SESSÃO DE 12 DE JUNHO DE 1888 1959
está resolvido que esse parecer não seja discutido sem ser tambem ouvida a commissão de agricultura.
Em consequencia d'isso, na qualidade de secretario da commissão de agricultura, e não me tendo sido possivel encontrar-me com o sr. presidente da mesma commissão, tomei a deliberação de me dirigir a s. exa. officialmente, por escripto, pedindo-lhe o favor de me indicar o dia e hora em que a commissão poderá reunir-se, e agora tambem peço a v. exa. o favor de, quanto possivel, activar a resposta a esse meu pedido, por isso que a commissão não se póde reunir sem que o seu presidente tome as devidas providencias a esse respeito.
Repito: já está dado o parecer sobre esse projecto, mas é da commissão de fazenda; e o projecto não póde ter andamento sem ser ouvida a commissão de agricultura.
O sr. Francisco Machado: - Sr. presidente, no dia 9 d'este mez, deu-se um conflicto grave entre os povos de Reguengo Grande, pertencente ao concelho da Lourinhã e os da Azambujeira dos Carros, do concelho de Obidos, por causa da celebre questão da charneca.
Estes factos repetem-se ha annos e derivam do direito que ambos os povos julgam ter sobre a charneca, que está no extremo dos dois concelhos.
Sr. presidente, o governo tem tratado por todos os meios ao seu alcance de resolver esta antiga pendencia, empregando toda a energia para que se não repitam conflictos que são bem de lamentar.
Mandou já ali os governadores civis de Lisboa e Leiria para juntos e de combinação com aquelles povos, demarcarem esta charneca e ver qual a parte que ha de ficar pertencendo a um e outro d'aquelles povos.
Com os governadores civis foram dois engenheiros para levantarem a planta da charneca, a fim de se fazer a divisão de modo a satisfazer os dois povos confinantes; mas têem sido tão grandes as difficuldades, que até hoje nada está decidido, porque cada um dos povos suppõe que a charneca lhe deve pertencer exclusivamente.
Este estado de cousas dá origem a questões, porque os povos da Azambujeira fazendo sementeiras n'aquelles terrenos que de direito lhes pertencem, estão sujeitos a ver depois, essas sementeiras destruidas pelos habitantes do Reguengo Grande, que são em maior numero e com os quaes difficilmente podem luctar, originando-se, como se póde suppor, scenas violentas e vandalicas, improprias do nosso tempo e dos nossos costumes.
Sr. presidente, mais uma vez aconteceu, que os povos do Reguengo Grande foram destruir as sementeiras dos habitantes de Azambujeira, invadindo as suas propriedades, praticando taes actos de selvageria que custa a descrever, e inutilisando o improbo trabalho d'aquelles desgraçados que hoje choram a sua desdita.
A noticia que deram alguns jornaes é menos exacta, certamente porque foi enviada ao sabor das paixões dos habitantes do Reguengo, e para attenuar a tremenda responsabilidade que pesa sobre elles, por terem praticado tão canibalescos feitos.
Sr. presidente, eu desejo que o illustre ministro do reino active a resolução d'esta pendencia, para que este estado de cousas acabe de vez, pois elle é prejudicial para o povo e para o governo, que tem de empregar a força publica a fim de evitar desgraças.
Um dos sargentos da tropa foi ferido por um popular do Reguengo, que com unia fouce roçadora lhe partiu o capacete de um só golpe.
Este militar teria sido victima se não fosse a resistencia do capacete, que o livrou da morte.
Isto prova a audacia do povo do Reguengo, que nem a tropa respeita.
O sargento para se defender, vibrou-lhe uma cutilada, que o feriu na cabeça, prendendo-o depois e fazendo-o conduzir para Obidos, onde se acha no hospital, preso com sentinellas á vista, pois se diz que os seus compatricios querem ir á força armada libertal-o e lançar fogo á administração do concelho e outras repartições.
As noticias officiaes que me foram transmittidas, dizem que os povos do Reguengo destruiram aos da Azambujeira cearas avaliadas em mais de 100 moios de trigo e cortaram mais de 1:200 cepas!
Até as cepas destruiram!
Ora, n'esta quadra do anno, quando as cearas se preparam para a ceifa, destruir uma sementeira que daria para cima de 100 moios, como fizeram os habitantes do Reguengo Grande, mostra a mais repugnante perversidade de que são dotados os moradores d'aquella povoação, o que requer o mais prompto e energico castigo, para que taes factos, de todo o ponto lamentaveis, se não repitam.
Os habitantes da Azambujeira choram a sua desgraça, porque todo o seu trabalho ficou annullado e perdido, não por um castigo de Deus, mas pela audacia dos homens.
O sr. ministro do reino tem tomado diversas providencias de modo a pôr cobro a este estado de cousas, e nem eu, nem as pobres victimas nos queixâmos de s. exa., que tem feito tudo quanto está ao seu alcance.
Consta-me que s. exa. consultou a procuradoria geral da corôa sobre este assumpto, e logo que venha o resultado d'essa consulta eu tenho toda a confiança que o illustre ministro resolverá com a possivel brevidade, a ver se de futuro podemos evitar scenas tão repugnantes e pungentes como as que acabo de relatar á camara.
Ha muitos annos que aquelles povos reclamam uma providencia que lhes garanta o seu trabalho, a sua propriedade, e evite as sementeiras serem estragadas.
É uma verdadeira barbaridade.
Parece impossivel que nos nossos dias e a dois passos de Lisboa se dêem casos d'estes.
O que eu desejo é que fique consignado que foram os povos do Reguengo Grande que destruiram as cearas e as vinhas dos da Azambujeira dos Carros, e que está um homem do Reguengo Grande no hospital de Obidos com sentinellas á vista.
Este homem foi ferido por um sargento, que, para se defender, teve de dar uma cutilada, e que morreria, por ter sido atacado com uma fouce roçadora, se não fosse o capacete.
Eu não desejaria trazer para aqui as noticias dos jornaes; mas o que é facto é que um jornal diz, que os povos da Azambujeira acompanhados de cavallaria e caçadores vieram á freguezia do Reguengo perseguir a tiro pacificos fazendeiros, que estavam nas suas propriedades e ferindo um que levaram depois para Obidos; e como isto poderia parecer exacto, é que tenho de declarar, que o referido jornal, pelo qual tenho muita consideração, foi menos bem informado.
E digo isto, porque tenho informações seguras, e porque a nossa tropa não se prestaria a desempenhar tal papel, sendo por isso uma offensa que se lhe faz.
A tropa foi ali para manter a ordem e não para perseguir a tiro pacificos fazendeiros.
O exercito portuguez não pratica actos d'estes. Pelo exagero da noticia se vê a falsidade.
Os factos passaram-se como eu narrei á camara, o que é facil verificar, percorrendo aquelles logares, e ali se verá que as cearas dos habitantes da Azambujeira ficaram destruidas, emquanto que as dos do Reguengo ficaram intactas.
E, o que ha ainda de mais notavel, é que não foram só destruidas as sementeiras da charneca, em litigio, mas ainda as de terrenos que nada tinham com isso e até situados no concelho da Lourinhã, a que pertence o Reguengo, que se recommenda unicamente pela magnifica maçã que produz e não pelos seus condemnaveis processos.
Veja v. exa., sr. presidente, e veja a camara que repugnante procedimento.
Confio que as auctoridades hão de praticar o seu dever,