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N.º 3. SESSÃO DE 4 DE JUNHO. -1853.

PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES

Chamada: — Presentes 79 srs. deputados.

Abertura — Ao meio dia e um quarto.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Declarações: — 1.ª Do sr. secretario Rebello de Carvalho, participando que o sr. Placido de Abreu por justo impedimento, não póde assistir á sessão de hoje e a mais algumas. — Inteirada.

2.ª Do sr. Sampaio, participando que o sr. Casal Ribeiro não póde comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.

Officios: — 1.º Do ministerio da marinha e ultramar, participando que logo que sejam consultados pelo conselho ultramarino, a que estão affectos, os actos practicados pelo governador geral da India, fóra das suas attribuições legaes, os apresentará a camara, na conformidade do acto addicional, satisfazendo assim a um requerimento do sr. Corrêa Caldeira. — Para a secretaria.

2.º Do mesmo ministerio, acompanhando os documentos que dizem respeito á reforma dada, ao segundo tenente da armada José Maria de Oliveira, satisfazendo assim ao que lhe foi pedido por esta camara. — Á commissão de marinha.

3.º Do ministerio das obras publicas, participando que já anteriormente tinha enviado a camara a cópia dos documentos mais importantes, relativos ao contracto para a construcção do caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha por Santarem; e enviando agora a relação nominal dos accionistas da respectiva companhia, com declaração do numero das acções porque subscreveu cada um delles; satisfazendo assim ao que lhe foi pedido por esta camara. — Á commissão das obras publicas.

Representações: — 1.ª Dos moradores na freguezia de Santa Maria de Refoios do Lima, sobre foraes. — Á commissão de legislação.

2.ª Dos possuidores das leiras da Bahia, pedindo providencias para serem pagos das suas dividas. —; A commissão de fazenda.

SEGUNDAS LEITURAS.

Projecto de lei (n.º 40 B): — Senhores. — A instrucção é a primeira necessidade do homem, e consequentemente da sociedade: é tambem o primeiro dever de um systema de governo illustrado habilitar o povo para conhecer e practicar os direitos e obrigações, proprias desse estado, porque no exercicio justo e regulado desses direitos e deveres se cifra o exercicio da verdadeira liberdade.

A ignorancia publica empece este fim importante, ella não é só a vergonha do individuo, mas o descredito do governo, ella fomenta as desordens o inspira a deshumanidade, e os males que produz chegam a

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todas as classes da sociedade; obsta ao polimento do caracter nacional, e é mortal inimiga daquella amenidade de costumes, que leva ao seio das familias a felicidade domestica.

Mas a instrucção primaria, que precede a todos os conhecimentos, é a chave que começa a abrir o magnifico portico do templo das sciencias, que são a mais preciosa mercadoria que entra no commercio dos homens; ella prepara o dominio da intelligencia para um dia alçar-se sobre o dominio material, e com o seu auxilio fazer brotar do meio da gente obscura capacidades, que fazem depois a gloria e o ornamento da patria.

Por isso a falta de instrucção primaria não tem desculpa possivel; o povo tem direito a este alimento d'alma, como tem ao do corpo — não deve ser condemnado a não ter parte nessa communhão social, com o pretexto de mingua de meios pecuniarios; não é justo que se negue esta habilitação desde já ás classes que um dia podem servir o estado.

Por estas considerações, e outras, que deixo á vossa sabedoria, e tendo em consideração as reclamações dos povos do districto de Aveiro, consignadas na consulta que a junta geral daquelle districto fez subirá presença de Sua Magestade a Rainha, em 29 de julho do anno proximo preterito de 1852, renovando as suas instancias para o augmento do numero das cadeiras de instrucção primaria, naquelle districto, e em conformidade tambem com as disposições do decreto de 15 de novembro de 1836, no artigo 4.º, e do artigo 5.º do decreto de 20 de setembro de 1844, eu venho propor-vos a creação de 3 cadeiras de ensino primario nas freguezias de Ilhavo, Oliveirinha, e Aradas, do districto de Aveiro. Occupo-me por agora unicamente destas localidades, pelo conhecimento particular que dellas tenho, e porque a junta geral do districto, indicando a necessidade de augmentar o numero das escólas de instrucção primaria, não marcou esse numero, nem desceu á designação das localidades onde essas cadeiras deviam ser collocadas. A cadeira, que proponho para a freguezia de Ilhavo, deve ser collocada no logar de Val de Ilhavo de Cima, que com os logares da Ermida, Preza-Moulas, Legoa, e Moutinha, daquella freguezia, fórma uma população demais de 300 fogos, composta de lavradores, na sua totalidade, que ficam distantes da villa mais de meia legoa, com caminhos de difficil transito na estação do inverno, nem sendo possivel aos meninos daquelles logares, que são em muito grande numero, e com muita tendencia para as leiras, concorrer á villa e ouvir as lições nas escólas que ahi existem. A cadeira para a Oliveirinha deve ser collocada neste logar, que é a séde, e o principal da freguezia: esta freguezia tem para cima de 500 fogos, com uma população de mais de 2.000 habitantes, espalhados em differentes logares, e era uma área de terreno demais de uma legoa quadrada; não ha alli escóla alguma publica de instrucção. Fui algum tempo parocho nesta freguezia, e tive occasião de me informar individualmente das circumstancias daquella localidade, do numero de seus habitantes, e da muita aptidão, e tendencia de seus filhos para as leiras, dos desejos de se instruirem sendo muito para sentir, que por falta de mestres seja condemnada a mocidade daquella grande porção do concelho de Eixo aos males da ignorancia, em prejuizo de seus proprios interesses, e do publico.

A cadeira para a freguezia das Aradas deve ser collocada no logar de Verdemilho, que é o principal da freguezia, e que com os logares do Bom Successo, e Quinta do Picado fórma uma grande povoação. Depois da instrucção primaria, dirijo ainda, senhores, os meus desejos ao progresso da instrucção secundaria, que o interesse publico reclama seja montada na sua devida escala em todos os lycêos nacionaes; mas não sendo possivel na actualidade levar a effeito na sua devida perfeição este elemento moralisador, attentas as circumstancia do thesouro publico, não posso comtudo deixar de propôr-vos a creação de uma cadeira de grammatica da lingua franceza no licêo nacional de Aveiro. O conhecimento das linguas, principalmente das linguas vivas, é um poderoso recurso para o homem scientifico, e até Carlos 5. dizia, que um homem, que sabia quatro linguas, valia quatro homens: o estudo porém da lingua franceza é hoje de uso universal, e além de ser uma agradavel diversão para aquelles mancebos que mostram menos aptidão para aprenderem a lingua latina, de tão complicada construcção, é um meio assaz efficaz para a mocidade estudiosa poder imbuir-se na vasta litteratura daquella nação.

Os desejos da junta geral do districto de Aveiro, significados na supracitada consulta de 29 de julho, são tambem para a creação desta cadeira no lycêo nacional daquella cidade, e esta idéa está igualmente consignada no artigo 40 § 1.º do decreto de 19 de setembro de 1838, e no artigo 49 do de 20 de setembro de 1844. Pelo que tenho a honra de vos propôr O seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º São creadas 3 cadeiras de ensino primario no districto de Aveiro, e nas seguintes freguezias — uma na freguezia de Ilhavo, que deverá ser collocada no logar do Val de Ilhavo de Cima, outra na freguezia da Oliveirinha, que deverá ser collocada no logar da Oliveirinha, séde da freguezia, e outra na freguezia de S. Pedro das Aradas, que deverá ser collocada no logar de Verdemilho, o principal da freguezia

Art. 2.º E creada no lycêo nacional de Aveiro uma cadeira de grammatica da lingua franceza.

Art. 3.º O governo mandará proceder ao concurso para o provimento destas cadeiras, logo que este projecto de lei seja approvado pelos poderes collesgiladores.

Art. 4.º Fica revogada qualquer legislação em contrario.

Camara dos deputados, 1.º de junho de 1853. — O deputado por Aveiro, José Antonio Pereira Bilhano.

Sendo admittido, foi enviado d commissão de instrucção publica, devendo ser tambem impresso no Diario do Governo.

O sr. Nogueira Soares: — Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro do reino, sobre o estado de segurança publica no districto do Porto. Acaba de commetter-se na populosa villa da Lixa um horrivel assassinato, feito com as circumstancias mais aggravantes, na pessoa de um cidadão, que, atacado no dia 20 ás 2 horas da noute em sua casa, arrombando-lhe as portas, foi assassinado ás punhaladas por um homem que tem commettido outros muitos, e é chefe de salteadores. É sobre isto que é preciso tomar providencias.

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Pedi tambem a palavra para fazer uma rectificação ao extracto publicado no Diario do Governo, por que tendo eu dicto que não era que accusava a commissão de legislação da morosidade com que tem trabalhado, no Diario do Governo diz-se o contrario; mas do resto do discurso vê-se perfeitamente que eu não queria accusar a commisão. Poço, portanto, aos srs. tachygrafos que façam esta rectificação.

Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação: — Peço que se communique ao sr. ministro do reino que o desejo interpellar sobre o estado de segurança publica no districto do Porto. — Nogueira Soares.

Mandou-se fazer a communicação respectiva

O sr. Cezar de Vasconcellos: — Mando para a mesa uma representação assignada por muitos moradores do bairro de Belem, pedindo que, no caso que a camara resolva, que o collegio militar seja mandado de Mafra para Lisboa, ou seus arrabaldes, se escolha o convento da Boa-hora. Peço que a esta representação se dê o mesmo destino que leiu sido dado as outras similhantes.

O sr. Jacintho Tavares: — Pedi a palavra para fazer este requerimento.

Ficou sobre a mesa para ter seguimento na seguinte sessão.

O sr. Bivar. — Mando para a mesa duas representações, da camara municipal de Silves: uma pedindo a extincção dás terças dos concelhos; e outra reforçando o pedido da camara municipal de Villa-Nova de Portimão, para que se conceda o sêllo á alfandega desta villa.

O sr. Silva Pereira. — Na sessão de 5 de março renovei a iniciativa de um projecto, que, sendo admittido, foi remettido á commissão de guerra, que deu sobre elle um parecer; acontece, porém, que o illustre relator desta commissão me diz que o mandou para a mesa; e na mesa sou informado que não está; na secretaria tambem não está; por isso peço a v. ex. que dê as providencias necessarias para que se saiba onde existe este parecer.

O sr. Secretario (Rebello ele Carvalho): —.Na mesa não costumam ser demorados os pareceres, que se apresentam, remettem-se logo para a secretaria, para lerem o devido destino; em quanto no de que se tracta, sou informado pela secretaria, que foi remettido á commissão de marinha, por isso que se re solveu que, sobre o projecto do sr. Silva Pereira, fosse ouvida esta commissão, a qual ainda não apresentou o seu parecer sobre elle.

O sr. Presidente: — A commissão, que a camara resolveu fosse nomeada pela mesa, encarregada de examinar os decretos de 5 de novembro de 1851, e 24 de dezembro de 1852, sobre legados pios, será composta dos srs. Passos (Manoel), Avila, Barão de Almeirim, Thomaz Northon, e Novaes.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.º 25.

O sr. Cezar de Vasconcellos: — Sr. presidente, faço justiça ás intenções com que a illustre commissão de fazenda exarou este parecer; entretanto eu não posso conformar-me com elle pelas razões que vou expor á camara.

Sr. presidente, ou estes terrenos são necessarios, e indispensaveis para nelles continuarem as obras, que provisoriamente se fizeram, ou não o são. Se são precisos, era indispensavel que fossem previamente indemnisados os proprietarios, a quem elles fossem tirados; porque por serem para fortificações não se póde fazer uma excepção a respeito destes proprietarios; devendo-se-lhes pagar a indemnisação prévia, como se faz a todos, devendo ler-se em consideração que ainda que haja muita necessidade de fazer certas obras, quando não ha dinheiro para ellas, e entra nas despezas a expropriação, não se fazem; por que a carta constitucional prohibe expressamente, que se tire a propriedade ao cidadão, para qualquer fim, sem que previamente seja indemnisado. E porque hão de ser exceptuados os proprietarios dos terrenos occupados pelas linhas de defesa da capital? Não vejo esta razão fundada em nenhum principio, em nenhuma lei nem de justiça, nem de moralidade. Portanto eu não posso concordar nesta especie de differença que a illustre commissão propõe, que não resolve o negocio dos requerentes, e adia a questão, propondo que o governo quando proceder a trabalhos, pelos quaes se conheça qual é a porção destes terrenos necessarios para nella se traçarem, e alli ficarem as obras de defeza da capital, lin, tendo conhecimento pela carta constitucional, de que estes proprietarios devem ser indemnisados dos seus terrenos, para que hei de concorrer, se approvar o parecer, para que continuem a ficar privados do uso da sua propriedade, sem terem sido previamente indemnisados della? Comtudo a illustre commissão, reconhecendo esta violencia, recommenda que continue essa violencia por mais um anno: — e é nisto que eu não posso concordar.

De mais, sr. presidente, não nos illudamos; eu peço a attenção principalmente de um dos illustres membros da commissão, meu amigo e condiscipulo, e antigo companheiro, o sr. Palmeirim; eu não intendo mesmo que dessa espera que a commissão propõe, resulte nenhum beneficio, porque o nobre deputado sabe perfeitamente, que ha duas ordens de fortificações, fortificações permanentes, e fortificações de campanha ou passageiras. Ora, eu estou convencido de que as fortificações que existem estabelecidas em volta de Lisboa, são fortificações propriamente passageiras e de campanha, e para as fortificações propriamente passageiras não ha necessidade de expropriações. Se n'um ponto qualquer em que se encontra uma força militar, precisa defender-se, cobrir se, fortificar-se, levantar fortificações passageiras, que existem em quanto existe a necessidade que obrigou a levantar essas fortificações; mas acabada essa necessidade, muitas vezes sem acabar a guerra, porque basta mudar o theatro da guerra, abandonaram-se essas fortificações passageiras, e muitas vezes é necessario levanta-las em outro ponto para onde o theatro da guerra foi mudado. Por consequencia, digo eu, que para as fortificações passageiras que hoje existem estabelecidas em volta de Lisboa, não ha necessidade de expropriação, e devem ser abandonadas.

Diz -se Mas talvez o governo queira estabelecer um systema de fortificações, uma linha de defeza de Lisboa» Ora eu peço aos illustres deputados que me digam com a sinceridade e lealdade que eu lhes reconheço, se essas fortificações hão de ser fortificações passageiras e de campanha? De certo que não; hão

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do sei fortificações permanentes, debaixo de um systema de fortificações completo e perfeito, porque não havemos de fazer como os rapazes, quando os ameaçam com alguma cousa de que tem medo, que tapam a cara, mas ficam com o resto do corpo descoberto; hade ser um systema combinado de fortificações, não só pelo lado de terra, mas mesmo desde a foz do Tejo. Já se vê que este systema de fortificações demandaria uma despeza enormissima. Não duvido que daqui a 200 annos Portugal esteja em estado de fazer essa linha de defeza, mas espero que não serei eu nem nenhum dos illustres deputados que havemos de ter o gosto de vêr edificar essa linha.

Ora, se nós não temos esperança na nossa vida, nem mesmo talvez os nossos descendentes, de vêr edificar essa linha de defeza, ad quid fazer desde já uma despeza nas circumstancias apuradas em que nós estamos, com a expropriação de terrenos para uma obra que se hade fazer sabe Deos quando? Eu confesso francamente que não posso votar nem pelo parecer da commissão, nem pela substituição do sr. Carlos Bento, e que só votarei pela emenda do meu amigo o sr. Cunha. Não digo que a redacção seja a melhor; e o illustre deputado concordará nisso; mas a idéa é a unica que eu approvo, isto é, que desde já se determine, que os terrenos sejam entregues a seus donos, e já elles fazem um grande favor, um grande beneficio ao estado em os acceitar no estado em que estão, além do prejuizo que tem soffrido no espaço de 20 annos.

Eu leria desejado que effectivamente este negocio não tivesse vindo aqui; não queria que se soubesse lá fóra, que estando estes terrenos occupados por espaço de 20 annos com as chamadas fortificações da capital, no fim de 20 annos não podiamos ainda resolver esse negocio, o não se tinham feito os traçados de uma linha de defeza da capital. Eu intendo que era melhor não se ter sabido isto lá fóra; mas já que desgraçadamente este negocio veiu á discussão, repito, não posso approvar nenhum arbitrio a não ser a idéa do meu amigo o sr. Cunha para que desde logo esses terrenos sejam entregues a seus donos, porque se ámanhã fôr necessario levantar fortificações, hão de levantar-se com a mesma facilidade, com que se levantaram essas. As fortificações de campanha levantam se com a maior rapidez, tão rapidamente como se levantaram as fortificações de campanha na cidade do Porto em 1832, quando alli chegou o exercito libertador; não digo que fosse bom o traçado dessas fortificações, mas o caso é que Sua Magestade Imperial chegou ao Porto, designou differentes districtos aos commandantes das brigadas e disse-lhes — cubram-se, ponham-se em estado de defeza —; e elles cobriram-se, resistiram e as fortificações levantaram-se e foram-se melhorando com o tempo, apesar das dos nossos adversarios serem um modelo, e a unica cousa boa que tenho visto em Portugal neste genero. Estimo muito ler esta occasião de prestar esse testimunho á intelligencia dos engenheiros que dirigiram esses trabalhos das fortificações do exercito do senhor D. Miguel, porque realmente foram executados com toda a habilidade e conforme os desenhos e modelos que tenho visto e lido nos livros. Mas estarão neste caso as fortificações que se levantaram em volta de Lisboa? Eu intendo que é conveniente que ellas se destruam, mesmo para que quando fôr necessario que se tomem a levantar, se levantem debaixo de um traçado mais regular e mais conforme com os preceitos da arte e com as conveniencias da defeza de Lisboa, quando isso seja preciso; mas como não vejo hoje necessidade dessas fortificações, que são fortificações passageiras, e a expressão mesmo está dizendo que foram levantadas para servirem na occasião, e que depois não servem, julgo que se devem abandonar e entregar os terrenos a seus donos.

Intendi não dever votar silencioso nesta materia, porque ainda que soldado veterano, já pouco capaz de entrar nas lides da guerra, comtudo sempre fica um geitinho, e ao menos por honra da firma sempre quiz exprimir o meu voto que é pela emenda do meu amigo o sr. Cunha redigida da maneira que se julgar mais conveniente, porque eu o que approvo é a idéa. (Apoiados — Muito bem)

O sr. Palmeirim: — Sr. presidente, na sessão anterior expliquei a minha opinião e a da commissão de fazenda, a qual foi unanime em reconhecer a justiça dos pertendentes; porque a camara não póde desconvir em que não é o negocio do sr. Dultra o que se discuto sómente, mas o complexo de todas as reclamações, que hoje acordaram. Se se tractasse só do requerimento do sr. Dultra, sabendo-se quanto vale o capital da sua propriedade, sobre este se orçaria a renda, que seria insignificante, e para a qual o governo se acha tão habilitado pelo cofre da guerra, como o está ha 10 annos a respeito do sr. Freire Alte, cuja verba nunca foi pedida em orçamento algum. Se se attender a que nesta questão, tracta-se do rendas vencidas, de rendas actuaes, e talvez do expropriações, é necessario saber quanto valem todas estas especies; e é isto o que a commissão ignora, e para cujo arbitramento nem mesmo é competente. E quem é que o deve saber? É o governo; e é por tudo isto que a commissão intendeu que o negocio lhe devia ser remettido, não para esquecer a renda corrente, porque esta desde que se pediu á camara, não póde nem deve ser esquecida.

Sr. presidente, em quanto ás rendas passadas ignoram-se os contos de réis da sua importancia; e a commissão andou prudentemente pedindo informações, e accelerando a resposta definitiva para a sessão vindoura.

O illustre deputado por Santarem que acabou de fallar, discutiu tambem a defeza de Lisboa, pelo lado technico, e referiu-se a mim, como o unico militar que pertenço á commissão de fazenda; mas eu devo dizer que na commissão de fazenda não se póde tractar o requerimento, senão pelo lado administrativo; mas a minha opinião é que as linhas de Lisboa taes como são, de nada valem; que tem defeitos, e que servem só de receio tanto aos donos dos terrenos para não bulirem nas obras militares, como de sobresalto ao governo pelo receio de reclamações, de destruições, etc.

Deve se reconhecer dê uma vez para sempre que os obstaculos materiaes, as defezas inanimadas de pouco nos valerão. A defeza da patria deve estar nas forças vivas, em melhor organisação, no levantamento em massa, e no patriotismo da nação. Na guerra antiga valiam muito as fortificações, e multiplicadas e dispendiosas praças; mas depois que o grande Frederico a despeito dellas percorreu a Allemanha, e Napoleão a Europa; depois que o systema decisivo consiste nas marchas e nas grandes batalhas, as fortificações contrariam-se a condições muito mais circumscriptas, e

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a uso mais modelado, Resolver este problema em relação a defeza do nosso paiz é assumpto grave e scientifico, mas que é preciso resolver. E a minha opinião não é, sr. presidente, de todo conforme com a do sr. Jose Estevão, em quanto asseverou que terreno ou casa occupada por militar nunca mais e largada; porem ha muitas fortificações, castellos e pequenas praças que hoje conviria mais que fossem demolidas e arroteadas para a agricultura, do que conservadas como importantes para a defeza do paiz.

Ontro sr. deputado, o sr. Placido, deu como assentado que a parte do terreno em questão, a do Casal do Pombo em Campo d'Ourique, é posição indispensavel para a construcção de uma obra de defeza; mas eu ignoro-o, e até o mesmo governo que na sua propria resposta inculca, não ter ideas assentes sobre os terrenos que deve conservar ou abandonar.

Tambem se apresentou a idéa de demolir completamente as linhas; mas ainda este é outro ponto que a commissão não póde resolver, negar, ou acceitar.

Sr. presidente, por todos os lados que se discuta este negocio, hão de encontrai a lealdade da commissão, o desejo de acertar, e de fazer justiça; e de certo ella acceitará o que parecer melhor; mas o nobre deputado, o sr. Avila, andou bem, quando disse que é precisa a presença do governo neste debate; e achando-se hoje presente o sr. ministro da fazenda, e o mesmo governo que póde pronunciar-se sobre a conservação, ou abandono das linhas, e sobre quaes são as despezas a calcular no orçamento, idéas ambas, que o officio do sr. duque de Saldanha não resolveu, talvez com o receio de que a commissão podesse dar parecer differente.

O sr. Camarate — Sr. presidente, a respeito desta questão bem se póde applicar o que disse um dos grandes generaes de França, quando, perguntando-se-lhe como é que elle tendo sido deputado 19 mezes, e tendo 48 annos de serviço, não tinha apresentado no pai lamento as mesmas ideas que escreveu na sua obra da constituição militar de Fiança, respondeu — que no parlamento as vozes mais fortes é preciso repetirem-se muitas vezes, para se fazer reviver a mais pequena parte da verdade mais pequena.

E doloroso que isto seja de vez em quando unia verdade; mas nesta questão não ha duvida nenhuma que tem toda a applicação. A illustre commissão de fazenda, o governo actual, os governos passados, nem ninguem nega o direito de propriedade e o direito de indemnisação; ninguem contraria ou desconhece o artigo da carta constitucional, que determina que se indemnise previamente, quando se expropria; mas os factos infelizmente contrariam o principio constitucional, (Apoiados) lista divida, que é verdadeiramente sagrada, tem por companheiras muitas outras dividas; mas o governo não se tem achado habilitado para indemnisar estes proprietarios, assim como não tem estado habilitado para satisfazer a todos os credores do estado.

Sr. presidente, a questão, quanto a mim, é muito simples. Reconhece se o direito da propriedade, e tracta-se de vêr qual ha-de ser a maneira, porque devem ser indemnisados estes proprietarios de que tracta o parecer em discussão, Elles têem a ser indemnisados das rendas preteritas e das rendas futuras, se os terrenos continuarem a conservar-se fortificados, e essas rendas futuras terminarão immediatamente que se reconheça se são ou não convenientes essas fortificações. Eu julgo que a camara não se póde achar convenientemente habilitada para tractar da questão se são ou não convenientes estas fortificações; e se ella o não está, não póde definitivamente dizer — entreguem-se os terrenos a seus donos — porque isso poderia involver um desperdicio e não pequeno. Ora parece-me que a camara satisfará a tudo, convidando o governo a apresentar uma proposta para que se dê a competente indemnisação pelo que diz respeito ás rendas preteritas, e se estabeleça uma verba para pagamento das rendas futuras, até que se determine se convem que subsistam as fortificações. (Apoiados) Parece-me que deste modo se satisfaz tudo. (Apoiados.)

Agora quanto á linha de defeza da capital, devo lembrar um principio, de certo conhecido por todos os srs. deputados, e é que as fortificações assim como as machinas supprem de certa maneira a falla de braços. As fortificações passageiras tem mais importancia do que muita gente lhes concede; e se as praças de guerra tem perdido da sua importancia, é por que tem diminuido ha muitos annos pura ca o numero dos sitios e augmentado o numero das batalhas descresse o dos sitios, cresce o das batalhas.

O grande general de França, recommendava bem que tivessem em toda a consideração as praças denominadas de campanha, que eram effectivamente as fortificações permanentes.

As linhas de defeza devem-se considerar tanto para as guerras internas como para as guerras externas. Se o exercito tem por fim defender o paiz das aggressões dos estrangeiros, e de conservar a ordem interior, as fortificações, que supprem parte da força desse exercito, não podem deixar de considerar-se que tem o mesmo duplo fim.

E fóra de toda a duvida que ris fortificações necessarias para defender o paiz de um exercito estrangeiro inimigo, não podem limitar-se ás fortificações que hoje existem em Lisboa; não póde de modo nenhum: nem um exercito como o que existe hoje, composto só de 20:000 homens póde ser sufficiente para defender o paiz de uma aggressão estrangeira; um exercito de 20:000 não póde senão servir de nucleo á massa nacional, onde espero encontrar aquelles srs. deputados que julgam que a independencia do paiz não se póde sustentar com a força que lemos actualmente.

Parece-me prudente, e até muito necessario que não se arrasem desde já essas fortificações, que ternos á roda da capital. Ellas já nos serviram de muito, tem-nos servido mesmo nessas desgraçadas dissenções politicas que te nos lido, e além disso nessas obras tem-se gasto mais de 160:000$000 reis, e não me parece conveniente que não se queria esperar algum tempo para se conhecer, se é conveniente conservar essas fortificações, antes de decidir definitivamente a questão da entrega dos terrenos a seus donos. Os donos desses terrenos tem direito a serem indemnisados das rendas preteritas, e a que o estado lhes pague uma renda futura em quanto estiver de posse desses terrenos, e lhes não sejam entregues definitivamente, o que só poderá ter logar, quando se considerar que são inuteis essas fortificações

Ora eu não offereço esta pequena modificação ao parecer da illustre commissão de fazenda, porque o sr. Corrêa Caldeira, segundo me parece, vai pedir a

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palavra para mandai para a mesa uma proposta neste sentido, a qual de collo prestarei o meu voto.

Não digo mais nada sobre esta questão: julgo que j «dia está completa e sufficientemente tractada. (Apoiados.)

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, eu não sou da opinião do illustre deputado que acaba de fallar, que achou que a questão estava esgotada, e que tem sido mui lo bem tractada. Eu digo francamente — que da parte dos srs. deputados que se tem occupado dessa questão, tem ella sido muitissimo mal tractada. (Riso.)

Sr. presidente, é necessario encarar as cousas como ellas são; e necessario uma vez por todas dizer a verdade tal qual ella é, e não vir com distincções escolasticas, methafisicas, pueris e insignificantes que envergonham.

O que significa a differença entre a questão militar e a questão civil, quando se tracta do direito de propriedade? As linhas de Lisboa consideradas como questão militar — são as ruinas; consideradas como questão civil — são o direito da propriedade. Ora entre o direito de propriedade e as ruinas, voto pelo direito da propriedade, e contra as ruinas.

Peço ao illustre deputado, que é militar, que me diga — se acaso Lisboa fosse ameaçada por qualquer força, as linhas de Lisboa, no estado em que estão, serviriam para alguma cousa? Eu não sou militar; mas intendo, com tudo, que é um grande erro dar o caracter de linhas permanentes ás linhas de Lisboa taes como estão. As linhas de defeza de Lisboa foram imperfeitas na sua origem, e são hoje imperfeitissimas; não podem sei vir para cousa nenhuma; precisam-se outras novas; por consequencia o governo conservando aquellas linhas no estado em que estão, retem o alheio, isto é, retem em si a propriedade alheia contra vontade de seu dono, e sem utilidade nenhuma para o estado.

Sr. presidente, censuram-me dizendo — que eu não tracto bem os meus collegas; que sou duro nas minhas expressões, violento nas minhas frases. Póde ser que tudo isto assim seja; mas, como já disse em outra occasião, a minha intenção não é offender ninguem. Se entro nas discussões com algum calor, depende isso do meu temperamento; se as minhas frases são mais violentas, é porque não posso vêr a sangue frio proclamar doutrinas que reputo absurdas. — A commissão do fazenda, escondendo os factos, leve a coragem de dizer que era inexacta a asserção que eu avancei a respeito destes proprietarios serem collectados em decima pelos terrenos que o governo occupava. (Uma voz: — A commissão não o disse.) Disse-o o sr. Santos Monteiro, e comtudo estes proprietarios pagam decima, porque um delles paga de fóro á casa de Anadia 38$000 réis, e paga de decima de fôro -4$800 réis — cifras redondas; o governo, que occupa a quarta parte do terreno, devia pagar a quarta parte do fôro, e a quarta parte da decima, mas não o tem feito, não o faz; e sendo o fôro dessa parte que o governo occupa correspondente a 9$000 réis, e a decima a 1$400 réis, o resultado é que em 20 annos tem o proprietario esbulhado pago indevidamente mais de 200$000 réis!... E diz um illustre membro da commissão de fazenda com muito entono, que não é exacto que estes terrenos sejam tributados!... Inexacto é o que o sr. deputado disse.

O illustre deputado, o sr. Palmeirim, admirou-se da bonhomis dos proprietarios em lerem estado 20 annos sem reclamarem.

O sr. Palmeirim. — Eu disse — sem usarem do seu direito perante os tribunaes.

O Orador: — Esta declaração do illustre deputado, a significar alguma cousa, deve significar que os proprietarios não teem direito; mas o sr. deputado é membro da commissão de fazenda, e a commissão reconheceu o direito dos proprietarios.

Accresce que uma senhora, que tambem é proprietaria de um terreno occupado com as linhas de defeza da capital, requereu ao governo que lhe pagasse a renda; o governo mandou ouvir o procurador geral da fazenda, o qual foi de opinião que aquella senhora linha direito a receber a renda, e effectivamente a está recebendo; de maneira que a camara está nesta bonita situação: o procurador geral da fazenda pôde mandar pagar, e effectivamente o governo paga, a camara não póde nada! E na verdade é este o resultado logico da situação, quando um parlamento abdica a sua dignidade, calca aos pés os seus fóros, e desattende todos os seus deveres. O procurador geral da corôa póde, e a camara não póde!... E esta a consequencia da desattenção com que a camara é tractada pelo governo, e do pouco caso que os illustres deputados fazem dessa desattenção. A camara não póde nada, mas é nesta situação; a camara não póde nada, e comtudo as camaras que não abdicam as suas prerogativas, podem tanto que deitam abaixo os ministerios; aqui a camara não póde nada; mas lá fóra as camaras podem alguma cousa!

O sr. Justino de Freitas suppoz que eu tinha approvado o decreto de 19 de novembro de 1846, e prestado apoio aos ministerios passados. E necessario uma vez por todas acabar com as recriminações passadas, com quanto eu as não tema, porque desde o primeiro dia que me sentei na camara, fui sempre opposição; tudo quanto me pareceu erro e desacerto, teve a minha reprovação, e nos ministerios passados dei rarissimas vezes o meu voto; em todas as medidas velei por via de regra contra, muito contra; mas esta censura não prova senão falla de memoria daquelles que m'a dirigem, os seus preconceitos contra mim, a impotencia do seu rancor, e a sua incapacidade para defender os seus actos.

E estais ahi a fallar e a dizer, dirigindo-vos para este lado — «vós defendestes e approvastes o decreto de 19 de novembro de 1816, e apoiaste o governo passado» — Onde e quando defendi eu o ministerio passado? Não fostes meus collegas então? Onde e quando vistes que eu apoiasse o governo passado? Eu estive na opposição, onde estou tambem hoje, e vós estais no centro e na direita, e vindes dizer que eu apoiei o ministerio passado! Quando? Pelo amor de Deus! Sede mais circumspectos, para não me ajudardes a levar a invectiva mais adiante nesta questão.

Aqui ha duas questões a considerar — ha a da renda passada, e a da renda futura. — Em quanto ás rendas passadas, o credito que o governo tem, é tal que os proprietarios perdoam as rendas, não querem saber de dividas passadas; e quanto ás futuras, pedem ao governo que lhes não tire mais daqui em diante: os proprietarios dizem — queremos o nosso terreno, e não queremos que pagueis nada do que deveis — o ainda assim a camara não annue ao seu pedido, ainda

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assim a camara não quer! E dizem depois disto que a frase que ou emprego, é severa e violenta, e que os meus discursos são apaixonado» 1 Pois vós que calcais aos pés as vossas aspirações, os vossos precedentes, os vossos instinctos, vós que maltractais os cidadãos nos seus direitos, e na sua propriedade, vós que não tendes respeito, nem consideração nenhuma por este povo, que não respeitais nenhum dos seus direitos, que calcais todas as considerações, e todos os deveres, que maltractais todo o paiz, todo o direito, e toda a justiça, que é mais que o direito, e que escandalisais o paiz com os vossos actos e com as vossas palavras, podeis levar amai que eu vos maltracte, que a minha frase seja severa e violenta, e que o paiz se queixe dos vossos erros e desacertos? E eu, como representante do paiz, não hei-de stygmatisa-los, não hei-de dizer que fazeis mal! Pelo amor de Deus! acabemos com isto; é necessario uma vez por todas acabar com as recriminações do passado. Pelo nossa systema parlamentar, a invectiva é o recurso; e o calor que uma pessoa toma nas discussões, depende da sua organisação, e a minha não é tão fleugmatica como a do illustre deputado. Na minha opinião estou persuadido que nunca houve em paiz nenhum uma opposição tão branda e menos severa do que esta. Vós, que estais citando todos os dias a historia parlamentar da Inglaterra, da França, da Hespanha e da America, deveis saber que ainda ha pouco tempo uni orador da tribuna ingleza, dirigindo-se para lord Palmerston, lhe disse — Eu venho agora da minha quinta, e ouvi na estrada muito burro a zurrar, e é o que vós me pareceis. — Nas camaras da França á injuria na tribuna succede o duello; e aquelle que injuria o seu adversario, expõe-se a pagar com a vida esta affronta. Aqui não ha senão dois homens que se combatem; cada um delles sustenta a sua opinião: aqui está o representante do paiz, lá fóra está o cavalheiro, se a força da convicção levar muitas vezes a empregar frases mais ou menos violentas, mais ou menos severas; quando alguem se julgar offendido, lá fóra está o homem. Por consequencia escusamos de estar aqui contradictando-nos, porque eu não venho para aqui para fazer cumprimentos, vim aqui para ad vogar os interesses do paiz, e para exprimir livremente a minha opinião, e dizer a verdade, embora essa verdade vos desagrade.

Eu não accuso unicamente o governo; accuso o governo e a maioria perante o paiz, porque o paiz não é só o parlamento composto de 154» homens; lá fóra estão 3 milhões de habitantes, que nos hão de pedir contas da maneira como cumprirmos os nossos deveres.

Por conseguinte, rejeito o parecer da commissão, porque não quero dar o meu assentimento áquillo, que reputo um saque, uma violencia e um roubo, porque o roubo é reter o alheio contra a vontade de seu dono, e eu, como sou christão, não quero ir contra o setimo mandamento da lei de Deos.

O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, eu na sessão passada não disse que um dos proprietarios, que linha documentado o seu requerimento, não pagava decima; o que disso simplesmente, e repito hoje é, que a decima não é lançada senão sobre o rendimento, e que não póde ser collectada a parte do terreno, que não é possuida pelo proprietario. (O sr. Cunha: — Mas o.) Se o é, faz muito mal em o consentir; e por mais que o illustre deputado se esforce em dizer, que aquelle proprietario paga decima, eu

digo que não paga. (O sr. Cunha. — Então peço a palavra para uma explicação, porque hei de mostrar, com documentos, que paga, para que a camara não esteja illudida.) O Orador: — Os documentos estão aqui: não póde pagar a decima, sob pena do querer passar por idiota, e de se querer deixar espoliar. — Não póde ser collectado na parte do terreno que não possue; e se o fosse, tinha recursos, e recursos muito simples de que lançar mão para não pagar.

A camara está no uso e costume de ouvir todos os dias, e a todas as horas... eu não sei a frase de que me sirva... está habituada a ouvir umas certas expressões, que já o paiz inteiro sabe de cor, porque são sempre as mesmas expressões, a que eu não respondo, nem a camara deve responder.

Eu pedi a palavra, por parte da commissão, muito expecialmente para dizer a rasão porque ella não póde conformar-se com as emendas mandadas para a mesa. Ninguem podia esperar que este parecer servisse para se tractar uma questão, que não está em discussão, nem o póde estar; isto é, se deve haver ou não tinha de fortificações em Lisboa. Mas como esta questão se tem tractado, lerei á camara a opinião do sr. presidente do conselho, que é ao mesmo tempo commandante em chefe de exercito, expressada a 19 do abril, opinião que a commissão não podia deixar de exarar no seu parecer em dois periodos delle. Eu não intendo de fortificações, nem sei se são mixtas, passageira, ou permanentes; o que sei é o que aqui está extractado no parecer. (Leu)

Onde está aqui que o governo e a camara querem tirar a propriedade aos cidadãos? No que tanto o governo, como a cara, estão conformes, é em que os proprietarios devem ser indemnisados. Podia a commissão apresentar á camara algum outro parecer, sem saber o valor desses terrenos? O que fez a commissão, o mais que podia fazer, é pedir ao governo que resolva esta questão, no mais breve espaço de tempo possivel; isto é, no intervallo que decorre ate á proxima sessão. O governo diz no seu officio, que vem aqui impresso, e que os nobres deputados não podem deixar de ler lido, que é sua opinião que se conservem as fortificações de Lisboa. E havemos nós de estar a disputar, se ha de haver ou não fortificações em Lisboa, sem audiencia do governo, no interesse do mesmo governo? Eu creio que não.

Eu não entro na questão — se o governo deve, ou não deve pagar a renda — a commissão reconheceu o direita dos proprietarios, nem podia deixar de o reconhecer. O que ella propõe, é, como já disse, que o governo venha á camara, no mais breve espaço de tempo, declarar se ha de ou não haver fortificações, e propôr os meios necessarios, porque isso depende de saber quaes os terrenos com que fica, para haver a indemnisação.

Ora, quanto á renda a commissão reconhece que o proprietario de quem se tracta, tem direito a ella, e ale já na sessão passada eu disse por parte da commissão, que me conformava com a opinião emittida pelo sr. José Estevão, de que neste caso havia duas distincções a fazer, uma era a das rendas preteritas, e outra a da indemnisação, quando o governo intenda que lhe convém ficar na posse dos terrenos.

Eu, sr. presidente, pedi a palavra mais para rectificar o que disse em relação ás decimas, do que para outra cousa, por isso que estou convencido, que

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não se póde já fazer mais, senão repelir aquillo que já está dicto, muito principalmente depois do que referiram os dois illustres deputados, membros da commissão, os srs. Justino de Freitas e Palmeirim, que na minha opinião explicaram perfeitamente o negocio. Estou persuadido que uma outra qualquer commissão a quem fossem remettidos todos os papeis respectivos ao negocio de que se tracta, não podia, na actualidade, dar o seu parecer differente daquelle que se apresenta, e este parecer acha-se em harmonia com a opinião do sr. Avila, não só como ministro, mas ainda como deputado, porque assim o expressou na sessão de antes de hontem.

O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Eu vou apresentar poucas palavras á consideração da camara, mais com o intuito de vêr se posso prevenir um certo azedume que vejo nascer na discussão, do que com o de esclarecer a assembléa, porque não tenho essa pertenção. Parece-me que seria imprudente, se por parte do governo emittisse a opinião de que se devia mandar arrasar desde já a linha de fortificação á roda de Lisboa, achando-se mesmo no estado em que presentemente se acha (Apoiados).

Tambem sou militar, mas não quero enfastiar a camara com opiniões militares, até mesmo porque intendo que o assumpto, que verdadeiramente se discute neste momento, é mais administrativo do que outra cousa. Parece-me pois que não será prudente o destruirem-se as linhas, porque infelizmente mais de uma vez tem sido necessario recorrer ás fortificações de Lisboa nos diversos acontecimentos, que não desejo agora fazer recordar.

O reconhecer o direito que o proprietario tem a uma indemnisação, pelo tempo que o estado esteve de posse do seu terreno, é uma cousa indispensavel, e nem o governo, nem a camara, póde recusar-se a isso, porque acima da camara e do governo esta a lei fundamental do estado (Muitos apoiados).

Tambem estou de accôrdo, que este reconhecimento se não deve limitar a um reconhecimento simples, esteril e sem resultados; (Apoiados) e parece-me haver um meio de se chegar a um termo rasoavel, e que possa fazer sair a camara das difficuldades em que actualmente se acha. Intendo, como já disse, que não convém arrasar as fortificações; e neste estado de cousas o que é preciso, é reconhecer desde já o direito de propriedade, e mandar-se pagar a renda correspondente á propriedade retida. (Muitos apoiados) Neste ponto parece-me não poder haver duvida, nem da parte da camara, nem da do governo (Apoiados) mesmo porque o governo já fez o mesmo com relação a uma outra pessoa, que se acha nas mesmas circumstancias, e que vem mencionada no parecer. (Uma voz: — Bem; está acabada a questão) O governo ainda se não oppôz a isto, nem julgo que a commissão o fizesse...

O sr. Corrêa Caldeira: — Agora depois de v. ex. fallar não se oppõe de certo.

O Orador: — Peço ao illustre deputado não azede a questão, porque para ella se não azedar é que pedi a palavra. O avaliar a indemnisação que se deve pagar, isso é que depende dos estudos que o governo fizer, dos traçados dos terrenos, e do valor dos mesmos; mas quanto a pagar-se a renda desde já da propriedade relida, para isso é que não julgo que os estudos sejam precisos. (Apoiados)

Sobre este ponto pois parece-me que o governo póde satisfazer os desejos da camara, declarando que ha-de propôr, ou fará incluir no orçamento a verba necessaria para este pagamento. Creio que, dicto isto, a camara deve ficar satisfeita. (Apoiados, e vozes: — Muito bem, muito bem)

O sr. Corrêa Caldeira: — Eu tinha pedido a palavra para mandar para a mesa uma proposta, que está de accôrdo com o que acaba de dizer o sr. ministro da fazenda, e é a seguinte:

Proposta: — Proponho que o requerimento e parecer voltem á commissão, para que seja tomada em consideração no orçamento da despeza a pretenção dos supplicantes, e se inclua nelle uma verba definida, para que se pague a importancia annual da renda dos terrenos que occuppa a linha das fortificações de Lisboa, segundo o que se verificar por competente avaliação, em quanto durar a occupação desse terreno; ficando o pagamento das rendas dos annos anteriores dependente da proposta do credito respectivo, que o governo devera apresentar na sessão proxima, declarando nesta então, ou se já restituiu os terrenos, de que se tracta, aos seus proprietarios, ou se é necessario que se proceda á expropriação dos mesmos terrenos em virtude da utilidade publica. — Corrêa Caldeira.

Foi admittida, e ficou em discussão.

O sr. Presidente: — A proposta que acaba de ser admittida, imporia um adiamento, por isso que propõe que o parecer volte de novo á commissão.

O sr. Santos Monteiro: — Eu, sr. presidente, não me opponho á proposta do sr. Corrêa Caldeira, por que ella está de accordo com o pensamento da commissão; mas a commissão é que não póde incluir a verba no orçamento, sem que o governo calcule a renda que no mesmo orçamento deve ser incluida.

Por tanto, ainda intendo que o parecer deve ir ao governo, para que, lendo em attenção o valor da propriedade, proponha a verba competente, para se fazer esta despeza: e não tenho, como já disse, a menor duvida em approvar a proposta do sr. Corrêa Caldeira, mesmo porque o seu pensamento é o da commissão.

O sr. José Estevão: — A questão na minha opinião está resolvida; mas assim mesmo não estou disposto a votar por ella sem restricções, e restricções que desejo communicar ao sr. ministro. Voto que se paguem as rendas, que se forem vencendo, mas que se distingam deste pagamento as rendas passadas, e o pagamento do terreno que haja de se expropriar ao proprietario: voto com a condição de que todos os estudos a que até agora se tem procedido respectivamente ao traçado definitivo da linha de Lisboa, se concluam quanto antes, para serem apresentados á camara o mais breve possivel. (Uma voz: — Essa idéa lá está na proposta.) Sei que este negocio está em andamento; mas sei tambem que elle tem andado pouco, e que para o anno já nem as rendas voto. Se para o anno se não apresentar ainda o traçado definitivo, desde já declaro que hei de votar Indo ao abandono.

O sr. Carlos Bento: — Eu, sr. presidente, voto a favor do adiamento, e vejo com prazer que se realisa o pensamento de uma proposta que mandei para a mesa.

Desde o principio intendi logo que o parecer da illustre commissão não satisfaria a todos os preceitos e indicações que se desejavam; e folgo muito de no

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fim da discussão, estar de accordo com todos os illustres deputados, e principalmente com os illustres membros da commisão de fazenda. Esta occasião é-me summamente agradavel, não para fazer prevalecer o sentimento do amor proprio; mas, não posso deixar de dizer a um illustre membro da commissão de fazenda, que avançou nesta casa o haver impossibilidade na adopção da minha proposta, que aqui tem s. ex.ª agora a camara inteira intendendo, que o pensamento da minha proposta não só é realisavel, mas ate de necessidade o adoptar-se. Disse se que a proposta era impossivel e que não podia chegar a nenhum resultado, mas a camara provou o contrario, e depois do que disse o sr. ministro, parece-me que já um grande resultado se alcançou. (Apoiados)

Estou acostumado a ser minoria, e se sou muita vezes solitario nas minhas ideas, se não redarguo muitas vezes aos argumentos apresentados contra as minhas opiniões, não é de certo por intender que elles não teem resposta Em politica sou uni homem muito serio; e antes de fazer as cousas, penso nellas: sei que o que propuz, era uma cousa possivel, de accordo com todos os factos e com todos os orçamentos, por que em todos elles se tem incluido verbas para satisfazer a encargos desta natureza, como para pagamentos de lettras do Ultramar, indemnisações pelos predios queimados em 1833, ele

Acaba de dizer um membro da commissão que a proposta do sr. Corrêa Caldeira contam o mesmo pensamento do parecer da commissão. Pois o pensamento da proposta de adiamento será o mesmo que o parecer que se discute. Se acaso este parecer preenchia todos os deveres, e todas as indicações: se acaso elle era a resolução desta questão no mais breve prazo possivel; como e que se approva agora a proposta mandada para a mesa, ou a idea enunciada pelo sr. ministro da fazenda!! Agora ha já um prazo mais breve; e já a illustre commissão aceitou o pensamento de se incluir no orçamento uma verba para o pagamento desta despeza! E qual era a idea da minha proposta? Era o respeito e acatamento ao direito da propriedade. (Apoiados) Era esta a falla que havia no parecer da illustre commissão de fazenda. Por ventura seria possivel que esta camara ficasse muda, e se conservasse silenciosa a respeito da applicação dos principios de justiça, e que deixasse lá fóra aos magistrados, a honra de pugnarem pela applicação desses mesmos principios?! Ainda bem que esta camara se não calou; ainda bem que os eleitos do povo mostram respeito pelos direitos da propriedade: o reconhecimento dos direitos da propriedade é a civilisação. (Apoiados)

Perguntarei aos illustres membros da commissão: no orçamento não ha creditos supplementares? Não ha verbas definidas nestes creditos? Pois os illustres membros da commissão veem a possibilidade de se atacar o direito da propriedade, só por que não estava ainda liquidada a despeza que se devia auctorisar? Pois isto imporia difficuldades para se consignarem n'um credito supplementar os meios necessarios para se poder pagar? Pois não está o orçamento crivado de creditos supplementares?!

Sr. presidente, eu não entro na questão das fortificações; e é por isso que na minha proposta quiz conciliar o pensamento que me pareceu essencialmente governativo, não querendo comprometter, de modo algum, a idéa de se estas fortificações deviam ou não subsistir; não quiz comprometter este principio; mas nem mesmo assim, nem apezar de toda a moderação com que redigi a minha proposta, ella pôde escapar ás iras do illustre deputado. Eu folgo em declarar com o illustre deputado que intende — quem ataca a independencia da nossa bandeira, ha de encontrar contra si uma nação armada = nisto tenho a opinião de um grande capitão, que dizia — que uma nação em querendo ser independente, que o é. — Tenho tambem a opinião de um illustre historiador, que fallando a respeito deste mesmo capitão, disse — que elle se enganou perfeitamente em um seu plano, por que depois de ter vencido os exercitos da Prussia, cuidou que era facil vencer uma nação na Hespanha; porem a independencia nacional provou que era mais forte uma nação que um exercito. — E na verdade, esse mesmo capitão foi mais feliz na Prussia que na Hespanha; por que na Prussia encontrou um exercito, e na Hespanha encontrou uma nação: e todos que tiverem o desejo de atacar a independencia deste paiz, hão de encontrar uma nação inteira contra si.

Está escripto no codigo fundamental, que as expropriações não são permittidas sem previa indemnisação. Ora uma indemnisação depois de 20 annos, parece-me que já não é indemnisação previa! Não esperava pois ver contestar os meios, pelos quaes se quer de algum modo fazer cessar a grande offensa que o codigo tem experimentado durante 20 annos!

Por tanto depois do que disse o sr. ministro da fazenda, parece-me escusado dizer mais nada; e concluo felicitando a camara e o governo por ter apresentado um meio que nos tira das difficuldades e da situação em que nos achavamos collocados, fazendo que se realize desde já o que o parecer da illustre commissão não realisava, apesar dos bons desejos dos illustres membros da commissão, e apesar de eu fazei justiça ás boas intenções dos cavalheiros que a compõem; porém a experiencia tem mostrado, que as boas intenções prestam para muito pouco, se ellas não são acompanhadas dos meios de realizar aquillo que está no nosso coração; até é proverbio que o inferno está cheio de boas intenções — Portanto fazendo justiça ás boas intenções da illustre commissão, com tudo não posso deixar de felicitar a camara poise ler realizado o fim que todos nós tinhamos em vista.

O sr. Justino de Freitas; — Levantei-me particularmente para responder ao sr. Carlos Bento. O illustre deputado fez uma moção, e eu não me irritei contra ella, nem disse cousa alguma que podesse offender, nem de leve, a s. ex.ª; eu ponderei sómente as difficuldades, que essa moção poderia encontrar na sua execução, ao passo que a conclusão do parecer da commissão remedeia todos os inconvenientes que se possam dar. Não intendo que s. ex.ª se arrogue o direito de fazer censuras a quem impugna as suas opiniões, por uma maneira tão decente como eu o fiz. Cada um dos deputados póde apresentar as suas opiniões, e não intendo que se faça offensa a ninguem contestando essas mesmas opiniões.

Agora pelo que pertence á proposta, direi que a approvo; nem outra cousa foi nunca da intenção da commissão, porque a commissão reconheceu, desde o principio, o direito que teem esses proprietarios á indemnisação das rendas dos seus terrenos; porém a commissão intende ainda que este objecto não póde deixar de ser submettido ao go-

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verno, para que elle declare qual o valor dessas remias, a fim de ser incluida no orçamento uma verba correspondente, trazendo á camara uma proposta neste sentido. E nesta parte que eu impugno o additamento do sr. Corrêa Caldeira. A commissão só por si nada póde fazer, por isso que ignora todas as circumstancias com relação a esses terrenos; a commissão não sabe qual o valor dessas propriedades, qual a parte que está occupada, nem a renda que lhe corresponde: isto depende de uma liquidação que só póde ser feita pelo governo. A commissão reconheceu o direito, que teem estes proprietarios, pedindo que essa pertenção fosse remettida ao governo, para elle trazer á camara as propostas necessarias, afim de poderem ser attendidos, e introduzida no orçamento a respectiva verba de despeza. É esta a conclusão do parecer da commissão; e é por isto que ainda voto.

Creio que na minha ausencia o sr. Antonio da Cunha fez algumas allusões contra o que eu havia dicto quando fallei, lançando sobre mim algum stigma por ler fallado no decreto de 19 de novembro de 1846. Não me e possivel responder ao illustre deputado, porque não sei o que s. ex.ª disse; entretanto o que é certo, é que s. ex.ª quando falla, julga ter direito para dizer tudo quanto quer; e além disso noto, que poucos são os assumptos que não são tractados com alguma poesia da parte do illustre deputado; neste caso applico-lhe os versos de Horacio-

Pictoribus atque poetis cuilibet audendi semper fuit aequa potestas.

O sr. Avila: — Esta questão acabou depois da declaração que fez o sr. ministro da fazenda, e as observações feitas por alguns membros da illustre commissão de fazenda é que teem dado logar a que ella continue. Quando fallei sobre este assumpto, disse logo, que havia dois meios de resolver a questão, um era mandar o parecer ao governo, afim de que o governo viesse pedir á camara um credito supplementar para pagar esta despeza; o outro era mandar este requerimento á commissão de fazenda, para que ella de accôrdo com o governo propozesse no orçamento uma verba para pagar esta mesma despeza — Este segundo expediente foi aquelle que o sr. ministro da fazenda adoptou. S. ex. reconheceu a justiça desta pretenção, e expoz principios, que o honram, e pelos quaes não posso deixar de lhe dar os meus louvores; o que estimo sempre ter occasião de fazer.

Os exemplos da illustre commissão de fazenda é que me não parecem bem fundados: — Diz a illustre commissão — «Não sabemos qual a verba que se ha de lançar no orçamento para fazer frente a este encargo — é verdade; mas o sr. ministro da fazenda proporá essa verba á commissão na conferencia que com ella ha de ter a este respeito, como s. ex.ª mesmo indicou: para que quer pois o illustre commissão obrigar o sr. ministro a trazer uma proposta á camara com todas as formalidades para resolver uma questão, que se póde resolver com muito maior simplicidade? Não é um emprego que se vai crear, ou supprimir, não é um ordenado, que se vai augmentar ou diminuir: e é precisamente para qualquer destas hypotheses que é necessaria uma proposta de lei ignora por ventura a illustre commissão de fazenda, que nos parlamentos anteriores se tem consignado no orçamento, por proposta das respectivas commissões, cellas verbas para despezas transitorias da natureza da de que se tracta? Por exemplo não votaram os parlamentos anteriores uma verba para restituição de depositos, e outra verba para pagamento de letras no ultramar?

Não escrupulise portanto a commissão nisto, uma vez que o sr. ministro reconhece que em quanto o governo estiver de posse dos terrenos, deve-se pagar renda aos seus donos.

O sr. ministro fez muito bem em não querer resolver uma questão que pertencia ao seu collega o sr. ministro da guerra, declarando cathegoricamente, se o governo havia ou não mandar destruir as fortificações á roda de Lisboa; eu approvo essa reserva e concordo com s ex. em que, em quanto esta questão não fôr resolvida, é preciso fazer justiça a estes proprietarios; o que peço a s. ex.ª é, que faça com que essa questão seja resolvida o mais depressa possivel. S. ex.ª mandando proceder á avaliação desses terrenos e vendo em quanto importa a renda dos mesmos, se intenderá depois com a commissão de fazenda para se incluir no orçamento.

Nada mais tenho a accrescentar, e voto pelo adiamento proposto pelo meu amigo e collega o sr. Corrêa Caldeira, e peço de novo aos meus illustres collegas e membros da commissão da fazenda, que não insistam nos seus escrupulos a este respeito, obrigando o sr. ministro a trazer á camara uma proposra, que se póde muito bem dispensar no caso de que se tracta.

O sr. José Estevão — Sr. presidente, não poso deixar de me associar em tom festival á glorificação universal desta grande questão, em que tudo triunfou de batalhas, que se não deram, e em que ha feridos de derrotas que não houve! A fallar a verdade posso resistir á commoção que me agita!!... A discussão foi larga, longa, e marca uma era nos fastos parlamentares, e até politicos. Até já se chamou á resolução da camara, uma resolução auspiciosa, quer dizer agourenta!!... isto é grave. A camara resolveu segundo os principios da carta; segundo o direito natural da jurisprudencia universal, e da justiça distributiva e de todas as palavras rebombantes que se empregaram e que deviam estar socegadas e caladas para melhor occasião.

Sr. presidente, até se disse — a minha idéa! — De maneira que esta lai minha idéa era pagar uma renda a quem se devia!!... Ora, a fallar a verdade esta idéa é muito nova, ou o auctor muito velho?

Sr. presidente, o governo não tem casa sua, onde a imprensa nacional trabalhe, e por isso paga pela casa onde ella está, uma renda, o governo não tem casa sua onde estabeleça a administração do correio, e o estado paga uma renda ao proprietario da casa onde elle se acha estabelecido. Isto é natural. Faz-se uma bateria n'uma terra particular, e o estado é obrigado a pagar a renda do terreno que occupa. Nada mais logico e mais natural, e no entretanto a pobre caria, tantos homens distinctos, toda a rhetorica em peso, e a historia de Napoleão, tudo isto em movimento, tudo isto em inquietação, toda esta lufa lufa, e para que? Para uma grande scena de ridiculo!

Sr. presidente, a questão devia ler outra direcção, que ninguem lhe quiz dar. Em quanto ás rendas passadas, a minha opinião é, que deviam ficar para medidas geraes, assim como todas as outras; e em quanto ás rendas futuras é preciso pagal-as, se o governo quizer servir-se bem ou mal daquelles terrenos onde tem

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um simulacro de baterias. Intendo que se os proprietarios quizessem usar dos meios judiciaes, mas não os reprehendo por não lerem usado delles, já lia muito tempo Irariam de ter obtido completa justiça.

Eu, sr. presidente, vou na turba dos socialistas que foram derrotados pelos projectis que foram lançados das baterias!! Isto verdadeiramente é uma tempestade n'um copo d'agoa. Se estes proprietarios tivessem appellado para os tribunaes, e se fossem energicos, já se lhes tinha feito justiça, porque se os nossos tribunaes não são energicos, não lhes fallam comtudo principios de justiça. Tudo isto é uma lastima positivamente, e um homem sente-se humilhado por se vêr empenhado n'um debate desta ordem, em vêr agitado tantos talentos, e em vêr empregada tanta eloquencia para uma bagatella que a camara e a commissão não podia deixar de resolver num instante A camara resolveu aquillo que não podia deixar de resolver, nem a commissão de fazenda teve outro pensamento. (Apoiados)

Sr. presidente, o que eu disse, foi fóra da ordem, e tudo quanto se tem dicto é fóra da ordem; e se é ridiculo, está votado.

A commissão n'uma das conferencias com o sr. ministro combinará qual a verba que se ha de lançar no orçamento para satisfazer a este encargo, lista é a solução que ha a seguir, porque a primeira vez que a commissão se aviste com o sr. ministro está resolvida a questão, porque recebe de s. ex.ª a declaração de quanto importam as rendas, e consigna-a no orçamento. (Vozes: — Votos, votos)

O sr. Presidente — Todos estão de accôrdo, é verdade; mas o caso é que os srs. deputados vão-se inscrevendo, e vão querendo que se lhes dê a palavra

O sr. Julio Pimentel — Peço a v. ex. que consulte a camara se a materia está sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida

O sr. Presidente: — Vai lêr-se a proposta do sr. Corrêa Caldeira. (Leu-se)

O sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello). — Lembrava, visto que todos os lados da camara concordam no alvitre que apresentei, que eu receberia como uma deferencia da camara para comigo, se se contentasse com a declaração solemne e terminante de que levarei á commissão do orçamento a verba para se satisfazer a esta despeza. (Apoiados geraes) Se a camara quizer saír por este meio, intendo que não ha nada a votar. (Vozes: — Muito bem, estamos satisfeitos)

O sr. Corrêa Caldeira: — Em vista da declaração do sr. ministro, peço licença para retirara minha proposta.

Foi retirada.

O sr. Presidente: — Parece-me que a substituição, e o adiamento do sr. Corrêa Caldeira se acha retirado e substituido pela declaração do sr. ministro. (Muitos apoiados)

O sr. Maia (Francisco). — Parece-me que não se póde prescindir de se votar o parecer da commissão, por isso que foi sobre elle que versou a discussão. (Vozes: — Não é preciso)

O sr. Presidente: — Eu vou consultar a camara para acabar com toda esta discussão. Os srs. deputados que são de voto que o parecer da commissão, a substituição do sr. Carlos Bento, e a proposta do adiamento do sr. Corrêa Caldeira, está substituido tudo

pela declaração do sr. ministro da fazenda, levantam-se.

Assim se resolveu.

O sr. Presidente: — Vai lêr-se o projecto n.º 22, que ficou adiado, para quando estivesse presente o sr. ministro da fazenda.

(Foi lido na mesa — V. este projecto a pag. 3 67 — 1.ª col. do vol. 4.º deste anno)

O sr. Pinto de Almeida — Sr. presidente, na sessão de 30 de abril do corrente anno propuz o seguinte adiamento:

«Proponho o adiamento dos projectos n.ºs 22 e 23 até que se discuta o orçamento.»

Achando-se em discussão esta proposta, fallou sobre ella o sr. Avila que concluira mandando para a mesa uma proposta de adiamento, até que estivesse presente o sr. ministro da fazenda. Este adiamento foi approvado, mas agora que está presente o sr. Ministro da fazenda, intendo que se deve tractar do meu adiamento, que não foi prejudicado pela approvação do do sr. Avila.

Ha ainda outra razão porque intendo que se devem adiar os projectos que confirmam pensões; e é não se ler satisfeito pelo ministerio da fazenda ao requerimento feito pelo sr. D. Rodrigo de Menezes nas sessões de 10 e 28 de maio.

Não julgue a camara que eu quero demorar esta discussão, propondo o adiamento della, por não ter coragem para declarar qual o meu voto; já o disse e repito, que voto contra todas as pensões, começando por estas que estão dadas para ordem do dia de hoje; porque intendo que não ha ninguem que dê esmolas quando dellas precisa

O sr. Presidente: — O adiamento proposto pelo illustre deputado tinha sido prejudicado pelo do sr. Avila; mas como agora renova a sua proposta para entrar em discussão, é preciso que 5 srs. deputados a apoiem.

O sr. Pinto de Almeida: — Eu intendo que não é preciso ser novamente apoiada a minha proposta, porque já foi apoiada em 30 de abril, quando foi adiada a discussão deste projecto.

O sr. Presidente: — Houve um outro adiamento que prejudicou o do sr. deputado, que foi o do sr. Avila. No entretanto esta questão evitava-se, se 5 srs. deputados apoiassem o adiamento.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Peço licença a v. ex.ª para observar que o illustre deputado é contra o projecto, mas não propõe o adiamento delle. Recorda simplesmente, em consequencia do seu melindre, que linha proposto o adiamento, quando se ventilou este assumpto, mas não o renova; e não póde continuar, porque o adiamento do illustre deputado caducou: por consequencia o que está em discussão é o parecer da commissão, e sobre elle é que devem fallar os srs. deputados que pedirem a palavra, em quanto senão mandar para a mesa uma proposta de adiamento. Peço, por tanto, a v. ex. que mantenha a discussão nestes limites.

O sr. Presidente: — Não sou eu que hei de decidir esta questão. É preciso que se consulte a camara sobre se está ou não prejudicado o adiamento do sr. deputado Pinto de Almeida.

O sr. Avila: — Intendo que o adiamento do sr. Pinto de Almeida está prejudicado pelo adiamento que propuz, e que foi votado. Peço a v. ex.ª que o mande lêr.

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O sr. Presidente. — O adiamento proposto pelo sr. Avila foi até que estivesse presente o sr. ministro da fazenda, mas como agora o sr. Pinto de Almeida intende que o seu adiamento deve continuar a vigorar, porque o do sr. Avila não o tinha prejudicado, esta questão hade ser decidida pela camara; mas primeiramente é preciso que o sr. deputado diga se renova o seu adiamento.

O sr. Pinto de Almeida: — Renovo o adiamento.

O sr. Presidente: — Na fórma do regimento, é preciso que 5 srs. deputados apoiem este adiamento, para elle poder entrar em discussão.

Nao foi apoiado, e por tanto continuou a discussão sobre o parecer.

O sr. Cezar de Vasconcellos: — Sr. presidente, não tinha tenção de fallar nesta materia, porque intendia que a camara a resolveria sem mesmo haver discussão; (Apoiados) e como tenho de fallar a favor deste parecer, que póde e deve ser approvado, desejo antes que v. ex.ª me reserve a palavra para depois que se apresente alguma objecção ácerca delle, que hei-de sustentar, se houver quem o combata. (Apoiados.)

Não havendo quem pedisse a palavra, foi submettido á votação e approvado o projecto na generalidade.

O sr. Palmeirim: — Proponho que passemos á discussão da especialidade.

Assim se resolveu, e foi logo approvado na especialidade sem discussão.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do projecto N.º 23.

E o seguinte

Projecto de Lei (n.º 23). — Senhores: A commissão de fazenda examinou a proposta de lei, apresentada a esta camara em 12 de março ultimo, pelo sr. ministro da guerra a fim de que, na conformidade» do § 11.º do artigo 75.º da carta constitucional, podesse ser approvada a pensão que, por decreto de 3 de dezembro de 1851, fóra concedida ao menor Macario de Castro e Sousa Pinto Cardoso, filho do coronel Joaquim de Sousa Pinto Cardoso, morto em consequencia dos ultimos acontecimentos politicos.

A commissão, convencida da justiça deste acto do governo, e attendendo nos longos serviços do referido coronel; é de opinião que a proposta de que se tracta, seja Convertida no seguinte projecto de lei

Artigo 1.º É confirmada ao menor Macario de Castro e Sousa Pinto Cardoso, filho do coronel Joaquim de Sousa Pinto Cardoso, morto em consequencia dos ultimos acontecimentos politicos, a pensão mensal de 45000 réis, correspondente ao soldo da patente daquelle official em tempo de paz, que lhe foi concedida por decreto de 3 de dezembro de 1851.

Art. 2.º Esta pensão durará até o agraciado chegar á idade de 25 annos, se antes della não houver obtido algum emprego.

Art. 3.º Esta pensão assim concedida será satisfeita ao interessado desde o dia do fallecimento de seu pae, pelas vagaturas que occorrerem nas classes inactivas, na conformidade do artigo 4.º da carta de lei de 16 de novembro de 1841.

Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 21 de abril de 1853. — Francisco Joaquim Maia = Justino Antonio de Freitas = José Alaria do Casal Ribeiro = Augusto Xavier Palmeirim = Antonio dos Santos Monteiro.

O sr. Pegado — Desejo ouvir a commissão de fazenda sobre este parecer; porque vejo que se propõe uma pensão de 45$000 réis mensaes para um menor, filho de um official que fez muitos serviços ao estado, e com quem se deve ter toda a contemplação. A commissão propõe uma pensão de 45$000 réis mensaes, mas não percebo bem esta recompensa de serviços. Eu vejo que em Portugal ha uma instituição que premeia muito bem os serviços dos officiaes: na Europa não ha uma instituição que premeie tão. exuberantemente os serviços dos militares, como é o collegio militar, admittindo ali os seus filhos; por tanto intendo que ficará muito mais bem recompensado o menor de que se tracta, mandando-o entrar no collegio militar. (Uma voz — Já não tem idade para isso)

Espero pois que a illustre commissão de fazenda me dê alguns esclarecimentos, para em virtude delles votar a favor ou contra o parecer.

O sr. C. M. Gomes; — Sr. presidente, quasi sempre, senão sempre, tenho votado contra a concessão de pensões; porque sempre tenho diante dos olhos que os sacerdotes da sociedade, os professores de ensino primario, têem annualmente 90$000 réis, nominalmente, e só agora pagos regularmente; e isto, quanto a mim, quer dizer que o estado não tem meios nem para as suas primeiras necessidades. Pensões ha, como a que acaba de passar, contra as quaes voto silenciosamente; mas não posso fazer outro tanto a respeito da que está em discussão. Limito-me com tudo a enunciar os novos motivos que me levam a votar contra o projecto. Informaram-me que o individuo de que se tracta, é filho natural do fallecido coronel; é a um filho natural, a um mancebo saído apenas das faixas infantis, que se quer dar uma pensão de 540$000 réis, tanto quanto se dá ao official que pelos seus bons serviços, prestados por muitos annos, chega a merecer as dragonas de major.

A pensão é continuada até os 25 annos de idade; isto é, o estado ha-de sustentar, e generosamente, ainda aos 24 annos de idade, um homem com braços e pernas em estado de servir, mas sem prestar serviço algum. E ainda mais o recebimento da pensão ha-de começar não agora, mas desde a data do fallecimento do coronel Cardozo!

Ora note a camara só esta circumstancia: reconheceu-se aqui a justiça, que assiste aos proprietarios dos terrenos, occupados pela linha de defeza da capital a receberem a renda dos seus predios; conhecemos essa justiça, mas disse-se que se lhes pagassem as lendas que se vencerem daqui em diante, mas emquanto aos atrasados isso ficava para medidas geraes. Reconhecido isto para os proprietarios dos terrenos, não posso concordar em que a pensão demais comece a ser recebida em relação a uma data anterior á sua votação.

O sr. Pegado: — Sr. presidente, eu disse que votaria pro ou contra, segundo as informações, que a illustre commissão de fazenda me desse; mas como não ouvi ainda rasões nenhumas a favor do parecer, farei sobre elle algumas considerações.

As observações feitas pelo sr. Gomes são na verdade muito fortes. Accrescentarei por esta occasião, que o governo 3 vezes mandou á camara dos deputados propostas de pensões para as viuvas e menores dos officiaes de malinha que morreram na explosão da fragata D Alaria, quando este navio foi aos ma-

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res da China para revindicar o ultrage feito ao pavilhão portuguez pelo assassinato traiçoeira mente perpetrado em um dos mais distinctos e benemeritos officiaes da nossa marinha, e com tudo a illustre commissão de fazenda ainda não apresentou parecer algum sobre estas propostas, tendo eu já pedido á illustre commissão que apresentasse, logo que podesse o seu parecer, e tendo ella promettido ha 3 meses que o apresentaria? Eu bem sei que estas considerações são muito pouco efficazes; mas ao menos desejo, que a camara dê uma consideração ás viuvas e menores dos officiaes que estão em circumstancias de merecerem a contemplação do estado; e por certo são muito especiaes as daquelles que foram victimas da explosão da fragata D. Maria

Quanto á questão; se o menor de que se tracta, não tem a idade para ser admittido no collegio militar, de certo que nesse caso o não póde admittir; e por isso intendo ser mais preferivel que um projecto de lei dispense essa clausula da lei, uma vez que esse menor merece essa contemplação: vejo na verdade uma circumstancia, que devia influir muito neste parecer, qual é, por exemplo, a que apontou o sr. Gomes, e é a de ser filho natural. Por estas razões eu não posso deixar de votar contra o parecer.

O sr. Silva Pereira: — Sr. presidente, fui amigo e camarada do pai do individuo de que se tracta; e eu diligencio sempre porque a amizade que consagro aos meus amigos, e os serviços que lhes possa prestar, vão alem da vida. Comtudo essas relações de camaradagem em muitos campos, em muitos quarteis, e em muitas batalhas, não hão de fazer com que eu altere a tenção em que estou em relação á conducta que devo seguir, quando se tracta de administrar os dinheiros publicos. (Apoiados)

Desejo que a camara, com quanto possa lera convicção de que não falta aos seus deveres, esteja na resolução de ser austera. Receio que a grande pensão, que se propõe ao filho do meu amigo, por exaggerada não passe nesta camara. Desejo tambem que ao homem que morreu valentemente, fazendo entrar na disciplina o seu corpo sublevado, a camara não deixe de dar-lhe o devido galardão por assim haver cumprido com os seus deveres. (Apoiados) É por estas razões que eu proponho que, em logar de 45 mil réis que vem no parecer da illustre commissão, se lhe dêem 12 mil réis, auctorisando-se o governo a conceder esta pensão ao filho do coronel Cardoso, ou a admitti-lo no collegio militar, como melhor conviei; e nesta conformidade mando para a mesa a seguinte

Proposta: — Proponho que seja o governo auctorisado a conceder uma pensão alimenticia ao menor Macario de Castro e Sousa Pinto Cardoso, até chegar á idade de 20 annos, ou admitti-lo no collegio militar. — Silva Pereira.

Foi admittida, e ficou conjunctamente em discussão.

O sr. Justino de Freitas: — Eu exporei simplesmente as considerações que a commissão leve para apresentai este parecer, isto é, quanto á quantia. A commissão intendeu que não podia entrar na discussão desta quantia, porque a proposta sobre que assenta o parecer, e do governo, e na conformidade da caria só ao governo é que pertence fazer a proposta sobre pensões; a camara rejeita ou approva; mas nem alterar a proposta que se propõe. A commissão

Intendeu que era esta a intelligencia do artigo da carta, isto é, que não pertence á tâmara fazer alterar a pensão que o governo houver proposto, embora se resolva como questão previa este ponto.

Ora á primeira vista a quantia de 45 mil réis parece muito avultada, mas devo lembrar que esta quantia tem a deducção de 30 por cento, e por tanto vem a ficar em 32 mil réis. Mas ha considerações muito maiores, que. varam a commissão a votar por esta pensão. A commissão intendeu, que era necessario respeitar os serviços do official que morreu no seu posto tão corajosamente: é um tributo, para assim dizer, que a camara não póde deixar de pagar; e eu intendo que aquelles que apoiam a regeneração não podem deixar de approvar este parecer.

Demais esta pensão não é de caracter vitalicio, como outras; é uma pensão temporaria, e cessa logo que o agraciado complete a idade de 25 annos. Por tanto a camara que tem sido tão liberal e generosa em premiar serviços, não só votando pensões, mas até augmentando o soldo dos brigadeiros reformados, não póde agora amesquinhar-se em deixar de galardoar os serviços daquelle official, que foi victima do seu dever para manter a disciplina no corpo do seu commando. Foram estas as rasões, porque a commissão confirmou a pensão que lhe veiu proposta do governo.

Agora responderei ás observações que fez o illustre deputado ácerca das pensões ás viuvas e menores dos officiais de marinha, que pereceram na explosão da fragata D. Maria. Essa proposta veiu junta a outras que a commissão teve de considerar, ouvindo o governo, mas a commissão discrepou em alguns pontos da proposta do governo; por consequencia quer vêr se se póde conciliar neste objecto com o sr. ministro, e por esta razão é que não tem trazido mais cedo á camara essas pensões; mas de certo as hade trazer em tempo competente.

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, o individuo de que se tracta, é filho de uni official que morreu victima do seu dever, porque, havendo-se sublevado os soldados do seu regimento, pertendeu faze-los entrar na disciplina, e por consequencia a camara não póde ser indifferente á sorte desse official, cujo exemplo todos devem seguir em igual situação.

Ninguem, pois, duvida que o filho desse valente militar deve ficar a cargo do estado, para este o sustentar e educar; a questão unica que ha a resolvei, é a do quantitativo da pensão. Inquestionavelmente esta pensão é um pouco exaggerada, porque ninguem dirá que seja esta a quantia que se deve dar a um individuo em lai situação até á idade de 25 annos; e a camara deve lembrar-se, que, estabelecendo ama pensão de tal ordem, deve ficar esse precedente para todos os individuos em identicas circumstancias. O estado não póde nem deve dar um real mais do que é necessario, para que este mancebo seja sustentado e educado do mesmo modo que seu pai o sustentaria e educaria.

Se a camara não tem direito para cortar esta pensão, como já se disse, então ver-me-hei na necessidade de votar contra ella. Mas isto não é dizer que não reconheço a obrigação que o estado tem de tomar conta deste mancebo; intendo, porém, que em presença das circumstancias pouco lisongeiras das nossas finanças, depois de lautos coites e reducções que se tem feito na despeza publica, depois das modificações

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que tem experimentado a nossa divida, para vêr se e possivel chegar a nivellar a receita com a despeza, a camara não deve votar mais um real do que aquillo que é indispensavel para o fim que se propõe, que é a sustentação e educação do filho de um homem que morreu victima dos seus deveres; e pela minha parte desejaria antes que se adoptasse a idéa do sr. Pegado, de ser admittido no collegio militar, porque, completados d estudos, linha logo diante de si uma carreira brilhante a seguir.

Concluo portanto rejeitando o parecer da commissão, sem de nenhum modo rejeitar o fim que se tem em vista.

O sr. Palmeirim: — Sr. presidente, como membro da commissão sustento o parecer como elle está, e peço á camara que attenda a que os 45$000 reis de pensão se reduzem nas classes inactivas a 22$000 réis. Intendo não acceitavel a idéa do filho do coronel Cardozo ser forçado a entrar no collegio militar, porque isso não só depende da sua constituição fysica, ou idade e habilitações, mas se sair reprovado, ou chegar aos 18 annos antes de acabar o curso respectivo, será despedido e ficará sem meios de se sustentar, o que seria contra a intenção da camara. Segundo a idade que presumo ao menor, a pensão só lhe durará, quando muito, por 9 ou 10 annos. A camara deve reparar que esta pensão não é vulgar, mas tem muito de politica, e na sua proposta se revela o cavalheirismo, e as optimas qualidades do nobre duque de Saldanha; mas sobre tudo a camara galardoou os serviços e as virtudes militares do valente coronel Cardozo, que soube morrer querendo reduzir o seu regimento á disciplina, á obediencia, e cumprindo o rigoroso dever de soldado, a despeito de todas as circumstancias em que se achou.

O sr. José Estevão: — Sr. presidente, eu penso que nós não tractamos de premiar serviços. Na pensão que discutimos e naquella que acabamos de votar, não podemos ter em vista senão honrar boas acções e acudir a grandes desgraças; serviços não creio que os haja de ordem que provoquem um acto de beneficencia e consideração do corpo legislativo. Qualquer que fosse o merecimento, bravura e dedicação dos dois militares, um que já galardoamos, e outro que tractamos de galardoar, não se illustraram elles em feitos de tal ordem que, segundo as regras geralmente estabelecidas e a legislação de todos os paizes, se dê o caso de se lhes dar um soccorro extraordinario e com elle um testimunho de consideração por esses serviços?

Sr. presidente, esta pensão tem uma significação especial, propria, singular. (Fozes. — É verdade) Essa significação não exclue a severidade que o parlamento deve ter em assumptos desta ordem, mas impõe-lhe um dever, pelo menos a mim, de não deixar sem um testimunho de consideração o desgraçado filho de um militar, que deu nas nossas luctas civis um iam e famoso exemplo de preferir o seu dever e a morte (Apoiados) ás especulações, e ás perspectivas que traz sempre uma revolução caudilhada por um nome illustre e sympathico no exercito. Porque, sr. presidente, não disimulemos: não fallam, nunca faltaram, e graças a Deos, nunca hão de fallar no exercito portuguez homens valentes e briosos; mas esta longa practica de revoluções, esta longa practica de interesses prematuros e inesperados, estas promoções mostruosas, estas ascensões repentinas por, n'um momento de crise, se ler decidido pela carta ou pela constituição, isto não póde deixar de ter calado no animo de todos os officiaes que muitas vezes lhes é conveniente esquecer os deveres da disciplina para se tornarem complacentes com uma revolução nascente.

Que fez esse homem de cujo filho se tracta? Esse homem poz de parte todas estas considerações, saíu de todos estes actos, de toda esta rotina, foi superior a todos os interesses, e disse — eu sou soldado, e eu morro debaixo das minhas bandeiras.... Sr. presidente, eu sou revolucionario, já o fui, e se-lo-hei sempre, porque o sou de principios e de acção; mas como revolucionario não quereria ter destes inimigos; como homem que se enthusiasma por nobres feitos, desejaria sempre, sem prejudicar a victoria da causa em que eu estivesse empenhado, poder abraçar inimigos de lai ordem (Vozes: — Muito bem) e senão offerecer-lhes um logar junto a mim e faze-los companheiros do meu triunfo, o que elles era provavel que nobremente desdenhassem, ao menos aponta-los ao meu paiz, e a todos os homens de coração nobre, por homens que tinham posto o dever e a honra acima de todas as conveniencias. (Apoiados). Sr. presidente, este exemplo é raro e rarissimo, e não deve ser desprezado. (Vozes: — Muito bem)

O nosso galardão é um testimunho de consideração por este nobre feito, um excitamento a disciplina, ás virtudes militares, e uma prova de grande desprendimento de paixões politicas; porque seja dicto, sr. presidente, a justiça e a misericordia devem ser isentas de toda a vaidade (Apoiados); mas é necessario tambem desculpar-se a vaidade, se ella fôr precisa para advogar a causa da justiça.

Não quero que deixe de se registar neste parlamento onde a maioria se suppõe significar as idéas de um partido, que tem sido por tantas vezes espesinhado, e que tem tantas victimas nessa maioria — que se approvou silenciosamente a pensão de um militar que linha combatido por uma causa contraria aos principios desta maioria, que se linha assignalado ria victoria a mais famosa que se tinha ganho contra esse mesmo partido; e este silencio não foi sujeição á situação, e este silencio não foi um preito forçado a conveniencias politicas (Apoiados) este silencio foi o recolhimento profundo pelas desgraças daquelle militar (Vozes. — Muito bem) e um exame retrospectivo dos nossos infortunios e das nossas luctas.

Mas antes disso foram precisas palavras, e essas palavras não foram só do orador da esquerda, foram do general vencido e balido, não pessoalmente, mas no exercito em que elle figurava, pelas forças que foi preciso chamar do estrangeiro para supprir a sciencia e a espada, que não eram bastantes contra uma causa tão popular, e ião geralmente acceita no paiz.

Sr. presidente, eu posso fazer impunemente estas allusões, posso-as fazer, fazia-as mesmo se estivesse alli (Nas cadeiras do ministerio) o illustre marchal, a quem nellas me dirijo, porque as não dirigia a um homem fátuo pela sua historia, porque as dirigia a um homem de coração portuguez, e a um bom cidadão (Fozes — Muito bem); e por isso eu respeito-o e considero-o.

Eu sou militar, folgo da vida militar, acho-a nobre, elevada, e dramatica; (Riso) mas respeito e respeitarei mais o bom e leal cidadão, amigo da sua teria, promotor da paz, e das artes, da riqueza, e dos progresso» moraes que ella acompanha, do que

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esses famosos capitães que deixaram um eco brilhante na historia, um éco provavelmente que a civilisação mais desvendada e mais apurada ha de repetir talvez com admiração, mas sem muito acatamento.

Sr. presidente, eu em minha consciencia inlendo que o direito que a carta dá, que a iniciativa que a carta dá ao poder executivo para propôr pensões, poder que já por interpretação, a que eu não accedi, se declarou como um exclusivo do executivo, privando-se assim a camara do direito, que eu julgava que lhe assistia para tomar tambem a iniciativa neste assumpto, digo, não creio que esse direito do executivo vá tão longe, que não só nos obrigue a apoiar, mas que nos obrigue quando apoiamos, a vo-lar exactamente a somma que o governo propõe.

A proposta que se mandou para a mesa, não me satisfaz, e não me satisfaz; primeiro — porque ella tem uma alternativa, que eu não admitto; segundo — porque a pensão me parece pequena, visto que a proposta do governo tem uma intenção benefica, embora não claramente manifestada, intenção benefica que a commissão considera pouco justamente.

Essa criança tem mãi, e eu não sei Se é mãi legitima, se é mãi natural. (Uma voz: — O filho é natural, mas está legitimado) Eu não faço differença das mãis legitimas ás mãis naturaes, quando as vejo affagar com tanto carinho, e cobrir com tantas lagrimas o fructo do seu ventre e dos seus amores; porque, sr. presidente, eu vi essa mãi nos corredores da camara envergonhando-me no interesse, no affecto com que fallava da sorte futura do seu filho, eu vi-a fazendo inveja a muita mãi natural, a muita mãi com essa legitimidade official.

Sr. presidente, os 12$000 réis não chegam para beneficiar a mãi e o filho, e principalmente se, em logar dos 12$000 réis, o filho fôr mandado para o collegio militar. Eu aborreço o collegio milhar, não pelo seu systema de educação, não pelo aproveitamento que d'ahi se póde tirar, não pelo estado em que elle actualmente se acha, não pela muita confiança que me merece o seu chefe, mas porque intendo que é uma instituição viciosa. É uma instituição viciosa, em quanto obriga todos os filhos de militares que merecem entrar alli, a seguir uma vida, para a qual elles não têem muitas vezes nem propensão, nem espirito, nem vontade, nem forças nem capacidade, nem valentia. Muito bem poderiam seus pais e seus avós terem sido militares muito aptos, valentes, activos, fortes, com uma organisação tal, que podessem arrostar com todos os perigos, fadigas e incommodos da vida militar, e estes filhos ou netos não lerem nenhuma destas qualidades, que se não herdam. Póde ser que elles sejam acanhados, tisicos, seccos, magros, indolentes, myrrhados, rhachiticos, e em fim incapazes para a vida militar, mas que entram nella condemnados pelas disposições actualmente estabelecidas, e vão assim carregar com uma arma com que não podem: e nestas circumstancias» entram para o exercito, e em pouco tempo passam para as classes inactivas, porque inactivos eram elles desde o principio. (Apoiados) Abaixo, completamente abaixo, pois, o collegio militar; desse-lhe, e em breve, uma outra organisação.

Eu voto por esta pensão, pelo menos tal como ella foi originariamente proposta pelo governo, mas não intendo que se deva votar por ella desde já. Eu mesmo desde já não voto por ella; e tendo pronunciado a minha opinião tão cathegorica e formalmente a favor desta pensão, não posso com tudo decidir-me a votar já por ella, independentemente de se tomar em consideração outros projectos de pensão que estão na camara.

Parece-me pois que este projecto deve ser por ora adiado. A minha idéa, e o meu fim, fazendo esta proposta, não é offender os direitos do interessado. Proponho pois o adiamento deste assumpto, e pro-ponho-o para que a commissão de fazenda o avalie e considere conjunctamente com outras pensões, que lhe estão affectas.

Eu bem sei, sr. presidente, que ordinariamente quando se faz uma moção destas, intende-se que a pessoa que a faz, quer indirectamente offender ou ferir os interesses das pessoas a quem se refere este objecto principal, e involve-las nas difficuldades das medidas geraes; mas a respeito deste caso que ora se tracta, que é acompanhado de circumstancias ião especiaes, que se apresenta com uma recommendação de justiça e consideração, que não póde de fórma alguma ser desattendida pelo parlamento; e attendendo-se á defesa que eu tomei por esta pensão, ao desejo que tenho de que ella seja votada, não póde dizer-se que a minha intenção, propondo o adiamento, é a de demorar a concessão da pensão, ou indirectamente prejudica-la. Quero, e hei de votar por esta pensão, assim como tambem quero, e hei do votar por outras pensões, que reputo justas, e que já estão submettidas no exame da commissão de fazenda, e o serão á decisão da camara, quando vierem á discussão

Eu tenho feito já a devida distincção entre as pensões que se devem votar, e as que não devem ser approvadas; sei igualmente, e sei bem, portanto, por que devo e hei de votar, e aquellas a que devo e hei de negar a minha approvação: se trouxerem á discussão da camara uma proposta geral a respeito do pensões, misturando com as das pessoas benemeritas aquellas das que o não são, que não precisam dellas, nem as devem ler, eu saberei estremar umas das outras; a camara de certo o saberá tambem; e, como eu, approvará as primeiras, e rejeitará as segundas.

É preciso considerar todas as pensões. Isto não quer dizer que hei-de, ou a camara deva votar por todas as pensões decretadas pelo poder executivo, ou que elle intendeu que devia conceder; quero e hei-de votar só para aquellas que reputar justas, e que infallivelmente devem votar-se, e a respeito das quaes esta camara não póde negar o seu voto; mas antes disto quero saber — se para todas as minhas prestacionistas, para aquellas que só devem ter a consideração da camara, ha ou não os recursos para as satisfazer. E para obter isto, quero eu que a commissão de fazenda reconsidere o assumpto com relação a todas as pensões como, por exemplo, aquellas que dizem respeito ás viuvas, irmãs e filhas dos officiaes de marinha, que morreram em consequencia do acontecimento que teve logar em Macáo. (Apoiados) Concedendo-se uma pensão ás viuvas, irmãs e filhas destes officiaes, não premiamos um serviço, attendemos a um desastre.

Mas tambem temos serviços maritimos a attender, temos feridos e mortes recebidas a bordo de um navio; não foi em grandes combates navaes, não os tivemos, não os temos, nunca os poderemos ter, porque não temos forças para isso; mas houve, não direi um

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combate naval, houve um conflicto ião serio, quanto nós o podemos ler, e viu-se correr o sangue dos nossos officiaes de marinha, e correria em jorros se houvesse quem lh'o quizesse tirar — refiro-me ao que teve logar em Solor e Timor.

Por ventura é este um facto que possa desconsiderar-se? Por ventura neste caso votamos pensões por sangue derramado pelas nossas dissensões politicas! Não é um sangue derramado por um grande serviço feito ao paiz!...

Mas quando se tracta de factos desta ordem, diz-se logo — nada; isso não póde ser; não se podem dar pensões ás filhas, viuvas e irmãs dos officiaes que morreram practicando uma nobre acção, fazendo um grande serviço ao seu paiz, ou sendo victimas d'um grande desastre!... Estas acções, estes actos, estes acontecimentos, estes factos, estas circumstancias, não podem nem devem esquecer-se nunca; a nenhuma attenção para estes acontecimentos, a nenhuma compensação por estes actos, e por taes acções, o silencio sobre tudo isto — não ha nenhum governo que o proponha, nem nenhuma camara que o approve. (Apoiado) Estes officiaes de marinha que morreram, victimas d'uma explosão, os que derramaram o seu sangue, e que morreram victimas d'um accidente maritimo no convez d'um navio para se defenderem do inimigo que os atacava, deixaram viuvas, filhas e irmãs na mais completa miseria e penuria. E preciso attender a estes desgraçados. (Apoiados) Não se póde attender a uns e despresar outros. E por todas estas considerações que eu intendo, que este assumpto deve de novo ser considerado pela commissão de fazenda, e por isso concluo propondo o adiamento da discussão deste projecto; mas concluo com o pensamento recto e insuspeito; não e um pensamento occulto de não renovar o meu voto a favor desta pensão de que ora se Irada. Se se suppõe tal cousa de mim, então eu renego todas as propostas, renego o governo, renego a camara, e vou-me embora. Proponho, pois, o adiamento desta questão, e proponho o adiamento desta questão para a commissão de fazenda a avaliar e considerar com todas as questões de pensões que possam reputar-se da natureza desta, que possam considerar-se em circumstancias especiaes tal como esta, e não no mare magnum das pensões. Reservo-me para votar sobre este projecto em discussão. Em todo o caso não tenho desejo nenhum de causar estorvos á commissão de fazenda; ella sabe que a tenho tractado, tracto e tractarei sempre com toda a consideração e respeito que ella merece, com aquella fraternidade politica que a situação actual pede. Eu e a commissão de fazenda somos bastante governamentaes, e muito ministeriaes. Eu sou muito, muitissimo ministerial; e de crer que quando acabar de o ser, o que não virá tarde, e fôr opposição, hei-de ser muito opposição em todos os sentidos, com todas as suas condições e predicados. Peço, pois, á illustre commissão de fazenda que faça justiça ás minhas intenções, que acredite que eu não tenho intenção de a offender; e propondo o adiamento do projecto n.º 23, peço aos srs. deputados, que poderem, que combinem com o meu adiamento, que o apoiem para o que bastam só cinco.

Foi apoiado o adiamento, e ficou em discussão.

O sr. Avila. — Sr. presidente, o illustre deputado auctor do adiamento, foi quem se encarregou de provar, que não é possivel votar-se um tal adiamento. (Apoiados) O illustre deputado com a eloquencia que lhe é propria, acaba de descrever as circumstancias particulares em que se acha a pensão de que se tracta, e o illustre deputado comprovou de tal modo a justiça desta pensão, mostrou ião evidentemente que a camara não podia negar-lhe a sua plena approvação, que eu esperava que esta pensão fosse votada sem mais discussão; (Apoiados) porque me parecia, que a camara não podia deixar de comprehender o pensamento politico, generoso, conciliador e justo, que tinha levado a administração actual, e sobretudo o seu chefe, o digno presidente do conselho de ministros, a propôr á Soberana esta pensão e submette-la á approvação do corpo legislativo; (Apoiados) e intendia que a camara peneirada deste grande pensamento, não podia deitar de lhe dar a sua sancção, votando esta pensão proposta pelo ministerio. (Apoiados).

Eu não entrarei nas considerações que o illustre deputado grandemente apresentou, e eloquentemente desenvolveu, não só porque o não faria tão bem como o illustre deputado, mas mesmo porque a camara acaba de as ouvir; o que eu desejo e mostrar á camara que a approvação do adiamento proposto, imporia, se não a rejeição da pensão, imporia, pelo menos, que nesta sessão se não vote essa pensão; o que acontecera por certo, se a proposta do adiamento fôr approvada no sentido que tem em vista o seu illustre auctor.

O illustre deputado quer, ou deseja que a commissão de fazenda tome em consideração esta pensão, juntamente com todas as propostas de pensões sôbre que ella tem de dar o seu parecer. É esta idéa coherente com a votação que acaba de adoptar-se a respeito de uma outra pensão? Pois o nobre deputado acaba de votar uma outra pensão, e sem provar que esta se não acha nas mesmas circumstancias especiaes, em que se achava aquella, propõe para esta o que não propoz para a outra. Não me parece muito logica, nem muito coherente uma tal proposta de adiamento. (Apoiados)

Sr. presidente, durante a discussão deste projecto n.º 23, apresentou-se uma consideração, a respeito da qual não posso deixar de dizer a minha opinião, porque, qualquer que seja o resultado ácerca do adiamento, a consideração a que alludo, tem relação com a questão do adiamento, e com a questão principal.

Mandou-se para a mesa uma proposta para que a pensão concedida pelo governo a este menor seja reduzida: e como talvez alguns srs. deputados votem o adiamento na idéa de que a commissão de fazenda tem auctoridade para propôr, e a camara auctoridade para approvar uma reducção nesta pensão, eu peço licença aos meus collegas que sustentam esta opinião, para lhes dizer que não me parece que se possa sustentar uma tal doutrina em vista da carta constitucional. Intendo que é necessario ver bem claro a este respeito para que alguns srs. deputados não votem o adiamento n'um falso presupposto.

Eu intendo que é attribuição privativa do poder executivo conceder pensões, e a carta constitucional no § 11 do seu artigo 75 não deixa a menor duvida a este respeito; porque ahi diz — que pertence ao poder executivo conceder titulos, honras, ordens militares, e distincções em recompensa de serviços feitos ao estado, dependendo as mercês pecuniarias da approvação da assembléa, quando não estiverem já de

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signadas e taxadas por lei — logo pertence sem duvida ao poder executivo decretar pensões, e ao poder legislativo approva-las, ou rejeital-as. Se o poder legislativo tivesse a faculdade de reduzir as pensões decretadas pelo poder executivo, teria tambem a faculdade de as augmentar; o que equivalei ia á faculdade de conceder pensões. Quando a carta não repellisse esta doutrina, a conveniencia publica exigiria, que as camaras estabelecessem este principio, para evitarem os abusos que a concessão de tal faculdade a assembléas numerosa, não deixai ia de produzir.

Se o projecto fôr pois adiado para ir a. commissão de fazenda, a fim de que ella o considere, ou para reduzir o quantum da pensão, conforme propoz um illustre deputado, porque a achou exaggerada, ou para o augmentar, segundo indicou o illustre auctor do adiamento, a commissão não tem nada a fazer a Cale respeito, a commissão de fazenda decerto não vem propôr nem a reducção, nem o augmento da peixão (Apoiados) A commisão fez o que devia fazer, nem ella, nem a camara tem auctoridade para reduzir ou augmentar a pensão decretada pelo executivo, só a tem para a approvar ou rejeitar. Agora se o adiamento é para o projecto ir á commissão de fazenda para ella o considerar juntamente com todas as propostas de lei de pensões que estão submettidas ao seu exame, então esta pensão não se vota este anno, porque é impossivel que no cinto espaço de tempo que resta para findar a sessão, haja tempo não só para tractar de negocios mais importantes e urgentes que a camara necessariamente deve resolver antes de se encerrar, mas tambem para tractar de todas as propostas de pensões que existem na camara. Por tanto votado que seja o adiamento para o fim acima indicado, votado fica desde logo que a resolução desta pensão seja adiada para a sessão seguinte. Sei que o illustre auctor do adiamento não tinha esta idéa, faço-lhe esta justiça; mas o facto do adiamento dá este resultado — a pensão não se vota este anno, e a idéa do governo não se leva á execução nesta sessão.

Por todos estes motivos não posso deixar de votar contra o adiamento.

O sr. Santos Monteiro: — Eu pedi a palavra na discussão da generalidade deste projecto para fazer algumas ponderações, como em resposta a outras que se apresentaram para contrariar o parecer da commissão de fazenda; e se tivesse usado della nessa conformidade, teria chamado a questão para o ponto donde a vi desviar um pouco, porque tractando-se da generalidade desceu-se á especialidade. A generalidade, em quanto a mim, versava sobre um unico ponto, e era, se devia conceder-se uma pensão ou não; na especialidade é que se poderia dizer alguma cousa a respeito dos differentes artigos do projecto n.º 23; mas da discussão geral desceu-se para a especial com pouco proveito para a questão de que se tracta.

Se me tivesse locado a palavra na generalidade, não poderia eu, em defeza da proposta de lei do governo, accrescentar nada, nem até com similhança ao que disse o meu nobre amigo o sr. José Estevão. (O sr. Avila — Apoiado) Dentro desta casa ha, pelo menos, dois deputados que teem rigorosa obrigação de defender esta pensão; não direi quem elles são, porque 11 camara toda o sabe, e intendo que a maioria da camara tem igualmente rigorosa obrigação de a votar; se a não votasse, commetteria uma flagrantissima injustiça. (Apoiados)

Mas agora tracta-se unicamente do adiamento proposto pelo sr. deputado José Estevão; esse adiamento foi trazido pelo facto de não ter a commissão de fazenda apresentado ainda o seu parecer sobre differentes outras pensões que estão na commissão, e nomeadamente aquellas que se referem ás familias dos infelizes officiaes de marinha que morreram em Macáo; a este respeito repelirei o que já disse por parte da commissão: — a commissão de fazenda ha de apresentar com toda a brevidade o seu parecer a respeito destas pensões. (Apoiados)

Levantou-se uma questão, que seria muitissimo conveniente á commissão de fazenda que se resolve-se, a respeito do direito que a camara tem de diminuir ou augmentar as pensões decretadas pelo poder executivo; ácerca deste ponto a commissão de fazenda pensa da mesma maneira que o sr. Avila; ella pensa que nestes objectos de pensões não vem apresentar-se projectos, vem apresentar-se decretos, a respeito dos quaes o governo pede a confirmação do parlamento, e o parlamento não tem senão a approvar ou a rejeitar; (Apoiados) o governo vem buscar a confirmação destes decretos ao corpo legislativo, na conformidade da carta constitucional; e a commissão de fazenda, até hoje, está capacitada que não póde de fórma alguma alterar para mais ou para menos as pensões propostas; a commissão só confirma ou não a quantia pedida, pois que é a confirmação dessa quantia decretada, que o governo vem pedir ao parlamento. (Apoiados)

Se o corpo legislativo intender que póde diminuir ou augmentar, é isto uma cousa nova, não é aquillo que nós temos intendido até agora; mas em quanto essa nova doutrina não se estabelecer, intendo que o corpo legislativo não póde agora diminuir nem augmentar a quantia das pensões decretadas pelo poder executivo; rejeita-a ou approva-a tal como a apresenta o governo.

Não me opponho, por parte da commissão de fazenda, ao adiamento do projecto n.º 23, mas só para ficar sobre a mesa, e por fórma alguma para ir á commissão de fazenda, porque ella não póde alterar o voto que deu. (Apoiados)

Intendo que a proposta do governo deve ser confirmada pelas razões que expoz o sr. José Estevão; (Apoiados) e intendendo que a proposta de governo não póde ser alterada nem para mais nem para menos, intendo, por consequencia, que não só a proposta do sr. Silva Pereira, mas outra qualquer que augmente ou diminua a quantia que se acha decretada pelo executivo, não póde admittir-se. (Apoiados)

É necessario attender que a concessão desta pensão não vai augmentar a despeza publica. Para que o individuo de que se tracta, possa receber esta pensão de réis nominaes, é necessario que Vaguem

90$000 réis; por consequencia não augmenta a cifra actual, nem póde haver receio de que augmente a despeza. Além disso é preciso considerar que este pensionado não tem assentamento, nem principia a vencer, sem que tenha vagado o duplo da quantia concedida. (Apoiados) Ainda mais. esta pensão não é de 46$000 réis, é de 22$500 réis, porque uma vez que este pensionado tem de receber como classe inactiva, não vem a receber senão metade da pensão.

Tocou-se tambem outra especie, que para a commissão é nova. Disse-se que a mãi do menor de que se tracta, tem andado pelos corredores da camara sol

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licitando a solução deste negocio. A este respeito devo declarar, que não ha um unico membro da commissão de fazenda que conheça essa senhora, nem um unico a quem ella tenha fallado.

A commissão não se oppõe ao adiamento, mas só na idéa de ficar o projecto sobre a mesa, e não para ir á commissão, porque ella não póde dar nenhum outro parecer além daquelle que já deu; isto em conformidade com a doutrina da carta constitucional, e da doutrina reconhecida por todos os parlamentos, de serem estas pensões rejeitadas ou confirmadas na sua totalidade.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, não posso deixar de votar contra o adiamento; e não fazia senão repetir o que já se tem dicto, quando dissesse, que ninguem combateu o adiamento mais formalmente do que o proprio auctor delle. Foi o proprio sr. deputado que expoz á camara, que os motivos e as circumstancias que acompanham a apresentação deste projecto, são todas especiaes. Este projecto revela um pensamento politico, que o mesmo auctor do adiamento se encarregou de explicar á camara. Por consequencia, eu voto com toda a vontade para que esta camara se não -demore um só instante em approvar esta pensão; eu voto com toda a vontade para que a camara, obedecendo ás impressões da primeira parte do discurso do auctor do adiamento, não regateie, nem um instante, o preço de um serviço, embora prestado a uma causa diversa daquella pela qual a camara se acha aqui reunida.

Comprehendamos o pensamento do auctor deste projecto, pensamento que faz muita honra ao nobre duque de Saldanha. (Mudos apoiados) em um instante de demora!... Toda a demora na realisação completa deste pensamento, poderia dar idéa de que nós despresamos a generosidade deste mesmo pensamento. Os sentimentos nobres, elevados e genero-os que dictaram este projecto, não devem ser de fórma alguma desconsiderados por esta camara; esta camara não deve demorar-se um só instante em prestar o seu reconhecimento a taes sentimentos, sanccionando este projecto onde elles se acham manifestados. (Apoiados)

Eu tambem sou economico; tambem voto por economias, e tambem as quero; e permittam-me os illustres deputados que lhes diga, que senão tem attendido, como se devia, aos elementos economicos. Eu não intendo que ser ministerial, apoiar um ministerio, e apoiar uma situação politica, é apoiar todos os actos desse ministerio, e conformar-se com todas as suas idéas e pensamentos, quer se tenham ou não as mesmas idéas que elle professa. Se para sustentar uma situação politica qualquer, fosse necessario conformar-nos inteira e invariavelmente com indicações e procedimento de qualquer dos ministros que pertençam a essa situação, como é que esta situação se não teria já perdido tres vezes, quando houve já nesta situação tres ministros da fazenda? Como é que o actual sr. ministro da fazenda, lendo elle mesmo modificado os seus pensamentos e as suas idéas, não leria arruinado umas poucas de vezes esta situação?

Mão é, porém, assim que se sustenta uma situação politica; não é andando atraz dos ministros e das idéas delles, quer se profecem quer não, sustentando-as a todo o custo, até com o sacrificio das nossas proprias, que uma situação politica se salva e se sustenta. (Apoiados)

Mão desconheço que ha vantagens na sustentação e conservação da situação politica actual, geralmente fallando; mas declaro mui formal e solemnemente, que não vejo vantagem alguma na actual situação financeira. Tenho opiniões minhas a respeito das finanças do paiz; tenho estudado a questão financeira; tenho opiniões minhas a respeito dellas; hei de sustenta-las; tenho direito para isso; assim como as sustentei contra os meus adversarios, hei de sustental-as contra os meus amigos, que se acham actualmente sentados naquellas cadeiras. (Muito bem) A amizade particular que possa ler para com qualquer dos ministros, ou para com todos, não tem fôrça bastante para me fazer sustentar o que eu não sinto, nem defender doutrinas que não professo. Eu não vim á camara para ler considerações particulares com os ministros; vim á camara para cumprir com o meu dever: isto é, servir o meu paiz, e não servir os srs. ministros. (Muitos apoiados)

Sr. presidente, eu tambem sou pelas economias; mas a falta de generosidade será uma economia? Será economia a demora da realisação de um pensamento politico, que a nação olhará com respeito, e cuja satisfação plena ella receberá agradavelmente? A força de se querer ser economico, quer-se ser injusto! Quantos por cento rende para a nação a falla de attenção á nobreza dos sentimentos manifestados pelo presidente do conselho de ministros, manifestados neste projecto que ora se discute? A quanto se cota no mercado a falta de justiça com esta pensão, que se quer adiar na mesma sessão em que se votou uma outra, para se fazer tambem justiça? Pois se se não applicarem a respeito desta pensão as mesmas considerações que se applicaram a respeito da outra, afim de que esta se vote tambem, não poderá alguem dizer — que havia na camara o fermento de indisposição?! Mão será assim; mas como nem todos podem ser justos, poderá alguem pensar deste modo; e se a tâmara quer evitar que se pense assim, então vote o projecto.

E preciso que os nossos actos correspondam ás nossas palavras: se nós tivermos generosidade só nas nossas palavras, e mesquinhez nos nossos actos, quem acreditará nas nossas palavras? Por consequencia votemos a pensão, não nos demoremos na realisação completa de um pensamento digno de quem o apresentou; seja tambem a camara digna de si propria.

Por todas estas razões voto contra o adiamento, e peço á camara que não admitta tal adiamento; votemos todos desde já este projecto, que não augmenta a despeza, e augmenta o nosso credito. (Repetidos apoiados, muito bem)

O sr. José Estevão: — Eu propuz o adiamento desta questão por considerações proprias a ella mesma, porque não tenho talento de ir desentranhar dos reconditos os mais innocentes, pretenções, cabalas, odios, inimizades, dissenções, maldades, rivalidades, e pequenezas eivadas com todas as palavras insignificantes e rasteiras que ha na lingua portugueza, para chegar a pequenissimos fins, por pequenos meios, e por pequenos sentimentos, que todos elles não bastam para designarem uma caricatura politica!...

Sr. presidente, eu não sei o que tem a pensão de que se tracta com as questões financeiras, nem sei como em nome della se queira pedir a responsabilidade ministerial. A mim não me imporia a responsabilidade dos srs. ministros nesta questão, porque a mim

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não me importa senão regular-me pelas considerações do bem publico, e não me falta voz, nem acção, para tractar, como devem ser tractadas, todas as situações possiveis, todas as situações provaveis, futuras, ou que succederem a esta, porque hei de tractal-as como fôr conveniente ao paiz. (Apoiados)

Sr. presidente, acaso a camara precisa destas questões repentinas, destas emoções polluidas, destas marés de sentimentalismo, ou desta facundia de sinceridade, para reconhecer a justiça e a razão com que deve decidir-se em objectos desta ordem! Seguramente não. (Apoiados) Acaso estes sentimentos que estão no nosso corarão, morrem hoje, ou passando o limiar destas portas, teem de atravessar o Lethes! Por ventura ámanhã, d'aqui a dois ou tres dias, não achamos em nós mesmos os mesmos sentimentos que hoje nos animam a votar esta pensão! Não encontramos em nossos corações a mesma perseverança, a mesma disposição em acatar e respeitar a virtude e a honra onde ella existir.

Oh! admiraveis censores das suas proprias virtudes e das suas qualidades!... Depressa, depressa, em quanto a camara dos deputados da nação portugueza está no momento de considerar as acções de energia e de valor, e de attender a estes objectos, e votar taes pensões! Depressa, senão daqui a uma hora será tarde; ámanhã já a camara não pensará do mesmo modo; (será outra, e não esta, sereis vós e não nós) já a camara não prestará homenagem ao pensamento politico, e altamente generoso, que dictou o projecto em discussão; já não será uma camara composta de homens graves e distinctos, de homens dirigidos por um coração nobre e generoso, e não por sentimentos mesquinhos que só professa quem varia segundo a atmosfera politica em que vive, ou a que aspira de viver. (Muito bem)

Sr. Presidente, eu louvo a proposta do nobre duque de Saldanha, e digo, se quizerem, que foi só elle, sem mesmo consultar a vontade de seus collegas, que tomou a iniciativa neste projecto, porque uma questão desta ordem, tractada na esfera dos mais nobres sentimentos, é uma questão onde não chega a alçada das questões ministeriaes. Este procedimento é digno do illustre marechal duque de Saldanha.

Vote, pois, cada um como intender; votem contra o adiamento aquelles que suppõem que isto importa o não querer votar a pensão; mas eu que pedi repetidas vezes ao duque de Saldanha, que lhe apresentei essa viuva, mãi do menor de que se tracta, que me carregou de memorias, e que achou em mim um advogado tão sollicito, como não encontrára naquelles que hoje entram com tanto calor nesta questão, poder-se-ha suppôr um só momento, que pretenda que se não vote esta pensão?

Mas que tem o interesse com que demos ha pouco a pensão que se votou silenciosamente, com a pensão que se tracta agora, para ser votada hoje infallivelmente? Pois a pensão que se quer votar agora, e a que acabou de votar-se, não são duas cousas absolutamente distinctissimas? N'uma não premiamos nós actos de valor, porque o bravo militar áquem demos essa pensão, era certamente muito valoroso, mas não fez acto nenhum de valor, que merecesse a remuneração que se lhe deu; mas nós consideramos e prestamos attenção a uma grande desgraça acontecida a um mancebo que, no meio de uma carreira brilhante, na flor da idade, cheio de energia e de vida, nós vemos hoje num estado de languidez que punge, aquella fisionomia tão sympathica, porque, na verdade, ninguem póde deixar de commover-se quando olha para aquellas orbitas descarnadas e seccas, ninguem póde deixar de sentir a falta dos astros que alli brilhavam. Mas aqui de que se tracta? Tracta-se de dar uma educação a um moço filho de um valente militar, que practicou uma grande acção, e um grande feito de disciplina. O primeiro é um acto de beneficencia e de consideração; o segundo é um acto de justiça, é um acto de politica, e que nós consideramos como incentivo da boa disciplina, e dos deveres militares. Mas acolá votamos a pensão sem discussão, porque não havia que discutir; o discurso era artistico para o deputado que o fizesse; assim a camara votou silenciosa sobre essa pensão; aqui ha muito que discutir. Lá foi o sentimento do coração a favor de uma grande desgraça; aqui são as considerações do bem publico que nos levaram a fazer algumas reflexões. Que paridade ha nisto? Nenhuma. Votemos esta pensão hoje, porque votamos a outra, porque estamos debaixo da impressão de 24 horas! Eu na verdade acho que é um inconveniente gravissimo se derem as 4 horas, e esta pensão não fôr votada! Como havemos de passar por essas ruas, nós, que hoje votamos uma pensão, e que consentimos em metter um domingo de permeio para votar a outra pensão! Pois porque a camara adie esta pensão até segunda-feira, ou por alguns dias, segue-se que, quando vier outra vez a discussão, a camara a não vote!

Mas que paridade haveria entre a necessidade de prover á educação de um infante desvalido, á de galardoar um feito de valor, e a capitalisação, córtes de juros, conversões forçadas e não forçadas, as operações financeiras, e o systema do governo e a opinião financeira de um deputado. Haverá alguma cousa, entre isto, de paridade? Não ha nada, absolutamente nada...

Uma voz: — Deram 4 horas.

O Orador: — Sr. presidente, eu sinto muito que o relogio viesse adiar a materia, e certamente não nos devemos queixar a v. ex.ª, de que não se podesse tomar alguma resolução para nos eximirmos a esta impopularidade das 24 horas, que, na verdade, não sei que ha de ser de nós.

O sr. Presidente. — A ordem do dia para segunda-feira é a continuação da de hoje; e, se houver tempo, dividir-se-ha a camara em commissões. — Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo.

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