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SESSÃO DE 17 DE JUNHO DE 1885 2353

personagem de um dos proverbios de Musset, que gostava tanto de conversar que seria falladora... se tanta gente o não fosse.
Resta-me analysar uma innovação d'este projecto de regimento, que, me parece, ser considerada como uma das partes mais importantes da reforma. Refiro-me aquella disposição, por virtude da qual, as habilitações ácerca de heranças arrecadadas nas províncias ultramarinas, quer consistam em bens existentes no ultramar, quer no producto d'ellas remettido para a caixa geral de depositos, passam a ser da competencia do juizo de direito da naturalidade da pessoas fallecidas. É o artigo 34.°
Estas habilitações - convem saber - tiveram sempre um juizo privativo. Foi-o, na antiga organisação judicial, o da India e Mina e o das justificações ultramarinas. Era-o, por virtude do decreto de 13 de janeiro de 1837, o tribunal do commercio de Lisboa; é-o, hoje, depois da vigencia do codigo do processo, o juizo de direito da primeira vara d'esta comarca.
Tem sido diversos os juízos a que as leis têem confiado o conhecer d'estas habilitações, como se vê, mas todos tem concordado em que ellas devem correr na comarca de Lisboa. Foi, e é, uma excepção ao principio de direito que dá competencia para conhecer destas e de idênticas questões, ao juizo onde se abre a herança. O motivo da excepção é evidente. Os herdeiros não residiam no ultramar, no logar da abertura da herança. Ora, eram os direitos, os interesses, e, até, os commodos d'estes, que a lei queria acautelar, como pois deixar correr estas questões no ultramar, longe da residencia dos interessados, e, onde, ou haveriam de ter de se transportar para haverem o que era seu, ou onde teriam de deixar correr tudo, como que á revelia?
Abriu-se pois uma excepção, á regra geral de competencia, e deu-se, quanto a mim, com sobrada rasão, exclusiva competencia, para estas questões, ao juizo da comarca de Lisboa. Hoje, altera-se, pela primeira vez, na nossa legislação, este principio, e, dá-se competencia, como disse, ao juizo da naturalidade do finado. Justifica-se esta innovação? Vejamos.
A commissão que reviu o projecto do código de processo, de que tive a honra de fazer parte, e, a que, ao principio, concorri, estudou reflectidamente este ponto, não só pela sua importância, mas porque julgou dever alterar o systema, que era proposto pelo auctor d'aquelle projecto, o abalisado e distincto advogado Alexandre de Seabra.
Pretendia, este eminente jurisconsulto, dar igual competência, n'esta parte, a todos os juizes de direito, entendendo que o contrario seria estabelecer um privilegio a favor de uns, e contra os outros.
A commissão, porém, não se conformou com esta opinião do illustre auctor do projecto, como rejeitou uma outra proposta, d'elle, para que o estado podesse ser demandado, perante qualquer juiz de direito, á escolha do auctor. Considerando que os princípios não justificavam a disposição vigente, que tornava da exclusiva competencia do juiz de primeira instancia correccional de Lisboa, as justificações de herdeiros que pretendem habilitar-se para receber as heranças arrecadadas no ultramar, e as causas intentadas pelos credores com o fim de obterem pagamento pelo producto das mesmas heranças, transferiu para a primeira vara de Lisboa, estas causas, e, fazendo-as entrar no direito commum, quanto ao processo a seguir para habilitação de herdeiros, liquidação, adjudicação da herança ao estado, quando declarada vaga, a commissão julgou, - como ella propria escreve - ter feito tudo o que era necessario.
Todos os que lidam no fôro, sabem, que o facto de se ter dado exclusiva competencia ao juizo da primeira instancia commercial, só por si, trouxe duvidas e questões, sobre a forma de processo, ácerca dos termos a seguir, e, até, como mui acertadamente me lembra, n'este momento, o actual presidente do tribunal commercial de Lisboa, que me dá a honra do ma escutar, sobre a intervenção ou não intervenção do jury no julgamento. O codigo de processo acabou com essas duvidas, acabando, com aquella competencia que, de facto, os princípios não fundamentavam. É porque se manteve o exclusivo de tal jurisdicção na comarca de Lisboa? Dil-o o relatório da commissão que tenho presente.
(Leu.)
«Se isto é privilegio, como sustenta o auctor do projecto, querendo dar igual competencia para estes actos a todos os juizes de direito, nenhuma regra de competência deixa de merecer igual qualificação. A escolha do juiz nunca deve ficar dependente do arbítrio do interessado, e dar competencia a mais juizes de igual categoria para conhecerem da mesma questão seria decretar a anarchia. A quem havia de entregar-se o producto da herança se apparecesse mais de um interessado cada um habilitado copio único herdeiro em diverso juizo? a commissão entendeu sempre que a competencia deve, para todos os actos, estar, precisamente, definida na lei...»
Taes foram as- rasões principaes, por que, repito, a commissão do codigo do processo, deferiu ao juizo de 1.ª vara de Lisboa, o conhecimento exclusivo dessas causas. E, acrescente-se, que se dá a circumstancia, ainda, de estar, aqui, a caixa geral de depósitos, onde se acham depositados os productos, e, por ser este o logar onde se tem de fazer o pagamento final.
Hoje esta competencia passa para o juizo da nacionalidade do auctor da herança. E este principio novo, estranho ás nossas regras juridico-formularias, porque não ha processo algum tendente ao exercício de direitos, sobre bens de um defunto, em que se marque a competencia do foro no juizo da naturalidade do auctor da herança.
Portanto, é um principio completamente novo. Mas isso não quer dizer nada, porque nós estamos no parlamento, podemos adoptar princípios completamente novos, está isso dentro da nossa alçada.
Mas, pergunto: é conveniente estabelecer esta disposição?
Não me parece, antes a julgo contraproducente, prejudicial aos interesses de todos. Vou mostral-o á camara em breves considerações.
Pergunta-se: um herdeiro que tem o seu domicilio na Ilha da Madeira, ha de ser obrigado a vir, a Lisboa, emprehender uma causa para justificar a sua qualidade, e receber, só depois disso, o producto dos bens de um seu parente fallecido no ultramar? Não será isto um vexame?
Supponhamos que assim é. Acabemos, pois, com esta exigencia. Mas como? Permittindo-lhe, como era natural, justificar a sua qualidade de herdeiro no juizo do seu domicilio, como aliás já é permittido em certos casos no codigo do processo civil? Não. Foi-se dar competencia ao juizo da naturalidade do finado, que póde ser mui diverso e mui affastado do dimicílio do habilitando!
E quando haja mais de um herdeiro? Quando ta vários herdeiros, domiciliados em varias comarcas, um, por exemplo, na da Madeira, outro na de Bragança, outro na de Villa Real, embora a naturalidade do finado fosse n'um d'estes pontos; pergunto como se acautelam as commodidades dos outros? Se a justificação corre em Villa Real ali têem de ir os de Braga, e os da Madeira: ou vice versa. Não podendo haver três justificações para um só effeito, ha de ser, em um d'estes sítios, que corra a unica, e ali têem de vir todas as outras.
Portanto, esta disposição é inefficaz; não me parece que previna o que se quiz prevenir.
Mais alguma cousa. Se o illustre ministro da marinha, n'esta parte, quer acabar com as habilitações no ultramar, parece-me que não consegue esse fim com o projecto que se discute.
Supponha s. exa. que o auctor da herança era natural do sertão; a habilitação dos seus herdeiros tem de correr no ultramar?