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1919

obra, dizem-lhe: «Meus senhores, isto era muito bom, mas acabou-se». (Riso.)

Isto é o que faz com extrema facilidade qualquer particular, qualquer empreza, quando o governo a incumbe de um grande trabalho.

É cousa singular, sr. presidente, o governo, quando quer fazer um trabalho de importancia, incumbe o quasi sempre a emprezas; o governo julga-se inhabil para tomar sobre si a boa direcção das grandes obras; recorre á industria, e mal lhe vae quando o não faz. O sr. Antonio de Serpa já aqui o disse em certa occasião, e muito bem.

O pessoal que o sr. ministro das obras publicas vae talvez organisar não é para fazer a doca de S. Miguel, porque essa lá tem engenheiros que a dirigem, engenheiros que não têem nenhuma organisação, ou, para melhor dizer, têem a melhor de todas, a organisação que lhes deu o concessionario; não é para fazer o porto artificial chamado de Leixões, porque essa obra, quando se fizer, ha de ser dirigida por engenheiros especialistas e chamados ad hoc; não é para caminhos de ferro, porque s. ex.ª tem-nos contratado com as emprezas, e nunca as mãos lhe doam; e tambem não é para estradas em certa escala, porque essas entrega-as s. ex.ª aos empreiteiros e aos emprezarios, e faz muito bem.

Então para que é a sua engenheria? Será para o serviço fiscal? Mas esse serviço não é muito extenso nem demasiado importante, que obrigue a tanto. Emquanto um engenheiro, com difficuldade, dirige os trabalhos de 20 kilometros de caminhos de ferro, pôde talvez sem grande esforço fiscalisar 100 kilometros.

Esse serviço da fiscalisação é uma cousa que eu sei, mas que não lhes quero agora dizer, I Vozes: — Diga, diga.

O Orador: — Eu tenho sido fiscal e tenho sido fiscalisado. O serviço fiscal é um serviço inglorio, todo de formalidade, e na realidade pratica pouco productivo. E necessario que a camara saiba que os emprezarios gostam de ganhar, isso comprehende-se, mas tambem gostam de fazer as obras bem feitas, porque vae n'isso um certo empenho e credito do seu nome. Devemos partir d'este principio, e reconhecer que o principio da desconfiança exagerada é muito mau até n'isto.

As emprezas de obras publicas devem ser serias e dar toda a garantia moral ao governo com quem contratam. Essas emprezas, ganhem ou percam, não faltam aos seus compromissos. Ha emprezas que estão á frente de trabalhos quasi tão extensos e importantes como todos os que hoje superintende o sr. ministro das obras publicas. As emprezas das redes dos caminhos de ferro de Orleans de leste e norte, em França, têem mais caminhos de ferro a seu cargo do que os que tem a fazer o governo portuguez.

E comtudo, sr. presidente, ellas todas organisara perfeitamente o seu pessoal de serviço que é numeroso. Nomeiam um engenheiro em chefe, este nomeia ou propõe os engenheiros subalternos, os conductores, os vigias e mestres, e tem o seu pessoal montado. Na engenheria industrial não ha tantas categorias como na official em que ha muitas, e algumas bem inuteis, louvado sejão Senhor. A hierarchia complicada não representa mais nem melhor serviço, é comtudo inherente ao serviço dos estados, e custa muito dinheiro aos povos.

Eu entendo que a organisação da engenheria destinada á direcção technica dos trabalhos publicos e sua fiscalisação, podia ter logar entre nós á medida que se organisassem as obras e na proporção d'ellas. Pôde mesmo dar-se mais de um caso, em que o parlamento não vote dinheiro para obras, e não votando dinheiro para obras n'um ou mais annos, a engenheria official fica em perfeita disponibilidade; mas ha uma cousa má, e é que tem de se lhe pagar. E não só tem de se lhe pagar ordenados, mas virão mais tarde os encargos das reformas, das pensões, e muitos outros que resultam da creação de um corpo e da organisação de um pessoal para serviço do estado.

Oxalá que o pessoal do ministerio da guerra e do ministerio da marinha podesse ser organisado á guisa do ministerio das obras publicas, porque não sustentariam aquelles ministerios tanta sinecura, tanto mandrião e tantos empregados que não sabem nem podem cumprir os deveres do seu officio.

O ministerio das obras publicas deve ser um ministerio de trabalho e de vigor, onde se admitta quem produza e faça serviço util, e se ponha na rua quem não serve. Se em alguns ministerios se admittem homens que estão em casa sem fazer nada, ou que andam por essas ruas de Lisboa passeiando, como ainda hontem ouvimos dizer n'esta casa, no ministerio das obras publicas não pôde nem deve isso tolerar-se. E a proposito direi que o principio das gratificações que o meu nobre amigo, o sr. José de Moraes, tanto combateu, é um bom principio. O mau principio é o do ordenado grande. A gratificação é a taxa movel, a craveira onde te medem os diversos serviços, e a unica e segura base de pagamento para o serviço extraordinario. O ordenado é a taxa fixa, e essa convem que seja pequena, porque serve de base para a reforma e para as pensões.

O sr. José de Moraes: — Mas deixem-se de dar pensões.

O Orador: — Não era mais mau! Convenho perfeitamente. O empregado publico tem obrigação de cuidar do futuro de sua familia, como fazem os que não são empregados publicos.

Assim está claro e manifesto qual é o meu pensamento ácerca da organisação da engenheria civil. E n'isto não contrario os interesses dos meus collegas n'aquelle ramo de serviço, porque se por um lado lhe disputo a categoria e preeminencia no serviço official, quero que sejam pagos correspondentemente, e cada qual segundo o seu merecimento e segundo o seu trabalho; e quando a cada qual se paga assim, ninguem tem direito de se queixar, ficam todos sujeitos á lei geral da sociedade.

O governo tem sufficiente para pagar a quem serve o paiz, mas não deve malbaratar os seus recursos, pagando a quem não serve; é o que se faz quando se conferem pensões.

Ainda admitto e convenho que o estado recompense os serviços de um funccionario que encaneceu e se inutilisou depois de ter servido muito bem. Mas paro ahi. Eu já em outra occasião disse como entendia que os serviços publicos se podiam attender, com equidade para o bom funccionario, se teimam em chamar aos engenheiros funccionarios publicos; é certo porém que o titulo de engenheiro não é menos decoroso; não troco um pelo outro.

Depois é necessario ver quaes são os elementos que ha para a organisação de um corpo de engenheria civil. Não basta dizer que está creada a corporação tal, porque, como effectivamente tem acontecido n'outros ministerios, se essa corporação não for composta de individuos idoneos e competentes, essa creação não adianta cousa alguma, e é em pura perda o dinheiro que se vae gastar com ella; ficam todos os encargos da instituição, mas sem o serviço, sem a utilidade que d'ella se espera.

Se não ha escola e faltam certos elementos, o que o sr. ministro deve saber melhor do que eu, é um pouco arriscado e audacioso organisar um corpo que fica, desde que se decreta a sua organisação, pesando para todos os effeitos e para todo o sempre sobre o thesouro.

Dir-me-ha o nobre ministro: « Mas qual é o seu plano de organisação; não basta só combater o plano dos outros, é necessario substituir-lhe alguma cousa>.

Ora eu tenho que explicar uma cousa. Eu não faço opposição ao sr. ministro nem a nenhum ministerio, não faço opposição a ninguem; não tenho mesmo direito de o fazer. Não quero ser ministro, e só tem direito de fazer opposição quem quer ser ministro. Já fui bem castigado; aprendi á minha custa, e não foi perdida a lição. Mas tenho direito de apresentar a camara, franca e lealmente, as minhas opiniões. Tomem conta d'ellas os registos publicos, e a minha consciencia fica desencarregada.

Eu proponho que a engenheria civil em Portugal tenha uma organisação simples, natural e adequada ás nossas circumstancias peculiares. Para isto preciso estabelecer certas bases. Eu parto do principio de que é necessario dar vida á municipalidade; parto do principio de que é necessario fortalecer a vida provincial (apoiados); parto do principio de que o grande fóco da administração pôde estar no Terreiro do Paço, não para offuscar e annullar a acção local, mas para allumiar e dirigir (apoiados).

Partindo d'estes principios, eu digo que cada camara municipal, e em todo o caso aquellas que têem recursos sufficientes, devia ter um engenheiro ao seu serviço do mesmo modo que tem um medico e que têem outros funccionarios. E necessario dar força, e muita força, aos governadores civis para que fiscalisem e imprimam vigor nas camaras municipaes. Sem bons governadores civis não ha proficua administração publica.

Em cada governo civil devia haver uma repartição de obras publicas, assim como ha repartições para outros serviços. Á frente d'essa repartição devia estar o director das obras publicas superintendido pelo governador civil (apoiados); e os directores de obras publicas teriam para o ministerio das obras publicas o mesmo que para o ministerio da fazenda são os delegados do thesouro (apoiados), o mesmo que para outros ministerios são os respectivos delegados. Eis-aqui tem a camara a maneira simples por que eu considero a organisação da engenheria civil.

Em logar de uma patriarchal, em logar de uma corporação de engenheiros muito emplumados, muito decorados, muito cheios de galões, preferia uma organisação modesta, simples e de casaca ou jaqueta (riso). Estou persuadido de que esta engenheria havia de fazer mais estradas e mais baratas, mais irrigações, mais abastecimentos de aguas nas povoações, mais edificações urbanas para aulas e outros serviços, do que ha de fazer a engenheria official como a querem muito propria para figurar brilhantemente na procissão do corpo de Deus (riso), mas muito impropria para as obras publicas que nos cumpre fazer no nosso paiz.

Eu bem sei o modo por que a engenheria civil está organisada nos outros estados da Europa. O nobre ministro faz me a justiça de acreditar que conheço essas organisações (apoiados). Conheço, tenho meditado nellas, o tambem sei traduzir. De ordinario as nossas organisações traduzem se em traducções ageitadas segundo o talento do traductor, mas obra em segunda mão, sempre em segunda mào (apoiados).

Estamos talvez condemnados a ter muitos inspectores, engenheiros e aspirantes de todas as classes; o paiz está já coberto de inspectores; foi uma nova praga que n'elle caiu. Ha inspectores hoje para tudo, a tal ponto que quando se encontram dois homens n'uma estrada qualquer ha probabilidade de que são dois inspectores (riso). Se não são das contribuições directas, são das indirectas; se não inspeccionam por conta de um ministerio, inspeccionam por conta de outro; por força são inspectores. Até se crearam já inspectores de artilheria que têem de inspeccionar uns ferros velhos, a que chamam «material de artilheria», que vale de ordinario muito menos do que os vencimentos mensaes dos inspectores (riso). Eu não daria em muitos casos o valor d'esse vencimento pelo tal material. Antes perder todo aquelle material, do que pagar aos seus inspectores.

Não me agrada uma engenheria faustosa; declaro francamente a v. ex.ª e á camara que não me agrada. Gosto de menos apparato e mais serviço (apoiados), e sobretudo mais serviço util.

Eu conheço homens que estão sempre a desenhar e sempre a escrever, e a final não escrevem nada com geito nem desenham cousa que sirva para o quer que seja (riso).

Não basta fazer serviço publico, é preciso que o serviço represente alguma cousa em utilidade do estado.

Um dos grandes inconvenientes da organisação da engenheria official é ter o governo de receber e soffrer tudo que lhe mandam as escolas. E é inconveniente difficil de remediar, porque desde que as leis estabelecem as garantias e direitos que o governo confere aos individuos habilitados de tal e tal modo, tem de receber a seu serviço todos quantos se apresentam com essas habilitações sejam bons ou sejam maus; proprios ou improprios para o serviço.

E comtudo é conveniente que o nobre ministro não receba individuo algum no serviço do seu ministerio das obras publicas sem ter sondado e examinado esse individuo, e sem ver até que ponto tem significação os documentos com que vem munido. Sobretudo quando ha duvidas e vehementes suspeitas quanto á competencia dos trabalhos que lavraram as escripturas (riso).

No caso do ministro, eu diria — será verdade quanto allega, e consta dos documentos, mas o senhor ha de passar por certas provas praticas: não se perde nada n'isso; e antes d'isso, nada feito.

Eis portanto o modo como eu considero as cousas no ministerio das obras publicas, e muito sinto não haver agora opportunidade para fallar em relação a diversos outros ramos de serviço á incumbencia d'aquelle ministerio importantissimo.

Não devo tomar mais tempo á camara, e Deus me livre de oppor me a que passe qualquer medida que o governo julgue necessaria, ou concorrer para difficulta-la e demora-la. Desejava bem responder a umas observações que n'outra occasião me foram dirigidas pelo nobre ministro das obras publicas, mas levar-me-ía isso um pouco longe, e eu não quero de maneira alguma contrariar a camara, cuja anciedade é até certo ponto justificado.

A auctorisação que se pede é necessaria para regular certos serviços. O uso que d'ella pôde fazer-se, pôde ser muito util. Qual elle eerá não sei, adivinhem os senhores (riso).

E um voto de confiança que não recuso ao nobre ministro que actualmente gere os negocios.

Pelas considerações que acabo de fazer, e podia fazer muitas mais na mesma clave, dou bem a conhecer á camara qual o sentido em que confiro o voto de confiança; é dever que todos temos.

E porque não terei occasião de fallar outra vez n'esta sessão, peço licença para dar uma explicação sobre objecto completamente estranho ao de que tenho tratado.

Poucas palavras terei a proferir para dar essa explicação, que me não foi possivel dar ha mais tempo.

O illustre deputado, o sr. Castro Ferreri, chamou me em tempo á autoria sobre um negocio que lhe diz respeito.

Eu lamento que o parlamento se occupo tanto a miudo de negocios particulares em logar de tratar exclusivamente dos negocios de interesse publico, e o negocio de que vou occupar me é effectivamente de interesse particular.

O negocio a que me refiro é muito simples, e tenho d'elle uma lembrança perfeita.

O sr. Castro Ferreri foi era tempo despachado maior, sem prejuizo de antiguidade, para ir servir na India. Seguiu para o seu destino, e depois voltou para Portugal.

Este «sem prejuizo de antiguidade» é um meio engenhoso, pelo qual os que fazem o serviço de paz em Portugal contestam os postos aos que vão servir e expor a vida no ultramar. Voltou s. ex.ª, o sr. Ferreri, da sua commissão do ultramar, e foi empregado ás ordens do sr. general conde de Casal em 1846 e 1847; fez a campanha daquella epocha e teve o capricho de se distinguir no campo de batalha. Recommendado pelo seu general, unica auctoridade para isso competente, tinha direito a um posto de accesso.

Suscitou-se duvida sobre qual era o posto que lhe competia, porque sendo major, sem prejuizo de antiguidade, diziam uns que devia ser promovido a tenente coronel sem prejuizo de antiguidade, outros que devia ser promovido a major effectivo.

Eu não tive parte alguma n'esta questão, que durou muitos annos, e quando tomei posse da pasta do ministerio da guerra tive de resolve la.

Havia um decreto, não me lembra de que data, que tinha supprimido a tal clausula de « sem prejuizo de antiguidade». Por consequencia o sr. Castro Ferreri era major para todos os effeitos de promoção desde uma certa data;, tratava-se portanto de tirar as consequencias daquelle despacho: foi o que fiz. Não me lembro se consultei o jurisconsulto adjunto. As consultas dos jurisconsultos não dão nem tiram responsabilidade aos ministros. Resolvi como entendi de justiça o negocio, que aliás me pareceu e parece em extremo simples.

Veiu o meu successor, e perante elle reclamaram, supponho eu, os officiaes que por effeito d'aquelle despacho se julgaram prejudicados.

Foram consultados os jurisconsultos, e creio que a opinião d'elles foi contraria aquella pela qual eu me tinha regulado; não admira. Foi por isso annullado o dito despacho. Sinto que assim acontecesse, e sinto não poder remediar o prejuizo que s. ex.ª soffreu. Agora é esperar que venha outro ministro, que desmanche o que está feito e o faça de outro modo, e assim por diante até que nunca acabe este negocio (riso).

Eis a explicação que tinha a dar. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Ministro das Obras Públicas (João Chrysostomo): — Se me é licito n'este momento, começando por responder ás observações que fizeram os illustres deputados, e principal» mente o que acabou de occupar a tribuna tão brilhante