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SESSÃO NOCTURNA DE 12 DE JUNHO DE 1888
Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barros Coelho e Campos (vice-presidente)
Secretarios os exmos. srs.
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral
Francisco José Machado
SUMMARIO
Não houve correspondencia.
Na primara parte da ordem da noite, continuou a discussão do orçamento rectificado.- Continúa com a palavra o sr. João Arroyo.
Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - Segue-se o sr. Moraes Carvalho. - Julga-se a materia discutida a requerimento do sr. D. Jorge de Mello. - O sr. Carrilho, relator, apresenta uma proposta de alterações ao projecto. É o projecto approvado com as alterações propostas pelo sr. relator, sendo enviada á commissão a proposta do sr. Teixeira de Vasconcellos, relativamente a ser alterada a lei da contribuição predial, retirando o sr. Francisco Machado a sua e sendo rejeitadas todas as mais.
Na segunda parte da ordem da noite entra em discussão o projecto n.º 39, fixando a força do exercito em pé de paz. - O sr. Eduardo Abreu, para uma questão previa, deseja saber se o projecto que se discute entra no accordo feito entre o governo e a opposição. O sr. presidente diz que este projecto é dos que consideram constitucionaes, dos que sempre se discutiam e votavam. - O sr. ministro da fazenda dá explicações, respondendo ao sr. Eduardo Abreu. - O sr. Serpa Pinto entra na discussão do projecto e apresenta uma proposta.
Abertura da sessão - Ás nove horas da noite.
Presentes á chamada 46 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Tavares Crespo, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Augusto Pimentel, Barão de Combarjua, Eduardo Abreu, Elizeu Serpa, Goes Pinto, Feliciano Teixeira, Almeida e Brito, Francisco de Barros, Francisco Machado, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Sá Nogueira, João Pina, João Arroyo, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Alves de Moura, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Abreu Castello Branco, Laranjo, Vasconcellos Gusmão, Alpoim, José Maria de Andrade, Santos Moreira. Santos Reis, Abreu e Sousa, Julio Graça, Julio de Vilhena, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Marianno de Carvalho, Martinho Tenreiro, Sebastião Nobrega e Estrella Braga.
Entraram durante a sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Alfredo Brandão, Alves da Fonseca, Mattoso Santos, Firmino Lopes, Soares de Moura, Pires Villar, Franco de Castello Branco, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Pinto Mascarenhas, Julio Pires, Lopo Vaz, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel d'Assumpção, Brito Fernandes, Marianno Presado, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro Monteiro e Pedro Victor.
Não compareceram á sessão os srs.: - Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carva lho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Francisco de Medeiros, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Cardoso Valente, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Correia Leal, Alves Matheus, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Barbosa Colen, José Castello Branco, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José Maria dos Santos, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Mancellos Ferraz, Manuel José Vieira, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Miguel da Silveira, Pedro de Lencastre (D.), Dantas Baracho, Vicente Monteiro, Visconde de Monsaraz, Visconde de Silves, Visconde da Torre, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso
Acta - Approvada.
PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DA NOITE
Continuação da discussão do orçamento rectificado
O sr. Arroyo: - Continuando o seu discurso, faz differentes considerações sobre supprimentos por divida fluctuante.
Analysando em especial o contrato feito á porta fechada, com o banco lusitano, no fim do anno passado, critica este contrato e trata de demonstrar com differentes argumentos que elle trouxe encargos superiores aos que tinham trazido outros supprimentos feitos em concurso publico.
Não comprehende, portanto, porque é que o sr. ministro da fazenda não abriu concurso para aquelle supprimento.
Vista em globo, a administração do sr. Marianno de Carvalho póde illudir; mas meditando-se reffectidamente sobre cada um dos seus pontos, vê-se que s. exa. vive unica e exclusivamente de expedientes, sem uma idéa de governo, sem a applicação constante de um systema.
(O discurso do sr. deputado será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - (O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Moraes Carvalho: - (O discurso será publicada em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Jorge de Mello (Para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.
Consultada a camara julgou a materia discutida.
O sr. Carrilho (sobre o modo de propor): - Mando para a mesa umas alterações ao projecto de que se trata.
São as seguintes propostas:
«Proponho;
«1.° Que no capitulo II do orçamento de despeza do ministario da fazenda se inscreva mais a verba de 16:540$000 réis, sendo 15:940$000 réis, subsidio dos srs. deputados em um mez e 600$000 réis para impressos e outras despezas das côrtes;
«2.° Que ao artigo 1.º se acrescente:
«§ 3.° As disposições do paragrapho antecedente são consideradas de execução permamente. = A. Carrilho.»
Eu já tinha annunciado esta alteração, mas tinha-me esquecido de a mandar para a mesa.
A substituição que se tinha feito ao parecer tinha eliminado este § 3.º, que mando para a mesa
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Quanto ás propostas apresentadas durante a discussão, repito o que já disse. As que foram mandadas pelo sr. Teixeira de Vasconcellos e que visam a alterar a lei da contribuição predial, peço que sejam mandadas á commissão de fazenda para dar sobre ellas o seu parecer. As outras, incluindo aquella que altera o praso para a prorogação da feitura das matrizes, por parte da commissão de fazenda, declaro não poder acceital-as.
Foi lida a proposta do sr. Franco Castello Branco.
Foi rejeitada.
A do sr. Ferreira de Almeida, rejeitada.
A do sr. Avellar Machado, rejeitada.
A do sr. Teixeira de Vasconcelos, rejeitada.
As dos srs. Baracho e João Arroyo, rejeitadas.
A do sr. Francisco Machado, foi retirada.
Artigo 1.º do projecto, approvado.
Artigo 2.°, approvado com o additamento da commissão.
As propostas do sr. Teixeira de Vasconcellos sobre contribuição predial, foram enviadas á commissão.
As propostas dos srs. Guilherme, de Abreu, Avellar Machado e Dantas Baracho, foram rejeitadas.
SEGUNDA PARTE DA ORDEM DA NOITE
Discussão do projecto de lei n.° 39
É seguinte:
PROJECTO DE LEI N.. 39
Senhores.- Á vossa commissão de guerra foi presente a proposta de lei n.º 17-B, fixando a força do exercito, em pé de paz, para o anno economico de 1888-1889, em 30:000 praças de pret de todas as armas, e dispondo que sejam licenciadas, nos termos do artigo 11.º da carta de lei de 12 de setembro de 1887, as que poderem ser dispensadas sem prejuizo do serviço.
Considerando que esta proposta significa o cumprimento de um dever constitucional;
Considerando que o numero de praças de pret n'ella fixado se deduz da legislação vigente sobre o contingente animal:
É a vossa commissão de parecer que a referida proposta deve ser approvada e convertida para esse fim no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º A força do exercito, em pé de paz, é fixada, no anno economico de 1888-1889, em 30:000 praças de pret de todas as armas.
§ unico. Será licenciada, nos termos do artigo 11.° da lei de 12 de setembro de 1887, toda a força que poder ser dispensada sem prejuizo do serviço e da instrucção militar.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão de guerra, em 26 de março de 1888.= Eliseu Serpa = F. J. Machado = Luiz de Mello Bandeira Coelho = Joaquim Veiga = Antonio José Pereira Borges = Antonio Eduardo Villaça = Francisco de Lucena e Faro = Julio de Abreu e Sousa.
A vossa commissão de fazenda, considerando que continuam vigentes as disposições do decreto com força de lei de 30 de outubro de 1884, que fixando o numero das praças de pret graduadas, determina que os soldados sejam os que o orçamento auctorisar;
Considerando que a essa auctorisação se refere o artigo 11.º da carta de lei de 11 de setembro de 1887, que, sendo uma lei de recrutamento, não revogava, sem expressa menção, o disposto na lei da reformação geral do exercito;
Considerando, pois, n'estes termos, que a despeza com as praças do pret do exercito em pé de paz não póde, em relação ao numero das mesmas praças, deixar de ser limitada á verba que as côrtes para tal fim auctorisarem na lei annual, que manda cobrar os impostos e demais rendimentos do estado e applical-os ás despezas legaes, tudo em conformidade da legislação que vigorar:
Entende que o projecto de lei da illustre commissão de guerra deve ser approvado.
Sala da commissão de fazenda, 17 de abril de 1888. = Carlos Lobo d'Avila = Elvino de Brito = Antonio Maria de Carvalho = A. Baptista de Sousa = José Frederico Laranjo = A. Fonseca = José Maria dos Santos = Oliveira Martins = A. Eduardo Villaça = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.
N.º 17-B
Artigo 1.° A força do exercito, em pé de paz, é fixada no anno economico de 1888-1889 em 30:000 praças de pret de todas as armas.
§ unico. Será licenciada, dos termos do artigo 11.° da lei de 12 de setembro de 1887, toda a força que poder ser dispensada sem prejuizo do serviço.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 29 de fevereiro de 1888.= Visconde de S. Januario.
O sr. Eduardo Abreu (para uma questão previa):- A questão previa que vou ter a honra de mui respeitosamente submetter á consideração de v. exa. e da camara está contida nos limites do regimento e é auctorisada por uma declaração officialmente feita n'esta camara pelo illustre chefe do partido progressista, e presidente do conselho. S. exa. declarou ha dias que desejava fazer um accordo com a opposição parlamentar a fim de se votar um certo numero de projectos e poder fechar-se quanto antes o parlamento.
Em vista d'essa declaração, feita officialmente na camara dos senhores deputados da nação portugueza, eu, como deputado, estou no direito de perguntar a v. exa. e em caso de v. exa. não poder, não querer, ou não saber responder me, perguntar a algum dos actuaes conselheiros da corôa presentes, se este projecto que vae entrar em discussão pertence ou não ao numero d'aquelles sobre os quaes se fez um accordo entre o governo e a illustre opposição parlamentar a fim de passarem, como se costuma dizer.
É-me completamente indifferente que esta questão previa agrade ou desagrade aos meus amigos politicos; sou obrigado a apresental-a, auctorisado pela declaração que o illustre chefe do partido progressista, o sr. conselheiro José Luciano de Castro, a quem sou pessoalmente dedicado, e hei de ser sempre, aqui fez, clara e categoricamente.
Que se faziam accordos nos bastidores já eu sabia; que era necessario muitas vezes fazer os taes accordos tambem eu sabia; que eu posso transigir em questões de accordos, quando haja um grande bem a conseguir para a nação, tambem é verdade. Mas desde que se dá ao accordo a primazia nas formulas constitucionaes e parlamentares e que se declara em plena camara que é necessario fazer um accordo com a opposição para poderem passar uns certos projectos, isso então auctorisa-me a perguntar muito respeitosamente a v. exa. ou a algum dos senhores ministros se este projecto, cuja discussão se annunciou, pertence, ou não pertence, ao numero d'aquelles sobre os quaes se negociou o tal accordo entre o governo e a opposição. Se pertence, é escusado gastarmos muitas palavras com a sua discussão.
(Interrupção do sr. Carrilho.)
Peço perdão ao sr. Carrilho, não é intriga. Eu estou simplesmente apresentando uma opinião minha com o mesmo direito com que s. exa. apresenta as suas.
O sr. Carrilho: - De accordo, está perfeitamente no seu direito.
O Orador: - Estou no meu direito, lembrando que o sr. presidente do conselho declarou franca e categoricamente perante a camara que era preciso fazer-se um accordo para terminar a sessão parlamentar. Estou no meu direito lembrando que o sr. presidente do conselho fez uma
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invocação á minoria, pedindo-lhe todo o seu auxilio para terminar quanto antes os trabalhos parlamentares, sendo apenas discutidos e votados uns certos projectos. Quantos e quaes foram os projectos que o governo pediu á opposição? Quantos e quaes foram os projectos que a opposição pediu ao governo?
Desde o momento em que um homem tão altamente collocado, e por quem tenho o maximo respeito e dedicação...
(Interrupção.)
Mas é uma cousa muito differente eu ter o maximo respeito e dedicação pessoal por um cavalheiro n'aquella situação, respeitavel pela sua intelligencia, probidade e saber, e outra cousa é eu sacrificar a minha situação politica e a boa fé com que estou militando no partido progressista para vir para aqui inutilmente assistir a debates tambem inuteis, visto que está feito um accordo com a opposição para se votarem só uns certos projectos...
O sr. Presidente: - Se v. exa. me dá licença, eu respondo á sua pergunta, e direi que a sua questão previa não está bem posta, segundo os termos do regimento. (Apoiados.)
Estes projectos que vão agora discutir-se são projectos constitucionaes, sempre foram aqui discutidos, e este anno não podem ter uma excepção. (Apoiados.)
O Orador: - Eu satisfaço-me com as explicações de v. exa. e era desnecessario os illustres deputados darem tantos apoiados para me condemnarem.
O sr. Presidente: - Se v. exa. me permitte para terminar o incidente. . .
O Orador: - Peço perdão. V. exa. deu-me explicações, e resta-me dizer se concordo com ellas ou não; mas v. exa. querer interromper-me abertamente...
O sr. Presidente: - V. exa. não quer de certo perturbar o debate.
O Orador: - Eu não quero lançar a menor nota irritante no debate. Eu desejava saber se este projecto entrava ou não no numero d'aquelles sobre que se fez um accordo com a opposição; v. exa. disse-me que era lei constitucional que tinha necessariamente de ser discutido e votado.
N'este caso, respeitando e acatando as declarações de v. exa., espero pela apresentação de algum projecto que não seja lei constitucional para perguntar se sim ou não está incluido no accordo do governo, feito não com a maioria, mas com a minoria dos srs. deputados.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - A qualquer pergunta que o illustre deputado faça, a resposta por parte do governo ha de ser sempre a mesma.
Não ha que censurar nos accordos que são dignos e consentaneos com os interesses publicos. (Apoiados.)
Creio que todos os partidos estão de accordo que é conveniente encerrar a sessão pelo adiantado em que vae, (Apoiados.) e se todos estão n'esta idéa não era indecoroso para o governo propor como propoz para a opposição acceitar um accordo digno e consentaneo com os interesses publicos.
Este accordo não significa que os illustres deputados não discutam e combatam, significa que todos cooperarão de boa vontade para que a sessão não se prolongue alem do que for necessario para passarem as leis constitucionaes ou as leis urgentes que as necessidades publicas impõem. (Apoiados.)
O sr. Eduardo Abreu: - Peço a palavra.
O sr. Presidente: - Nós estamos na ordem da noite e eu não posso dar a palavra ao sr. deputado.
O sr. Eduardo Abreu: - Eu desejava que v. exa. me dissesse se esta questão previa póde terminar por v. exa. não consentir que eu falle depois do sr. ministro.
sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho (em áparte): - V. exa. formula a questão previa por escripto e ella entra em discussão com o projecto.
O sr. Eduardo Abreu: - Eu já tenho visto n'esta camara formularem-se questões previas, como pedindo explicações que podem esclarecer o debate.
O sr. Presidente: - Tenho a observar ao sr. deputado, o que aliás sabe perfeitamente, que uma questão previa consiste em saber se ha de ou não discutir se de preferencia um assumpto que tem relação com o projecto em discussão.
O Orador: - A minha questão previa consiste em pedir a v. exa. uma explicação. V. exa. deu-m'a e eu disse que me satisfazia com ella, e que aguardava a occasiao de entrar em discussão qualquer outro projecto que não fosse dos chamados constitucionaes, para depois perguntar se entrava no numero d'aquelles que no accordo se tinha resolvido que seriam approvados sem barulho da opposição.
Eu não sei se v. exa. está com pressa, ou se estou aborrecendo a camara; mas seja o que for, eu tenho o direito e o prazer de pedir esclarecimentos, apresentando rasões, e peço que as ouçam, porque não são irritantes, nem protelam a discussão.
O sr. Carrilho: - V. exa. está fallando sem o sr. presidente lhe ter concedido a palavra.
O Orador: - Não se irrite, sr. Carrilho, porque irritando-se hoje, terá de irritar-se ámanhã, e sempre que eu queira mecher nos accordos.
Termino declarando que aguardo a discussão de qualquer projecto que não pertença strictamente ás leis constitucionaes, para perguntar se tambem pertence ao numero dos que entraram no accordo, e só sinto que as minhas observações tenham incommodado o meu illustre collega o sr. Carrilho, que eu muito respeito pelo seu trabalho e talentos.
O sr. Carrilho: - O illustre deputado não me incommodou a mim, incommodou a lei.
O Orador: - Ora o sr. Carrilho a fallar em lei! Isso é cansaço por s. exa. ter estado durante tantos dias a defender o orçamento, que eu aliás espero tornar a ver defender, occupadas aquellas cadeiras por outra situação politica!
O sr. Serpa Pinto: - Antes de entrar na materia, sem de modo algum querer melindrar o meu amigo e illustre deputado o sr. Eduardo Abreu, quero fazer notar a v. exa. que, devendo eu ter a palavra, me preteriu dando-a a outro sr. deputado.
O sr. Presidente: - O sr. deputado Eduardo Abreu pediu a palavra para uma questão previa, e, segundo o regimento, prefere a qualquer outro orador.
O Orador: - V. exa. concedeu a palavra, e muito bem ao sr. Eduardo Abreu, quando a pediu pela primeira vez, mas desde que fallou o sr. ministro da fazenda, v. exa. não podia dar novamente a palavra áquelle sr. deputado.
Parece-me que tudo isto provém apenas de um cousa, é hoje noite de Santo Antonio (Riso.), padroeiro de Lisboa, o santo mais popular d'esta terra, e melhor seria que nós estivessemos na praça da Figueira, entre mangericões, do que na camara dos senhores deputados. (Riso.)
Mas, sr. presidente, os assumptos de interesse publico merecem este sacrificio, e eu aqui estou acompanhando os meus collegas, quando poderiamos e deviamos, talvez, não estar aqui, apesar de ter votado contra as sessões nocturnas.
Agora passo ao projecto de lei que diz no artigo 1.° o seguinte:
(Leu.)
Começo por mandar para a mesa uma substituição ao artigo 1.°, e é essa substituição que vou sustentar nas mais breves palavras.
Digo eu: a força do exercito em pé de paz é fixada no
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anno economico de 1888-1889 em 50:000 praças de pret de todas as armas.
A substituição que proponho cabe no § unico do projecto que diz:
(Leu.)
É esta proposta que vou sustentar contra o artigo 1.° do projecto.
Como v. exa. sabe e a camara, por mais de uma vez se tem dito este anno que os corpos do exercito não têem soldados sufficientes para o serviço. Esta materia foi aqui muito bem tratada pelos meus amigos e collegas os srs. Avellar Machado e Dantas Baracho.
V. exa. sabe que alem dos graves inconvenientes e do grande peso de serviço que cabe aos soldados, a instrucção não póde ser mantida nos corpos de maneira alguma por falta de soldados.
V. exa. sabe que esta questão é muito mais grave do que parece a principio, e que muitas vezes esta lei que é verdadeiramente constitucional tem passado sem discussão.
Nas circumstancias em que nós estamos hoje não póde ser assim, e é preciso que por mais de uma vez se chame a attenção do governo para o estado do nosso exercito, e que, sendo um dos maiores encargos do nosso orçamento, deve ser um encargo productivo e não uma despeza completamente perdida.
Ora, dizia outro dia aqui, respondendo ao sr. Dantas Baracho, o illustre deputado e meu amigo o sr. capitão Machado, que não tinha medo absolutamente nenhum do espectro de fr. Manuel Homem, mas que tinha medo do espectro dos homens de 1834 que cá viessem e perguntassem o que era feito da liberdade por que combateram. Eu tambem tinha muito medo que esse espectro viesse perguntar ao sr. visconde de S. Januario o que era feito d'esse exercito com que elles venceram a tyrannia e conseguiram a Liberdade, e o que era feito de tudo o que havia de militar em Portugal n'aquella epocha, e que hoje se está perdendo completamente.
Sr. presidente, é preciso material, são precisas obras de fortificação e outras cousas, mas o que em primeiro logar é preciso é haver soldados, e isso é que nós não temos.
Propondo eu que o artigo 1.° seja substituido pelo modo que disse, eu faço notar a v. exa. que o § unico que está annexo a este artigo, augmentando a força, não traz o menor encargo para o thesouro, e traz a grande vantagem de haver n'um dado momento n'um e n'outro corpo a força necessaria para se poderem instruir os contingentes de todas as armas
Ora, sr. presidente, nós sabemos que a questão militar é uma das desgraças do nosso paiz, porque ha uma grande reluctancia no nosso homem do povo em servir no exercito.
Eu não posso perceber d'onde vem essa reluctancia, a não ser do rebaixamento moral enorme, que eu acredito que haja, porque já se revela em muitas outras classes mais elevadas do que aquellas d'onde saem os soldados; a não ser isso, eu não posso de maneira alguma justificar a repugnancia enorme do nosso povo em servir no exercito, e a difficuldade que ha sempre em encontrar soldados.
Eu de modo algum desejo que se pense que quero embaraçar ou tomar tempo com uma questão d'estas; eu fallo n'ella unicamente pela gravidade que lhe conheço, e por não querer fallar aqui a respeito de um projecto que vem depois d'este, pelo facto de não querer tomar mais tempo á camara.
Eu direi a v. exa., sr. presidente, que a falta de soldados provém, não só do pequeno numero em que está fixada a força do exercito, mas tambem da falta de entrada dos recrutas nos contingentes de differentes annos.
Por um mappa que eu aqui tenho, e que tive a honra de receber do ministerio da guerra, vejo que até ao fim do anno passado nos ultimos tres annos, houve uma falta de 15:000 homens, 15:000 recrutas que não entraram e que deviam ter entrado.
Sr. presidente, uma falta d'estas é completamente inadmissivel, e não ha nada que a justifique, a não ser a pertinacia das auctoridades locaes, e sobre tudo dos governadores civis, em resistir ás ordens do governo.
E peço licença ao sr. ministro da guerra, a quem preciso dizer que faço completa justiça ao seu merecimento, á sua boa vontade e ao seu patriotismo, para declarar que não posso deixar de accusar unica e exclusivamente a s. exa. d'esta falta, porque não posso comprehender, e já outro dia o disse ao sr. ministro da marinha quando se discutiu a força de mar, não posso comprehender que um ministro que conhece perfeitamente as necessidades do serviço que lhe está encarregado, e que as não póde satisfazer porque um seu collega não cumpre a lei, não obrigue esse seu collega a executar a lei, e se não o póde obrigar então sáia.
É d'isto e só d'isto, que eu accuso o sr. ministro da guerra.
Não posso perceber que o sr. ministro da guerra, sabendo que ha falta de gente nos corpos, por não terem entrado os recrutas que deviam ter entrado, sabendo quaes são os concelhos onde faltam os recrutas, não diga ao sr. ministro do reino que dê ordens terminantes para fazer entrar no exercito a gente que falta.
O sr. ministro do reino responde lhe que não póde fazer entrar os recrutas, porque os administradores dos concelhos se oppõem e porque isso prejudica os seus interesses politicos na localidade; responde que os governadores civis não cumprem as suas ordens, que os administradores não obdecem aos governadores civis porque têem medo de se indispor nas localidades, e o sr. ministro da guerra que vê que não póde cumprir as suas obrigações vae-se embora.
É isto o que deve fazer qualquer ministro que quer cumprir a lei e que não póde porque outros l'he não deixam.
Mas para mim é claro e evidente, que, se o sr. ministro da guerra tivesse empregado toda a sua boa vontade, uma vontade energica e patriotica junto do sr. ministro do reino, este havia de lhe dar os recrutas que lhe faltam no exercito; se tivesse feito isto, estou convencido de que já estariam no exercito os homes que lhe faltam.
Esta nota que tenho aqui refere-se sobre tudo a dois annos, 1886 e 1887, nos quaes s. exa. já governava, e não conto os d'este anno, porque este anno falta muito mais; conto só até ao fim do anno passado.
Se s. exa. fizesse isto, parece-me que poderia conseguir ter nos corpos o numero de praças necessarias para o serviço e para a instrucção.
V. exa. sabe bem, e o sr. ministro da guerra tambem o sabe que, quando se trata das questões militares, ha na camara e no publico um indifferentismo, não digo bem, uma reluctancia contra essas questões, e o homem que for ministro da guerra tem de ter a coragem moral sufficiente para luctar contra essa reluctancia, porque sem isso não teremos exercito.
Tem-se dito e repetido muitas vezes que, no caso de uma aggressão não poderemos defender-nos senão em Lisboa; assim o pensava um militar illustre, o sr. marquez de Sá da Bandeira, que começou as obras de fortificação em Lisboa, e cujos trabalhos têem continuado durante a gerencia de todos os ministerios.
Mas, para defender as fortificações de Lisboa, é preciso ter soldados adextrados, e não podemos tel-os emquanto não houver instrucção, e não póde haver instrucção emquanto não houver soldados. (Apoiados.) É um circulo vicioso, e para sair d'elle é preciso que o sr. ministro da guerra obrigue, como póde obrigar, o sr. ministro do reino
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a fazer com que as suas auctoridades mandem entrar os recrutas que faltam. Isto assim não póde ser. (Apoiados.)
Se esta questão não fosse tão séria, eu lembraria ao sr. ministro da guerra que adoptasse os processos seguidos pelo sr. Barros Gomes nas negociações diplomaticas, processos que foram aqui defendidos o anno passado pelo illustre membro d'esse lado da camara, que ha muito tempo não comparece n'esta casa, o sr. Antonio Ennes. Dizia s. exa.: quando se manda a um creado comprar um ananaz e se pede muito por elle, o creado offerece metade, e chega-se a um ajuste. (Riso.) Se isto não fosse ridiculo, pediria ao sr. ministro da guerra que fizesse o mesmo que fez o sr. Barros Gomes, em logar de um contingente de 12:000 recrutas, pedia 100:000, e a final, pelo ajuste de contas, havia de entrar o numero necessario para se preencher o contingente dos 12:000. (Apoiados.) Mas eu sei que não se póde fazer isso.
(Interrupção.)
Póde, desde o momento em que s. exa. traga ao parlamento uma lei para isso se conseguir.
Digo com franqueza. Devo mil obrigações ao sr. visconde de S. Januario, sou um dos officiaes do exercito que mais dedicação têem por s. exa. e tenho muitissima pena em ver, já no parlamento, já no publico, já no ministerio, este desprezo pela pasta de s. exa. porque eu vejo que os outros ministerios alcançam tudo quanto querem.
O nobre ministro da fazenda não tem objecções a fazer senão aos ministerios da marinha e da guerra; para os outros ha dinheiro; ha 18.000:000$000 réis para caminhos de ferro, ha dinheiro para tudo; para os ministerios da marinha e da guerra é que não ha.
O sr. visconde de S. Januario apresentou alguns projectos importantissimos, pois nem ao menos tiveram pareceres; e não tiveram pareceres, porque, como esses projectos importavam augmento de despeza, s. exa. não póde obter do seu collega da fazenda os meios necessarios para os fazer executar. Por isso morreram na commissão.
É por isso que eu me queixo do sr. visconde de S. Januario não fazer o que fazem os seus collegas, o sr. Beirão com penitenciarias, e o sr. ministro das obras publicas com caminhos de ferro.
Isso é que custa a ver.
Está-se gastando uma verba destinada ao exercito e ella não é proficuamente aproveitada por não ser bastante, em quanto que com um pequeno augmento se podia tirar todo o resultado que d'elle se deve tirar.
S. exa. o anno passado trouxe medidas ao parlamento e morreram; este anno não as quiz trazer. S. exa. desanimou diante da resistencia que encontrou da parte do sr. ministro da fazenda. S. exa. não tem força para reagir contra o sr. ministro da fazenda.
Cada vez estou mais convencido de que tarde teremos exercito, e que no dia em que elle for preciso ha de ser uma desgraça, porque nós não temos nada. Tenho dito.
Leu-se a seguinte:
Proposta
Artigo 1.º A força do exercito em pé de paz é fixada no anno economico de 1888-1889 em 50:000 praças de pret de todas as armas.
= Serpa Pinto.
Foi admittida.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para quinta feira é, na primeira parte a continuação do projecto n.° 39 e mais o projecto n.° 43, e na segunda parte os projectos n.os 77, 60 e 61.
Está levantada a sessão.
Era meia noite.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.