decidiremos quem merece o premio da descoberta.
Em um concelho de um dos nossos districtos, deu-se ha tres annos, proximamente, o seguinte caso, para que peço a attenção camara, que não ha de perder o seu tempo.
Havia na localidade, desde muito, um destacamento que
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era invariavelmente fornecido por certo batalhão do caçadores.
Exigencias de serviço determinaram que o destacamento fosse rendido uma vez por força de outro corpo.
Ao tomar entrega do quartel do destacamento, disse o official que ía ser rendido ao que o subatituia, que o destacamento abonava os vencimentos a vinte e tantas praças que ao mesmo se achavam addidas, e que se lhe apresentariam no dia do pagamento.
O official que entrava não pôde comprehender como acontecia que n'uma terra de tão diminuta importancia houvesse tão grande numero de addidos ao destacamento. Passou a informar-se e obteve os seguintes curiosos esclarecimentos:
O administrador do concelho, homem de grande tino e não menor influencia eleitoral, inventara um processo engenhosissimo para illudir a lei do recrutamento em favor dos seus afilhados, escudando-se nas disposições do codigo de justiça militar, as quaes ao que parece elle tinha estudado com o maximo aproveitamento.
Quando os mancebos da terra, que elle não tinha podido livrar, eram encorporados no exercito, terminavam a instrucção da recruta, obtinha-lhes o diligente administrador uma licença registada por dois mezes, favor que não era difficil alcançar.
No goso da licença, regressavam os novos soldados aos lares patrios, ficando sujeitos durante ella á jurisdicção dos tribunaes ordinarios por todos os crimes communs que commettessem, como dispõe o codigo de justiça militar.
Dias depois de estarem nas terras, mandava o administrador levantar auto de corpo de delicto por um crime supposto e insignificante, e com testemunhas apropriadas facilmente conseguia amontoar sobre os soldados licenciados a responsabilidade de taes crimes, que não passavam ordinariamente de damno causado aos arvoredos da praça ou via publica.
Encerrado o auto e remettido ao poder judicial, eram logo pronunciados os soldados, contra os quaes se passava mandado de prisão, dando immediatamente entrada na cadeia.
Participada a prisão á auctoridade militar, baixava ordem para os presos ficarem addidos ao destacamento até responderem em audiencia.
Depois d'isto, e attenta a natureza do supposto crime eram os homens afiançados e iam para suas casas muito tranquillos, como se fossem paizanos e d'ahi a dias começavam a trabalhar, continuando a perceber os seus vencimentos como se fossem soldados e estivessem presos.
Entretanto os processos dormiam a somno solto, ou como em linguagem vulgar se costuma dizer, punha-se-lhes uma pedra em cima, porque o administrador que teve a habilidade de descobrir estes expedientes, tambem tinha artes de illudir a boa fé do juiz e do delegado; nem outra cousa se póde suppor.
Finalmente, quando eram passados os tres annos de serviço activo a que os soldados eram obrigados, marcava se dia para o julgamento, e os homens que ficavam absolvidos, marchavam para o quartel onde recebiam guia para a reserva.
Que tal acha a camara este processo, que me parece não terá outro que se lhe assimilhe?
Por aqui se vê como se procura illudir a lei do recrutamento.
Por mais bem feita que esteja uma lei, quando ha pessoas que usara d'estes expedientes não ha meio de termos soldados.
O sr. Serpa Pinto: - Eu peço que se tome nota d'este facto e do que eu referi, e de outros que muita gente tem conhecimento.
O Orador: - Descanse o illustre deputado que ha de vir fielmente reproduzido no Diario das nossas sessões.
É necessario que se saiba que não é por falta de leis que não temos soldados.
Reformemos os nossos costumes e façamos com que as classes dirigentes não auxiliem a reluctancia verdadeiramente inexplicavel que tem o nosso povo para o serviço militar.
Sr. presidente, perante o facto que expuz á camara, qualquer outro ficará a perder de vista. No emtanto sempre será bom dizer tudo quanto sei ou ao menos quanto o tempo me permittir.
Sr. presidente, ha quem faça baptisar os filhos aos doze e quatorze annos.
E sabe v. exa. para que isto serve? Para os livrar de serem soldados. Vejâmos como.
Quando se trata de fazer o recenseamento, o documento de que se servem é o livro do baptismo, e recenseara-se todos os individuos que n'esse anno complectam a idade legal, isto é, só se recenseiam os mancebos inscriptos no livro dos baptismos ao anno correspondente.
Terminando esse anno, fecha-se o livro, e ninguem se lembra de ir correr as folhas do livro nos annos que se seguem, e ainda que isto se fizesse não seria facil descubriro anno em que se baptisou um rapaz de dez, doze ou quatorze annos, visto que o livro não tem casa de observações onde esteja indicada a idade do mancebo na occasião do baptismo.
Quando se faz o recenseamento dos mancebos baptisados e nascidos vinte um annos antes, acontece, dado o caso que citei, encontrar-se um ou mais mancebos para recensear com dez, doze ou quatorze annos a mais do que a idade legal.
As consequencias naturaes d'este facto, são que esses individuos fogem por est'arte ao serviço militar.
Tem havido quem falsifique os livros do baptismo, fazendo de um Antonio uma Antonia, de um Francisco uma Francisca, etc.
Emfim lança-se mão de todos os expedientes para fugir ao serviço militar.
Quem tem culpa d'isto?
Temos talvez todos nós que não illucidamos o povo.
Emquanto o paiz se não convencer da necessidade de ter exercito para o defender, ha de succeder o que acabo de expor.
Eu não comprehendo, sr. presidente, a grande reluctancia que ha em ser soldado, não comprehendo a aversão dos mancebos e suas familias pela vida militar.
Hoje o soldado é muito bem alimentado, melhor do que em sua casa, bem tratado, porque tanto os officiaes, como os officiaes inferiores, deixaram de empregar os processos rudes que se usavam n'outro tempo; têem boa cama, uma confortavel caserna, aulas onde aprende a ler, escrever e contar, e ainda uma instrucção mais desenvolvida se tiver desejo d'isso; em fim não comprehendo a má vontade que tem o nosso povo ao serviço militar.
Alem d'isso o trabalho é muito mais suave e moderado do que em suas casas; e na idade em que vem prestar o serviço militar, tres annos não é nada.
O soldado encontra nos corpos o alimento do pão e do espirito.
Não comprehendo, portanto, a grande reluctancia que têem os filhos do povo ao serviço do exercito, onde são instruidos e civilisados, voltando pouco tempo depois ás suas terras com uma instrucção e civilisação que ali não podiam obter. (Apoiados.)
Não comprehendo, sr. presidente, como os individuos dirigentes das classes sociaes favorecem esta má vontade e empregam todos os meios para afastar os mancebos do exercito.
O soldado é um homem que em toda a parte foi sempre considerado e respeitado como servidor da patria. (Apoiados.)
Em todos os paizes as classes dirigentes esclarecera o
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espirito do povo e o convencem que é um dever sagrado habilitar-se a defender a patria no momento de perigo. Entre nós acontece o contrario. (Apoiados.)
Quer v. exa. saber o que disse Julio Simon no senado francez, na sessão de 20 de abril d'este anno, quando se discutia a lei do recrutamento?
«Emquanto a mim, desde a infancia que tenho uma especie de paixão pelos veteranos.
«O velho soldado parece-me uma cousa sagrada. Um homem que passou a vida a defender os outros, que renuncia ás alegrias da familia, que perdeu a sua liberdade, que acceitou a rude vida da cazerna por patriotismo e por honra, e que fica na familia militar como um irmão mais velho, este homem admirei-o durante toda a minha mocidade, e agora que estou velho admiro-o ainda mais.»
Continuando. «Dizem que é preciso governar com a opinião; quando se trata da defeza do paiz, vêem dizer-me que preciso contar com a opinião!
«Pela minha parte declaro não a tenho em conta alguma.
«Nas questões militares não conto senão com o inimigo.»
Era esta a linguagem de um verdadeiro patriota, de um cidadão benemerito, que está convencido que o primeiro dever de um paiz é collocar-se em estado de manter a ordem no interior, e de se fazer respeitar dos outros povos.
Nós, os militares, temos obrigação de destruir todos os preconceitos, de empregar todos os meios, de cooperar com toda a energia para que os filhos do povo, os filhos dos nobres e dos abastados venham para o exercito a fim de só instruir, e no momento dado poderem defender a patria que deve ser sagrada para todos não. (Apoiados.)
As causas que têem difficultado que o exercito tenha o seu effectivo, são muito complexas e variadas.
Não é culpa do sr. ministro da guerra, nem dos seus antecessores.
Emquanto as classes dirigentes não se convencerem que o exercito é necessario para defender a propriedade, a vida a honra das familias e a independencia da patria, e não cooperarem todos com os srs. ministro da guerra e do reino para esse fim, não podamos ter exercito. (Apoiados.)
Não se imagine que temos o exercito em estado de não ser possivel collocal-o á altura de se desempenhar do seu dever.
A infanteria está, póde dizer-se, organisada, o que lhe falta são soldados para se instruir, e esses póde dar-lhe o paiz.
Se augmentarmos um pouco a cavallaria e artilheria quando as circumstancias do thesouro o permittirem, e tratarmos dos serviços accessorios, podemos ter um exercito regular.
Do que o exercito necessita é de instrucção e administração, e não fallo na disciplina, porque, felizmente, temos rasão de queixa.
A instrucção é facil de dar ao exercito desde que os qua dros estejam preenchidos, isto é, desde que haja o numero de soldados que deve haver para todos, praças de pret officiaes, poderem receber a devida instrucção.
Que culpa têem os officiaes dos differentes corpos de não haver soldados para esses corpos terem exercicios e os outros trabalhos regulamentares e indispensaveis?
Não é o sr. ministro da guerra, como já disse, e mais uma vez repito, que tem a culpa de não haver soldados.
O sr. Serpa Pinto: - E o sr. ministro do reino?
O Orador: - O sr. ministro do reino tambem não.
E tanto o sr. ministro do reino reconheceu que este estado de cousas não podia continuar, que apresentou um projecto de lei de recrutamento que nós votámos o anno passado, em que se estabelece o serviço militar obrigatorio, em que os contingentes hão de forçosamente ser preenchidos, em que ha a reserva do recrutamento para se preencherem logo as vagas que se derem, em que ha recrutamento regional e outras disposições muito salutares.
É evidente que nós não sabemos já qual o resultado que ha de dar esta lei, porque é este o primeiro anno em que ella se vae executar, mas tudo nos leva a crer que a de melhorar muito este ramo de serviço.
Mas alem d'isso, se a lei tiver algumas imperfeições, quando v. exas. forem governo, introduzam-lhe os melhoramentos necessarios para corrigir o que a pratica tiver aconselhado.
A mim, o que me parece, é que temos necessidade de reformar os costumes e não as leis.
O meu amigo o sr. Avellar Machado preoccupou-se muito com a disposição que vem na lei, e que permitte a troca de numero.
Não me parece que a preoccupação de s. exa. tenha rasão de ser.
Em primeiro logar nós não podiamos fazer uma lei draconiana; deviamos fazer uma lei adaptada á indole do nosso povo, que infelizmente tem uma grande reluctancia pelo serviço militar.
Quando pela primeira vez, se implanta entre nós o serviço militar obrigatorio, não era possivel sermos de um rigorismo tal, que a lei não podesse vingar.
Tem a lei disposições benevolas? Tem; e devia ter, por que a transição de um systema para o outro é necessario que se faça sem grandes sobresaltos.
Eu tive a honra de fazer parte da commissão de recrutamento, que deu parecer sobre esse projecto e não me arrependo de o ter assignado.
Nem eu, nem os meus collegas temos a pretensão de que ficasse um trabalho completo; porém o que posso affiançar ao meu illustre amigo é que trabalhámos muito, tivemos muitissimas sessões e a todos nos animava o desejo de acertar. (Apoiados.)
Mas o que quer dizer a troca de numero que tanto preoccupa o sr. Avellar Machado?
Quer dizer, que dois individuos, igualmente aptos para o serviço militar e que um deve servir no exercito activo e outro na reserva, trocam entre si a sua situação relativa?
Deve ainda notar-se que esta faculdade fica restricta aos mancebos do mesmo concelho ou bairro, e que é cercada de todas as precauções; porque a troca só se effectua por meio de termo em que intervenham os mancebos por si ou por procuradores, e seus legitimos representantes se forem menores, e isto perante a commissão de recrutamento.
Sabem v. exas. por que a commissão de recrutamento estabeleceu a troca de numero?
Foi porque quasi toda a gente imaginava que a lei era rigorosa de mais, e portanto era necessario ter algumas disposições benevolas, para a suavisar tanto quanto possivel.
Seria violento estabelecer o serviço militar obrigatorio e não dar no periodo de transição umas certas compensações.
Quando v. exas. forem poder, vejam se podem apertar mais as malhas por onde n'essa lei ainda se escapam alguns mancebos, que eu, se tiver a honra do ter assento n'esta casa dar-lhe hei o meu apoio.
Por consequencia a troca de numero, assim como outras disposições benevolas que tem a lei, foi para atenuar o serviço militar obrigatorio.
O sr. Fontes, quando se lhe fallava no serviço militar obrigatorio, dizia sempre achal-o muito bom, mas que não o propunha; que propozessem os outros, quando elle não estivesse no governo, que o apoiaria.
Dizia s. exa. que tinha receio d'essa medida por causa da indole do nosso povo.
Pois bem, a lei cá está e eu espero que ha de ser implantada sem grandes resistencias.
Nós não temos a pretensão de ter elaborado um trabalho perfeito, mas vejam v. exas. só arranjam administra-
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dores o camaras mucipaes, que não recenseiem homens mortos, como disse o sr. Serpa Pinto, pães que não baptizem os filhos aos quatorze annos, e quem não mude nos livros do baptismo Antonio para Antonia e Francisco para Francisca.
Consigam v. exas. isto e temos o problema resolvido.
Sr. presidente, a hora está muito aiantada, tenho dado ás minhas considerações maior desenvolvimento do que esperava, e portanto não posso, como previ, responder a todos os pontos a que o sr. Baracho se referiu.
Para não demorar, não examinarei mesmo os meus apontamentos; responderei entretanto aos pontos que me forem occorrendo.
Disse o sr. Baracho que o sr. ministro da guerra tinha desconsiderado a arma de infanteria e cavallaria, por não ter mandado ao estrangeiro officiaes d'estas armas assistir as monobras.
Esta lenda da desconsideração ás armas do infanteria e cavallaria é necessario que acabe.
Ninguem desconsidera estas duas armas, porque os seus officiaes são tão dignos e tão distinctos como os restantes officiaes do exercito.
Cada arma desempenha o serviço inherente á sua organisação e á sua especialidade.
O facto de se destinarem uns serviços para uma arma e serviços differentes para outra, não é desconsiderar ninguem; é inevitavel que assim seja.
Ora, eu vou explicar a rasão por que não foram assistir ás manobras officiaes de todas as armas, e estou certo que s. exa. ficará satisfeito.
Quantas vezes, desde que está á frente do exercito o sr. visconde de S. Januario, têem sido mandados officiaes ao estrangeiro assistir ás manobras?
Uma vez só, e foi o anno passado.
Quantos officiaes mandou o illustre ministro da guerra?
O menor numero que podia mandar, porque mandou um só, e esse foi o sr. João Martins de Carvalho, capitão do estado maior, um dos officiaes mais distinctos do nosso exercito, e que folgo ter occasião de lhe prestar n'este logar homenagem ao seu talento e conhecimentos.
E porque não mandou o illustre ministro da guerra mais ninguem?
Não mandou, porque os illustres deputados da opposição estão constantemente a dizer que o governo gasta de mais e a pedir aos ministros que façam economias, e o sr. ministro da guerra, desejando satisfazer os pedidos da opposição, não mandou officiaes de todas as armas para não fazer despeza.
Supponho que o illustre ministro procedeu conforme os desejos da opposição, e que os illustres deputados lhe devem estar agradecidos.
Mas, sendo esta rasão muito poderosa, ha outra que certamente imperou no espirito de s. exa., como imperaria no meu.
O sr. ministro da guerra lembrou-se, de certo, do que aconteceu em 1880 ao sr. Abreu e Sousa, então ministro da guerra.
Então, como agora, a Italia mandou proceder a manobras com o seu exercito, então, como agora, convidou o exercito portuguez a fazer-se representar, e o sr. Abreu e Sousa nomeou officiaes de todas as armas para irem assistir a essas manobras.
Assim que constou esta nomeação, foi tal o ataque dos jornaes da opposição, que até o Diario de noticias, que é reputado incolor, não pôde eximir-se de critical-a.
O que posso affiançar a v. exa., é que alguns dos officiaes que já estavam indicados para ir assistir a essas manobras, e tinham até feito despezas avultadas, foram desnomeados, perdendo o dinheiro gasto.
E, porque foi que isto succedeu? Para se dar satisfação ás exigencias e criticas da opposição. (Apoiados.)
Eu tenho, felizmente, boa memoria, e bem presentes os factos da historia do meu paiz, que são meus contemporaneos, e sei que, em 1880, quando o sr. Abreu e Sousa nomeou officiaes de todas as armas para aassistirem ás manobras em Italia, a imprensa regeneradora censurou acremente o facto.
Seguramente o sr. visconde de S. Januario, que, como eu, se lembra d'isto, não quiz sujeitar-se ás mesmas censuras, e apenas nomeou um official, que é dos mais distinctos do exercito.
O sr. Dantas Baracho: - Não nomeasse nenhum.
O Orador: - Não podia deixar de nomear, e vou dizer por que.
O governo tem sido censurado por não se fazer representar na proxima exposição universal de París, não cedendo ao convite feito pela França. N'esta casa, por mais de uma vez tem sido interpellado, por não se fazer representar officialmente n'aquella exposição.
O sr. Dantas Baracho: - Foi só o sr. Consiglieri Pedroso, que é republicano.
O Orador: - Não foi só o sr. Consiglieri, foi tambem o sr. Fuschini, e não sei se mais algum sr. deputado.
O sr. Fuschini, por mais de uma vez accusou o governo por não acceder ao convite que lhe fez a França para se fazer representar na exposição.
Mas, ainda quando fosse só o sr. Consiglieri, não tira valor ao facto.
Portanto, tendo a nação italiana, patria da nossa Rainha, feito um convite a Portugal para mandar os seus officiaes assistir ás manobras que se realisavam n'aquella nação, mal parecia que não se mandasse ninguem.
Se o sr. ministro da guerra assim tivesse procedido, que de censuras lhe não fariam os illustres deputados, e diga se a verdade que eram merecidas.
Já vê, pois, o illustre deputado, que o sr. ministro da guerra não podia deixar de mandar officiaes assistir ás manobras italianas.
Mandou, como eu já disse, o sr. Martins de Carvalho, e como o sr. Fernando de Serpa Pimentel estava na Italia estudando fortificações, tendo já n'essa occasião visitado Roma, Nice e Spezia, recebeu ordem para assistir ás manobras. Não se gastou nada, porque o sr. Fernando de Serpa já estava no estrangeiro.
O que fez mais o sr. ministro da guerra?
Tinha o sr. Cypriano Jardim em París a estudar balões, ordenou-lhe que fosse assistir ás manobras, para não fazer despeza mandando outro official de Lisboa e assim attendeu á economia, que a illustre opposição tanto recommenda, e que eu approvo.
N'alguma cousa haviamos nós estar de accordo.
O que é preciso notar é que nem o sr. Fernando de Serpa nem o sr. Cypriano Jardim são progressistas; são pelo contrario regeneradores muito distinctos.
Eu trago isto só para provar que o sr. ministro da guerra não fez, não é capaz de fazer, desconsideração alguma ao exercito nem a nenhuma das armas.
E isto que é necessario levantar aqui e deixar bem accentuado.
O illustre deputado disse-o, mas não provou, que o sr. ministro da guerra tinha desconsiderado as armas de infanteria e cavallaria, e eu protesto com todas as minhas forças contra essa falsidade.
Acho bastante pernicioso lançar a desconfiança entre officiaes que necessitam estimar-se, porque necessitam do apoio mutuo no momento do perigo.
Pela minha parte não dei ainda motivo para que se podesse suspeitar que alimentava tão prejudicial doutrina.
Os que me conhecem sabem bem que tenho sempre vivido o melhor possivel com os meus camaradas de todas as firmas, porque é isto que os regulamentos determinam.
Não serei nunca o fomentador de taes doutrinas, que reputo perigosas.
Todos os officiaes, sem distincção de arma, têem uma
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missão muito importante a cumprir, todos darão á patria o seu sangue quando seja necessario.
Creio ter explicado a rasão por que o sr. ministro da guerra não mandou officiaes das differentes armas assistir ás manobras do exercito italiano.
Não mandou por uma questão de economia.
E devia mandar alguns, porque se o não fizesse depois de ter recebido convite, poderia, parecer uma desconsideração.
A hora vae muito adiantada, e antes de terminar desejava responder tambem a um assumpto a que o sr. Baracho se referiu no principio do seu discurso; portanto permitta-me v. exa. que abra um parenthesis.
Sr. presidente, tenho a honra de representar n'esta casa o circulo das Caldas da Rainha, e referindo-se o sr. Dantas Baracho, ao estabelecimento balnear d'aquella terra, o mais importante do paiz e cujas aguas são quasi milagrosas pelas curas que têem produzido, assim como ao seu director, eu não posso deixar de responder a s. exa.
Desejou o sr. Baracho que o illustre presidente do conselho lhe dissesse quaes as medidas que tencionava adoptar para melhorar aquelle estabelecimento, que não está á altura do que deve estar para proporcionar as commodidades dos que procuram aquella estancia.
Procurei informar-me e soube que o illustre presidente do conselho deseja collocar o estabelecimento balneal das Caldas da Rainha e seus annexos, nas condições de poderem satisfazer ao seu fim e proporcionar as commodidades indispensaveis ás centenares de familias que no verão ali procuram o remedio aos seus padecimentos, ou distracção á sua nostalgia.
O sr. presidente do conselho deseja collocar o estabelecimento balnear das Caldas da Rainha a par dos melhores estabelecimentos similares do estrangeiro.
Porém pura fazer isto, é necessario, primeiro que tudo, saber quaes os melhoramentos a emprehender, e da despeza a fazer.
Para isso nomeou uma commissão do pessoas muito competentes, com o fim de formular um plano geral das obras de que carece o hospital e seus annexos.
Publicou uma portaria no Diario do governo n.° 143, de 30 de junho de 1887, em que nomeia essa commissão, que é composta dos seguintes cavalheiros: conselheiro Francisco Eduardo de Andrade Pimentel, director do referido hospital; Joaquim Pires de Sousa Gomes, engenheiro; Cazimiro de Ascensão de Sousa Menezes, director das obras publicas do districto de Leiria; José Joaquim da Silva Amado e João Ferraz de Macedo, lentes da escola medica de Lisboa; José Filippe de Andrade Rebello, facultativo do hospital das Caldas da Rainha; e de Raphael da Silva e Castro, architecto de l.ª classe.
Em portaria de 8 de julho do mesmo anno aggregou á commissão o facultativo Manuel Gomes da Silva, que havia regressado do estrangeiro onde tinha feito estudos de aguas mineraes e estabelecimentos balneares, e portanto competentissimo para dar opinião sobre o assumpto.
Em 2 de setembro recebeu-se no ministerio do reino um officio do sr. conselheiro Andrade Pimentel, participando ter-se installado a commissão, que o escolhêra para presidente, e pedindo fosse enviada á mesma commissão uma planta do estabelecimento balnear e seus annexos.
Mais tarde o presidente da commissão perguntou qual a verba por onde devia ser paga a despeza com o levanta mento das plantas e transporte do chimico que for proceder á analyse chimica das aguas.
O sr. ministro do reino respondeu em 22 de setembro que se organizasse um orçamento supplementar para satisfazer ás alludidae despezas.
Ainda depois o presidente da commissão instou para que se nomeasse um empregado competente para levantar o planta.
Em 8 de outubro o sr. ministro do reino officiou ao das obras publicas, pedindo esse empregado.
O sr. ministro das obras publicas participou que ordenara ao director das obras publicas do districto de Leiria e procedesse ao levantamento da referida planta.
Naturalmente a planta deve estar concluida ou a concluir, e certamente a commissão, que é composta de cavalheiros muito intelligentes, muito dedicados á causa publica e muito amantes do seu paiz, não deixarão de corresponder ao appello que o sr. presidente do conselho fez ao seu patriotismo.
Convenço-me que a commissão se desempenhará cabalmente, como todos esperam, do serviço que lhe foi confiado.
É evidente que o illustre ministro do reino nada póde fazer sem que esta commissão apresente os seus trabalhos, onde se indicarão os melhoramentos a emprehender.
Esperemos, portanto pelos trabalhos da commissão, para depois instar com o governo que emprehenda os melhoramentos que a mesma commissão lhe indicar.
Parece-me que estas explicações deverão satisfazer o meu illustre amigo.
S. exa. tambem fez algumas accusações ao director do hospital.
Este cavalheiro tem cumprido o seu dever, mas, pela sua avançada idade e estado de saude, mal podia acompanhar os melhoramentos e trabalhos sufficientes, a fim de dar áquelle inportante estabelecimento o desenvolvimento de que carece.
Esse funccionario tem trabalhado muito, tem prestado enormissimos serviços áquelle estabelecimento, pois o que se tem feito modernamente tudo se deve á sua iniciativa.
Ora, é evidente que um funccionario que serviu o paiz durante mais de trinta annos não póde ser lançado á margem, porém como não temos lei pela qual possa ser aposentado, parecia-me de justiça, que não acabasse a sessão sem attendermos a esta circumstancia.
Aquelle cavalheiro já fez ura requerimento, que eu tive a honra do apresentar n'esta casa, acompanhado de documentos que provam os importantes serviços que tem prestado.
A commissão de fazenda a quem o requerimento foi presente, formulou um projecto de lei que o nosso collega o sr. Carrilho já mandou para a mesa, concedendo a aposentação aquelle funccionario com o ordenado de 600$000 réis, dependendo agora d'esta camara fazer-lhe justiça.
Espero que não terminará a sessão sem approvarmos este projecto.
Fechado agora o parenthesis, vou novamente entrar no assumpto principal que faz o objecto do meu discurso.
O sr. Baracho censura o sr. ministro da guerra por não existir um plano detalhado e assente da defeza do paiz.
Permitta-me v. exa. sr. presidente, que historio o que se tem passado a este respeito, para mostrar qual a difficuldade com que têem luctado os diversos cavalheiros que têem gerido a pasta da guerra, sem poderem obter um plano da defeza do paiz.
Intelligencias portentosas, actividades valiosas, dedicações benemeritas têem-se esforçado na resolução d'este problema sem nada terem conseguido.
V. exa. sabe que em 1852 o illustre general José Feliciano da Silva Costa apresentou uma memoria admiravelmente bem escripta, em que manifestava os mesmos desejos e tinha as mesmas aspirações que tem o illustre deputado, isto é, mostrava a necessidade de se proceder sem demora ao estudo geral da defeza do paiz, de modo que soubessemos de antemão os pontos onde haviamos oppor resistencia ao inimigo.
Desejava ainda mais o distincto general que se discutisse e assentasse, quaes os pontos que deviam ser cobertos de fortificação, de modo que essas fortificações se fossem
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successiva e gradualmente executando para que na hora do perigo podessemos oppor ao inimigo a resistencia conveniente.
São passados trinta e seis annos e as cousas acham-se quasi no mesmo estado, não existindo ainda estudos completos da defeza do paiz e não estando ainda sequer assente qual ha de ser essa defeza.
Em 1857 o illustre ministro da guerra o sr. marquez de Sá da Bandeira, referendou um decreto pelo qual o sr. D. Pedro V ordenava ao commandante do corpo de engenheiros José Feliciano da Silva Costa procedesse á execução dos estudos necessarios para determinar o plano das fortificações de Lisboa e seu porto.
No mesmo decreto se ordenava ao referido general procedesse tambem a um trabalho analogo para fortificar a cidade do Porto, comprehendendo as margens e a foz do Douro.
O general ficou encarregado de dispor dos officiaes que tinha á sua disposição e de requisitar os que carecesse pertencentes ás restantes armas do exercito, inclusivamente os officiaes da armada e engenheiros hydrographos que julgasse indispensaveis para as respectivas sondagens.
Determinava-se mais, que os estudos e respectivos planos fossem acompanhados dos orçamentos e memorias em que se desse a rasão da escolha das obras, que se propozessem, seu desenvolvimento, artilhamento e guarnições, indicando a ordem de preferencia pela qual as ditas obras deviam ser construidas.
Não obstante a confiança que inspirava o illustre general, determinou-se-lhe que no fim de cada semestre informasse o ministerio da guerra do estado dos trabalhos de que era encarregado.
Já vê pois, v. exa. e a camara, que em 1857 se mandou dar todo o desenvolvimento ao estudo para fortificar as duas cidades mais importantes do paiz, que certamente serão os dois pontos objectivos do inimigo.
Tendo entrado o duque da Terceira para o ministerio da guerra em março de 1859, publicou uma portaria em maio d'esse anno, mandando proceder aos estudos do plano geral da defeza do paiz.
Para isso nomeou uma commissão presidida pelo marechal Saldanha e composta dos seguintes officiaes: José Jorge Loureiro, visconde de Sarmento, José Feliciano da Silva Costa e visconde da Luz, todos marechaes de campo; visconde de Villa Nova de Ourem e Augusto Palmeirim, brigadeiros.
Recommendava o duque da Terceira a preferencia dos estudos da defeza da capital, porque desejava dar-lhe prompta execução.
Como se vê, a nomeação d'esta commissão annullava, por assim dizer, os trabalhos de que fôra encarregado o sr. José Feliciano da Silva Costa, ou pelo menos os officiaes que se achavam encarregados d'esses estudos haviam de afrouxar no seu zêlo e dedicação, pois não sabiam qual a direcção que a nova commissão queria dar a estes trabalhos.
A commissão teve a primeira sessão em 31 de maio d'esse anno, e em 16 de julho officiou o presidente ao ministro da guerra perguntando se o governo estava determinado a elevar a força do exercito ao pé em que estava em 1814, como a commissão julgava indispensavel.
A 17 de novembro do mesmo anno respondeu o sr. ministro da guerra que só quando se receiasse uma guerra na Europa se elevaria a força do exercito.
Em 25 do mesmo mez o duque de Saldanha officiou ao ministro, em nome da commissão, dizendo que esta lhe parecia inutil emprehender qualquer plano sem a determinação da força combatente.
Era 3 de março de 1860 o duque da Terceira respondeu que o governo, sem aggravar as finanças, tratava de satisfazer ás exigencias de um bem combinado plano de defeza.
Estavam as cousas n'este pé, quando em abril d'esse anno falleceu o duque da Terceira, ministro da guerra.
Mais tarde entrou para esta pasta o sr. Belchior José Garcez, e officiou logo ao sr. duque de Saldanha para que a commissão consultasse nos seguintes pontos:
1.° Quantas linhas de fortificação deviam ser construidas para defender a capital, na hypothese de dispormos de 50:000 homens para operar nas suas proximidades;
2.° Qual a situação d'essas linhas;
3.° Pela construcção de qual d'essas se devia começar.
A consulta da commissão sobre estes pontos não foi presente ao governo.
Já vê, portanto, o illustre deputado as enormes difficuldades que tem havido, os enormes esforços que todos os ministros da guerra têem empregado para realisar um plano geral da defeza do paiz, sem até hoje o terem conseguido.
V. exa. sabe que este problema é muito complicado e difficil, porque as opiniões são muitas e desencontradas.
A maior parte dos officiaes entendem que se deve fazer face ao inimigo proximo da fronteira.
Outros entendem que nos devemos concentrar em Lisboa e Porto, abandonando o resto do paiz; e outros ainda entendem que nos devemos concentrar apenas em Lisboa.
Vê, portanto, v. exa. qual a complexidade d'estes problemas e as difficuldades que ha em assentar um plano perfeitamente definido.
V. exa., sr. presidente, e a camara, sabem os esforços heroicos e titanicos, o patriotismo e a boa vontade que desenvolveu o illustre marquez de Sá da Bandeira para poder arrancar ao parlamento a primeira verba para dar começo ás obras de fortificação de Lisboa e seu porto.
Este illustre general e ministro da guerra em 1861, apresentou a esta camara, um projecto de lei pedindo 300:000$000 réis para a compra dos terrenos necessarios a fim de n'elles se levantarem as obras de fortificação de Lisboa e para construcção de algumas d'essas obras.
Porém, a commissão de guerra de então, com o patriotismo que a caracterisava, com o amor que tinha ás instituições e a independencia da patria, em vez de réis 300:000$000, propoz 400:000$000 réis, sendo 300:000$000 réis para as fortificações de Lisboa e seu porto, e réis 100:000$000, para as fortificações do Porto e barra do Douro.
El-Rei o Senhor D. Pedro V ligava tanta importancia ás forticações de Lisboa, que achando-se em Oliveira de Azemeis no dia 23 de agosto de 1861, em que a proposta foi approvada n'esta camara, n'esse mesmo dia dirigiu um telegramma ao ministro da guerra manifestando a sua grande satisfação por aquelle acto.
Levou ainda dois annos para se assentar no plano a seguir, e em 30 de dezembro de 1863, teve logar a inauguração das obras de fortificação na serra de Monsanto, a que assistiu a familia real.
O meu illustre amigo o sr. Baracho, tem uma memoria felicissima, mas atraiçoa-o algumas vezes, e por isso querendo accusar o sr. visconde de S. Januario, vae certamente, sem querer, dirigir as mais vehementes censuras ao sr. Fontes Pereira de Mello.
S. exa. accusou o sr. ministro da guerra e o parlamento por se ter votado apenas 150:000$000 réis, para se gastarem este anno nas fortificações de Lisboa e seu porto, emquanto que n'outras epochas se votavam 300:000$000 réis.
Disse s. exa. que no estado de tensão em que está a Europa, podendo de um momento para o outro dar-se uma conflagração geral, 150:000$000 réis não era nada.
Em primeiro logar direi que, se devemos attender ás circumstancias militares, tambem devemos attender ás circumstancias financeiras, e que se hoje votâmos 150:000$000 réis, tendo n'outras occasiões votado 300:000$000 réis,
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1938 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
é porque essas obras se acham já n'um notavel estado de adiantamento.
Quando as circumstancias do thesouro forem mais prosperas podemos e devemos augmentar a verba para as fortificações; antes d'isso devemos caminhar cautelosamente para não caírmos no abysmo.
Lembra-me do ditado portuguez: devagar que tenho pressa.
Antes andar devagar do que parar; isso é que é mau.
Em 1861 votaram as camarás 4UO:000$000 réis para n'esse anno se gastarem nas fortificações; as obras só começaram em 1864 e em 1866 estavam gastos apenas cento o tantos contos, tendo o governo á sua disposição proximo de 300:000$000 réis para applicar áquelle destino.
Sabe v. exa. o que se fez?
Mandaram-se suspender as obras, exactamente quando rebentava a guerra entre a Prussia e a Austria, que terminou com a batalha de Sadowa.
Quando duas nações poderosas estavam em lucta, quando todas as outras nações se armavam a fim de estarem preparadas para uma eventualidade, foi exactamente que entre nós estiveram parados os trabalhos do fortificação para os quaes tinha o governo quasi 300:000$000 réis á sua disposição.
E sabe v. exa. quem era ministro da guerra n'essa occasião?
O seu fallecido chefe, o sr. Fontes Pereira de Mello.
Veja v. exa. que comparação ha, entre gastar réis 150:000$000 cada anno em fortificações, estando a Europa socegada, e mandar parar essas obras, tendo o governo 300:000$000 réis á sua disposição, e havendo uma guerra accesa entre duas nações poderosas.
Pois isto fez-se; e o mais curioso é virem os deputados que têem estas responsabilidades accusar o governo porque gasta, pouco em fortificações.
Na sessão da camara dos pares de 14 de maio de 1866 o benemerito general Sá da Bandeira accusava o governo por ter mandado parar as obras de fortificação. Depois de judiciosas considerações em que mostrou quaes os trabalhos de fortificação que se emprehendiam nos outros paizes, concluiu fazendo as seguintes perguntas ao sr. ministro da guerra:
1.ª Se o governo tencionava dar execução á lei de 11 de setembro de 1861 que determinava se fortificasse a cidade de Lisboa;
2.ª Se estando disposto o governo a dar execução a essa lei, quando tenciona mandar continuar os trabalhos que se acham suspensos;
3.ª Se no caso de não tencionar por em execução a referida lei, fazia tenção de propor ás côrtes que ella fosse derogada.
Querem v. exas. saber o que respondeu o sr. Fontes?
Que reconhecia a necessidade de prover ás fortificações das capital, mas attendendo ás finanças do estado não era possivel por então fazer essas obras.
O sr. marquez de Sá volta á carga, declarando que o governo tinha meios á sua disposição votados pelas côrtes, a fim do dar seguimento a estas obras; porém por mais que instasse nada conseguiu.
Vê portanto o sr. Baracho que houve uma epocha em que o seu partido não se preoccupou com a defeza da capital nem com a defeza do paiz, emquanto que agora trata-se de ambas as cousas.
O sr. Baracho: - N'esse tempo não pertencia eu ao partido regenerador, porque não tinha ainda nascido para a politica.
O Orador: - Em todo o caso nós temos a responsabilidade dos actos do nosso partido, embora tenhamos vindo mais tardo, e não temos remedio senão compartilhal-os.
Eu desejo muito que se attenda á defeza do paiz, mas o governo vae fazendo n'esse sentido o que póde conforme os recursos do thesouro.
Não temos ainda um plano detalhado d'essa defeza, não obstante varios ministros da guerra terem tentado a resolução d'esse intrincado problema.
V. exa. sabe que em 1880 foi nomeada uma grande commissão composta de officiaes dos mais distinctos de todas as armas para apresentar um plano detalhado da defeza do reino.
Em 1881 foi reorganisada essa commissão, que teve bastantes sessões, a que presidiu o sr. Fontes então director geral da arma de engenheria.
N'essas sessões discutia-se muito o que é bom.
Uns queriam que se resistisse ao inimigo na fronteira; outros, que se preparassem campos entrincheirados; outros, que nos concentrassemos apenas em Lisboa, convenientemente fortificada, abandonando o resto do paiz, inclusivamente o Porto.
Ainda assim, parece que se assentou no estabelecimento de varios campos entrincheirados para offerecer a resistencia ao inimigo o mais distante possivel.
Assim ficou assente entre todos, que se estabelecesse um campo entrincheirado nas proximidades de Celorico, Guarda, etc., outro em Tancos, comprehendido entre o Tejo, Zezere, Nabão o estrada n.° 51, outro nas proximidades de Evora, Extremoz, etc.
O corpo de estado maior foi encarregado de mandar pelos seus officiaes levantar as plantas detalhadas dos terrenos, para depois se discutir quaes as obras a effectuar.
N'essa commissão se discutiu largamente a conveniencia do serviço militar obrigatorio, que o sr. Fontes declarava achar boa essa theoria, mas que elle não o decretava.
A commissão teve umas poucas de sessões e estava com vontade de trabalhar, porque sabia que todo o exercito estava com os olhos n'ella.
Em 1882 assumiu a pasta da guerra o sr. Fontes, que era o presidente da commissão, e desde essa epocha nunca mais ella se reuniu.
Ha pouco o sr. visconde de S. Januario dissolveu esta commissão e nomeou outra, e eu faço votos para que seja mais feliz do que as suas antecessoras, e se desempenhe da sua missão, como o paiz e o exercito desejam.
Por esta breve resenha vê o meu illustre amigo o sr. Baracho que varias tentativas se têem feito, e todas infructiferas, para termos um plano detalhado da defeza do paiz, de modo que saibamos com a devida antecedencia o que se ha do fazer no momento do perigo, onde ha de haver muita confusão, muita duvida e muita hesitação.
Este problema parece do tal maneira difficil que ha trinta e seis annos se trabalha em o resolver, e ainda nem sequer está posto em equação.
O que se faz quando o inimigo nos invadir?
Não se sabe, e todos conhecem que esta duvida não póde continuar a subsistir.
Partindo mesmo da hypothese, que tinhamos o exercito convenientemente organisado, o que não póde é deixar de ser de antemão resolvido o modo como esse exercito ha de operar, o local onde ha de esperar o inimigo, etc., etc.
Por isso eu faço votos para que a commissão recentemente nomeada corresponda ao que o paiz espera do seu patriotismo. Vamos a outro ponto.
Disse o sr. Baracho que a escola pratica de artilheria usa de processos rotineiros, pois que os projecteis ainda são carregados todos com polvora ordinaria, não se tendo entre nós feito uma unica experiencia com os modernos explosivos.
É effectivamente uma verdade o que disse o illustre deputado, porém s. exa. deve saber que essas experiencias são modernissimas, que experiencias d'essa ordem são sempre muito despendiosas, e se nós as fossemos emprehender tinha de se gastar muito dinheiro.
Deixemos as nações grandes fazer essas experiencias, e depois se ellas derem resultado, noa as aproveitaremos.
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As nações pequenas, que não têem grandes recursos, aproveitam-se do estudo e das experiencias feitas nas nações grandes, e só quando o novo invento está lá adoptado é que ellas o adoptam.
Se á primeira noticia que nos chega de um invento guerreiro, sem sabermos se dá ou não bom resultado, fossemos logo proceder a experiencias, tinhamos de gastar uma verba avultada superior aos nossos recursos.
No polygono de Vendas Novas não se fez, nem se deviam fazer experiencias com projecteis carregados com os novos explosivos, mas no polygono de Torres estou informado que já este anno se empregaram esses explosivos para destruir caminho de ferro, minas, etc.
Não posso dizer quaes os resultados, porque supponho que não foram publicados os relatorios.
Já vê pois o illustre deputado, que o illustre ministro da guerra fez o que devia fazer.
O sr. Baracho ainda accusou o governo, porque não tem dotado os regimentos do material necessario para os diversos exercicios.
Peço desculpa ao meu illustre amigo para lhe dizer que alguma cousa se tem feito; assim: já foi distribuido o material de bivaque, o material de telegraphia optica, o material para ensino topographico, o material de esgrima, etc.
Creia v. exa. que o sr. ministro da guerra dedica toda a sua solicitude ao exercito, e procura por todos os meios ao seu alcance collocar esta instituição a altura de poder desempenhar a sua missão.
Ha porém cousas que não podem fazer-se de repente, porque ha resistencias que só se podem vencer com muito tempo, muita paciencia e muita tenacidade.
Sr. presidente, tratou o sr. Baracho de tanta cousa, percorreu tantos assumptos da vasta sciencia militar, guindou-se tão alto, que eu não posso acompanhal-o nos vôos altaneiros da sua imaginação, e por isso irei rastejando terra a terra, e ver se respondo como podér a alguns dos assumptos a que s. exa. se referiu.
Um dos pontos em que s. exa. tocou, foi no numero de soldados promptos, e ahi exerceu a sua critica com aquella verve que o caracterisa, tentando lançar a responsabilidade d'este facto para o illustre ministro da guerra.
Mais uma vez eu desejo provar á camara que nada ha a estranhar, e que este anno não temos menor numero de soldados do que nos outros annos, em que não era ministro o sr. visconde S. Januario.
Uma voz: - Sempre havemos de ver essa demonstração.
O Orador: - Eu tenho aqui um mappa da força do exercito em praças de pret, referido aos annos do 1880 a 1888, em que se designa a força effectiva em cada mez d'estes annos até março de 1888.
Como v. exas. sabem sou militar, estava portanto prevenido para todas as hypotheses e prompto a responder a todas as objecções.
Tenho lido a historia militar o bastante para saber que o bom general deve estar prevenido para todas as eventualidades.
Ora, sem eu querer comparar-me com os bons generaes, de quem a historia se occupa, e cujas façanhas eu tenho admirado, não me esqueço das suas maximas.
Eu já disse a v. exa. que tenho uma grande sympathia pelo periodo que tem seu principio em 1880 e por isso as minhas investigações começam n'este anno.
Cada um de nós tem as suas predilecções.
Note porém v. exa. que durante este tempo o meu partido tem ainda responsabilidades, e nem eu nem o meu partido fugimos a ellas.
O mappa que tenho presente mostra que a media da força do exercito nos diversos messes do anno de 1880 dá 25:988 praças de pret.
O orçamento só auctorisava a pagar a 23:000, como já mostrei.
É necessario que a camara saiba que por cada 1:000 praças a mais, custa por anno 70:000$000 réis, e para nós termos o exercito com a força indispensavel a fim dos regimentos poderem ter instrucção, seria necessario que tivessemos pelo menos 30:000 praças no effectivo.
Tendo-se inserido este anno no orçamento verba para pagar apenas a 21:000 praças, seria necessario augmentar a verba orçamental em 630:000$000 réis para que o exercito ficasse n'umas condições de força regular.
Em 1881 a media era 25:554.
Tenho aqui a nota, e se algum meu collega a quizer examinar está ás suas ordens.
Os annos em que o exercito teve maior numero do soldados foi os de 1885 e 1886, em que as medias foram 25:529 e 24:467, annos em que se chamaram as reservas, porque havendo receio de sermos invadidos pela cholera, foi necessario reforçar o effectivo do exercito para formar o cordão sanitario.
O exame do mappa mostra que, desde que os progressistas estão no poder, não tem havido menor numero de soldados do que nos annos anteriores, e não tem havido nunca menos do que o orçamento auctorisa; antes pelo contrario se tem pago sempre a maior numero de soldados.
Ora, se o sr. ministro da guerra não tem dinheiro, como querem que elle pague a maior numero de soldados?
Ainda assim, todos os annos se tem feito um orçamento supplementar para pagar aos soldados que excedem os que o orçamento ordinario auctorisa.
Mappa da forca do exercito em praças de pret, nos annos e mezes abaixo mencionados
[ver tabela na imagem]
Annos Media Mezes Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro
N. B. O numero de praças, designadas pelo signal *, 6 das praças da reserva chamadas ao serviço effectivo por decreto de 8 de acosto de 1885. Este numero de praças está já incluido na totalidade.
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1940 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Tenho aqui outro mappa da força do exercito do continente e ilhas adjacentes, referido a 31 de janeiro d'este anno, que mostra o numero de praças de pret que havia no referido dia.
Por elle se vê que no continente tinham os diversos regimentos 21:131 praças de pret e as ilhas 1:786, o que faz 22:917. Superior ao orçamento em 1:917.
Não tendo o ministro dinheiro, como querem os illustres deputados que tenha mais soldados? (Apoiados.)
O sr. Serpa Pinto: - A conclusão é que é preciso augmentar o dinheiro.
O Orador: - Diz v. exa. muito bem.
E as circumstancias financeiras do paiz poderão comportar esse augmento? Isso é que é necessario indagar.
O sr. ministro da fazenda é que o póde dizer.
Examinem v. exas. os dados que acabo de apresentar á camara, e verão a exactidão das minhas affirmações.
MINISTERIO DA GUERRA-DIRECÇÃO GERAL - 2.ª REPARTIÇÃO
Mappa da força do exercito do continente, em praças de pret, referido ao dia 31 de janeiro de 1888
[ver tabela na imagem]
Armas Força total das praças do pret no continente Sommas Promptos para o serviço Sargentos Musicos Corneteiros Artificios Cabos Soldados Cabos Soldados
Total das companhias de artilheria de guarnição nas ilhas 251 1:786
Total dos corpos de caçadores das ilhas 1:535
Em 9 de abril de 1888. = O chefe da repartição, (a) José, Estanislau Ventura, major. - Está conforme. Secretaria d'estado dos negocios da guerra, 12 de abril de 1888. = O chefe do gabinete, (a) Julio de Abreu e Sousa, tenente coronel.
Disse o sr. Serpa, Pinto que era necessario augmentar a verba do que ao gasta com o exercito.
Sou da opinião de s. exa., e vou proval-o, não ao illustre deputado, que é militar e sabe muito bem que se deve gastar mais, mas ao paiz, que suppõe naturalmente que o exercito lhe consome muito dinheiro.
Ainda bem que o illustre deputado me deu ensejo do mostrar que no nosso paiz é onde se gasta menos dinheiro com as cousas militares.
E, note v. exa., que não quero com o que vou apresentar fazer censuras a ninguem, porque temos do attender ás circumstancias financeiras.
O nosso paiz começou em 1851 a dar impulso aos melhoramentos materiaes; n'estes trinta e seis annos temos consumido quasi todos os nossos recursos em obras publicas e temos descurado um pouco o exercito. O paiz necessitava o necessita de melhoramentos materiaes, mas é necessario que nos convençamos que tambem necessita de ter exercito para garantir a nossa independencia, e para isso é necessario gastar em harmonia com o que gastam os outros paires. (Apoiados.)
Tenho aqui uma nota da despeza feita com os exercitos nos diversos paizes da Europa, em que se vê a percentagem d'essa despeza relativamente ás receitas publicas, assim como a quota com que cada habitante contribue para essas despezas.
O exame d'este mappa mostra que só ha dois paizes, a Roumania e os Estados Unidos, que gastam com o seu exercito menos do que nós gastâmos, emquanto que todos os outros gastam mais; isto referido á quota por habitante, porque em quanto á percentagem da receita, Portugal está abaixo de todos os outros paizes.
[ver tabela na imagem]
Paizes População Receitas - Réis Despezas com os exercitos - Réis Relação entre as despezas com o exercito o as receitas Quota por habitante - Réis
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Quer dizer, nós gastâmos 12,43 por cento das nossas receitas com o exercito e cada habitante para ter a ua propriedade, a honra e a patria defendidas, contribue para o exercito com 1$010 réis por anno.
Havemos concordar que é baratinho. A maior parte da gente gasta mais que isso em loterias. Nós já gastámos proporcionalmente muito mais do que gastâmos hoje.
E verdade que foi n'uma epocha calamitosa em que a patria estava talada pelas forças inimigas. Tinhamos então uma despeza bastante grande relativamente aos nossos recursos, que eram pequenos.
Em 1810 tivemos em armas 110:000 homens alem das forças do exercito alliado. Gastámos muito dinheiro em fortificações, pois só as linhas de Torres Vedras mandadas construir por Wellington, e que foram executadas em dez mezes, custaram 450:000$000 réis. O engenheiro encarregado de as dirigir foi o coronel Fletcher.
Estas linhas mediam uma extensão de 14 leguas desde o Tejo em Alhandra até ao Oceano.
Durante o anno de 1800 trabalharam ali 10:000 homens e não estavam ainda completas quando em outubro de 1810 tentou atravessal-as o exercito de Massena.
N'esta occasião estavam construidas 126 obras fechadas, alem de extensos entrincheiramentos e estavam armadas com 247 bôcas de fogo alem das que guarneciam as obras de S. Julião da Barra.
Durante o resto do anno de 1810 o parte do de 1811 continuou a trabalhar-se nas linhas tendo-se despendido cerca de 900:000$000 réis e havendo 500 bôcas de fogo em bateria.
No anno de 1810 as receitas arrecadadas foram de réis 4.500:000$000 e com o exercito gastou-se n'esse anno réis 8.126:400$000.
É verdade que a Inglaterra nos pagou dois mil e tantos contos de subsidios, mas ainda assim pesou sobre o paiz um encargo de mais de 6.000:000$000 réis o que equivale hoje ao triplo ou ao quadruplo.
Só n'esse tempo tinhamos um exercito regular, se gastavamos com elle o que era necessario, porque não se ha de hoje olhar para elle com mais alguma attenção?
O exercito não corresponde ás necessidades do paiz; isto é que é um facto, que é necessario dizer bem alto.
Quem tem a culpa?
Não se póde dizer que seja individualmente de ninguem; é do paiz inteiro, que se esquece que o exercito é a unica garantia da nossa independencia. (Apoiados.)
Em todo o caso não devemos ser pessimistas.
O exercito tem bons elementos, que convenientemente aproveitados poderão collocal-o a par dos outros exercitos bem organisados.
Trabalhemos todos para levantar o nivel das instituições militares, porque é d'ellas que depende o futuro da nossa patria. (Apoiados.)
Se quaesquer circumstancias politicas europêas levarem a consentir que a Hespanha nos absorva, e se n'essa occasião tivermos um exercito sufficientemente aguerrido, disciplinado e bem organisado, tenho a certeza que havemos de deter a marcha do inimigo durante muito tempo, porque quando um paiz quer manter a sua independencia pratica prodigios de valor. (Apoiados.)
Temos o exemplo de paizes com muito menos recursos que o nosso, que têem praticado actos de heroismo para manter a sua independencia e têem-n'o conseguido.
Sem necessitar ir mais longe, temos exemplos dos nossos dias.
A republica dos boers sacudiu o jugo da Inglaterra e eadquiriu a sua autonomia.
A Bulgaria tem dado o mais vivo exemplo do que póde o patriotismo, porque apesar de tudo, tem mantido a sua independencia, e se não fosse o seu exercito já teria succumbido. (Apoiados.)
O que é necessario, é que todas as classes dispensem a sua attenção ao exercito, porque o exercito é a principal instituição de um paiz. (Apoiados.)
Moltke diz que o primiro dever de um paiz é collocar-se em situação de defender a integridade do seu territorio, de fazer respeitar os seus direitos, e de manter a ordem no interior.
Comprehende-se que, para isto se conseguir, devemos ter um exercito bem organisado, bem disciplinado e bem instruido, e, alem d'isso, que tenham passado pelas fileiras quasi todos os homens validos, de modo que, no momento do perigo, a nação se ache instruida militarmente. (Apoiados.)
Nenhuma nação póde passar sem exercito; é uma dura necessidade, mas necessidade imprescindivel; e, quanto maiores são as liberdades do um povo, mais força deve ter o poder, porque é ao abrigo d'estas liberdades que os maus cidadãos podem fomentar a desordem. (Apoiados.)
Eu desejo terminar, sr. presidente, não só porque me alonguei mais do que tencionava, e tomei mais tempo á camara do que devia; mas porque se vae approximando a hora fatidica em que o sr. Manuel d'Assumpção receiava ver apparecer n'esta casa os espectros.
Tenho pena não ver presente o illustre deputado e meu amigo.
O sr. Manuel d'Assumpção (entrou na sala): - Aqui estou.
O Orador: - É na presença de v. exa. que eu queria tambem declarar que me amedrontam espectros, e por isso vou terminar antes de soar a tal hora fatidica, em que elles costumam apparecer aos homens.
Ha, porém, uma differença, como ha muitas entre nós, em desfavor meu. Uma d'ellas é que eu não tenho medo do espectro de frei Manuel Homem, nem do espectro dos seus confrades, porque esses, em vez de descerem á terra, conservam-se no céu, com os olhos fitos em nós e ao lado de Deus, pedindo-lhe de mãos erguidas: «perdoae-lhes pae, que elles não sabem o que fazem!»
Agora, querem v. exa. saber quaes os espectros de que eu tenho um verdadeiro pavor? É dos espectros, d'aquelles que derramaram o seu sangue para nos conquistar este logar; d'aquelles milhares de bravos que durante tanto tempo jazeram nas masmorras, ou abandonaram pelo céu nublado do exilio o céu azul e purissimo da patria; d'aquelles emfim que, sendo grandes na heroicidade dos combates, ainda o foram maiores na resignação do martyrio, sacrificando na forca a propria vida pela defeza da liberdade.
Esses, meus senhores, é que podem aqui surgir, como na tragedia ingleza surgiu a sombra pavorosa de Banquo, perguntando-nos com a sua voz inexoravel e terrivel, como deve ser a voz que parte das sepulturas: «Que fizestes das liberdades, que, á custa do nosso sangue, vos conquistámos?»
Para me subtraír a essas visões, que mais nos devem aterrar a consciencia do que a vista, vou terminar; e vou terminar, porque vejo proximo a soar no bronze a hora fatidica em que costumam surgir essas apparições sinistras.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito comprimentado por muitos srs. deputados de todos os lados da camara.)
Leu-se na mesa a seguinte:
Moção de ordem.
A camara, considerando que o governo, e principalmente o sr. ministro da guerra, tem procurado, por todos os meios ao seu alcance, melhorar as condições do exercito e aperfeiçoar successivamente a organisação de 1884 em conformidade com os recursos do thesouro, continúa na ordem do dia. = Francisco José Machado.
Foi admittida.
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da
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commissão do orçamento sobre a proposta auctorisando a cobrança dos impostos no exercicio futuro e a sua applicação ás despezas legaes.
Peço a v. exa. que dê ordem para que este parecer seja impresso para ser ámanhã distribuido por casa dos srs. deputados, a fim de entrar em discussão opportunamente e no mais breve espaço do tempo possivel.
O sr. Franco Castello Branco: - Sr. presidente, comquanto eu não tenha intenção nem desejo de levar muito tempo na discussão do orçamento rectificado, v. exa. comprehende naturalmente que eu não sou tão pouco fallador que me possa contentar com meia hora.
Ora n'estas circumstancias v. exa. permittir me ha que eu não entre hoje na discussão do orçamento rectificado, para, unicamente me referir a uma disposição da lei que está em discussão.
Refiro-me á auctorisação concedida ao governo para durante mais um anno poder mandar proceder á revisão das matrizes. A este respeito farei por gastar esta meia hora de hoje, reservando para segunda feira as considerações que tenha a apresentar sobre o orçamento rectificado e que, comquanto não tenham valor algum, menos terão se ficarem cortadas e interrompidas para a sessão de segunda feira.
Antes de entrar na analyse de algumas observações que tenho a fazer com relação á revisão das matrizes, eu quero pedir desculpa ao meu amigo e collega o sr. Francisco José Machado, cujo brilhante discurso, se não foi para mim uma revelação do seu talento, que ha muito conheço e aprecio, foi em todo o caso uma manifestação da sua muita competencia o saber em assumptos militares.
Eu quero pedir desculpa a s. exa. por, seguindo-me no uso da palavra, nada dizer em relação ás materias que s. exa. discutiu.
Não sou militar, nada sei de cousas militares, e então, para não vir por qualquer fórma lançar uma nota discordante, que seria a consequencia necessaria da minha ignorancia n'este assumpto, n'um incidente que militares tão distinctos, tanto por parte da opposição, como os srs. Serpa Pinto, Baracho e Avellar Machado, como por parte do governo o sr. capitão Machado trataram com tanta largueza e com tanta illustração, pedirei desculpa de não responder ao sr. Machado pelos motivos que acabo de expôr. Affirmo, comtudo, julgando n'este ponto interpretar o sentimento de todos que tiveram o prazer de ouvir o sr. Machado, que nós, admirando muitissimo os seus conhecimentos e a maneira elevada como s. exa. acaba de expendei-as suas idéas sobre questões militares, reconhecemos que tanto pelos discursos dos illustres deputados da opposição, como pelas observações do discurso do sr. Machado, se reconhece á evidencia que muito ha a fazer na questão militar e na pasta da guerra, e o sr. ministro da guerra, que tem envidado todos os seus cuidados e intelligencia par conseguir o aperfeiçoamento dos serviços que lhe estão confiados, muito terá ainda a fazer, assim como os que se succederem a s. exa. na pasta da guerra.
Dito isto como exordio passo a referir-me á revisão das matrizes.
Sabe v. exa. sr. presidente, que pela voz de mais de um deputado da opposição foi tratada já aqui no parlamento, não só a auctorisação que o governo pediu para continuar a revisão das matrizes, auctorisação que não é mais que a continuação de outras que têem sido concedidas a todos os governos desde 1880 para cá; mas tambem se têem referido largamente ao uso que os agentes do governo estão fazendo d'essa auctorisação, e á maneira como se está procedendo á reorganisação de um serviço, que, não só tem immensa importancia sob o ponto de vista dos rendimentos que a thesouro terá das contribuições directas, mas principalmente por ser de todos os nossos impostos directos o principal e o que onera e sobrecarrega uma maior generalidade de individuos.
Póde-se dizer que n'este ponto, os illustres deputados da opposição que têem usado da palavra sobre este assumpto das matrizes, não se contentaram unica e simplesmente de combater de uma fórma generica o uso que os empregados de fazenda estão fazendo da auctorisação para a reforma das matrizes; elles particularisaram urna ordem de factos importantes, que mostram que, se o sr. ministro da fazenda não adoptar providencias energicas e promptas, longe do se alcançar um aperfeiçoamento nas matrizes, ha de succeder o contrario, por isso que se está procedendo com a maior desigualdade e injustiça, e em logar de haver matrizes bem organisadas, haverá um cadastro politico, em que os progressistas passarão a não pagar nada o os regeneradores a pagar tanto como ate aqui pagavam e mais o que os progressistas deixaram de pagar.
Eu sei que o sr. ministro da fazenda tem dado ordens para que as auctoridades procedam á organisação de commissões mixtas, e sei-o até por um facto pessoal passado commigo em junho ou julho de 1886, na occasião em que me dirigi pessoalmente ao sr. ministro da fazenda e lhe pedi que, com relação ao districto de Castello Branco, s. exa. se dignasse dar as suas ordens para que se formassem commissões mixtas, em todas as terras d'aquelle districto, onde os partidos estivessem representados para a revisão das matrizes, a fim de que ellas fossem proveitosas, tanto para o contribuinte como para o thesouro, e se acabasse com muitas desigualdades e injustiças que ali se davam, e por outro lado assegurasse ao governo que o dinheiro que estava gastando não era improficuo sob o ponto de vista dos interesses do thesouro e do interesse publico.
V. exa. comprehende que, o que fatalmente ha de succeder nos districtos, se da revisão das matrizes se fizer arma politica, o que ha de succeder repito, é que se ámanhã o partido regenerador for ao poder, os homens partidarios hão de empregar todos os esforços para se reformar a lei e para se proceder a nova revisão de matrizes, de maneira que cessem os abusos, injustiças e desigualdades que se praticaram, e se façam matrizes perfeitamente iguaes, e por modo que os progressistas e regeneradores paguem o que lhes competir.
Ha nove annos que se têem descripto no orçamento verbas importantes para este serviço, e este dinheiro não póde estar sendo lançado á rua para se estar a proceder a uma revisão de matrizes que servirá para tudo menos para sobre ellas incidir o lançamento da contribuição directa.
Isto não é rhetorica.
V. exa. vê quanto comesinhamente estou fallando, porque estas questões não interessam ao partido regenerador ou ao progressista, mas ao paiz; são uteis para todos os governos por isso que d'ellas depende a maior productividade do imposto. (Apoiados.)
Em Portugal póde ser-se ministro com tanto que se tenha dinheiro para gastar. Isto succede em toda a parte.
Eu estou apresentando estas considerações muito comesinhamente, para ver se comsigo que o sr. Marianno de Carvalho, que tem dado ordens, mas que não tem visto a obediencia corresponder a essas ordens, as faça cumprir,; porque s. exa. quando quer fazer estas cousas e outras mais difficeis, não se contenta em dar ordens, mas obriga todos os seus delegados e subordinados a cumpril-as nos precisos termos em que foram dadas.
Ora isto é tanto mais necessario por aquella rasão a que alludi em 1886.
Pedi directamente, e não me envergonho de o declarar, porque não se tratava de um favor para mim, nem para amigos meus, mas para o districto; tratava-se do uma questão de interesse geral sob o ponto de vista d'aquelle districto.
Pedi, repito, a s. exa. que ordenasse a organisação de commissões mixtas, porque esta era a unica fórma de organisar matrizes, que fossem acceitas por um e outro partido politico.
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SESSÃO NOCTURNA DE 9 DE JUNHO DE 1888 1943
É condição indispensavel e necessaria que essas matrizes, não só sejam bem organisadas, mas estaveis, como é indispensavel que o sejam, para não andarmos n'este supplicio de sysipho de um anno para outro a fazer e a desfazer matrizes conforme estão no poder os gabinetes regeneradores ou os gabinetes progressistas.
Sei que s. exa. deu essas ordens; mas o que posso afiançar é que, pelo menos na parte relativa ao districto de Castello Branco, ellas não foram cumpridas.
Posso juntar mais esta informação ás que foram prestadas pelos srs. Teixeira de Vasconcellos, Avellar Machado e Guilherme de Abreu.
O que posso affirmar é que no districto do Castello Branco as commissões que fornecem os elementos necessarios para a revisão das matrizes são compostas unicamente de progressistas, ou pessoas indicadas pelo administrador do concelho ou pelas altas influencias das localidades.
Isto é um facto de que eu tenho conhecimento pessoal, a não ser que s. exa. tenha menos confiança, menos fé na minha palavra do que eu tenho na do sr. ministro, que seguramente não me quererá fazer essa injustiça.
Posso afiançar que é isto o que está succedendo, e que as ordens de s. exa. não foram cumpridas nem acatadas pelos seus delegados e subordinados n'aquelle districto.
É necessario, pois, que a este respeito fique absolutamente liquidado este anno a situação do governo, ou principalmente a do sr. ministro da fazenda. (Apoiados.)
Que s. exa. já tem dado ordens, já todos o sabemos, e s. exa. mesmo tem afiançado; mas que essas ordens não têem sido acatadas já varios deputados da opposição aqui o têem affirmado.
Se para o anno continuarmos a ter a dita de ver o sr. ministro da fazenda sentado n'aquellas cadeiras, sobraçando ainda a pasta da fazenda, e os cousas continuarem ainda no mesmo estado, não restará duvida que s. exa. não quer collocar-se n'outro caminho, e então ver-nos-hemos na necessidade de declarar que nos, os regeneradores, nos reservâmos a inteira e plena liberdade de acção para mandarmos proceder a uma nova revisão das matrizes se continuarem por este processo, entendendo que só devem pagar os regeneradores, e os progressistas, pelo contrario, não devem pagar absolutamente nada. (Apoiados.)
O que são as taes commissões, o que são os taes louvados, as taes pessoas competentes que por toda a parte se têem escolhido para membros das commissões o sr. Marianno de Carvalho sabe pelas informações dos illustres deputados.
Com relação ao meu circulo, ao meu concelho, a Guimarães, apresentarei á camara uma representação que está publicada no Diario da camara, a paginas 461, onde se diz o seguinte.
Peço a attenção do sr. ministro da fazenda para o que vou ler; emquanto o sr. ministro me não der attenção não leio.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Eu estou dando attenção a v. exa. e ouvindo-o palavra por palavra. O sr. Serpa Pinto dirigiu me uma pergunta e eu respondi a s. exa.
O Orador: - Eu vou ler a s. exa. o que diz a representação. S. exa. tem dado ordena para se comporem as commissões de elementos mixtos; porém ellas têem sido formadas de individuos incompetentissimos, e s. exa. de certo ignora como as suas ordens têem sido cumpridas.
Eu vou ler a representação do meu circulo, que reclama justiça, que se não fez, porque é preciso saber-se a quem é que está confiada a revisão das matrizes, aquella base que ha de servir de estalão por onde se ha de aferir a quota tributaria de cada um dos habitantes d'aquelle concelho.
(Leu.)
Ora diga-me s. exa. que garantias nos podem dar estes homens, que são vadios, que não têem eira nem beira, que não pagam contribuições, nem se importam absolutamente nada com a igualdade ou desigualdade do imposto, de que se não hão de mover pelo interesse?
São estes os individuos mais competentes para este serviço, de que os administradores de concelhos e escrivães de fazenda, delegados de s. exa. e do sr. ministro do reino, lançam mão.
Ora o que é muito extraordinario, o encontra-se n'esta representação, é o processo pelo qual se vê a boa vontade que o sr. ministro da fazenda tem posto n'este negocio; é que estas cousas estão acontecendo em Guimarães depois de ser transferido d'ali o escrivão de fazenda, depois de ir para ali um escrivão de fazenda nomeado por s. exa.
É bom saber-se que no concelho de Guimarães os louvados são vadios; é bom saber-se que estes louvados e informadores estão procedendo á revisão das matrizes desde que o escrivão que ali estava no tempo do poder regenerador foi mandado saír d'ali para fóra.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - O escrivão de fazenda que estava em Guimarães não foi transferido, foi promovido.
O Orador: - S. exa. comprehende perfeitamente que isso póde servir para quem não conhece as reformas que s. exa. fez nas contribuições directas.
Não era hoje o meu desejo entrar n'esta serie de considerações nem apreciações. Mas vou dizer qual foi a promoção que o sr. ministro da fazenda deu a este empregado, visto que s. exa. a isso me força.
Quando os regeneradores caíram, o concelho de Guimarães estava collocado em l.ª classe, porque as repartições de fazenda continham tres classes. O sr. ministro da fazenda fez uma reforma dictatorial, em virtude da qual só ficaram em 1.ª classe as cabeças de districto; e como Guimarães não era cabeça de districto, ficou em 2.ª classe. S. exa. tirou então d'ali aquelle empregado, que eu posso dizer que foi violentamente tirado e promovido, e posso dizel-o porque tenho conhecimento do grau de violencia commettida.
Mandou-o depois para Leiria, prejudicando-o nos seus honorarios, e obrigando-o a uma transferencia e a uma collocação difficil, custosa e embaraçosa. Aquelle empregado ficou tão satisfeito com a sua promoção, que ha pouco tempo pediu transferencia para o Funchal, e hoje está addido em uma das repartições de fazenda do Lisboa, porque as suas circumstancias, propriamente economia domestica, collocaram-o em condições tão embaraçosas, que elle preferiu vir para Lisboa.
Eis no que veiu a dar essa brilhantissima promoção que o sr. ministro da fazenda deu ao empregado. Se s. exa. quer-lhe fazer um favor despromova-o, mande-o para Guimarães, e eu estou certo de que elle lhe mandará um bilhete de visita a agradecer-lhe. As circumstancias em que elle está são as mais lastimosas a que póde chegar um empregado no fim de vinte annos de serviço, e em condições, que se não mostram ter sido empregado distinctissimo, estão muito longe de mostrar que é um empregado digno de censura ou castigo, por qualquer motivo.
Este é o lado da medalha; vejamos-lhe agora o reverso, visto que é necessario insistir sobre o facto. Vejamos quem o sr. ministro da fazenda collocou em Guimarães, quem mandou para aquella penitenciaria, tão desejada, como s. exa. sabe, desde muito tempo, por todos os escrivães de fazenda; porque, como v. exa. sr. presidente sabe, e sabem-n'o muitos dos membros d'esta camara, que ou são naturaes, ou residem no norte do paiz; como v. exa. sabe, Guimarães é um dos concelhos mais ricos, assim como tambam é a comarca mais desejada pelos juizes.
Mas quem mandou para lá o sr. ministro da fazenda? Mandou um escripturario, que ha dois annos e meio, quando o partido progressista subiu ao poder, era escripturario de fazenda, não sei se em Abrantes, ou em qualquer outro concelho.
Ao passo que um empregado está hoje em circumstan-
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1944 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
cias de ter de pedir por favor que o colloquem addido a qualquer das repartições de fazenda, outro, que ha dois annos e meio era simples escripturario do fazenda, está hoje escrivão em um dos melhores concelhos do reino.
E assim, que se tem procedido em tudo que respeita á collocação de empregados nas contribuições directas.
Eu, que quero ser inteiramente justo com toda agente, mas especialmente com o sr. ministro da fazenda, meu adversario politico, o mais intransigente e cruel dos adversarios do meu partido, hoje como sempre, ainda que talvez por motivos diversos, mas em todo o caso meu amigo pessoal; eu que quero ser justo com s. exa., vou dizer que me admiram tanto mais as crueldades e tropelias que se têem praticado com os empregados das contribuições directas, quanto não é isso que se tem feito em outras repartições dependentes do ministerio da fazenda, o que me faz acreditar que n'este ramo de serviço ha mais alguem responsavel e impulsionador das tristes tropelias, violencias illegalidades e preterições que ali se têem dado.
Em todo o caso s. exa. perante o parlamento é quem assume toda a responsabilidade, debaixo do ponto de vista que estou indicando; mas francamente, para ser s. exa., não comprehendo como se tem procedido por esta fórma nas contribuições directas, quando afianço, que na administrarão geral das alfandegas não se tem feito nada que se pareça sequer com factos d'esta ordem. S. exa. tem lá feito algumas das suas, como todos os ministros o têem feito, nem isso é já condemnavel; é um peccado venial que todos os ministros commettem e que se lhes não leva a mal; afianço, porém, repito, que está muito longe, o que tem succedido com respeito a promoções e accesso dos differentes empregados das contribuições directas, do que tem succedido na administração geral das alfandegas.
E realmente, nas contribuições directas, n'esta questão das promoções dos empregados, no seu accesso, tem-se procedido por tal fórma, que v. exa. sabe que, apesar de eu ter instado, desde o principio d'esta sessão, por uns certos documentos, em que viessem descriptos todos esses factos, inclusivamente nem sequer o numero exacto dos escrivães de fazenda addidos, documento facil de satisfazer, me foi remettido. Mandou-se-me effectivamente, ha cerca de um mez, um documento que eu tinha pedido ha mais de cinco mezes e ainda assim, por tal fórma incompleto, que tive de repetir novamente o pedido.
V. exa. sabe que para satisfazer ao pedido de um documento, não basta mandar simplesmente um documento qualquer, é necessario mandar um documento que satisfaça ás indicações exigidas no respectivo requerimento.
Ora foi exactamente isso que se não deu, com relação a este caso.
Nas contribuições directas, tem-se procedido, é necessario dizer-se, de fórma e maneira sem par e sem igual. S. exa. o sr. ministro da fazenda é quem tem a responsabilidade perante o poder legislativo; eu, porém, sei perfeitamente, porque já servi durante algum tempo o cargo equivalente ao de director geral, sei as responsabilidades que elles têem, a que aliás se attribuem aos ministros.
Conheço dezenas de empregados, que hoje estão collocados em escrivães de fazenda, e que se encontram actualmente em circumstancias de inferioridade, com relação a categoria, a outros, que eram simples escripturarios de fazenda ha dois annos, ou ainda menos, que ainda não eram empregados.
Se não lhes aponto n'este momento os nomes e os concelhos onde estão servindo, é porque a repartição competente me tem recusado constantemente os documentos indispensaveis para provar esta asserção. (Apoiados.)
Não posso, portanto, provar francamente esta minha affirmação porque me tolhe o sr. ministro da fazenda, porque é s. exa. perante a camara quem tem tido a culpa da opposição não ter na sua mão os documentos precisos para provar as suas allegações e apresental-as de uma fórma cabal. Isto assim não póde ser.
Um empregado publico n'um paiz como o nosso, em que as carreiras, em geral, não são largas nem bem remuneradas, ao menos tem direito a que lhe respeitem os seus serviços.
E o amor proprio d'aquelles que, estando collocados em superior classe, se vêem de, um dia para o outro, collocados em circumstancias do inferioridade para com aquelles que já serviram sob as suas ordens, não póde deixar de soffrer.
Nas contribuições directas têem-se dado muitos d'estes factos, sendo esta a rasão por que se faz a revisão das matrizes por esta fórma.
Isto não póde ser assim; e não me admiraria nada de que ámanhã, quando saísse do poder esta situação progressista, e fosse substituida por uma situação regeneradora, não me admiraria nada nem censuraria, antes pelo contrario, que o ministro da fazenda que substituisse s. exa. viesse fazer nova reforma n'essas promoções e accessos, repondo as cousas nos seus devidos termos.
Torno a repetir, nada mais sagrado deve haver n'este paiz do que o direito de accesso que os empregados têem, e que nunca deve ser preterido, a não ser quando haja motivos justificados e provados para a preterição.
O sr. Pedro Victor: - Os escrivães de fazenda têem de voltar á primeira fórma. (Riso.)
O Orador: - Portanto, com relação a promoções, despromoções o preterições, na parte relativa a pessoal, já não é de s. exa. que eu espero remedio, porque não o póde dar.
Seria muito, querer que s. exa. se penitenciasse absolutamente, desfazendo esses dois mil e quinhentos despachos, que tantos são aquelles em que ha manifesta preterição de direito e legalidade.
Isso ficará para mais tarde, e torno a repetir, não censurarei mas apoiarei o ministro da fazenda que o fizer.
Mas no que respeita a matrizes, visto a boa vontade manifestada pelo sr. ministro da fazenda, eu venho denunciar que os seus desejos não são acatados, que as suas ordens não são cumpridas, e portanto, eu peço a s. exa. que mostro a boa vontade que tem de ser obedecido pelos seus subornados, e que não colloque os seus adversarios politicos na necessidade de ter de mandar fazer novas matrizes, em cidades onde ellas têem sido feitas por uma maneira que poderão servir para tudo menos para o seu verdadeiro fim.
Sr. presidente, está a dar a hora, e eu reservo as minhas observações sobre o orçamento rectificado para a sessão de segunda feira.
Não levarei muito tempo; mas no entanto v. exa. comprehende bem que eu não poderia fazel-as no espaço que me deixou o sr. Francisco José Machado.
Honrar-me-ía, portanto, muito v. exa., reservando-me a palavra para a proxima sessão.
(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a mesma que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Era meia noite.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.