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N.º 5
SESSÃO DE 7 DE JUNHO. 1853.
PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES.
Chamada: — Presentes 79 srs. deputados.
Abertura: — Ao meio dia e um quarto.
Acta; — Approvada.
CORRESPONDENCIA.
Declarações: — 1.ª Do sr. secretario Rebello de Carvalho, participando que o sr. Vellez Caldeira não póde comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.
2.ª — Do sr. Torcato Máximo, participando que o sr. visconde de Monção, por incommodo de saude, náo póde comparecer á sessão de hoje, e talvez á de ámanhã. — Inteirada
3.ª — Do sr. Paredes, participando que o sr. Paiva Barreto não póde comparecer á sessão de hoje, por incommodo de saude. — Inteirada.
SEGUNDAS LEITURAS.
Proposta: — Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 80, apresentado na sessão do anno passado pelo sr. deputado por Lamego, o conde de Samodães (Francisco) sobre recrutamento — José Silvestre Ribeiro.
Sendo admittida, foi o projecto enviado ás commissões de administração publica e de guerra.
N. B. — O projecto a que se refere a proposta supra, é o seguinte:
PROJECTO de lei (N.º 80 de 1852): — Senhores: Expôr a necessidade, que ha no nosso paiz, de haver uma boa lei de recrutamento, que cohiba os abusos practicados pelas auctoridades, e torne efficaz o dever que todos tem de pagar á patria o tributo de sangue, é sem duvida inutil. Esta necessidade é evidente, palpavel. A decadencia dos povos tem sido sempre acompanhada da decadencia do exercito: em quanto estes conservam o caracter nacional, o estado floresce; quando elles se tornam uma reunião de mercenarios e vadios, a republica desfallece. Roma, obrigando nos primeiros tempos da sua grandeza, e ainda até ás campanhas de Cezar, Os cidadãos que queriam ter a honra de sei vir no exercito, pagarem um censo alio, e a darem provas de merecerem a distincção de entrar nas legiões, conheceu bem que a sua fôrça estava principalmente na boa organisação das tropas. Aplanada a difficuldade que havia em entrar para o serviço militar, as tropas foram abandonadas pouco a pouco pelos cidadãos respeitaveis, e unicamente compostas de mercenarios, escravos, e de barbaros. A disciplina perdeu-se, o roubo tornou-se a paixão dominante, o exercito foi o arbitrio dos destinos do imperio, e desde Tiberio até Constantino não vemos senão a decadencia no exercito, e a ruina no estado. Se Adriano ainda restabelece um pouco a disciplina, Severo a relaxa; e os momentos de gloria, que ainda honraram os dias do Baixo Imperio, dão apenas um clarão que já não aquece, até que a destruição do Imperio do Oriente se consumou no meio das trevas que cobriam a Europa.
Portugal que tantas épocas tem tido de gloria, e que ainda neste seculo patenteou ao mundo feitos de armas, que encheriam de orgulho a opulenta capital do inundo, tem hoje uma organisação militar, que pelos seus vicios vai minando a principal fôrça do estado. Importantes devem ser as reformas que neste ramo de serviço publico devem ser feitas, mas por isso mesmo muito meditadamente se devem levar á practica. A base de todas essas reformas é sem duvida a lei do recrutamento.
Apresentando á vossa illustrada consideração este meu pequeno trabalho, eu tive em vista não offerecer uma obra que satisfaça completamente aos importantes fins que ella procura attingir, mas sim entregar no recinto da camara um bosquejo da ordenança que vós decretareis. Eu mesmo serei o primeiro a admittir, e até a offerecer, algumas alterações ao que proponho, pois em objecto tão delicado todo o estudo é pouco.
Procurando, comtudo, formular de uma maneira definida o processo do recrutamento, reduzindo o numero das isenções, fazendo intervir a auctoridade militar em maior escala do que até agora interferia neste trabalho, augmentando o tempo de serviço, e regulando-o pelas differentes armas, como o indicam os principios da sciencia, e determinando de um modo expresso as condições para os voluntarios e substitutos; o seguinte projecto de lei, podendo ser muito aperfeiçoado, merece portanto que lhe concedais as honras da discussão.
Artigo 1.º Todos os portuguezes são obrigados a pegar em armas para sustentar a independencia, a integridade do reino, e defende-lo de seus inimigos internos e externos.
Art. 2º O serviço militar é um dever, a que nenhum cidadão se póde eximir, desde que, em virtude da lei, é chamado a cumpri-lo.
Art. 3.º O exercito recruta-se de individuos alistados voluntariamente, e dos coagidos pela sorte.
Art. 4.º Todo o cidadão que voluntariamente se quizer alistar, será admittido, uma voz que esteja nas seguintes circumstancias:
1.º Idade maior de 16 annos, o menor de 26;
2.º Altura excedente a 57 pollegadas;
3.º Constituição forte e vigorosa, não lendo molestia que leve contagio, conforme o exame dos peritos:
4.º Que não se ache culpado, em processo, ou cuja conducta seja escandalosa.
Art. 5.º O cidadão nas circumstancias do artigo antecedente fará a sua declaração de querer servir no exercito, perante o administrador do concelho, diante de testemunhas, escolhidas pelo voluntario, e de tudo se lavrará termo.
Art. 6.º O voluntario tem o direito de escolher a arma, em que quer servir, uma vez que tenha as
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circumstancias necessarias para aquella a que se destina.
Art. 7.º O tempo de serviço a que são obrigados os que se alistam voluntariamente, é o seguinte:
1.º Para infanteria — 5 annos;
2. Para cavallaria — 6 annos:
3. Para artilheria — 7 annos;
4.º Para engenheria — o que fôr ajustado, não sendo nunca inferior a 4 annos.
Art. 8.º As côrtes, sobre proposta do governo, determinarão annualmente o numero de recrutas que se hão de fazer no anno seguinte.
§ unico. Este anno será contado do 1.º de julho a 30 de julho seguinte.
Art. 9.º Este numero será dividido pelos districtos do reino e ilhas adjacentes proporcionalmente á sua população, e em cada districto se dividirá pelos concelhos na mesma fórma.
§ unico. A parte que pertencer a cada concelho, será subtrahido o numero de recrutas voluntarias, que se offerecerem, e forem acceitas.
Art. 10.º O numero de recrutas de que tracta o artigo 8.º, será sempre calculado de modo que tenham infallivelmente baixa do serviço aquelles a quem esta pertença, quando muito 2 mezes depois de adquirido este direito.
Art. 11.º O governo dará conta ás côrtes no primeiro mez de cada sessão legislativa de todos os trabalhos de recrutamento levados a effeito no anno anterior.
Art. 12.º O sorteamento, de que tracta o artigo 3.º, verificar-se-ha sobre todos os mancebos, que tenham completado a idade de 18 annos no anno antecedente áquelle em que esta operação tiver logar.
Art. 13.º O sorteamento faz-se por concelhos, entrando nelle os mancebos, que, além da condição exigida no artigo 12.º, estejam domiciliados no mesmo.
Art. 14.º São considerados como domiciliados n'um concelho:
1. Aquelles que forem solteiros ou casados, cuja residencia fôr no concelho;
2. Aquelles que lendo familia, bens, ou casa no concelho, não provarem que estão domiciliados n'outro.
§ unico. Esta prova será um attestado do administrador do concelho onde resida.
3.º Aquelle mesmo que estando expatriado lenha familia no concelho.
Art. 15.º Far-se-ha todos os annos, em época marcada pelo governo, um recenceamento pela camara do municipio, de todos os mancebos comprehendidos nas disposições antecedentes, e depois de prompto serão affixadas cópias authenticas nos logares mais publicos de todas as povoações do concelho, devendo presistir assim, pelo menos, uma semana inteira.
Art. 16.º Findo este praso receber-se hão por espaço de 15 dias todas as reclamações documentadas, tanto para excluir, como para addicionar alguns mancebos á lista do recenseamento.
Art. 17.º Findo este praso, a camara procederá á resolução das reclamações, dentro de lo dias, no termo dos quaes o recenseamento se dará por terminado.
Art. 18.º Succedendo que alguns mancebos, a quem pertencesse entrar no recenseamento, não chegassem a ser nelle contemplados, ficarão sujeitos a entrar no recenseamento do anno seguinte.
Art. 19.º Em cada uma das capitaes de districto haverá uma commissão militar revisora do recenseamento.
Art. 20.º Esta commissão será composta de 3 officiaes nomeados pelo general commandante da divisão militar.
§ unico. Para este serviço serão preferidos os officiaes reformados, que não lerão por elle outra vantagem mais do que receberem os seus soldos com os arregimentados.
Art. 21.º A esta commissão incumbe especialmente examinar os recenseamentos dos concelhos para o que lhe serão enviadas cópias, dar todas as informações, e interpôr recurso para o ultimo conselho revisor da capital de divisão militar.
Art. 22.º A commissão tem direito a exigir das auctoridades administrativas todos os esclarecimentos e informações relativas ao recenseamento, e mesmo podem ir syndicar aos diversos concelhos sobre o cumprimento da lei, para o fazer constar ao concelho da capital de divisão militar.
Art. 23.º Quando o commandante de divisão o julgue necessario, poderá nomear mais commissões de revisão do que as determinadas no artigo 19.º
Art. 24.º A remessa dos trabalhos de recenseamento á commissão revisora não embaraça o andamento do processo.
Art. 25.º O administrador do concilio fará publicar por editaes o local, dia, e hora, em que houver de proceder-se ao sorteamento dos mancebos recenseados.
§. unico. O dia será determinado pela auctoridade superior do districto.
Art. 26.º No dia e hora determinada comparecerão no local fixo o administrador do concelho, e dois vereadores nomeados pela camara; ter-se-ha em voz alia a relação com os nomes dos cidadãos recenseados, e proceder-se-ha logo ao sorteamento pela maneira seguinte. Haverá uma urna, onde estarão tantos bilhetes quantos forem os recenseados. Estes bilhetes lerão a serie dos numeros naturaes. Os recenseados serão chamados por ordem alfabética, e não tirando cada um seu bilhete, que logo será proclamado, e escripto n'uma lista com o nome do individuo que o tirou. Na falla do interessado tirará a sorte o seu parente mais proximo, que estiver presente, e na falla deste um cidadão qualquer escolhido pelo jury acima referido.
Art. 27.º Concluido o sorteamento, publicar-se-hão listas nos logares do costume, contendo os nomes dos sorteados, e a ordem em que ficaram, designada esta pelo numero que tiraram da urna.
Art. 28.º O sorteamento será enviado pelo administrador do concelho á commissão revisora do recenseamento, a qual enviará por meio do seu presidente todo o processo ao commandante da divisão militar.
Art. 29.º Na capital da divisão militar formar-se-ha um conselho de revisão final, para examinar tanto o recenseamento, como o sorteamento, e receber as reclamações daquelles que estiverem comprehendidos nas excepções desta lei.
Art. 30.º Compele a este conselho resolver em ultima instancia todos os recursos, duvidas e reclamações interpostas.
Art. 31.º Quando o conselho intenda que qual
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quer recenseamento, ou sorteamento, não se fez com as formalidades da lei, póde annullal-o, e mandar proceder a outro, por meio de uma ordem privativa.
Art. 32.º Este conselho será composto do commandante da divisão, que presidirá, do chefe do estado maior da divisão, do secretario geral do governo civil, de 2 officiaes, nomeados pelo commandante da divisão, e de 2 cidadãos, nomeados pelo governador civil do districto, onde estiver a cabeça da divisão.
Art. 33.º São isentos do serviço militar:
1.º Aquelles que pela sua constituição fysica, ou molestias, não tiverem a robustez necessaria.
§ unico. Para isto haverá uma tabella das enfermidades que estão no caso deste numero.
2.º Aquelles que não tiverem a altura de 57 pollegadas.
3.º O mais velho dos filhos orfãos de pai e mãi, que dê amparo a seus irmãos.
4.º O irmão mais velho de um militar que morreu, ou foi gravemente ferido e mutilado em combate.
5.º O mais velho dos irmãos de um qualquer individuo que esteja alistado nos corpos de primeira linha, ou nelles lenha completado seu tempo de serviço.
6.º Ornais velho de dois irmãos que forem sorteados no mesmo anno para o serviço, uma vez que o mais moço seja apto para elle.
7. O filho mais velho de viuva, ou de pai cego, entrevado, ou septuagenario: e quando não tiver filho o mesmo direito se intende com o neto, uma vez que tanto um como outro prove que lhe dá amparo e auxilio.
8.º Aquelles que se dedicam ao serviço dos altares, uma vez que provem que cursam os estudos com aproveitamento.
9. Os que frequentam as aulas de instrucção superior, uma vez que mostrem por documentos authenticos terem obtido approvação no exame ou nos exames do anno anterior áquelle em que lhes competia entrar no sorteamento.
10.º Os que se destinam ao laborioso estudo das linguas orientaes, uma vez que provem authenticamente o aproveitamento que nellas tem lido.
11.º Os chefes de estabelecimentos industriaes de reconhecida utilidade publica.
12.º Os que gozam actualmente de privilegios de isenção de recrutamento, estipulados em contractos publicos.
Art. 34.º Todos os mancebos comprehendidos no sorteamento, que não provem achar-se nas excepções antecedentes, ficam sujeitos ao serviço militar, e serão chamados pela ordem natural dos numeros.
Art. 35.º No concelho, que lenha dado um contingente para o serviço da armada real, será subtraído igual numero para o contingente do exercito.
Art. 36.º Quando houver conflicto por causa de reclamação para o poder judicial sobre questões de estado de pessoa, ou direitos civis, serão chamados, para completar o contingente do concelho, os numeros immediatos áquelles que eram necessarios, mas serão dispensados no caso da decisão ser desfavoravel ao reclamante.
Art. 37.º O conselho de revisão publicará nos logares do costume a lista com os numeros e nomes daquelles que são definitivamente chamados ao ser
Viço. Todos os que na mesma não forem comprehendidos, ficam sujeitos a serem chamados durante todo o anno, em quanto se não fizer novo sorteamento: lindo este serão definitivamente declarados livres.
§ unico. Nos casos previstos no artigo 36.º, quando a decisão fôr demorada, publicar-se-hão as listas com os nomes dos que estão pendentes em julgado, e com os daquelles que os hão-de substituir, quando se lhes decida favoravelmente.
Art. 38.º Quando os mancebos do mesmo sorteamento queiram trocar os seus numeros, ser-lhes-ha isto permittido, se o conselho de revisão assim o intender, uma vez que d'ahi não resulte prejuizo de terceiro.
Art. 39.º É permittido admittir ale um terço de substitutos em logar dos sorteados para o serviço.
Art. 40.º O substituto não deve exceder em idade a 28 annos, e deve satisfazer a todos os mais quesitos requeridos para os sorteados.
§unico. Se o substituto tiver sido já militar, poderá ser admiti ido ale á idade de 32 annos.
Art. 41.º Nenhum substituto será acceito quando tenha costumes incorrigiveis, ou quando, havendo sido militar, lenha tido nota de deserção, prizão excedente a 4 mezes, ou castigos corporaes.
Art. 42.º O substituto fará com aquelle que vai substituir, um contracto com todas as formalidades legaes.
Art. 43.º O sorteado fica responsavel pelo seu substituto pelo espaço de um anno: se este desertar no dito periodo, será aquelle chamado ao serviço, não se levando em conta alguma o tempo de serviço que fez o substituto. Se porém elle morrer, não será obrigado a vir occupar o seu logar.
Art. 44.º Não obstante o disposto no artigo 43.º o substituto será considerado e punido como desertor; e quando fôr prezo, tanto um como o outro, serão obrigados a completai o tempo de serviço.
Art. 45.º O tempo de serviço para os sorteados é mais 1 anno do que o disposto para os voluntarios em todas as armas.
§ unico. As disposições desta lei, quanto ao tempo de serviço, não dizem respeito ás praças actualmente alistadas.
Art. 46.º As recrutas serão escolhidas para as diversas armas, segundo as suas qualidades, classificadas por um conselho militar, presidido pelo commandante da divisão, e composto de 2 officiaes de cada uma das armas, por elle nomeados.
Art. 47.º Este conselho, em vista do mappa da força exigida para cada uma das armas, escolherá as recrutas, attendendo á sua altura, robustez, propensões, naturalidade, profissão, e desejos que manifestem, de fórma que cada uma das armas fique provida daquellas recrutas, que se presume terem para ella as qualidades mais favoraveis.
Art. 48.º Acabado o tempo de. serviço póde qualquer praça contractar a continuação nelle por um espaço definido, que nem seja menor de 4 annos, nem maior de 4.
§ unico. Este contracto póde renovar-se.
Art. 49.º Todo o soldado que tiver completado 10 annos de serviço sem nota, e tendo boas informações, será preferido para passar ás guardas municipaes de Lisboa e Porto, nas quaes não entrará individuo algum em quanto os houver nestas circumstancias que o requeiram.
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Art. 50.º Todo é soldado que tiver completado 20 annos de serviço sem nota, e tendo boas informações, tem direito a requerer a sua passagem para os batalhões de veteranos, onde gosará das vantagens marcadas na lei.
Art. 51.º Todo o cidadão que provar haver satisfeito ao tempo de serviço militar exigido por lei, sem nota, será preferido em igualdade de circumstancias com os mais concorrentes, quando pretenda algum emprego publico.
Art. 52.º Todo aquelle cidadão que fôr sorteado, e que não comparecer no chamamento que lhe fôr feito para se apresentar dentro do praso marcado, será considerado como refractario, e em consequencia, será prezo, e obrigado a servir mais um anno do que o marcado para os sorteados que se apresentam livremente.
Art. 53.º Todo o cidadão que depois de recenseado fugir para não satisfazer á obrigação que a sociedade lhe impõe, será considerado como desertor, e como lai punido logo que seja pezo e reconhecido.
Art. 54.º O crime de deserção prescreve passados 20 annos depois do dia em que foi prepetrado.
Art. 55.º Toda a auctoridade civil ou militar que deixar de cumprir as disposições desta lei, que admittir mais isenções do que as que nella estão consignadas, que conceder dispensas que ella não reconhece, que não satisfizer as regras prescriptas para o recenseamento e sorteamento, e deixar de perseguir os refractarios, será suspensa do exercicio das suas funcções, mettida em processo, e condemnada á perda de todos os seus direitos politicos por espaço de 1 anno a G, e uma multa pecuniaria de 100$000 a 2:000$000 de réis, conforme as circumstancias e gravidade do abuso de poder que commetteu.
Art. 56.º Qualquer cidadão póde intentar querella contra qualquer auctoridade pelo abuso de poder que commetter nos objectos de recrutamento.
Art. 57.º O direito consignado no artigo 53.º prescreve passados 3 annos depois do dia em que o delicto foi commettido.
Art. 58.º Quando seja necessario, em virtude de circumstancias extraordinarias, e por deliberação do corpo legislativo, elevar a força do exercito a um pé superior ao ordinario, e Que os mancebos comprehendidos para o recrutamento não sejam sufficientes, poder-se-ha fazer o sorteamento, comprehendendo os mancebos que tenham de 18 a 24 annos completos.
§ unico. Todos aquelles individuos que forem chamados ás armas, quando já lhes não pertencer, terão direito ás suas baixas, logo que cessem as circumstancias extraordinarias que motivaram o seu alistamento, não podendo negar-se-lhes debaixo de pretexto algum.
Art. 59.º Para o adiantamento na carreira militar serão sempre preferidos os voluntarios aos sorteados em igualdade de circumstancias.
Art. 60.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos srs. deputados, 7 de junho de 1852 = Conde de Samodães (Francisco) deputado por Lamego.
O sr. Guerreiro: — Mando para a mesa o seguinte requerimento: (Leu)
Ficou sobre a mesa para ter amanha o competente destino.
O sr. Novais — A commissão encarregada de rever os decretos de 5 de Novembro de 1851, e de 24 de Dezembro do 1852, sobre legados pios, acha-se installada: nomeou para presidente o sr. Avila, para relator o sr. Passos (Manoel) e a mim para secretario.
O sr. Rivara: — Mando para a mesa 3 pareceres da commissão de saude publica (Leu)
Ficaram sobre a mesa para serem discutidos em occasião opportuna.
O sr. Nogueira Soares: — Pedi a palavra para perguntar aos illustres membros da commissão de legislação, se já examinaram o projecto do sr. Bivar, sobre a divisão judicial. A camara sabe muito bem que o governo está auctorisado para fazer a divisão administrativa — augmentar, e diminuir o numero dos concelhos, e fazer a divisão ecclesiastica; mas não está auctorisado para fazer a divisão judicial. Daqui vem que, lendo-se supprimido um grande numero de concelhos, tem ficado freguezias pertencentes a uma comarca differente do concelho de que fazem parte. É facil de vêr quaes são os inconvenientes que resultam deste estado de cousas, em que periga a ordem e a segurança publica, pela impossibilidade que ás vezes se dá de fazer punir um delicto qualquer. E portanto necessario que, ou se tire ao governo a auctorisação que elle tem para interferir na divisão administrativa, e ecclesiastica, ou se lhe dê tambem auctorisação para modificar a divisão judicial. Este segundo arbitrio é que me parece mais rasoavel, por isso que não é na camara que esta questão da divisão territorial se póde tractar convenientemente.
Por tanto peço a v. ex.ª que recommende á illustre commissão de legislação, que quanto antes dê o seu parecer sobre o projecto do sr. deputado Bivar, por que é um objecto simplicissimo, e que se poderá, em monos de meia hora, discutir, e tomar uma resolução, o que é de absoluta necessidade, e de summa urgencia.
O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, vejo-me obrigado, ao desempenho da promessa que fiz em uma das sessões passadas, a dirigir-me outra vez á illustre commissão de poderes, perguntando aos membros que a compõem, até quando devemos esperar pelo parecer a respeito das vacaturas, que ha na camara. Na verdade é preciso muita reflexão da minha parte; é necessario que eu faça violencia aos sentimentos que neste momento se exaltam em mim, para não proferir alguma palavra que seja desagradavel aos membros da commissão; porque não ha razões possiveis, não ha considerações que se dêem, para que passados 5 mezes não se apresente ainda um parecer a respeito das vacaturas, que ha na camara, para se proceder ao prehenchimento da representação nacional. Não ha consideração alguma que faça valer esta demora, a não ser ou por accidente, ou por obediencia ás recommendações dos membros do gabinete. A commissão é necessario que sáia desta especie de nuvem em que se metteu.
Tambem está commettido á illustre commissão de poderes o parecer, e processo eleitoral do districto da Horta; tambem peço a v. ex.ª que recommende á illustre commissão, que neste negocio não haja mais demora, do que aquella que resultou do modo irregular, porque o decreto eleitoral foi cumprido naquelle districto. Quando o parecer da illustre commissão vier, é provavel que eu me encarregue de fazer algumas considerações, pelas quaes se conheçam os escandalos, e arbitrariedades com que os governadores civis das ilhas dos Açores, e Madeira, procederam, principal
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mente nesta ultima eleição, a respeito da execução das diversas disposições do decreto eleitoral, alterando por seu proprio arbitrio os prasos determinados para a convocação das assembléas eleitoraes, servindo-se de 500 pretextos, de 500 meios para embaraçar a conclusão do processo eleitoral; já se sabe, porque elle não seria á medida dos seus desejos, e das instrucções superiores que tinham recebido dos srs. ministros.
Por agora não quero demorar-me mais neste assumpto; mas declaro que é pela segunda vez que faço esta instancia para que se apresente o parecer sobre as vacaturas; se esta segunda instancia não fôr bastante, não se queixem os membros da commissão que eu empregue a respeito do seu procedimento a severidade de palavras que elle pede, quando pela terceira vez fallar neste assumpto.
O sr. Alves Martins: — O illustre deputado já disse em outra occasião o que acaba de repelir.
O sr. Corrêa Caldeira: — Tenho ainda muito mais que dizer.
O Orador: — Póde dizer mais palavras, e dellas não tenho medo; e em quanto não apresentar idéas dignas de consideração da camara, as suas palavras não são mais do que vibrar o ar.
O nobre deputado insta pelo parecer da commissão de poderes, para se determinarei!) as vacaturas que ha um todo o reino; e ao mesmo tempo o parecer sobre as eleições da Horta. A commissão ainda não pôde apresentar o seu parecer, e esta segunda exigencia é uma razão, e um motivo que ella tem, para demorar por mais alguns dias o seu parecer sobre as vacaturas no reino, para não ler que dar segundo parecer a respeito do que houver no circulo eleitoral da Horta. Por consequencia não ha razão nenhuma para se instar pelo parecer sobre as vaca luras, quando os deputados eleitos já não podem vir trabalhar nesta sessão; e basta ao nobre deputado a certeza de que o parecer ha de ser apresentado ainda nesta sessão, para ficar concluido este negocio.
Creio que com esta declaração deve ficar o nobre deputado satisfeito; e em quanto ao que disse, que era recommendação do gabinete á commissão, eu declaro que ninguem fallou aos membros da commissão; e se lhes filiasse, perdia o seu tempo; porque nós fazemos politica franca e leal. Se o nobre deputado apresentar algum motivo novo, ou algumas razões, responderei ainda; se disser só palavras, não respondo; mas eu creio que a sua illustração o não levará a dizer só palavras.
O sr. Corrêa Caldeira: — As explicações do illustre deputado, membro da commissão de poderes, provam que se eu quizesse formular uma accusação severa á illustre commissão, tinha mais que sufficientes motivos para o fazer. Se o illustre deputado julga que as palavras só servem para vibrar o ar, ha de permittir-me que lhe diga, que me não parece que assim seja, quando pelas palavras se exprime a falla de cumprimento de deveres, que a commissão reconhece que existe, e que reconhece tambem que não tem satisfeito. A respeito do effeito destas palavras não o ha de julgar o nobre deputado, que não é o juiz competente; ha de julgar a camara e o publico.
Sr. presidente, porque não vem o parecer da commissão a respeito das vacaturas que existem na camara. E porque está pendente a resolução da commissão do parecer sobre as eleições da Horta; e note a camara que o processo sobre as eleições da Horta chegou haverá 5 ou 6 dias, a camara dura ha 5 mezes, e a commissão invoca as eleições da Horta como razão de não ler apresentado á camara o seu parecer sobre as vacaturas que existem!... Esta defeza por si só diz muito mais que a accusação que se diz que eu fiz á camara, accusação que não se póde encontrar nas palavras muito brandas, muito attenciosas, muito obsequiosas, mesmo que empreguei para com a illustre commissão.
Não ha urgencia nenhuma neste negocio, porque os deputados que faltam, já não vem nesta sessão. «E quem disse ao illustre deputado que não teriam vindo, se a commissão tivesse feito o seu dever ha mais tempo? Por ventura está o nobre deputado iniciado nos altos mysterios do gabinete, sabe mesmo a vontade do poder moderador para poder declarar-nos que a sessão não será prorogada. E se o fôr, não lerão os deputados que faltam, tempo devir a camara nesta sessão, não leriam já vindo se a commissão tivesse feito o seu dever? Ainda não veiu, que eu saiba, o processo sobre a eleição de Gôa; o illustre deputado tambem pode invocar este argumento, e dizer, que em quanto não vier esse processo, não apresenta a commissão o seu parecer sobre as vacaturas que existem; e entretanto como esse processo ainda não veiu, e sabe Deus quando virá, ficaria para as calendas gregas o preenchimento das vacaturas!
Sr. presidente, eu comecei dizendo que não queria usar de palavras severas contra os membros da commissão. Repito que a defeza que o illustre deputado, o sr. Alves Martins, apresentou do procedimento da commissão, contém em si illações faceis de deduzir muito mais severas do que as palavras que eu empreguei. Eu tinha dicto outro dia que se a commissão continuasse no seu caminho não apresentando o parecer á camara, que ou me obrigava a suscitar todos os dias o cumprimento do seu dever. Como a commissão deixou passar tres sessões sem apresentar o resultado dos seus trabalhos, eu comecei hoje as minhas observações, e se a commissão continuar a demorar o parecer, acredite que tem todos os dias, com mais ou menos palavras, em lermos mais ou menos severos, a repetição dessas observações, até que intenda que é do seu dever, que é do decoro de cada um dos seus membros, que é do decoro da camara, que este negocio não se demore por mais tempo.
O sr. Avila — Sr. presidente, haverá 2 mezes fiz eu um requerimento para que fosse convidada a commissão de poderes a apresentar o seu parecer relativamente ás vacaturas, que se davam nesta casa, já porque alguns de seus membros tinham sido eleitos em mais de um districto, já porque alguns não tinham acceitado, já porque outros tinham sido elevados por Sua Magestade á alta dignidade de pares do reino. Quando fiz este requerimento, um illustre membro da commissão, intendendo que elle era uma censura á commissão, declarou que a commissão apresentaria muito depressa o seu parecer a este respeito, e eu, acreditando que effectivamente a commissão apresentaria o seu parecer com a brevidade que dizia, e para que não se suppozesse que ou lhe queria fazer uma censura, retirei o meu requerimento. Por consequencia, eu é que estou verdadeiramente compromettido neste negocio, porque eu acreditei nas palavras da commissão, retirei o meu requerimento, e ha 2 mezes que não apresenta o seu parecer. Eu sou amigo de todos os cavalheiros que compõem a
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illustre commissão, e sou amigo de todos os meus collegas em geral, mas não posso deixar de dizer, que não sei, não comprehendo a razão porque se não tem apresentado o parecer sobre as vacaturas que existem, quando ha talvez 20 vacaturas a preencher... (O sr. Corrêa Caldeira: — Mais de 20) Diz o meu collega que ha mais de 20, mas supponha-se que ha menos, que razão ha para que a commissão não queira (porque a commissão é que não quer) que a camara se complete? Não sei; confesso francamente que por mais voltas quede á minha imaginação para achar uma explicação a este fenómeno, não a acho. Não creio que a commissão queira fazer politica neste assumpto: a commissão deve primeiro que tudo cumprir o seu dever. Diz a commissão nesses deputados que ha a eleger, não podem vir nesta sessão»; isso não é da conta da commissão: desde o momento em que ha uma vacatura na camara, a obrigação da commissão é vir declarar á camara essa vacatura, e é obrigação da camara dizer ao governo, que mande proceder a essa eleição: este é que é o nosso dever, e não examinarmos se os deputados que fallam, podem vir nesta sessão ou não.
«As eleições da Horta.» E que tem as eleições da Horta com isto? Pois os cavalheiros que foram eleitos pelo circulo da Horta, estão eleitos por algum outro circulo? Que quer dizer a commissão? Quer dizer que vem propôr a annullação dessa eleição? Já sabe a commissão que a camara hade annullar essa eleição? Mas supponhamos que a eleição da Horta é rejeitada, quid inde? Pois logo que tenha vagado um logar na camara, porque um membro della é feito par, é nomeado conselheiro de estado, é nomeado ministro, morre, não se hade mandar preencher a sua vacatura? Isto é operação em acto successivo, á medida que se declara uma vacatura na camara, manda-se proceder á eleição do deputado que hade preencher essa vacatura. Por consequencia eu sinto ter de associar-me ás observações feitas pelo Sr. Corrêa Caldeira no sentido em que póde parecer que ha nisto censura á commissão, e eu, torno a repetir, que retirei o meu requerimento ha 2 mezes ou mais, ver-me-hei obrigado a mandar para a mesa o mesmo requerimento, se a commissão não se prontificar a apresentar o parecer com brevidade, e espero que a maioria da camara approve esse requerimento, assim como estou convencido, que os illustres membros da commissão, pensando sobre a responsabilidade que tem assumido sobre si sem nenhuma razão, hão de satisfazer ao seu dever, e hão de deixar de dar logar a interpretações desfavoraveis em que não acredito, porque estou persuadido que não leiu havido da parte da commissão senão pouca reflexão; a commissão viu que a carta manda fechar a camara no dia 2 de abril, intendeu por consequencia que uma vez que o parecer fosse approvado a tempo que no intervallo da sessão se fizesse a eleição, estava tudo preenchido; mas já a illustre commissão vê que effectivamente já lá vão 3 mezes de prorogação, e a nós não nos pertence saber se haverá mais prorogação; mas parece-me que aquelles districtos, que não tem aqui o numero legal de seus representantes, não ha auctoridade absolutamente nenhuma que os possa inhibir de estarem aqui completamente representados. (Apoiados) Peço aos meus illustres collegas, que são membros da commissão de poderes, que não vejam no tom com que fallei, o menor desejo de os censurar, mas o que lhes peço é, que pensem que assumiram sobre si uma responsabilidade sem nenhum motivo, e effectivamente não tem calculado todo o alcance dessa mesma responsabilidade.
O sr. Justino de Freitas: — Sr. presidente, pareceu-me que o meu collega da commissão teria dicto tudo quanto era sufficiente para justificar a commissão. A commissão não podia dar o seu parecer em quanto não o tivesse dado sobre todas as eleições do reino e ilhas... (O sr. Avila: — Ora pelo amor de Deos! Isso não se diz. Peço a palavra; é um artigo novo que é necessario metter no regimento) Não se tracta de uma vacatura accidental. Se morresse um deputado, ou por qualquer outro motivo houvesse uma vacatura na camara, então devia a commissão vir aqui apresentar um parecer sobre ella; mas não é esse o caso.
Tinham-se feito as eleições geraes, e era necessario que se observassem as regras que estão estabelecidas em materia de eleições, para que a commissão podesse vir dar o seu parecer a respeito das vacaturas. Não bastava que se tivesse procedido ás eleições em todo o reino, o illustre deputado sabe que pelo nosso regimento eleitoral era necessario esperar um certo prazo, para que os deputados declarassem se queriam ou não vir á camara; o illustre deputado sube portanto que havia um processo, segundo marca o regulamento eleitoral, e que esse processo gastou tempo, e que não era possivel que antes disso a commissão viesse dar o seu parecer. Depois disso havia eleições por concluir sobre que ainda a commissão tem de dar o seu parecer, como, por exemplo, sobre as eleições do circulo eleitoral da Horta. Por consequencia, não havendo demasiada urgencia que obrigasse a commissão a dar o seu parecer em separado sobre umas e outras vacaturas, a commissão julgou que era melhor esperar que as eleições estivessem feitas em toda a parte, para vir dar um parecer completo, lista circumstancia só agora chegou, e é agora que a commissão tem de lavrar o seu parecer, e traze-lo brevemente á camara.
O sr. Avilla: — Pedi a palavra para mandar para a mesa o meu requerimento, porque estou convencido que a commissão não manda o parecer por uma errada interpretação que está dando ás suas obrigações. Isto é quasi incrivel!... De maneira que quando houver 20 vacaturas não ha pressa em as preencher, quando houver 1 é que ha pressa!... Eu não desejo nunca censurar collegas, e muito menos amigos; mas não acho razão nenhuma aos illustres deputados. A illustre commissão não deu essa rasão quando eu retirei o meu requerimento; (Apoiados) eu retirei o meu requerimento, porque a commissão disse que vinha apresentar o seu parecer quanto antes. Esse requerimento foi feito pouco depois de terem sido elevados á dignidade de pares uns poucos de collegas nossos por carta regia de 5 de março, ha 3 mezes, e vem agora a commissão e diz — não senhor, não é por isso que vós dizeis, que a commissão não tem apresentado o parecer, é porque estamos á espera hoje, amanhã, no outro dia das eleições que hão de vir de Moçambique, de S. Thomé e Principe, ele. e por isso não se preenchem por ora as vacaturas!... (O sr. Corrêa Caldeira: — É uma dictadura da commissão de poderes) E necessario portanto que a maioria da camara se pronuncie terminantemente a este respeito, e declare se quer ou não que se preen-
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cham as vacaturas. Vou por consequencia mandar para a mesa o requerimento que tinha retirado por acreditar na palavra da commissão, e requeiro a sua urgencia.
Requerimento: — Requeiro que a illustre commissão de poderes seja convidada a apresentar quanto antes a esta camara o seu parecer sobre as vacaturas que ha a preencher. — Avila.
Foi declarado urgente, e ficou em discussão.
O sr. Castro e Lemos: — Todos sabem que eu pertenço á commissão de poderes, mas tambem todos sabem que eu não commungo com o governo, nem vou ás suas reuniões; e não querendo com isto fazer censura aos meus collegas da commissão, só quiz mostrar qual era a minha posição, declarando que tenho concorrido a todos os trabalhos da commissão, quando para elles tenho sido convidado, mas não me cumpre tomar a iniciativa em qualquer objecto que se tracte na commissão.
O sr. Alves Martins — O requerimento é inutil. (O sr. Avila: — Já convidei a commissão da outra vez, prometteu-me e não cumpriu). A commissão de verificação de poderes não precisa desse convite, e quando ella precisasse desse convite, quando esse convite fosse necessario, então a commissão de verificação de poderes deixava de ser commissão; por que desde o momento em que houvesse da parte da camara uma censura á commissão pela sua falta de cumprimento de deveres, a commissão deixava de ser commissão, por isso que não tinha a confiança da camara. Isto é corrente.
Nesta demora do parecer da commissão não ha nem politica, nem ha fim, nem desejos de empecer trabalhos nenhuns da camara, nem cousa nenhuma destas; o nosso collega na commissão o sr. Castro e Lemos, que tem sido convidado todas as vezes que a commissão se tem reunido, é testemunha da lealdade com que alli se procede; e ainda não houve nenhum trabalho da commissão, nem fóra, nem dentro da camara, a que elle não assistisse. Por conseguinte este negocio tem ido assim andando; as vacaturas têem-se amontoado umas sobre as outras, negocios de gravidade teem chamado a attenção para outras cousas, e este negocio tem-se ido prorogando, sem haver uma necessidade picante que inste com a commissão para ella trazer o seu parecer quanto antes á camara.
Quanto ao que disse o sr. Corrêa Caldeira de que nós não sabemos se o poder moderador adiaria a tâmara, é verdade que nós não commungamos nos segredos do gabinete, ao menos eu pela minha parte; mas para dizer o que nós dissemos sôbre o proximo encerramento da camara, creio que não é necessario commungar nos segredos do gabinete Estamos aqui ha 5 mezes, vamos entrando nos 6 mezes, e não havemos de estar todo o anno; a estação, e emfim outras multas circumstancias que todos nós sabemos, obrigam a encerrar-se o parlamento, o que já devia, ter sido ha muito mais tempo Por consequencia para saber que a sessão está proxima ao seu termo, não é necessario commungar nos segredos do gabinete.
Repito, não é necessario convite á commissão; a commissão ha de dar brevemente o seu parecer, pódem contar com elle; e escusa o sr. Avila de continuar a inalar por esse requerimento, por isso a que chama convite, mas que não é convite, é censura, a qual eu intendo que não mereço nem a commissão.
O sr. Cezar de Vasconcelos. — Eu não podia deixar de pedir a palavra, porque não quero que alguem se persuada de que só tive desejos de notar a demora na apresentação dos trabalhos que dizem respeito á commissão de legislação; o mesmo que já notei a respeito desta commissão — exceptuando alguns cavalheiros como um illustre deputado por Coimbra, que declarou não poder trabalhar em tres commissões, digo a respeito da commissão de poderes, o que disse a respeito daquella, porque é applicavel a esta. A respeito desta commissão de verificação de poderes, só apontarei um facto, e é que a camara do anno passado se reuniu em janeiro, e em maio não só se tinham já feito as eleições para o preenchimento da camara, mas até os deputados eleitos se achavam já fazendo parte da camara, como aconteceu, por exemplo, com o meu amigo o sr. D. Rodrigo de Menezes, cujo testimunho invocarei se tanto fôr preciso. (Apoiados)
Não havendo quem mais tivesse a palavra, foi posto á votação o requerimento do sr. Avila, e foi approvado.
O sr. Maia (Francisco): — Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei da commissão de fazenda, para que as disposições do decreto de 16 de janeiro de 1834, e mais legislação correlativa em vigor, sejam applicaveis aos empregados dos tribunaes e repartições extinctas até á data do citado decreto, que por terem tornado armas contra o governo legitimo, ou por outros motivos politicos, foram excluidos do subsidio por elle concedido.
Foi lida na mesa a ultima redacção do projecto n.º 22, a qual foi approvada.
O sr. Presidente. — Em virtude do artigo 10.º do acto addicional a carta constitucional da monarchia, vai a camara constituir-se em sessão secreta.
Era uma hora e um quarto.
Sendo tres horas e um quarto disse
O sr. Presidente: — Continua a sessão publica; e vai aproveitar-se o tempo que testa para dar a hora na continuação da discussão do projecto n.º 33.
O sr. Nazareth: — Sr. presidente, eu não empregarei grande esforço em defender a disposição do artigo 1.º do projecto em discussão, porque a justiça da sua doutrina tem sido reconhecida por todos os srs. deputados que tem fallado na materia, e ainda por aquelles que lhe parecem adversos. Tractarei, pois, de responder a algumas observações e interpellações feitas á commissão.
Responderei, em primeiro logar, ao meu amigo o sr. deputado pela Guarda, que exigiu uma declaração, por parte da commissão de instrucção publica, se acceita o additamento proposto pelo sr. deputado por Evora, que toma extensiva a disposição do artigo 1.º, quanto a jubilações nos professores de instrucção primaria e secundaria; e digo que me não acho auctorisado para enunciai o voto da commissão, comtudo ha de acceitar qualquer resolução da camara. A minha opinião individual, porém, como membro da commissão, está em opposição com o additamento, não só por não sei este o logar proprio, mas porque em todas as carreiras de serviço publico o praso para as jubilações, aposentações e reformas é subordinado a maior ou menor numero de habilitações e provas necessarias para nelle ser admittido, e á época da vida mais ou menos avançada, em que se entra no serviço publico.
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Sr. presidente, ninguem ignora as immensas habilitações, e o rigor das provas necessarias para occupar um logar no magisterio da instrucção superior, e o longo tirocinio por que passaram os seus candidatos, especialmente os do magisterio da universidade Menores são as habilitações para a instrucção secundaria, e ainda menos para a instrucção primaria. — Conseguintemente não póde deixar de haver nova graduação quanto ao tempo das jubilações e aposentações dos professores dos diversos graos de instrucção. Esta graduação foi feita no decreto de 15 de setembro de 1836; e ainda mesmo quanto aos professores de instrucção primaria faz-se differença entre os do ensino mutuo e simultaneo. O praso actual para a jubilação dos professores de instrucção secundaria e primaria é de 30 annos; mas eu não duvido concorrer com o meu voto para que se reduza a menos o praso quanto aos de instrucção secundaria.
Sr. presidente, se todos os professores de instrucção secundaria tivessem as habilitações do illustre deputado por Evora, auctor do additamento, que é um distincto professor, e cultor das leiras patrias, votaria de bom grado que se lhes tornasse extensiva a disposição do artigo 1.º; mas as leis fazem-se em attenção ás generalidades dos casos, sobre que tem a providenciai, e não em vista das excepções.
Eu sinto não estar presente o sr. deputado pela Guarda, meu antigo amigo, porque queria dirigir-lhe algumas palavras, e fazer-lhe ver a inconveniencia, com que se me affigurou ter tractado esta materia. A minha longa, e não interrompida amisade com o illustre deputado auctorisa-me para assim me expressar, sem, comtudo, ler animo de o offender. Acredito que o nobre deputado aprecia em muito os talentos, e boinas litterarias que obteve na universidade, e que ainda lhe hão de servir para adquirir na sua nova carreira maiores graduações e vantagens; mas como o não vejo presente, não continuarei neste assumpto.
E necessario advertir que a jubilação aos professores não é só uma prerogativa, e premio aos seus longos serviços litterarios e scientificos, mas uma conveniencia do serviço publico no interesse das sciencias. No rapido progresso que estas fazem, e na immensa esfera que abrangem, é indispensavel muito vigor de intelligencia, que fallece a professores cançados com longas vigilias litteral ias, e por isso devem ser substituidos por mancebos talentosos, que cheios de vigor e amor de gloria acompanhem as lei ias e sciencias no seu rapido e espantoso movimento.
Um illustre deputado pelo Porto, meu amigo e collega antigo no parlamento, sustentando a doutrina do artigo 1.º do projecto, observou que em uma carreira, em que se entra n'uma idade tão adiantada, era intoleravel o praso de 30 annos para a jubilação; lembrando que as vidas são curtas; que os homens de 70 a 80 annos são raros, e o termo geral da vida chega aos 60 annos. Em apoio destas observações eu accrescento, que as estatisticas da mortalidade, nas diversas classes e profissões da sociedade, são infelizmente muito desfavoraveis á classe dos professores; porque, segundo elles a maxima parte não passa muito de 50 annos; e é com muito sentimento que tenho a declarar, que de seis distinctos professores que a minha faculdade perdeu em poucos annos, cinco delles pouco mais tinham de 50 annos.
Portanto, se continuar a regular o praso de 30 annos, as jubilações terão logar na sepultura.
O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Deu conta dos seguintes
Officios. — 1.º Da camara dos dignos pares, participando que foi alli approvada a proposição de lei, que lhe foi remettida da camara dos srs. deputados, ácerca da creação de dois tabelliães de notas nus comarcas judiciaes das ilhas, Salsete e Bardez, no estado de Goa; e que, reduzido a decreto das coites, vai ser levada á sancção regia. — Inteirada.
2.º Da mesma camara, devolvendo, com a alteração que alli lhe foi feita, a proposição de lei relativa á annullação das reformas, dadas ao capitão de mar e guerra, Thomás Henrique Valadim; no capitão de fragata, José Maria de Sousa Soares de Andrêa; e no segundo tenente, Antonio José Alvares — f commissão de marinha.
O sr Presidente — Continua a discussão do projecto n.º 33.
O sr. Pegado — Sr. presidente, eu não tenho a honra de ser membro da commissão de instrucção publica, e por isso poderei fallar com mais liberdade sobre a materia. A modestia é timida, e deixa por esta razão, muitas vezes, de levantar a sua voz em favor da verdade. Alem disso eu professo de ha muito tempo, a respeito dos salarios dos professores publicos, certo principio, que vem agora em meu auxilio; não precisando por tanto recorrer a considerações especiaes, ainda que as considerações particulares podem ser, como são neste caso, tambem considerações de publico interesse, e de utilidade publica.
Sr. presidente, eu tenho pensado e dicto que a paga dos professores publicos em qualquer gráo do ensino, deve ir em um progressivo augmento desde um minimo, devidamente prefixado, até um maximo onde se fique. Este modo de retribuir os preceptores publicos não é desconhecido na Alemanha, e segue-se na Inglaterra. Ja citei um exemplo das leis inglezas. Os navios inglezes de guerra, de mais de 26 poças, teem professores de instrucção scientifica e litteraria a bordo. Nós lemos tambem alguma coisa de similhante nas nossas leis navaes; mas tem caído em desuso. Nós temos mais falla da execução que da legislação. E eu fui procurar um exemplo na legislação ingleza sobre a malinha, porque sempre que se der occasião de fallar em marinha, o farei com muito prazer, afim de augmentar cada vez mais a sympathia da camara por ella.
Sr. presidente, o instructor naval nos primeiros tres annos de magisterio, alem de alojamento e mesa, tem por mez 9 libras e 16 soldos; e o que tem mais de tres annos vence mensalmente 10 libras e 10 soldos; o que completar sole annos recebe 11 libras e 18 soldos; e aos dez annos de professorado tem 14 libras, e aqui cessa o augmento. Alem disto recebe annualmente de cada discipulo aspirante a marinha, 5 libras.
Não só os aspirantes a officiaes na marinha ingleza pagam esta contribuição, e mais algumas para a sua instrucção, como tambem na marinha franceza Para serem admittidos a bordo da náo L'Orient ha de pagar 700 francos para o cofre da escola, e 600 para livros, estojos, etc. No collegio militar La Fleche, pagam os alumnos 850 francos de pensão e 500 para enxoval. E quando os pais não podem pagar estas sommas, mas são militares, e mesmo paizanos, que tenham serviços, é o estado que as paga por elles. Note a camara este modo de concorrer para a edu-
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cação dos filhos dos que teem feito serviços á patria, mas que não são favorecidos da fortuna.
Sr. presidente, a esperança de augmento de vantagens convida para o estudo, para a applicação e aperfeiçoamento; ao mesmo tempo que por outro lado o funccionario mais exercido, mais adiantado e perfeito merece maior salario.
Está calculado e confirmado pela experiencia que um professor no fim de 20 annos está já cançado. Não e a uma assembléa illustrada que eu hei de querer mostrar que a vida litteraria, e o trabalho de espirito consome mais as forças físicas do que o trabalho mechanico e corporal, que, pelo contrario, nos robustece.
Não sendo lei entre nós esse augmento successivo de ordenado, podemos considerar o terço da jubilação como esse augmento no fim de 20 annos; e admittido este principio, tanto se applica ao professor do 1.º gráo de ensino, como ao do 2.º e 3º. Se o professor em qualquer gráo da escala ensinante, aos vinte annos, está incapaz de continuar a servir, seja o seu ordenado, depois da jubilação, o seu sustento. Se ainda póde servir, por que não ha de ter um accrescimo de vantagens no fim de tanto tempo de trabalho e lucubrações, aquelle que está encarregado de crear e formar todas as classes de servidores do estado?
Sr. presidente, cumpre rectificar uma asserção. Nenhuma lei estabeleceu differença para o tempo de jubilação nas diversas academias. A nossa mais antiga legislação sobre este ponto, pelo illustre Pombal, e do reinado da Sr.s D. Maria I, estatuía os 20 annos para Coimbra e Lisboa. A novissima legislação de 1836 continha a mesma prescripção. Em 1844 um decreto elevou-a aos 10 annos; mas como as escólas milhares são especialidades do ministerio da guerra, não foram comprehendidas nesse decreto. E deverá prevalecer uma disposição de oito annos, e contra a qual se clamou logo, a uma legislação secular? As antigas leis lerão defeitos; mas penso que se não póde dizer que foram feitas com precipitação e leveza.
Se hoje algum professor se acha ainda, depois de 20 annos, com forças para continuar a servir, muito poucos ou nenhuns haverá para o futuro, e havia d'antes: esta circumstancia deve-se unicamente a terem sido despachados lentes individuos novos, pelas muitas demissões que houve depois da restituição da carta constitucional, e depois da creação de muitos outros estabelecimentos scientificos.
Tem-se dicto: cuide-se primeiro da instrucção primaria. Eu diria: cuide-se primeiro de tudo. Porem como isto não é possivel, faremos o que puder ser. Apresenta-se agora uma occasião de beneficiar os professores de 1.º e 2.º gráo: faça-se este beneficio; pois que uma das rasões porque não temos habeis professores para a instrucção primaria é serem mui tenues as vantagens que se lhes offerecem.
No meu regresso a Portugal fui nomeado deputado da junta da directoria geral dos estudos, logar que devi á benevolencia do meu prelado na universidade. Todos nós conhecemos esse fenomeno que a junta observava constantemente: os professores de instrucção primaria das grandes cidades ou dos logares proximos a grandes povoações eram sempre menos habeis que os professores das provincias e das aldeas. Porque razão acontecia isto? Porque nas grandes cidades tinham muito mais vantagens e interesses em outros misteres do que no magisterio. Em toda a parte, nas nações mais fortes de recursos em homens e objectos do que a nossa a instrucção publica primaria é sempre a mais deficiente e a que mais custa a organisar, e uma das razões entre outras é porque a profissão de preceptor de instrucção primaria é pouco lucrativa. Senão fossem as escólas de instrucção primaria particular, estaria ainda muito menos derramada essa instrucção. Os professores primarios preferem ensinar nos collegios pela razão mui obvia de serem ahi mais bem retribuidos. E note-se mais que os mestres de instrucção primaria dos collegios são homens muito mais instruidos, por que não só sabem lêr escrever e tem as primeiras noções de arithmetica, mas têem outros muitos conhecimentos. Não se segue que para ser professor de instrucção primaria seja bastante restrictamente a instrucção primaria, porque se se quizer intender a instrucção primaria só por saber lêr e escrever, eu digo que isto não passa de mero instrumento e meio para a acquisição de conhecimentos uteis que em ultima analyse são extractos mais ou menos amplos dos conhecimentos superiores.
Nós podemos ler a satisfação de dizer que em França um dos primeiros professores de instrucção primaria, o mais distincto, é um bacharel formado na universidade de Coimbra, um eximio litterato escriptor e poeta não só conhecido neste paiz, mas muito nomeado entre os estrangeiros.
Disse-se aqui e tem-se repelido muito — cuidemos primeiro que tudo da instrucção primaria — a instrucção primaria é o mais principal — pois eu repetirei tambem — cuidemos primeiro que tudo da instrucção primaria, mas como não é possivel cuidar ao mesmo tempo de tudo, cuidemos daquillo que é possivel fazer-se; e se reparando uma injustiça é a occasião de augmentar as vantagens dos professores de instrucção primaria e secundaria, aproveitemos esta occasião e augmentemos estas vantagens.
O meu argumento principal neste momento é que aproveitemos esta occasião para augmentar mais alguma cousa o vencimento dos professores de instrucção primaria e secundaria, porque quando se lhes augmentarem as suas vantagens, tem o governo o direito, mesmo a obrigação de exigir delles melhor cumprimento dos seus deveres. Esta é a unica razão por que eu queria que se augmentassem as vantagens dos professores. E agora seria tambem a occasião, se estivesse presente o sr. ministro do reino, para lhe dirigir uma observação a este respeito sobre um certo abuso que se tem introduzido, e que não póde continuar a ser tolerado.
Os logares de lentes de todas as escólas de Lisboa são providos segundo a lei por concurso publico. Entretanto tem-se mandado professar, em alguns desses logares, individuos sem concurso por simples portarias, reputando-se serviço de commissão. Se este serviço de commissão fosse por um certo tempo, ou temporario, e se depois de um certo tempo fossem fazer os seus exames publicos para serem depois definitivamente providos, ainda se podia intender que não era grande abuso dar uma certa commissão e introduzil-os ao mesmo tempo no professorado; mas eu não duvido dizer, que tem resultado os maiores males deste systema; haverá um ou outro professor distincto; mas na maior parte dos casos não se tiram os
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melhores professores: e é este um abuso, a respeito do qual eu desejava chamar a attenção do sr. ministro respectivo.
Eu sei, que a hora deu, mas peço a v. ex.ª só mais dois minutos. Está chegado o tempo dos exames, eu queria pedir ao sr. ministro da marinha, que empregasse todos os meios ao seu alcance para conhecer, se os exames que se fazem na escóla naval, e na companhia dos guardas marinhas são feitos com o mesmo rigor, com que se faziam na academia real da marinha de Lisboa, de que s. ex.ª era um dos primeiros ornamentos; e com particularidade sobre se o exame da lingoa ingleza é uma simples foi nullidade, ou se é desempenhado devidamente?
O sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã é trabalhos em commissões, depois do expediente; na quinta-feira continua a discussão do projecto n.º 33, e acabada ella, entrar-se-ha na discussão do projecto n.º 17, que ficou adiado para a commissão de fazenda dar o parecer, que foi hoje distribuido — Está levantada a sessão.
O 1.º REDACTOR
José de Castro Freire de Macedo