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Discurso que devia ser transcripto a pag. 1890, col. 2.ª, lin. 104.ª, no Diario de Lisboa n.° 127, sessão de 7 de junho

O sr. Fontes Pereira de Mello (sobre a ordem): — Vou apresentar á camara a seguinte proposta que, na conformidade do regimento, peço licença para motivar.

«Proponho o adiamento do projecto de reforma do exercito até que seja discutida e votada definitivamente por esta camara a reforma do ministerio das obras publicas, na proxima legislatura, segundo a proposta do governo.»

Nunca se apresentou n'esta camara, saída dos bancos da opposição, uma proposta que tivesse em seu favor votos mais auctorisados, mais insuspeitos, e mais intelligentes do que aquelles que têem, esta que eu acabo de ler á camara. V. ex.ª e todos os mais collegas, que têem de certo presente o projecto de iniciativa do governo, para ser reformado o ministerio das obras publicas, e sabem o que se diz no relatorio que o precede, e o que dizem as illustres commissões de fazenda e de obras publicas a tal respeito, devem convencer se facilmente da rasão com que eu supponho ter em meu abono a opinião esclarecida, não só d'aquelle dignissimo membro do governo, mas tambem dos cavalheiros que compõem as duas commissões.

A 11 de maio do corrente anno apresentou o sr. ministro da guerra á camara uma proposta, ou antes varias propostas de lei, para a organisação do exercito, e para que se adoptassem outras disposições que o nobre ministro julgava convenientes em relação á gerencia do ministerio a seu cargo. Sete dias depois o sr. ministro das obras publicas, que tinha assignado aquella proposta de lei com o sr. ministro da guerra, entendendo que não se podia vantajosamente reformar o ministerio da guerra sem que simultaneamente fosse reformado o ministerio das obras publicas em pontos gravissimos que têem relação com a gerencia dos dois ministerios, a 18 d'aquelle mez apresentou á camara um voto de confiança para ser auctorisado a reformar o ministerio das obras publicas em todas as suas partes.

Quer V. ex.ª e a camara demorar-se um instante a ouvir as rasões valiosas com que o sr. ministro das obras publicas sustenta a proposta de adiamento que acabo de apresentar á assembléa? São as seguintes. Diz primeiramente o nobre ministro: «Â proposta de lei para a organisação do exercito, que foi submettida á vossa illustrada deliberação, obriga a promptas providencias pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, para que haja a devida harmonia entre todos os serviços publicos sem prejuizo de nenhum d'elles, e para que sejam respeitados todos os direitos e interesses legitimes.»

Comtudo, esta proposta de lei, assignada pelo mesmo cavalheiro que tinha auctorisado com o seu nome a proposta para a organisação do exercito, só veiu oito dias depois! Mais abaixo diz s. ex.ª o seguinte: «As repartições de obras publicas, minas, de pesos e medidas, os trabalhos geodesicos, chorographicos e geologicos, os estabelecimentos de instrucção agricola e industrial, todos podem soffrer com o decretamento de medidas pelo ministerio da guerra, que não sejam acompanhadas de outras pelo ministerio das obras publicas, consentaneas ao mesmo e primordial fim, o interesse geral do estado.»

Novamente o illustre ministro trata de provar quanto é indispensavel que se considerem simultaneamente estes dois grandes ramos do serviço publico, para que o resultado das propostas que a camara approvar não seja prejudicial ao serviço do estado.

Poderá notar se que, a proposito da organisação do exercito, que é verdadeiramente o que está em discussão, eu esteja occupando a attenção da camara por alguns momentos com outro assumpto, como é a reforma do ministerio das obras publicas; mas depois que o ministro respectivo e as duas commissões competentissimas n'este caso, declararam que eram intimamente ligados os dois objectos, que a resolução de um sem a do outro podia prejudicar gravemente o serviço publico, ninguem pôde estranhar que eu tome em consideração as rasões valiosas apresentadas por cavalheiros distinctos o competentes, para motivar a proposta que ha pouco tive a honra de apresentar.

Que diz a commissão de obras publicas composta de pessoas todas muito instruidas, muito conhecedoras do negocio, e algumas até especiaes no assumpto de que se trata?

«Considerando que o novo plano de organisação do exercito collocou os officiaes militares que serviam no ministerio das obras publicas em situação tal, que d'elle parece originarem-se graves inconvenientes, tanto para elles como para o serviço do paiz, e tornam por isso de necessidade imperiosa uma medida prompta para definir a sua posição e acautelar os prejuizos, que em caso contrario appareceriam necessariamente.»

E uma censura de certo á organisação militar proposta pelo governo, e approvada pela commissão, porque na verdade não é elogio dizer se que a proposta produzirá graves inconvenientes ao serviço do paiz.

Porém todas estas palavras têem por objecto provar á camara quanto é indispensavel ligar um a outro assumpto para simultaneamente os resolver, de maneira que o serviço não, padeça, e os interesses que ali estão envolvidos não sejam prejudicados.

E o que explicita e claramente diz o illustre ministro das obras publicas no relatorio da sua proposta para a reforma do ministerio a seu cargo.

Ora a camara tem de dar um voto de confiança ao governo, para este usar d'elle como entender; e o governo está no direito de usar d'esse voto de confiança como e quando quizer, ficando porém a despeza dependente da approvação das côrtes. Quer isto dizer que emquanto a futura camara não for chamada a considerar e a resolver este importantissimo assumpto é letra morta a reforma, e é isto o que quer exprimir o parecer das commissões de fazenda e obras publicas reunidas quando diz que = a despeza da nova organisação fica dependente da sancção legislativa =.

Que a reforma do ministerio das obres publicas se ha d» fazer com augmento de despeza, é evidente e claro a todas as vistas, e deprehende-se sem duvida alguma do pensamento fundamental d'esta reforma, porque para se substituir o numero de officiaes do exercito, que estão em commissão no ministerio das obras publicas, é preciso gastar, e gastar muito com um pessoal habilitado.

Esta camara devo convencer se tambem, sr. presidente, de que tarde, e muito tarde, a futura camara poderá re-

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solver este negocio, porquanto, sondo uma camara nova, tem de occupar-se primeiramente dos negocios das eleições e de muitas outras especialidades proprias da occasião antes de entrar na analyse dos assumptos propriamente legislativos.

D'este modo a reforma do ministerio das obras publicas não poderá ser levada desde logo á execução na sua parte mais importante, e a consequencia será o prejuizo e todos os inconvenientes apontados no serviço publico.

Em vista pois do que ha pouco tive a honra de ler á camara, parece-me que não proferi uma asserção que não seja perfeitamente justificada, quando disse que tinha a favor da minha proposta os votos e o apoio dos homens mais illustrados e mais insuspeitos. Este é o fundamento principal da minha moção de ordem.

Dito isto, permitta-me a camara que eu a tranquillise a respeito das dimensões que pretendo dar ao meu discurso, e tranquillisando a tranquilliso-me a mim proprio.

A sessão está muito adiantada, os espiritos e«tào cansados, divisa-se uma certa impaciencia na assembléa, e portanto é fóra de duvida que as minhas observações não podem ter a extensão que n'outra occasião lhei daria.

Vou portanto limitar me a expressar o meu voto e a dizer a rasão por que insisto pela minha proposta, e por que não poderei approvar o projecto apresentado pelo governo se ella nao for approvada.

Faço isto, sr. presidente, tanto mais desassombradamente e tanto mais á minha vontade, quanto estou profundamento convencido da inutilidade e da improficuidade das considerações que vou apresentar, porque a experiencia me tem mostrado que n'estes ultimos tempos, nem as minhas rasões nem a dos meus collegas e amigos, que se assentam d'este lado, têem o poder de levar o convencimento á assembléa. Fallando pois n'estas circumstancias posso dizer o que entendo sem correr o risco de prejudicar interesses particulares que eu não quero offender, mas que não posso antepor ao cumprimento dos meus deveres de deputado da nação portugueza (apoiados).

Sr. presidente, eu entendo que o projecto em discussão é um projecto que beneficia muita gente (apoiados), e que a muitos aproveita. Prejudica outros, não ha duvida, mas esses não se queixam; são os que pagam. Em uma palavra, como disse ha dias um cavalheiro auctorisado e espirituoso, é um projecto que chega a todos, até chega ao contribuinte!

Já se vê portanto que o meu discurso não o pôde prejudicar em cousa alguma; o projecto ha de ser approvado. O que é preciso é que os contribuintes se preparem para todos os corollarios da reforma do exercito e das outras que lhe andam annexas, e que ficam reservadas para occasião mais opportuna, por quanto se deseja não affectar mais n'este momento a opinião publica.

Dizia eu, proseguindo n'esta ligeira exposição que estou fazendo; dizia eu que o projecto de que se trata póde ser o deve ser encarado debaixo de diversos pontos de vista.

Entretanto as circumstancias forçam-me a tocar apenas os pontos mais capitães, e que melhor caracterisam o projecto de que nos occuparmos, deixando de descei ás innumeras questões que os noventa e oito artigos do mesmo projecto podiam suggerir. Essa analyse deixo eu a oradores mais competentes, porque afastado ha muitos annos da carreira militar a que me honro de pertencer, não me julgo habilitado para poder tratar de todos os negocios que lhe são relativos com a proficiencia com que muitos dos meus collegas o podem fazer.

Li tudo; li o parecer das illustres commissões e li o projecto apresentado primitivamente pelo sr. ministro ria guerra, a quem não desejo ser desagradavel de modo algum, e s. ex.ª sabe o respeito e consideração que me merece; mas, apesar de toda essa consideração e sem faltar a ella, entendo que é do meu dever e dignidade expor á camara succintamente, e em poucas palavras, o meu modo de ver ácerca de um assumpto que reputo de tanta importancia e magnitude como é a reforma do exercito.

Direi agora do passagem, sr. presidente, que sinto que a illustre commissão de guerra, cujo relator fez hontem com tanta felicidade a sua estreia n'esta casa, deixasse consignar no relatorio algumas observações que parece tenderem a amesquinhar ainda mais a importancia de um negocio, aliás gravissimo como este é, e como não pôde deixar de se reputar, dizendo, para justificar o ter sido posta de parte a reforma do arsenal do exercito e do supremo conselho de justiça militar, que eram assumptos de grande transcendencia e precisavam de aturado estudo e meditação, quando essa reforma, de conformidade com o que se faz para o exercito, se limitava a regularisar alguns vencimentos dos militares empregados n'aquellas repartições.

Senti que se dissesse isto no relatorio do projecto, porque eu estimo o exercito e considero-o, não porque tenha a honra de pertencer aquella benemerita e respeitavel corporação, mas porque, como homem publico, entendo que ella é uma garantia de ordem e de independencia nacional, e que isso constituo uma das suas principaes obrigações e uma das suas primeiras glorias.

Desejo portanto que o exercito tenha todo o brilho e adiantamento que for compativel com a justiça e com as forças do estado, e que o accesso seja tão rapido como o é em muitos paizes, porque entendo que vale mais não ter exercito, se isso fosse possivel, do que te-lo mal pago, mal retribuido, mal equipado, mal armado e mal instruido, e onde não achassem remuneração condigna os servidores benemeritos que a elle pertencem.

Já lá vae o tempo em que uma certa opinião politica não era extremamente favoravel ao exercito. Agora têem mudado os ventos, e ha muitos espiritos convertidos. Hoje estão todos convencidos de que o exercito é uma garantia de ordem e de paz publica, e os receios que n'outro tempo se manifestavam de força armada, transformaram-se em complacencias e attenções. Ainda bem.

Mas eu quero exercito para a guerra, porque o exercito só para a paz seria o desperdicio mais completo e o luxo mais dispensavel que eu conheço. O exercito para a guerra é uma necessidade impreterivel, e está demonstrando esta asserção o direito publico internacional da Europa, na presença dos factos que se repetem todos os dias, pelos quaes se está vendo, que a utopia da paz geral não passa da cabeça dos philosophos humanitarios; hoje todos reconhecem a necessidade de ter exercito preparado para a guerra. E neste caso a missão de soldado, e soldado chamo eu a todos que seguem a honrosa profissão das armas, a missão do homem que vae dar o seu tempo, o teu sangue, a sua saude e a sua vida, para defender a independencia do seu paiz, é nobre, nobilissima, e tanto que não conheço alguma outra sobre a terra que se lhe possa comparar.

Mas quero exercito para a guerra, exercito equipado, bem armado, adestrado e instruido como deve ser; e este resultado é que se não colhe com a approvação d'este projecto. Sinto que o nobre ministro da guerra não aproveitasse a occasião de propor uma reforma n'este sentido á camara, que de certo lh'a approvaria; sinto que assim como propoz alguns beneficios pessoaes, aliás louvaveis e justissimos muitos d'elles, que se encontram em diversos artigos d'esta reforma a respeito de certos officiaes, não procurasse fazer, vingar ao mesmo tempo outras disposições concernentes á instrucção, ao armamento, ás promoções, ás recompensas militares, á reserva e a tudo quanto diz respeito a este importante ramo de administração publica.

Eu não comprehendo exercito sem campos de instrucção e de manobra, sem um material de guerra completo, sem disciplina rigorosissima, sem uma reserva prompta a entrar em campanha á primeira voz. Eu não comprehendo exercito finalmente sem o separar completamente das funcções de policia (apoiados). É uma opinião que tenho emittido muitas vezes, e em que insisto sempre. E estou profundamente convencido de que não haverá um pó militar que, mettendo a mão na consciencia, e considerando bem quaes são os serviços em que o exercito está sendo empregado, de policia das povoações, de guarda das cadeias, da escolta de presos, de prestar contingentes aos ministerios do reino, da fazenda, das obras publicas, e a todos os outros, a proposito seja de que for, não julgue impossivel haver ordem, nexo, disciplina, espirito de corpo, instrucção pratica, quando para esses differentes serviços cada um dos corpos tem de ser disseminado em destacamentos de 40, de 30 praças, e de menos ainda (apoiados).

Deste modo não sei que instrucção se possa dar ao officiaes e ao soldado; e sem isso não so formam nem soldados nem officiaes (apoiados). Esta idéa não é nova, é idéa seguida por nações essencialmente militares, e que prezam n'um grau elevadissimo a instrucção e a disciplina dos seus exercitos; que entendem que na instrucção e disciplina do exercito reside em grande parte a segurança da sua autonomia (apoiados).

Quando nós quizermos fazer com que o exercito seja o que deve ser, não é preciso que seja muito grande, não é preciso que os seus corpos se apresentem nos dias de ostentação com grande numero de praças; o que é necessario é que elle seja o nucleo organisado da resistencia militar do paiz, que possa ser augmentado rapidamente sem perturbação, e que esteja prompto para marchar ao encontro do inimigo, quando a independencia do paiz o exigir, com uma disciplina e instrucção militar que estejam na altura da que tiverem os corpos dos exercitos das outras nações. Isto é que é necessario (apoiados).

Depois de ter enunciado algumas das cousas que me parece que faltam n'esta reforma de organização militar que se pretende fazer; depois de ter enunciado isto tão ligeira e perfunctoriamente quanto me permittem as circumstancias do tempo, devo dizer que o ponto principal d'este projecto, o seu caracter mais saliente e mais notavel, é promover o accesso dos officiaes das diversas armas: sobretudo de algumas armas. E esta a feição predominante do projecto n.° 141, desde o primeiro até ao ultimo artigo (apoiados). Se v. ex.ª e a camara se detiverem no exame de cada um dos artigos, sobretudo de alguns, que terei a honra de indicar á assembléa, verão que elles são tendentes a este fim, ao fim de facilitar mais ou menos o accesso dos officiaes dos diversos corpos (apoiados).

E não pensa a camara que me queixo, nem censuro, nem lamento que o accesso se facilite. Entendo mesmo que elle se deve facilitar, e tomo por exemplo o corpo do estado maior, que é um dos mais favorecidos. O corpo do estado maior estava nas circumstancias de serem os seus officiaes, aliás benemeritos, condemnados a estacionar longos annos no mesmo posto que tinham (apoiados). E é claro que sem o estimulo do adiantamento nenhum homem se pôde entregar decidida e corajosamente ao exercicio das funcções do seu cargo, ou ao estudo da sua profissão; não o pôde fazer uma vez que não tenha futuro, e se veja condemnado a jazer perpetuamente na mesma posição (apoiados).

Já se pôde entender que eu não condemno esta tendencia. Demos adiantamento aos officiaes militares, mas demos vantagens tambem ao paiz, porque não temos só a satisfazer exigencias, de certo muito justas e rasoaveis, algumas d'ellas, pelo menos, porém é do nosso dever considerar o paiz e os interesses publicos; e são estes que eu entendo que os corpos constituidos do estado são obrigados a ter primeiro que tudo diante dos olhos (apoiados).

Fallando-se da despeza que este projecto origina, eu ouvi fazer em uma das sessões passadas varias considerações que não deixavam ver claramente qual era o encargo que d'elle resultava. I Em todos os ministerios os empregados respectivos, por uma natural tendencia, e até certo ponto justificada, consideram como de um puis estrangeiro, principalmente no que diz respeito á despeza, os negocios que pertencem ás outras repartições. Isto é uma tendencia natural, que todos aquelles que têem servido em qualquer posição que seja nos diversos ministerios, hão de ter reconhecido, de considerar unicamente os negocios que estão dependentes do seu exame, do seu conselho ou da sua direcção, tudo o mais é estranho a esse ministerio, é como se pertencesse á Inglaterra, á França ou á Turquia (apoiados).

Diz se, por exemplo: «De tal medida resultam réis 50:000$000 de economia para este ministerios. E vae-se a ver e acha-se que d'essa medida resultára 100:000$000 réis de encargo para outro ministerio! Existe economia para quem? Para um dos ministerios de certo; mas existe encargo para o paiz; e ao contribuinte é absolutamente indifferente, quando paga ao estado aquillo a que é obrigado, que essa somma seja applicada no ministerio da guerra, no da marinha, no do reino ou no das obras publicas (apoiados). E nós que somos aqui os zeladores da bolsa publica e os encarregados de applicar os dinheiros da nação pelo modo mais conveniente para o estado; nós que temos, obrigação de contemplar este negocio debaixo de outro ponto de vista, de o considerar á luz de outros principios e á vista de outros fundamentos, não podemos aceitar as rasões com que se nos quer provar que ha certeza de economia, quando esta apparece de um lado e o augmento claramente vera pelo outro (apoiados).

Não se podia comprehender que um projecto que dá em resultado a creação de mais um corpo de artilheria, de mais alguns corpos de caçadores, o augmento do quadro do corpo de estado maior, e outras despezas a maior que no projecto vêem mencionadas; não se podia comprehender, digo, como de tudo isto resultasse uma economia, nem como resultasse apenas a despeza a maior de 19:000$000 réis (apoiados).

E de resto creio que a despeza a mais é esta — são réis 19:000$000; mas é a despeza considerada -em relação ao ministerio da guerra; é a despeza considerada em relação sómente aos officiaes que ahi existem, ou que pelo projecto ahi devem existir; é a despeza comparada com a já votada no orçamento. Mas qual é a despeza que acresce para o thesouro em consequencia da approvação d'este projecto? São 19:000$000 réis? Não, senhores (apoiados).

Não nos illudamos! Approve-se muito embora o que propõem o governo e as commissões. Dê se a todos uma fatia maior á mesa do orçamento, porém diga-se claramente ao paiz que d'este projecto não resulta unicamente o encargo de 19:000$000 réis; resultam encargos de mais alta monta, que nem eu nem s. ex.ª nem os cavalheiros que estão n'esta casa, sem os offender, mesmo incluindo o nobre ministro da guerra, podem dizer exactamente quaes sejam.

Aqui ha um principio que parece predominar n'esta organisação. E esse principio se se podesse seguir, sem excepção, o serviço publico não padecesse com isso, se rasões de uma outra ordem se não oppozessem, creio que era conveniente e justo, militarmente fallando. O principio é — o de dar accesso o vantagens nos corpos do exercito unicamente aos officiaes que estão empregados no serviço militar. O governo julgou encontrar na adopção d'este principio o meio de resolver uma questão que ha muito tempo se tem debatido, principalmente entre o ministerio das obras publicas e o ministerio da guerra. Comtudo uma tal disposição é completamente inutil. O governo não carece d'ella. Está perfeitamente dentro das suas attribuições determinar que se recolham ao exercito os officiaes que estão em serviço estranho ao mesmo exercito. Portanto ainda que o artigo se eliminasse ficava tudo exactamente como d'antes, pelo que, na minha opinião, caduca inteiramente um dos principaes fundamentos da reforma.

Sr. presidente, considerando o principio a que me tenho referido em abstracto, devo dizer, e repito á camara que estou convem ido de que é justo. Entretanto eu creio que ha inconveniente em seguir cega e obstinadamente principios absolutos, porque elles carecem geralmente de excepção quando se trata da administração publica; e é raro que se possa adoptar um d'esses principios, sem restricção alguma, sem que d'ahi resulte algum inconveniente para o estado.

Eu tenho a honra de ser official do exercito, e estou comprehendido nas disposições do artigo 65.° Não fallo por mim, comtudo, e pede a minha lealdade que eu diga ao sr. ministro da guerra—que ao menos pelo que me diz respeito tem s. ex.ª muita rasão. Parece-me absurdo que um homem como eu, embora servisse militarmente no exercito, fazendo sempre diligencia para cumprir com o seu dever, o nada mais, tendo depois de algum tempo passado a occupar uma outra posição inteiramente alheia ao serviço militar, com o caracter de permanencia, e até mesmo de immobilidade; parece-me absurdo, repito, que este homem tenha a pretensão de subir postos e aspirar a commandos no exercito, depois de uma longa carreira inteiramente civil. Já vê portanto a camara que não fallo por mim. Nem eu era capaz de vir aqui fazer um discurso para defender os interesses da minha humilde pessoa.

Mas pergunto eu — será possivel, será conveniente, que este principio se possa applicar absoluta e completamente a todos os serviços do estado em que são empregados officiaes militaras de diversas graduações e armas? Digo redondamente que não. E digo mais que, se a disposição, consignada no projecto das commissões reunidas e do ministerio, passar, o governo será o primeiro que fica coarctado no exercicio das suas attribuições, e se ha de encontrar muitas vezes em graves difficuldades para satisfazer a certas necessidades do serviço publico.

Não quero ver na redacção do artigo uma valvula por onde o governo possa saír na occasião de apuro. E espero

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que o Sr. ministro da guerra e as commissões hão de dar as explicações a respeito do modo por que está redigido o artigo 66.° quando diz que = não poderá ter accesso nem ganhará antiguidade para a reforma o official que obtiver licença para ir servir em qualquer outro ministerio =. Eu creio que se pôde entender que esta phrase mencionada no artigo, quero dizer que, quando o governo mandar, pôde o official ter accesso e ganhar o tempo para a reforma. Mas isto carece de explicações e explicações categoricas, porque destroe completamente o pensamento do projecto. Por que, digamos a verdade, não sei como se faz agora, mas sei como se fazia quando tive a honra de ser ministro, não da guerra, mas de outras repartições. Solicitei muitas vezes do ministerio da guerra officiaes para diversos serviços, e não eram elles que requeriam licença. Ora isto cria uma distincção, que pôde produzir graves desigualdades e serias consequencias.

Por exemplo, o governo ordena a um official distincto, o governador civil de Braga, que não sei que posto tem, que parta para tomar conta d'esse governo civil. N'este caso elle teve ordem superior de marchar, não vae com licença do ministerio da guerra, mas vae porque o mandam, e continua a vencer antiguidade e a ter direito a accesso. O sr. ministro das obras publicas carece de um certo engenheiro, official em quem tem confiança. Pede-o ao ministerio da guerra, e o sr. ministro da guerra manda o apresentar ao seu collega das obras publicas, porque o ministerio é solidario e entende-se que, a respeito do serviço publico, devem todos os seus membros querer a mesma cousa.

Segundo o artigo 66.º este official continua a vencer antiguidade e a ter direito a accesso.

Repito, sr. presidente, o ministerio é solidario, e não tem unicamente a solidariedade politica, nas questões d'essa ordem, mas deve ter tambem a solidariedade do pensamento que preside á administração. O mais não se entende, o mas é um ministro puxar para um lado, e outro para outro, o que pôde dar em resultado uma jangada que se desconjuncta, porém não a nau do estado, como se costuma figurar o governo das nações.

Portanto peço ao sr. ministro da guerra e ao illustre relator da commissão que tenham a bondade de precisar bem qual é a interpretação que dão ás palavras deste artigo.

Não gosto nunca de entrar nas intenções de ninguem, e por isso não quero duvidar das boas intenções com que se redigiu o artigo, mas parece-me tão extraordinaria, tão anti-governamental a proibição do governo poder empregar qualquer official do exercito n'um serviço dependente de outro ministerio que não seja o da guerra, que entro em duvida se no artigo 66.º se quiz fazer um correctivo ao artigo 65.°

Pois o parlamento ha de fazer uma lei e o ministerio ha de propria, pela qual se determina que é absolutamente vedado ao governo o poder empregar um official do exercito em qualquer commissão do serviço publico? E sabido que por esta lei ha uma impossibilidade absoluta do official poder ser nomeado para uma commissão civil, porque o militar que a aceitar perde o accesso, perde a antiguidade, e não ha um official do exercito, a não ser por vantagens incalculaveis, que podesse aceitar uma similhante posição. Portanto, digo, ha de o governo ficar inhibido de poder empregar um official quando o julgue conveniente?

Pois no ministerio de que eu fiz parte não se deram commissões com muita conveniencia do serviço a officiaes distinctos do exercito? Não se empregou o nobre ministro da guerra em uma commissão civil, que elle desempenhou com tanta vantagem publica, e com o zêlo que costuma desenvolver em todas as commissões que lhe são commettidas? Pois se então houvesse esta lei podia o governo d'aquelle tempo empregar o general Passos em governador civil e militar da ilha da Madeira?

Pois não poderá ser conveniente alguma vez que um militar exerça funcções puramente civis? E qual será o militar que se preste a exercer taes funcções quando se lhe diga que essa commissão, que tem que desempenhar, e em que vae prestar um serviço ao seu paiz, o ha de ferir de anathema, o ha de prejudicar na sua carreira, e lhe ha de pôr na testa um ferrete, não permittindo que vença antiguidade, nem possa ter accesso aos postos que por direito e escala lhe pertencerem? Isto é absurdo e anti-governamental (apoiados).

Eu sou n'isto mais ministerial do que o governo. Isto não pôde ser. E se isto não pôde ser, pergunto: quererá a camara deixar aqui uma valvula por onde o governo não digo o sr. ministro da guerra, porque não quero fazer injustiça ao seu caracter—, mas qualquer governo, possa servir os seus afilhados e amigos politicos, e sacrificar os outros? Quer a camara fazer isto? Não supponho tal; mas é o que acontecerá, porque na hypothese do artigo 66.°, o ministro manda quem quer — manda os amigos para boas commissões e não os adversarios ou indifferentes, e eu peço justiça para todos: guardado embora o principio da confiança politica, que eu reconheço; mas só no caso em que se pôde exigir a confiança politica. Para a distribuição dos cargos publicos não pôde haver filhos e enteados; deve haver distribuição competente, o merito e capacidade de cada um.

Mas indaguemos mais este negocio, porque este é o ponto capital sobre que assenta a reforma.

O nobre relator disse-nos hontem, e disse muito bem, e com aquella modestia com que nobremente se apresenta, que o projecto era innocente. Até no seu relatorio nos diz que é quasi a mesma reforma de 1849; é o mesmo systema apenas com algumas modificações, mas tão pequenas que quasi não valia a pena do parlamento se occupar d'elle. Poderá ser tudo isto, mas o ponto capital é este de que me tenho occupado, que é favorecer o accesso, e para favorecer o accesso é que se adoptou a disposição consignada no artigo 65.°, que obriga os officiaes á opção. Isto emquanto ao presente. Como se regula porém o futuro? É pelo artigo 66.°, o qual diz o seguinte:

«Os officiaes que da data d'esta lei em diante obtiverem licença para serem empregados em serviço estranho ao ministerio da guerra, deixarão de pertencer aos quadros das respectivas armas e perderão o direito ao accesso e á reforma.»

Licença ninguem mais a pede, a não ser em um caso muito extraordinario; mas o governo pôde mandar, e desde que o governo manda, o militar obedece e não perde nada.

Eu pergunto á camara se quer approvar o que n'este artigo se dispõe? Se quer fazer isto? Se o quer, faz a mais revoltante injustiça e descontenta, já não digo os officiaes de exercito, mas o bom senso publico, que se ha de revoltar contra uma medida que pôde dar um favoritismo que é condemnado por todos os principios, e que o ha de ser pela consciencia dos nobres deputados.

Toda a gente sabe que os officiaes pedem extra-officialmente para ir para uma commissão, mas requerer propriamente ao ministerio da guerra, creio que haverá muito poucos que o façam. Ha requisições dos outros ministerios ao da guerra; e se se forem consultar os archivos do quartel general da 1.º divisão, hão de encontrar-se lá muitas portarias e officios, do ministerio competente, ordenando que manda pôr á disposição d'este ou d'aquelle ministerio tal ou tal official. De maneira que o artigo 66.° fica letra morta, e por tudo isto entendo que é necessario redigi-lo de modo que não de logar a estas interpretações, que podem ser origem de gravissimas injustiças.

Tinha eu dito, sr. presidente, fallando da despeza, que não eram só os 19:000$000 réis de que falla o projecto que custaria ao thesouro esta reforma.

É natural que o nobre relator da commissão, ou, para melhor dizer, a commissão, examinasse o projecto artigo por artigo, visse qual era a verba de despeza correspondente a cada uma das suas disposições, comparasse com o orçamento e achasse a differença; mas a verdade é que escapou á illustre commissão contar com os officiaes que em virtude do artigo 65.° ou têem de deixar vacatura no exercito, ou têem de ser substituidos nas obras publicas.

Eu porém, que estou aqui em nome dos meus constituintes, para os quaes é indifferente que a despesa se effectue n'um ou n'outro ministerio, peço licença á camara para lhe pôr diante dos olhos o que me parece que o sr. Sá Nogueira já indicou no seu discurso.

Em quanto poderá isto importar? Em 30:000$000 réis?

O sr. Sá Nogueira: — -60:000$000 réis.

O Orador: — Não sei, porque para isto não tenho os elementos que têem de certo os nobres ministros da guerra e das obras publicas, e ser referia preciso, para o saber, folhear e examinar tanto, que teria um trabalho que a minha saude actualmente nao comporta.

Que sejam 30:000$000 ou 60:000$000 réis a despeza que ha de resultar do artigo 65.°, não faço questão d'isso; é uma somma grande que se não descreve aqui, e que traz um encargo para o thesouro. Este é que é o ponto.

Mas pergunto eu — pensa a camara porventura que, considerados os 60:000$000, ou os 30:000$000, e os 19.0000000 réis, de que se faz menção, não ha mais despesa nenhuma?

Se assim pensa, está completamente enganada, porque esta somma não é nada em comparação da despeza que trazem comsigo os artigos 72.° e 88.°

Esses artigos é que são a origem da importante despeza que se ha de fazer no ministerio da guerra em passando esta lei; despeza que estou convencido de que ninguem se acha habilitado para dizer, em quanto importa, tanto mais que não é constante e definida, mas pôde variar de anno para anno.

Eu vou mostrar como a despeza se faz, o como não se pôde calcular bem.

O artigo 65.° é o que manda passar para o ministerio da guerra, ou substituir por outros individuos, os officiaes empregados no serviço de qualquer outro ministerio, cujo número se diz ser de duzentos trinta e nove.

Mas a disposição d'este artigo não produz effeitos tão immediatos como parece á primeira vista para os officiaes empregados nos differentes serviços independentes do ministerio da guerra, para os officiaes commissionados nos pesos e medidas, nas obras publicas propriamente ditas, nos telegraphos, etc. O artigo não diz que passem immediatamente ao ministerio da guerra, diz que devem optar quando lhes tocar promoção. A maior parte dos officiaes que estão no ministerio das obras publicas hão de ver decorrer tres, quatro, cinco e seis annos sem que lhes pertença promoção; e por consequencia para a maior parte d'elles o artigo 65.° por em quanto, é como se não existisse.

E o que ha de acontecer? O que ha de acontecer é que, quando elles tiverem que optar, a maior parte, ainda que um ou outro opte pelo serviço do ministerio da guerra, ha de ficar no serviço das obras publicas, uma vez que a reforma, para a qual tem pedido auctorisação o sr. ministro respectivo, lhe conceda garantia, favor e vantagem; e os quadros hão de ser preenchidos no ministerio da guerra, o que é um beneficio para os officiaes das diversas armas.

Permitta-me a camara que eu continue discutindo, apreciando e disseccando este papel.

O que acontece em virtude das disposições do artigo 72.°?

Seja-me licito fazer uma pequena divagação. Ha um tempo a esta parte, entre nós, começou a haver um certo prurido de acabar com o posto de brigadeiro. Os brigadeiros, que fizeram a guerra da Peninsula e defenderam o paiz, que poderam fazer ainda a guerra da restauração eram uma cousa velha, anachronica e sem prestimo para cousa alguma! O nobre marquez de Sá queria que elles fossem transformados em majores generaes, juntamente com os marechaes de campo, isto é adoptava a denominação ingleza, e o general Passos prefere a denominação franceza, e muda-os em generaes de brigada

Para que será este empenho em mudar de nome a um posto que era tradicional entre nós, e que alem d'isso constituia mais um grau na hierarchia militar, com que sei am premiando os serviços dos officiaes que chegavam aquella elevada posição?

A rasão é muito simples, é porque com esta denominação dá-se um accesso muito rapido aos officiaes que estão á esquerda dos coroneis, os quaes, sem isto, muito tarde passariam ao posto de brigadeiros.

O encargo proveniente d'estas transformações é que não está nos 19:000$000 réis, e que eu peço ao nobre relator da commissão me diga a quanto monta.

Sabe a camara o que acontecia? O coronel que não estava em circumstancias de montar a cavallo, como muitos que estão adiantados em annos de serviço, não era reformado, porque o governo tinha repugnancia em o fazer, sendo a reforma que lhe pertencia realmente tão mesquinha. O coronel, posto a que se chega velho no serviço do paiz, tinha a reforma no posto de brigadeiro, e passava de receber o seu soldo e uma boa gratificação pelo commando de um corpo, a vencer unicamente 60$000 réis por mez no ultimo quartel da vida. Agora o coronel pôde ser reformado em general de brigada com 75$000 réis. Desde que este beneficio se concede aos coroneis que estão n'estas circumstancias, havemos de ver muitos d'elles pedirem a sua reforma (apoiados). D'aqui resulta que hão de passar os tenentes coroneis a coroneis, os majores a tenentes coroneis, e havemos da ver que muitos tenentes coroneis que forem promovidos a coroneis, logo que cheguem a este posto, immediatamente hão de pedir a sua reforma, re tiverem, como é natural, trinta e cinco annos de serviço, e todos irão a generaes de brigada. Ora aqui é que está o augmento de despeza (apoiados). Não digo que isto se não faça, não condemno o que se pretende decretar, mas o que desejo é descarregar a rainha consciencia, e não occultar ao paiz que ha de resultar d'aqui uma enorme despeza para a nação (apoiados).

E o que acontece a respeito das reformas dos coroneis, dá-se do mesmo modo com as reformas dos generaes, e eu pedia á camara que considerasse a facilidade que fica havendo nas ditas reformas, e que depois me dissesse se o augmento de despeza proveniente d'este projecto são 19:000$000 réis.

Peço licença para dizer á assembléa, sem receio de ser contrariado, que o augmento não é este; e se a commissão restringiu a tão exigua quantia o augmento de despeza que d'aqui ha de provir ao thesouro, não ha ninguem que não comprehenda que esse augmento é muito mais consideravel, e embora o auctorisemos no interesse do exercito, mas saibamos o que fazemos.

E sobretudo aproveitemos a occasião. O que eu deseja é que desde que se trata da reforma do exercito, assumpto tão importante o tão grave, e que apenas a commissão acha insignificante, porque no seu relatorio só considera assumptos de grande transcendencia a reforma na organisação do arsenal do exercito e na do supremo conselho de justiça militar; digo ao mesmo tempo que se fazem estas vantagens, que eu não condemno, aos officiaes do exercito, desejo que se tomem outras providencias, que tendam a melhorar e aperfeiçoar esta grande instituição, e não tratem só do seu interesse immediato, mas tambem do seu decoro e da sua dignidade, o que só pôde conseguir-se fazendo com que seja o exercito bem instruido, bem armado, bem equipado, e que esteja sempre prompto a combater o inimigo, quando elle quizer pisar o solo da patria.

E, antes de passar adiante, peço licença para fazer muito rapidas observações a respeito de uma proposta apresentada pelo meu illustre amigo, o sr. D. Luiz da Camara Leme, emquanto ao modo de promover os officiaes generaes.

Eu sinto não estar de accordo tambem com a illustre commissão sobre este ponto, e parece-me muito mais rasoavel, muito mais justa, mais equitativa e muito mais conveniente aos interesses do exercito, e ao grande fim a que elle se destina, regular por armas o accesso ao generalato.

Esta promoção devia fazer se na proporção devida entre ás diversas armas, e devo dizer ao illustre deputado, a quem não cesso de fazer justiça, o sr. relator da commissão, que nos citou o alvará de 1801 que permitte a escolha de officiaes mais habilitados para os elevar ao generalato, que este alvará é obsoleto, e que, quando mesmo o não estivesse, não teria o meu voto para que se usasse d'elle, qualquer que fosse o governo que se sentasse n'aquellas cadeiras (as do ministerio).

Eu não quero advogar o principio absoluto da antiguidade; estou longe d'isso; e devo ainda acrescentar que, por não se seguir estrictamente o principio da antiguidade, é que nós vemos nos outros paizes officiaes em muito boa idade chegarem aos postos mais elevados do exercito, o que é de uma vantagem incalculavel, sobretudo para o serviço de operações.

Todos sabem que o homem não é de ferro, e que pesando sobre elle muitos annos, e depois de longos serviços, não pôde ter o vigor da mocidade no corpo e no espirito, sobretudo nos paizes meridionaes. Quando se está em idade já avançada, póde-se ser ainda um excellente marechal do exercito, um bom general de divisão, mas não se pôde já ser, em regra, um bom commandante de brigada, nem um bom coronel. Lá fóra as leis regulam as cousas de modo que os officiaes do exercito cheguem aos primeiros postos em idade vigorosa; mas isto acontece nos outros paizes, em grande parte, porque as promoções não são por antiguidade.

Emquanto nós tivermos este systema, podem queixar-se

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todos os meus camaradas, e ninguem tem mais rasão, de que os das armas especiaes, de que o adiantamento é muito moroso; e é isto uma verdade, e um inconveniente, porém uma das rasões por que isto acontece assim está no systema em virtude do qual hão de ir todos pela sua altura, e o accesso depende da reforma ou da morte.

Isto não acontece em outras nações em que os officiaes são pelo seu merito, em parte, escolhidos, adiantados e graduados; e se entre nós podessem estabelecer-se as regras pelas quaes o governo fizesse estes despachos completamente estranhos ao espirito de parcialidade politica, seria um bello trabalho para se apresentar ao parlamento uma vez que desse garantias a todos de que, não sendo a promoção por antiguidade absoluta, comtudo o favoritismo não poderia fazer despachar uns com prejuizo de outros. Porém a escolha absoluta do governo, sem preceitos severos que a regulassem, não a queria eu na mão d'elle, porque n'estes tempos agitados em que andámos, e em que as paixões politicas substituem as verdadeiras apreciações, por parte da auctoridade e lhes obscurecem muitas vezes o espirito; acho muito perigoso depositar esta arma nas mãos do poder executivo.

Não está pois em vigor, porque está obsoleto, e era até inconveniente, na minha opinião, o alvará de 1801, e sendo assim o que resta? Resta o adiantamento por antiguidade.

Sendo pois o adiantamento por antiguidade, examinemos quaes são os coroneis das diversas armas, que hão de ser promovidos ao generalato em virtude da legislação vigente. Procedendo a esse exame vê-se que a arma de artilheria é privilegiada e favorecida no accesso em prejuizo das ou tres armas. Creio que não está na mente do governo fazer isto, mas é a consequencia natural da disposição do projecto que estamos discutindo.

Será isto justo? Quererá o governo e a illustre commissão de guerra, onde estão caracteres tão distinctos, que se faça uma lei em virtude da qual particularmente o corpo de artilheria é o mais favorecido? Não será mais conveniente não estar a fazer distincções de favor entre as differentes armas? Pois não estão todos os corpos do exercito ao serviço do paiz, e não serão todos igualmente dignos da consideração publica? Querer-se-ha beneficiar uma certa classe ou uma certa corporação em prejuizo das outras? Creio que não; creio que a mente do governo não é esta — mas esta é a consequencia das disposições do projecto e de não se adoptar o pensamento da proposta do meu amigo o sr. D. Luiz da Camara.

Ha aqui uma injustiça relativa, e convem obviar a ella de algum modo. No estado actual das cousas quem fica mais prejudicada é a infanteria, e não ha rasão alguma para castigar a infanteria e favorecer a artilheria. A cavallaria tambem padece relativamente. Por certo não quereremos fazer esta injustiça; nós só devemos fazer o que for mais conveniente no interesse publico, e o interesse publico é fazer justiça a todos (apoiados).

Mas esta proposta, alem de satisfazer na actualidade e manter a justiça relativa entre as differentes armas do exercito, é um bom principio de organisação militar, e estimaria que fosse applicado no nosso paiz, pois que acho muito mais conveniente haver generaes de cada uma das armas do que a promiscuidade que hoje temos. Já n'uma das sessões passadas o illustre deputado a que me referi expoz claramente á camara quaes eram as rasões que actuavam no seu animo para aconselhar que houvesse generaes das diversas armas do exercito, e este principio acho o perfeitamente adoptavel. Porventura poderemos esperar que o general de engenheiros, que fez a sua carreira toda no serviço respectivo, possa ser um habil commandante de uma brigada de infanteria? Certamente que não. O mesmo digo dos officiaes de infanteria para commandarem uma brigada de cavallaria. Em todas as armas ha especialidades, e estas especialidades não se improvisam.

Esta classificação existe em muitos exercitos bem organisados. E porque não ha de existir entre nós? Porque não havemos ter generaes de infanteria, generaes de cavallaria, generaes do artilheria e generaes de engenheria? E de mais, pergunto eu que prejuizo resultaria d'isso na actualidade? Nenhum. Pelo contrario, seria uma disposição de justiça relativa entro as differentes armas do exercito. Não ha igualmente prejuizo algum para o futuro, e é um bom principio de organisação militar, em virtude do qual os generaes que são chamados a commandar as diversas armas, são os mais habilitados para isso. Poderá recusar-se este principio? Eu entendo que não, e muito menos recusa lo unicamente para favorecer uma certa arma em prejuizo das outras. Isso não pôde ser, isso é injusto (apoiados).

Estou persuadido de que o illustre ministro da guerra não quer isto, não o ha do querer fazer. Direi o meu pensamento todo inteiro.

O illustre ministro da guerra é official de artilheria, e por isso lhe não repugnará esta indicação, para mostrar a sua imparcialidade. S. ex.ª tem rasão de estimar a importantissima arma a que pertence, porém agora, como membro do governo, cumpre que attenda, sem distincção, aos corpos de todas as armas e aos officiaes d'ellas, na proporção do seu merecimento e do direito que lhes assiste.

A hora já deu'; mas se V. ex.ª e a camara permittem continuarei por mais alguns minutos, a fim de concluir o que tenho a dizer em sustentação da minha proposta, que apresentei por estar convencido da conveniencia d'ella. Pouco me importa o resultado da discussão, que não duvido qual seja, porque trato unicamente de cumprir o meu dever; pouco mais tenho a acrescentar; entretanto se a camara não quer demorar se, continuarei ámanhã.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Poucas considerações farei. Referir-me-hei agora ao corpo de engenheria.

O corpo de engenheria tinha, pelo regulamento de 1812, sessenta e seis officiaes, pelo quadro de 1849 o mesmo numero, e agora fica tendo sessenta e seis officiaes tambem, comquanto distribuidos de outro modo. Hoje porém o corpo do engenheria fica dispensado de todo o serviço das obras publicas que, em virtude de differentes disposições legislativas, estava expressamente a seu cargo. Ora, em primeiro logar devo dizer, que estou convencido de que é um mau principio e um mau systema dispensar os engenheiros militares, no nosso paiz, de serem empregados no ministerio das obras publicas; mas se acaso o governo e o parlamento entendem que elles não devem prestar aquelle serviço, então, n'este caso, é necessario que simultaneamente se reformem os estudos, e que se lhes não exijam conhecimentos a que não podem dar applicação.

Sr. presidente, eu vejo que a hora está adiantada, é como temo fazer demorar os meus collegas, peço a v. ex.ª que me permitta concluir ámanhã o que tenho a dizer sobre este importante assumpto.

Vozes: — Muito bem.

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