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1972

Discurso do sr. deputado José Maria de Abreu, proferido na sessão nocturna de 22 do corrente mez, e que devia ler-se a pag. 1934, col. 3.ª, do Diario n.º 164, de 25 do mesmo mez.

O sr. José Maria de Abreu: — Pedi a palavra sobre a ordem quando vi inscriptos tantos oradores, com o receio de que me não podesse chegar sobre a materia, porque desejava fazer algumas considerações e chamar a attenção da camara sobre este capitulo, que tem por objecto o orçamento da instrucção publica, independente de algumas propostas, que queria tambem offerecer á consideração da camara sobre o mesmo capitulo. Procurarei não abusar da paciencia da camara, que deve sem duvida estar cançada com duas longas sessões por dia, e eu não menos fatigado estou.

A instrucção publica entre nós póde dizer-se que é toda gratuita, porque mesmo na superior e secundaria as propinas de matricula que os alumnos pagam são tão modicas, que não compensam os sacrificios que o estado faz para as sustentar. Mas a instrucção primaria é absolutamente gratuita, segundo o principio consignado na carta constitucional; este systema porém que tem por fundamento o preceito constitucional da lei fundamental, applicado a todos os individuos sem distincção de condições nem de fortuna, é gravemente inconveniente. E quando vejo pedir constantemente a creação de novas cadeiras, e o augmento da verba consignada para a instrucção primaria, não me lisongeio de que por este modo só possamos conseguir os melhoramentos que a instrucção primaria reclama.

A instrucção primaria, apesar dos esforços do governo, se não tiver como base principal o interesse de todo o paiz, é o auxilio que lhe devem prestar as municipalidades, não poderá produzir, pelo menos em largos annos na escala que todos desejam, os seus beneficos e salutares effeitos.

A instrucção primaria gratuita não é só um grande onus para o estado, tem sobretudo outros gravissimos inconvenientes, porque a sua inspecção e fiscalisação não póde ser tão zelosa e tão efficaz como se as municipalidades e as parochias fossem interessadas, se não no todo, na maior parte da sustentação das escolas; porque os chefes de familia se tivessem obrigação de pagar uma retribuição escolar, por modica que fosse, seriam mais solicitos em procurar o adiantamento dos seus filhos, em vigiar pela assiduidade do mestre no desempenho dos seus deveres, e pelo melhor aproveitamento do tempo nos exercicios escolares (apoiados.) onde o ensino primario é puramente official, a fiscalisação local, a mais proveitosa porque é immediata e constante, quasi não existe.

Esta é uma das graves difficuldades com que luctâmos, e que mais tem obstado ao desenvolvimento da instrucção primaria. Quasi todas as cadeiras creadas de novo são sustentadas pelo estado; os municipios concorrem apenas com a pequena gratificação de 20$000 réis por anno a que são obrigados pela lei de 20 de setembro de 1844; mas nem mobilia, nem casa para a escola, nem outro algum auxilio proporcionam para que o serviço escolar seja melhor desempenhado, e a profissão do mestre de instrucção primaria mais bem remunerada; porque só assim poderão encontrar-se individuos competentemente habilitados que queiram votar-se ás laboriosas funcções do ensino popular.

Os nossos professores de instrucção primaria recebem um tenue ordenado, é verdade, mas os professores de instrucção primaria em outros paizes aonde mais florescente está a instrucção primaria, não são tambem melhor remunerados pelo estado. A França não garante mais de 600 francos, ou 96$000 réis por anno a cada professor. A Belgica entre 60$000 e 116$000 réis (418 até 728 francos). A Allemanha dá termo medio 800 francos ou 128$000 réis aos professores primários nas cidades, e 350 francos ou 56$000 réis nas povoações ruraes; e ainda assim o estado apenas concorre com um subsidio supplementar para pagamento dos ordenados dos professores e conservação das escolas, quando não bastam os recursos ordinarios das communas e das regências ou districtos. A sustentação da instrucção primaria está a cargo das sociedades escolares ou de doações particulares: a contribuição escolar pesa quasi sem excepção sobre todas as classes.

A Inglaterra, onde o espirito de associação influe poderosamente na instrucção popular e sustenta em larga escala milhares de escolas, dá o governo aos professores d'esta classe, que concorrem a exame perante os inspectores officiaes e obtém titulos de capacidade, 60$000 até 120$000 réis por anno. As associações pagam-lhes outro tanto, e ás vezes o dobro d'aquellas quantias. Mas a grande maioria dos professores não tem aquella habilitação, e não gosam por isso d'essas vantagens.

Portanto não direi que damos de sobejo aos professores de instrucção primaria, mas damos o necessario se as municipalidades e as parochias pela sua parte concorressem directamente para a sustentação das escolas, e proporcionassem certos meios e condições indispensaveis para tornar menos precaria e menos desfavoravel a sorte dos professores de instrucção primaria, segundo os principios e as boas praticas recebidas nos mais cultos paizes, onde o estado subsidia mas não sustenta exclusivamente a instrucção primaria, nem a secundaria. Não é necessario ir buscar exemplos á França, á Inglaterra, ou alem do Rheno, basta ver o que se passa no reino visinho. Pois em Hespanha, pela lei de 7 de julho de 1857, não são os professores publicos de instrucção primaria sustentados pelas municipalidades e pela retribuição escolar dos alumnos? Não são as provincias que concorrem com subsidios indispensaveis, quando as municipalidades por si só não podem sustentar as escolas?

Os vencimentos dos professores são regulados segundo a população, e tem alem d'isso casa decente para residencia; o estado só concorre para essas despezas com um subsidio, quando os povos as não podem costear todas. As escolas normaes de ambos os sexos, e a instrucção secundaria estão a cargo das provincias, em quanto o estado sustenta só a instrucção superior nas universidades e escolas professionaes. Na Allemanha, onde o aperfeiçoamento da instrucção primaria, se está ainda longe de chegar ao desideratum, tem comtudo feito grandes progressos, as escolas são mantidas pelos largos recursos da beneficencia; e pelo imposto especial calculado sobre os rendimentos de qualquer natureza, dos contribuintes, e lançado pelas municipalidades para á sustentação das escolas, com auctorisação das authoridades superiores districtaes, e não pésa sobre o estado este encargo senão subsidiariamente, mas para o que o estado concorre com largueza, não só na Allemanha e Inglaterra, mas em França, onde o orçamento da instrucção primaria é uns poucos de milhões de francos superior ao da Allemanha, porque quasi toda a instrucção primaria na Allemanha é sustentada pelas municipalidades e pelos estabelecimentos particulares, mas o artigo em que a Allemanha despende na instrucção primaria com mais largueza, é na inspecção e nas escolas normaes; e d'ahi é que provém os grandes e importantes melhoramentos que se tem tirado da melhor habilitação dos professores, e da constante fiscalisação no ensino. Entre nós é preciso desenvolver esse systema, porque não existe a inspecção senão no orçamento. 0 principio da inspecção está consignado na lei, mas não está organisado definitivamente, e sobre tudo não está dotado. Quizera antes menos cadeiras, mas melhor inspeccionadas (apoiados); menos professores, mas mais habilitados.

Quero que se façam todos os esforços para que a inspecção seja uma realidade, e a escola uma verdade. Um homem eminente da França, fallando do estado d'este ramo da instrucção publica n'esse paiz, dizia com rasão, que a instrucção primaria podia ser «fatalmente poderosa para o bem ou para o mal; instrumento de vida ou de morte.» Que o defeito capital estava em que o elemento religioso não tem acompanhado na instrucção primaria o desenvolvimento intellectual, e que este tem absorvido o da educação; que emfim o ensino não se tem harmonisado com as necessidades locaes.

Entre nós a parte intellectual e a educação religiosa nas escolas primarias estão mui longe de corresponder ao seu fim e ás suas necessidades: esta é a verdade. Temos principalmente descurado muito a educação, sacrificando-a á instrucção, ou confundindo uma com outra, esquecendo que a educação é base essencial de todos os melhoramentos sociaes, de todo o progresso moral, para que não basta só attender ao desenvolvimento intellectual, abandonando o; desenvolvimento da instrucção religiosa no seio da escola. É por isso que tenho dito por mais de uma vez, e não me cançarei de o repetir, que não receio nem me preocupo com os resultados da pretendida preponderancia do que ahi se chama influencia reaccionaria na instrucção primaria dós paizes, quer protestantes, quer catholicos. É necessario não esquecer que