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Discurso que devia ler-se a pag. 366, col. 2.ª, lin. 33. da sessão n.° 22 d'esse vol.

O sr. Seabra: — Sr. presidente, eu assignei este parecer, vencido, e tenho obrigação de explicar á camara as rasões que me moveram a isso, e a separar-me da opinião dos meus illustres collegas, que eu muito respeito.

Sr. presidente, uma grande fatalidade pésa sobre este paiz, sempre que se emprehende alguma grande obra de utilidade publica. Essas obras não chegam jámais a concluisse, e pagâmos sempre grossas indemnisações; é o que tem acontecido até hoje, e que eu desejaria não continuasse a acontecer. Ninguem deseja mais do que eu que se evitem as desgraças que está causando a este paiz o mau estado da barra da Figueira, e ninguem o deseja mais do que eu, porque pertenço ao paiz vinhateiro confinante, que muito percisa ter aberto aquelle porto á exportação dos seus productos, e é evidente que emittindo o meu voto n'esta questão, não posso querer cousa que seja prejudicial aos meus interêsses e dos meus convisinhos.

Sr. presidente, todos nós queremos, todos nós devemos querer que esta questão se resolva do melhor modo possivel, e isto não se consegue com o parecer da commissão.

Pela carta de lei de 9 de fevereiro de 1843, foi celebrado entre o governo e Jacinto Dias Damazio, um contraio para a execução das obras da barra da Figueira, estabelecendo-se um direito importante em todas as mercadorias importadas e exportadas por aquelle porto, unicamente destinado para melhorar a barra.

A empreza mandou fazer essas obras, as quaes começaram a produzir bom resultado. Algum tempo depois a barra começou a obstruir-se de novo por effeito natural das correntes e dos ventos. Mandou-se proceder por parte da empreza a novos trabalhos que não produziram melhor resultado, e as desgraças naquella barra continuaram a affligir o paiz. Agora diz-se: este estado de cousas não póde continuar, e eu digo tambem, este estado de cousas não póde continuar. Mas o que resta saber é como havemos de saír d'este embaraço, respeitando a fé dos contratos, os direitos adquiridos, e sem prejudicar os interêsses do paiz.

Quaes são os expedientes que se offerecem? A expropriação por utilidade publica, e a rescisão do contrato.

Eu ponho de parte a questão levantada pela consulta do conselho das obras publicas ácerca do maior ou menor inconveniente, que póde resultar de se fazerem por emprezas obras d'esta natureza. Eu creio tambem que ha obras que não pódem ser commettidas a emprezas, sem grandes inconvenientes, e que esta seria uma d'ellas. Mas esta questão, bem ou mal, foi resolvida de outra sorte, e cumpre respeitar o facto consummado. Não ha duvida porém que dando-se graves inconvenientes o governo poderia expropriar o contrato; mas adoptando-se este principio seria necessario aceitar tambem todas as suas consequencias, indemnisação previa, ou pelo menos immediata de todos os direitos da empreza.

Mas não é menos certo que só deveriamos lançar mão d'este recurso, aliás pesado ao estado, quando nenhum outro meio mais vantajoso se nos offerecesse. O outro meio que se indica, e o que a commissão adopta, é a rescisão do contrato, considerando-o como de empreitada, e recorrendo ao principio de que nas empreitadas é sempre livre ao locador resilir do contrato. É esta na verdade a theoria que rege os contratos chamados de empreitada, que os francezes denominam louage d'ouvrage, devis, marché. Mas este direito de rescisão tem consequencias que não devemos perder de vista, e que eu farei sentir, applicando a theoria á especie que nos occupa. Não ha duvida que a obra da barrada Figueira é uma empreitada, tem todos os caracteristicos de empreitada, é a construcção de uma obra feita por um preço ajustado, com fornecimento de materiaes ou sem ellas. Ponho de parte as grandes questões que se suscitaram entre os jurisconsultos romanos sobre a natureza d'este contrato, se era de sociedade ou de compra e venda. Pouco me imporia a opinião de Cássio ou de Gneo, a minha opinião é que este contrato é de uma especie particular, e assim o considero no projecto de codigo civil que ha de ser em breve apresentado por mim n'esta camara. Basta que saibamos que o contrato é de empreitada, e que averiguamos quaes são as consequencias a que fica sujeito o locador que arbitrariamente resilir do contrato.

Os principios que segue a legislação moderna da Europa são os promulgados pelo codigo de Napoleão, artigo 1794.° De então para cá todas as legislações de diversos paizes se têem apropriado a esta legislação. E que diz ella? Diz = que o locador póde rescindir quando lhe convier o contrato, mas indemnisará o conductor de Iodas as despezas feilas e de todos os lucros provaveis, de todos os ganhos que podia tirar d'essa empreza =.

Ora, sr. presidente, esta doutrina, que eu disse que era do codigo francez, que tinha sido seguida e adoptada em outras nações, entre nós não foi adoptada como doutrina, entre nós é direito positivo e expresso, e é o que rege nestes casos conforme o determina o artigo 521.º do codigo commercial, que não póde deixar de ser applicado á especie que se trata.

Permitta-me a camara que eu leia esse artigo, e peça muito a sua attenção a este respeito, pelas consequencias graves que se podem deduzir d'aqui. Diz o artigo 521.° do codigo commercial: «O proprietario póde arbitrariamente resilir do contrato de empreitada, posto que comeiçado a executar, indemnisando o empreiteiro de todas as suas despezas e trabalhos, e de tudo que poderia ganhar na empreza.» Peço a attenção da camara, as consequencias são graves e muito graves para o paiz; note-se bem = e de tudo que poderia ganhar na empreza =.

Ora, sr. presidente, uma vez estabelecido que o estado rescinda este contrato, e firmadas, como estão de mais a mais as declarações, de que a empreza cumpriu completamente todas as condições do contrato, o deixar aos tribunaes o dever de julgar das indemnições, e reconhecer antecipadamente a obrigação de paga-las, obrigação que não póde deixar de ser confirmada e julgada pelos tribunaes; porque não ha juiz nenhum, quando esta questão lhe for submettida, que não diga = pague o estado todas as despezas feitas e todos os interêsses ou lucros que o emprezario poderia tirar da empreza; não ha magistrado algum que possa eximir-se á applicação d'este principio, tão positivamente sanccionado na lei. Mas será isto justo? Deveremos nós pagar estas indemnisações? Compriram-se effectivamente as condições do contrato? Precisâmos nós de recorrer ao principio da rescisão arbitraria permittida nas empreitadas, mas que traz as consequencias inevitaveis que ponderei? = A responsabilidade da indemnisação =. O parlamento póde, é verdade, revogar esta regra e regular esta especie de uma outra maneira, mas e para de futuro, porque o parlamento não póde fazer uma lei que derogue o principio e regra estabelecida no codigo commercial, dando a essa lei effeito retroactivo; esse poder é-lhe expressamente vedado pela caria constitucional. Mas, sr. presidente, todas estas difficuldades se resolvem, todos estes inconvenientes desapparecem, se nos limitarmos ao direito stricto, e á verdade dos factos como elles na realidade se passam. A commissão funda-se em que a empreza cumpriu da sua parte; e é precisamente d'este falso presupposto que procedem as funestas consequencias a que pretende conduzir-nos a idéa de recorrer ao principio da quebra voluntaria da empreitada, que traz comsigo a obrigação de indemnisações exorbitantes.

Mas, sr. presidente, se eu não posso consentir que se quebrem as, regras de direitos, tambem não posso deixar de exigir que se respeite a verdade dos factos, e os factos são