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1996

CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso proferido na sessão de 11 do corrente, e que devia ter logar a pag. 145, col. 2.ª in fine

O sr. Luciano de Castro: — Pedi a palavra, porque desejo fazer á camara uma declaração, que em parte é pessoal, ácerca dó incidente que se levantou ha poucos dias n'esta casa a respeito da exoneração do segundo official do governo civil do districto administrativo de Aveiro, João Eduardo de Almeida Vilhena.

Se estivesse presente n'essa occasião, teria pedido licença á camara para fazer a declaração que agora faço, mas como o não estava, esperei que aquelle incidente continuasse; porém como não continuou, vejo-me obrigado a pedir a palavra antes da ordem do dia para fazer a seguinte declaração.

Fui completamente estranho á exoneração a que me refiro; nenhuma parte nem directa nem indirecta me cabe na mesma exoneração.

Eu tinha, é verdade, sido arguido, não digo bem, tinha sido atrozmente calumniado n'um artigo publicado n'um jornal de Aveiro. Depois d'isso entendi que, visto algumas d'aquellas accusações se referirem á minha dignidade, á minha reputação e á minha vida, como membro d'esta camara, e entre ellas avultar uma em que se affirmava que eu tinha recebido 100:000$000 réis para accusar n'esta casa o barão de Moreira, como consul de Portugal no Rio de Janeiro, entendi, repito, que não podia occupar mais um logar n'esta camara, sem que desaggravasse, não só a minha reputação ultrajada, senão tambem a dignidade da cadeira que occupava. Por isso vim declarar á camara que ía chamar aos tribunaes aquelle jornal para provar as accusações que me tinham sido dirigidas. Chamei effectivamente aos tribunaes aquella folha, e deixei-lhe quanta liberdade podia dar-lhe para se defender, e provar a verdade das imputações com que me havia injuriado.

Não escrevo actualmente na imprensa, e protesto não continuar a escrever. Aproveito por isso esta opportunidade para responder a algumas asserções que na imprensa têem sido publicadas a este respeito. A minha tribuna é esta. Não tenho nem quero outra.

Declaro pois francamente á camara que para responder áquellas accusações, e poder-se averiguar a verdade, dei toda a liberdade á defeza durante o processo.

Requeri, é verdade, uma policia correccional, porque me não dava a lei outro meio. Se podesse intentar uma querela, intentava-a. Mas como simples particular que era, porque os deputados não podem ser considerados como empregados publicos, não podia segundo a lei usar de outro processo, que o da policia correccional.

Requeri pois uma policia correccional. O processo subiu á relação, d'ali ao supremo tribunal, e só depois de fixada a sua competencia por accordão d'este, é que a questão foi julgada.

Durante o julgamento não procurei de nenhum modo tolher a largueza das provas e a liberdade da discussão. O réu usou dos direitos que tinha. Podia dar provas dos factos que me havia imputado. Nem a lei nem a fórma do processo lh'o vedavam. E assim o fez, porque em relação a um dos factos que constituiam a accusação «o espancamento de meu pae!» chegou a ir dar uma denuncia na camara de Estarreja dois ou tres dias antes da audiencia de julgamento; e com este fundamento requereu que se sustasse a decisão da causa, a que o juiz indeferiu. O réu usou de todos os recursos para se dilatar o julgamento. Duas vezes veiu o processo ao supremo tribunal de justiça! Esgotou todos os recursos.

Não fallei a nenhum juiz, nem consenti que pessoa alguma fallasse em meu favor, tanto na relação, como no supremo tribunal. Este julgou a meu favor o recurso interposto da sentença condemnatoria, e tendo esta de se executar, já ou não podia perdoar a pena, e se podesse talvez o fizesse, porque só queria desaggravar-me, e como tinha a sentença a meu favor, não pretendia levar o desejo do desaggravo mais longe. O meu pensamento e os meus desejos estavam completamente satisfeitos.

O facto é que, depois da condemnação estar publicada e a sentença ter passado em julgado, não me era dado fazer favores ao réu á custa da lei e da justiça. O ministerio publico havia de reclamar, exigindo o cumprimento da pena, que já não era um direito da parte offendida, mas um direito da sociedade.

E ainda que eu quizesse perdoar o réu não podia aceitar similhante favor.

Preciso referir á camara um facto que abona a verdade das minhas palavras.

Na occasião do julgamento o juiz condemnou o réu em quarenta dias de prisão e multa correspondente, e mandou cumprir logo a sentença. Como fosse occasião de festa na cidade de Aveiro, não desejava eu que o réu entrasse logo na cadeia, porque podia parecer que havia da minha parte o desejo de vingar-me. Levantei-me mesmo no tribunal, porque assisti ao julgamento, visto que a lei a isso me forçava, e disse que como a lei me collocava em posição excepcional, pois me dava o direito de perdoar, pedia para que se permittisse ao réu o cumprimento da pena depois do julgamento definitivo da causa, recebendo-se-lhe no effeito suspensivo o recurso de revista que havia interposto. O réu levantou-se e disse que não queria nem recebia favores de mim. Depois d'isto, desejava ainda poder perdoar-lhe, se a lei m'o permittisse, mas a lei não m'o permitte.

Dou estas explicações para que a camara veja, primeiramente que dei toda a largueza á defeza, e em segundo logar que não houve desejo algum de vingança pessoal contra o réu, mas que apenas quiz desaggravar a minha dignidade e a da camara, e mostrar ao paiz que não tinha recebido dinheiro nem remuneração de quem quer que fosse, para vir aqui accusar o barão de Moreira. É verdade que tinha aqui complices n'esta camara, que tinham accusado como eu o barão de Moreira, como o sr. Pereira Dias, o sr. Rocha Peixoto e outros srs. deputados; mas só eu fui accusado de ter recebido dinheiro, e de me haver vendido para defender aquella causa!

Depois d'isto, o governador civil de Aveiro entendeu que devia suspender o réu quando saíu do governo civil para ir cumprir a pena de prisão.