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SESSÃO NOCTURNA DE 14 DE JUNHO DE 1888
Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barros Coelho e Campos (vice-presidente)
Secretarios os exmos. srs.
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral
Francisco José Machado
SUMMARIO
Não houve expediente.
Nu primeira parte da, ordem da noite é lido e posto em discussão o projecto de lei n.º 60, relativo á convenção com a Republica Argentina para a extradição de criminosos. Foi approvado sem discussão. - Segue-se o projecto de lei n.º 61, que trata de igual convenção com o estado livre do Congo, e que é do mesmo modo approvado.
Na segunda parte da ordem da noite continúa em discussão o projecto da lei de meios, e o sr. Carrilho, relator, apresenta o parecer da commissão de fazenda ácerca do additamento ao mesmo projecto, apresentado na sessão diurna Resolve-se que este parecer fique conjunctamente em discussão. - O sr. Carrilho responde ás observações feitas pelo sr. Arroyo na sessão diurna. - O sr. Consiglieri Pedroso pronuncia-se contra a concessão da lei de meios, e n'este sentido apresenta uma moção de ordem. Responde ao orador precedente o sr. D. José de Saldanha. Termina, perguntando ao governo se ainda n'esta sessão será discutida a questão dos cereaes. Resposta do sr. ministro da fazenda. - Entra no debate o sr. José Elias Garcia, que apresenta e sustenta uma moção de ordem no sentido de ser inscripta uma verba para que Portugal seja representado na exposição de París. - Segue-se o sr. Fuschini, que apresenta e fundamenta uma proposta para ser elevada a verba da consignação concedida á camara municipal de Lisboa. Responde aos dois oradores precedentes o sr. ministro da fazenda, e é levantada a sessão.
Abertura da sessão - Ás nove horas e um quarto da noite.
Presentes á chamada 49 srs. deputados. São os seguintes:- Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Baptista de Sousa, Tavares Crespo, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Barão de Combarjua, Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Feliciano Teixeira, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Lucena e Faro, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, João Arroyo, Silva Cordeiro, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Alves de Moura, Ferreira Galvão, José Castello Branco, Eça de Azevedo, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, José Maria de Andrade, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Santos Reis, Julio Graça, Julio de Vilhena, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Marianno de Carvalho, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Sebastião Nobrega, Estrella Braga e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Albano de Mello, Serpa Pinto, Anselmo de Andrade, Sousa o Silva, Antonio Centeno, Pereira Borges, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Lobo d'Avila, Madeira Pinto, Mattoso Santos, Francisco Beirão, Soares de Moura, Severino de Avellar, Cardoso Valente, Franco de Castello Branco, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Joaquim da Veiga, Barbosa Colen, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Alpoim, Pinto Mascarenhas, Abreu e Sousa, Bandeira Coelho, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Martinho Tenreiro, Miguel da Silveira e Pedro Victor.
Não compareceram á sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Antonio Castello Branco, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Fontes Ganhado, Jalles, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Miranda Montenegro, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Conde de Villa Real, Eduardo Abreu, Elvino de Brito, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Correia Leal, Alves Matheus, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Avellar Machado, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José Maria dos Santos, Simões Dias, Julio Pires, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Luiz José Dias, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Marçal Pacheco, Marianno Presado, Matheus de Azevedo, Pedro de Lencastre (D.), Dantas Baracho, Vicente Monteiro, Visconde de Monsaraz, Visconde de Silves, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
Não houve expediente.
PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DA NOITE
O sr. Presidente: - Como está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, vae ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei sobre a convenção entre Portugal e a Republica Argentina para extradicção de criminosos.
Leu-se. É o seguinte:
PUOJECTO DE LEI N.° 60
Senhores.- A vossa commissão dos negocios externos examinou a proposta de lei n.° 41-H, approvando a convenção para a reciproca extradição de criminosos entre Portugal e a Republica Argentina, assignada em Lisboa a 14 de março de 1888.
Esta convenção, negociada segundo os principios assentes entre nós nos documentos analogos que a precederam, vem juntar a Republica Argentina ás nações com que temos estabelecida a extradição dos criminosos.
Por isso, a vossa commissão de negocios externos julga que é digno da approvação parlamentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção para a reciproca extradição de criminosos entre Portugal e a Republica Argentina, assignada em Lisboa, a 14 de março de 1888.
Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala da commissão, 4 de junho de 1888.= José de Saldanha Oliveira e Sousa = Vicente R. Monteiro = Franco Castello Branco = Oliveira Martins = Antonio Ennes = Carlos Lobo d'Avila, relator.
N.º 41-H
Senhores. - O anno passado o governo de Sua Magestade celebrou e ratificou, com a vossa approvação, uma
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convenção de extradição com a Russia, no intuito de ir completando o nosso systema penal convencional. Ainda na mesma ordem de idéas, o governo apresenta-vos hoje, em conformidade com os preceitos constitucionaes, a convenção que celebrou com a Republica Argentina.
As relações sempre crescentes entre os dois paizes faziam sentir a necessidade de um accordo que melhor garantisse em ambos os estados a punição dos crimes.
Os principios que têem constantemente presidido a esta ordem de tratados foram rigorosamente observados na presente convenção.
N'estes termos, espero que concedereis a vossa approvação á seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção para a reciproca extradição de criminosos entre Portugal e a Republica Argentina, assigna da em Lisboa a 14 de março de 1888.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 28 de abril de 1888.= Henrique de Barros Gomes.
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e s. exa. o Presidente da Republica Argentina, tendo resolvido de commum accordo concluir uma convenção para a extradição reciproca dos individuos accusados ou condemnados pelos crimes ou delictos abaixo enumerados, nomearam para esse effeito seus plenipotenciarios, a saber:
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves:
O sr. Agostinho de Ornellas de Vasconcellos Esmeraldo Rolim de Moura, par do reino, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario de 1.ª classe, director dos negocios politicos no ministerio dos negocios estrangeiros, cavalleiro da antiga ordem militar de S. Thiago da Espada, gran-cruz da ordem de S. Gregorio Magno, condecorado com a ordem da Corôa de Prussia de 1.ª classe, grande official da Legião de Honra e gran-cruz e grande official de varias outras ordens estrangeiras, etc., etc. ;
S. exa. o Presidente da Republica Argentina:
O doutor in utroque D. José Francisco Lopez, ministro residente na Suissa e cavalleiro da Corôa da Prussia;
Os quaes, depois de terem trocado os seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida fórma, accordaram e convieram nos artigos seguintes:
ARTIGO 1.º
O governo de Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e o governo da Republica Argentina obrigam-se á entrega reciproca, com excepção dos proprios subditos por nascimento ou por naturalisação adquirida antes da perpetração do crime que dá logar á extradição, de todos os individuos de Portugal, das ilhas adjacentes e das possessões ultramarinas, refugiados na Republica Argentina e vice-versa da Republica Argentina em Portugal, nas ilhas adjacentes e nas possessões ultramarinas, indiciados, accusados ou condemnados por motivo de um dos crimes ou delictos abaixo enumerados, commettidos fóra do territorio da parte, á qual a extradição é pedida.
A extradição terá logar pelos factos seguintes:
1.° Assassinio, homicidio voluntario, parricidio, infanticidio, envenamento;
2.° Aborto intencional;
3.° Lesões corporaes, pancadas, ferimentos voluntarios commettidos com premeditação e reconhecidos graves ou que tenham occasionado uma doença ou incapacidade do trabalho pessoal, dando logar á applicação de pena não menor de um anno de prisão;
4.° Rapto, estupro, violação ou qualquer outro attentado ao pudor commettido com violencia;
5.° Attentado contra os bons costumes, excitando, favorecendo ou facilitando habitualmente a devassidão ou a corrupção da mocidade de um ou de outro sexo, de idade inferior a vinte e um annos;
6.° Bigamia e polygamia;
7.º Rapto, occultação, suppressão, substituição de creanças, parto supposto, exposição e abandono de uma creança em logar ermo com perigo de vida;
8.° Rapto de menores, carcere privado;
9.° Falsificação ou cerceio de moeda ou participação voluntaria na emissão de moeda imitada fraudulentamente, falsificada ou cerceada;
10.º Falsificação dos sellos do estado, de notas de banco, dos titulos da Divida publica e instrumentos de credito publico, seus cunhos e carimbos; de diplomas e documentos officiaes, do papel moeda e de estampilhas do correio, uso de sellos, notas de banco, titulos, cunhos ou carimbos falsificados;
11.º Falsificação e uso de falsificação em escriptura publica ou particular, de commercio ou de banco;
12.º Testemunho falso, declarações falsas de peritos ou de interpretes, suborno de testemunhas, de peritos ou de interpretes;
13.° Corrupção de funccionarios publicos, concussão; subtracção ou desvio de fundos ou titulos publicos ou particulares commettidos por preceptores ou depositarios publicos ou particulares a quem tenham sido confiados. Estellionato;
14.° Fogo posto;
15.º Destruição ou demolição voluntaria por qualquer meio que seja, no todo ou em parte, de edificios publicos ou privados, de pontes, diques ou calçadas: damno cansado voluntariamente aos apparelhos telegraphicos, vias ferreas, comboios e navios, sempre que houver perigo de vida;
16.º Associação de malfeitores, pilhagem, daminificação de generos ou mercadorias, bens de raiz, propriedades moveis, commettidos em reunião ou bandos e á viva força;
17.º Barateria e pirateria nos casos sujeitos a castigo com pena maior segundo a legislação de ambos os paizes. Assassinato, ataque com intenção de matar e homicidio, commettidos no alto mar, a bordo de um navio que leve o pavilhão do paiz demandante. Insurreição da equipagem ou passageiros, quando os seus andores se apoderem do navio por fraude ou violencia ou o entreguem a piratas;
18.º Roubo;
19.° Extorsão commettida por meio de violencia.
20.º Fraude; burla;
21.º Quebra fraudulenta;
22.º Receptação dos instrumentos do delicio, dos objectos obtidos por meio de um dos crimes ou delictos acima enunciados.
São comprehendidas nas qualificações precedentes a tentativa e a cumplicidade, quando são puniveis com pena maior pela legislação de ambos os paizes contratantes.
ARTIGO 2.°
As disposições do presente accordo não são applicaveis as pessoas culpadas de algum crime ou delicto politico.
A pessoa extraditada em rasão de um dos crimes ou delictos communs mencionados no artigo 1.º não póde por conseguinte em caso algum ser perseguida e punida, no estado no qual a extradição for concedida, em rasão de um crime ou delicio politico commettido por ella antes da extradição, nem em virtude de um facto connexo a similhante crime ou delicto politico, nem por qualquer outro crime ou delicto anterior que não seja o mesmo que tiver motivado a extradição, salvo o caso em que o culpado se deixasse ficar no logar do seu julgamento tres mezes depois de ter cumprido a sua pena ou tivesse voltado ao paiz onde commetteu o crime.
ARTIGO 3.º
Os individuos accusados ou condemnados por crimes aos quaes, segundo a legislação do paiz reclamante, é applicavel a pena de morte, não serão entregues senão com a condição de que lhes será commutada a dita pena.
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ARTIGO 4.º
A extradição não terá logar:
1.° No caso de um crime ou de um delicio commettido n'um terceiro paiz, quando o pedido de extradição for feito pelo governo d'esse paiz;
2.º Quando o pedido de extradição for motivado pelo mesmo crime ou delicto, pelo qual o individuo reclamado tiver sido julgado, absolvido ou pronunciado no paiz, ao qual foi feito o pedido;
3.° Se a prescripção da acção ou da pena se tiver verificado pelas leis do paiz requerente ou requerido;
4.° Quando a pena pronunciada contra o condemnado, ou o maximum da pena applicavel ao facto incriminado, segundo as legislações das altas partes contratantes, for menor que um anno de prisão.
ARTIGO 5.°
Se o individuo reclamado estiver processado ou condemnado no paiz em que se tiver refugiado por um crime ou delicto commettido n'este mesmo paiz ou em outro, a sua extradição poderá ser adiada até que o processo haja sido abandonado, que elle seja despronunciado ou absolvido ou que tenha cumprido a pena.
ARTIGO 6.º
Quando o accusado ou o condemnado cuja extradição for pedida por uma das partes contratantes, em conformidade com a presente convenção, for igualmente reclamado por outro ou outros governos com os quaes tiverem sido concluidas convenções d'esta natureza, por causa de crimes commettidos nos territorios respectivos, será entregue ao governo em cujo territorio houver commettido o crime mais grave e no caso em que os crimes tiverem igual gravidade, será entregue ao governo que primeiro tiver feito o pedido de extradição. Se o individuo reclamado não for natural do paiz que requer a extradição, e que o governo do seu paiz o reclame por causa do mesmo delicto, o governo a quem se tenha feito o pedido de extradição, terá o direito de o entregar a quem considere mais conveniente.
ARTIGO 7.º
O embargo de viagem e os compromissos dos culpados para com particulares não poderão suspender a extradição, salvo á parte lesada fazer valer os seus direitos perante a auctoridade competente.
ARTIGO 8.º
A extradição será pedida pela via diplomatica, e não será concedida senão em vista da apresentação do original ou de uma copia legalisada, quer de uma sentença de condemnação, quer de um despacho de pronuncia ou de qualquer outro documento equivalente, expedido pela auctoridade judicial competente, nos termos prescriptos pela legislação do paiz que faz o pedido com a legalisação revestida das condições necessarias para fazer fé em juizo no paiz reclamado, e indicando o crime ou o delicto de que se trata, assim como a disposição penal que lhe é applicavel.
ARTIGO 9.º
Se no decurso de tres mezes a contar do dia em que o culpado, accusado ou condemnado tiver sido posto á sua disposição, o agente diplomatico que o reclamou o não tiver feito partir para o paiz reclamante, será posto em liberdade e não poderá ser preso novamente pelo mesmo motivo.
ARTIGO 10.°
Os objectos roubados achados em poder do criminoso, os instrumentos e os utensilios de que elle se tiver servido para cometter o crime, assim como qualquer outro instrumento de prova serão entregues em todo o caso, quer a extradição se venha a realisar, quer se não possa effectuar em consequencia da morte ou da fuga do culpado.
Os direitos de terceiros a estes mesmos objectos serão reservados e terminado o processo serão os objectos restituidos sem despeza.
ARTIGO 11.º
Nos casos de urgencia o estrangeiro poderá ser preso provisoriamente em qualquer dos dois paizes, mediante um simples aviso da auctoridade judicial, transmittido pelo correio ou pelo telegrapho, da existencia de um mandado de captura, especificando o delicto, com a condição de que este aviso será regularmente dado pela via diplomatica ao ministerio dos negocios estrangeiros do paiz em que o indiciado se tiver refugiado. O estrangeiro preso provisoriamente ou mantido em estado de prisão nos termos do presente artigo será posto em liberdade se durante dois mezes, desde a sua captura, se não tiverem recebido os documentos que nos termos da presente convenção poderão dar logar ao pedido da extradição.
ARTIGO 12.º
Se no seguimento de uma causa crime não politica forem julgados necessarios os depoimentos de testemunhas domiciliadas no territorio do outro estado, será enviada para este effeito pela via diplomatica uma carta rogatoria, a que se dará cumprimento, na conformidade das leis do paiz em que as testemunhas deverem ser interrogadas.
Toda a carta rogatoria que tiver por fim pedir uma inquirição de testemunhas deverá ser acompanhada de uma traducção na lingua do paiz reclamado. Os dois governos renunciam a toda a reclamação relativa ao reembolso das despezas occasionadas pela execução das ditas diligencias, excepto quando se trate de exames de peritos criminaes, commerciaes, medicos e outros.
ARTIGO 13.º
Se n'uma causa penal não politica for necessaria a comparencia pessoal de uma testemunha no outro paiz, o seu governo lhe dará conhecimento do convite que lhe for feito, e no caso de acceitação deverá ser compensada pelo estado interessado na comparencia da testemunha, das despezas de viagem desde o dia da partida e das de permanencia, segundo os regulamentos e as tarifas do paiz em que tiver de fazer os seus depoimentos. Nenhuma testemunha, qualquer que seja a sua nacionalidade, que, citada n'um dos dois paizes, comparecer voluntariamente perante os juizes do outro paiz, poderá ser ali perseguida ou detida por factos o condemnações criminaes anteriores, nem sob pretexto de cumplicidade nos factos que forem objecto do processo em que ella figurar como testemunha.
ARTIGO 14.º
O transito atravez do territorio de uma das partes contratantes do um individuo entregue por uma terceira potencia a outra parte, e não pertencente ao paiz de transito, será concedido mediante a simples apresentação em original ou em copia legalisada de um dos documentos de processo mencionados no artigo 8.°, comtanto que o facto que servir de base á extradicção esteja comprehendido na presente convenção, e não entre nas excepções dos artigos 2.º e 3.°, e que o transporte tenha logar quanto á escolta, com o concurso de funccionarios do paiz que auctorisou o transito no seu territorio.
ARTIGO 15.°
O individuo cuja extradição for concedida, será conduzido ao porto do paiz reclamado, que for designado pelo agente diplomatico ou consular do governo reclamante, á custa do qual será embarcado.
ARTIGO 16.º
A presente convenção só será posta em vigor a datar de dois mezes depois da troca das ratificações. Continuará
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a vigorar até seis mezes depois de declaração contraria da parte de um dos dois governos.
A presente convenção será ratificada, e a troca das ratificações será effectuada em Lisboa, dentro do praso mais breve possivel.
Em fé do que os plenipotenciarios respectivos assignaram a presente convenção em duplicado e a sellaram na cidade de Lisboa, aos 14 dias do mez de março de 1888.
(L. S.) Agostinho de Ornellas.
(L. S.) José Francisco Lopez.
Está conforme. -- Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, 28 de abril de 1888.
O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e na especialidade.
Não havendo quem pedisse, a palavra, foi posto á votação e approvado.
O sr. Presidente: - Segue-se o projecto, relativo á convenção entre Portugal e o estado livre do Congo para extradicção de criminosos.
Vae ler-se.
Leu-se. É o seguinte:
PROJECTO DE LEI N.° 61
Senhores. - A vossa commissão de negocios externos examinou a proposta de lei n.º 57-H, approvando a convenção para a reciproca extradição de criminosos, entre Portugal e o estado independente do Congo.
Esta convenção acha-se conforme com os principios que geralmente têem sido consignados em convenções d'esta natureza, contendo apenas as alterações que foram impostas pela circumstancia de ser o estado independente do Congo limitrophe de importantes colonias portuguezas.
Por isso a vossa commissão de negocios externos é de parecer que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção entre Portugal e o estado independente do Congo para a reciproca extradição de criminosos, assignada em Bruxellas aos 27 de abril de 1888.
Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala da commissão, 4 de junho de 1888. = José de Saldanha Oliveira e Sousa = Oliveira Martins = Vicente R. Monteiro = Antonio Ennes = Franco Castello Branco = Carlos Lobo d'Avila, relator.
N.º 57-H
Senhores. - Para satisfazer a necessidades do systema penal convencional, e attender ás conveniencias do nosso novo districto no Congo, negociou e concluiu o governo de Sua Magestade Fidelissima uma convenção de extradição entre Portugal e o estado independente do Congo.
Acham-se consignados n'ella os principios que geralmente têem sido adoptados em convenções d'esta natureza, e apenas algumas alterações se encontram, determinadas pelas condições especiaes em que não podiam deixar de se achar as nossas colonias limitrophes.
Por estes motivos, e esperando reconhecereis a importancia d'este pacto, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção entre Portugal e o estado independente do Congo para a reciproca extradição de criminosos, assignada em Bruxellas aos 27 de abril de 1888.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 25 de maio de 1888. = Henrique de Barros Gomes.
Convenção de extradicção entre Portugal e o estado independente do Congo
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e Sua Magestade o Rei dos belgas, Soberano do estado independente do Congo, tendo resolvido de commum accordo concluir uma convenção de extradição para assegurar a repressão dos crimes e delictos commettidos nos territorios respectivos de Portugal, das suas ilhas adjacentes e das suas possessões ultramarinas, de uma parte, e de outra parte do estado independente do Congo, nomearam para este fim seus plenipotenciarios; a saber:
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves
O sr. conde de Rilvas, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto de Sua Magestade o Rei dos belgas, cavalleiro da ordem de Malta, commendador da ordem de S. Thiago da Espada de Portugal, e gran-cruz da ordem de Leopoldo.
E Sua Magestade o Rei dos belgas, Soberano do estado independente do Congo
O sr. Edmond Van Etvelde, cavalleiro da sua ordem de Leopoldo, seu administrador geral da repartição dos negocios estrangeiros, os quaes depois de terem communicado os seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida fórma, concordaram nos artigos seguintes:
Artigo 1.º As partes contratantes obrigam-se á reciproca entrega, a pedido de um dos dois governos dirigido ao outro, com excepção dos proprios subditos por nascimento ou por naturalisação anterior á perpetração da infracção que deu logar á extradição, dos individuos refugiados de Portugal, das ilhas adjacentes e das possessões ultramarinas no estado independente do Congo, ou do estado independente do Congo, no territorio de Portugal, nas suas ilhas adjacentes e nas suas possessões ultramarinas, e perseguidos, indiciados, accusados ou condemnados como auctores ou cumplices dos crimes e delictos enumerados no artigo seguinte, commettidos fóra dos territorios da parte á qual a extradição é pedida.
Art. 2.° A extradição conceder-se-ha pelos factos seguintes:
1.° Assassinio, homicidio voluntario, infanticidio, parricidio, envenenamento;
2.° Espancamento ou ferimento feito voluntariamente e com premeditação, e que tenha occasionado uma doença que pareça incuravel, ou incapacidade permanente de trabalho pessoal, mutilação ou amputação grave, perda do uso de algum orgão ou morte sem intenção de a dar;
3.° Roubo e extorsão;
4.° Uso de violencia ou de ameaças para obrigar os indigenas nas vias de communicação interior ou nos mercados a ceder as suas mercadorias por um preço ou a pessoas determinadas (cambolação);
5.° Abuso de confiança ou desvio fraudulento;
6.° Defraudação e burla;
7.° Receptação de objectos obtidos por meio de um dos crimes ou delictos previstos pela presente convenção;
8.° Fogo posto;
9.º Juramento falso, testemunho falso e suborno de testemunhas;
10.° Rapto, sequestro ou detenção arbitraria e venda, como escravos, de pessoas, sob a auctoridade do accusado ou condemnado;
11.° Estupro;
12.° Rapto do menores;
13.° Attentado contra o pudor com violencia;
14.° Aborto intencional;
15.° Attentado contra a inviolabilidade de domicilio, com ou sem violencia;
16.º Quebra fraudulenta e fraudes commettidas em fallencias:
17.° Associação de malfeitores;
18.° Imitação fraudulenta ou alteração de moeda, ou pôr em circulação moeda falsificada ou alterada, fabricação, uso fraudulento de instrumentos destinados ao fabrico de moeda falsa;
19.° limitação fraudulenta, ou falsificação de estampilhas, sellos, carimbos e marcas do estado e das adminis-
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trações publicas; uso fraudulento das estampilhas, sellos, carimbos ou marcas falsificadas;
20.° Falsificação, e uso de falsificação de escripta;
21.° Concussão, peculato;
22.° Certidões falsas, declarações falsas feitas por funccionarios publicos ou uso fraudulento d'essas declarações;
23.° Barateria, pirateria, ataque a um navio no alto mar, com violencia e vias de facto contra os passageiros; destruição ou conjuração para destruição de um navio no alto mar por pessoa pertencente á equipagem, revolta, ou conjuração para revolta, feita por duas ou mais pessoas a bordo de um navio no alto mar contra a auctoridade do capitão;
24.° Interrupção de communicações por terra ou nos rios, quer por violencia, por detenção de embarcações ou qualquer outro meio (fazer chiqueiro);
25.° Destruição total ou parcial de edificações, de cami nhos de ferro ou de apparelhos telegraphicos;
26.° Destruição ou devastação de colheitas, plantas, arvores ou enxertos;
27.° Destruição de utensilios de agricultura, destruição ou envenenamento de gados e outros animaes;
28.° Deserção simples ou aggravada; acham-se comprehendidas nas qualificações precedentes, a tentativa e a cumplicidade quando ellas são puniveis pelas leis do paiz, ao qual a extradição é pedida.
Art. 3.° A extradição não terá logar:
1.° No caso do crime ou delicto commettido n'um terceiro paiz, quando o pedido de extradição seja feito pelo governo d'este paiz;
2.° Quando o pedido for motivado pelo mesmo crime ou delicto, pelo qual o individuo reclamado tiver sido julgado no paiz ao qual foi feito o pedido, e porque foi condemnado, absolvido ou despronunciado;
3.° Se a prescripção da acção ou de pena já decorreu, segundo as leis do paiz, ao qual a extradição é pedida antes da prisão do individuo reclamado, ou se a prisão não teve logar antes d'elle ter sido citado para comparecer no tribunal a fim de ser ouvido;
4.° Quando a pena sentenciada contra o condemnado ou o maximo da pena applicavel ao facto incriminado, segundo a legislação do paiz, contra o qual a infracção foi commettida, não é superior a um anno de prisão;
5.° Quando o individuo cuja extradição é pedida, ainda que refugiado no territorio de um dos estados contratantes, se acha, comtudo, n'uma região onde ainda não foi estabelecida uma administração regular.
Art. 4.° As disposições do presente accordo não são applicaveis ás pessoas que se achem culpadas de qualquer crime politico.
A pessoa que for extraditada por um dos crimes ou delictos communs, enumerados no artigo 2.°, não póde conseguintemente em caso algum ser perseguida e punida no estado ao qual a extradição tiver sido concedida por motivo de um crime ou delicto politico commettido antes da extradição, nem por motivo de um facto connexo com similhante crime ou delicto politico, nem por qualquer outro crime ou delicto anterior que não seja o mesmo que tiver dado logar á extradição.
No emtanto as altas partes contractantes obrigam-se a não se aproveitar das disposições do presente artigo nos casos de infracções de direito commum commettidos por individuos de côr, subditos do estado que tiver pedido a extradição, quando estas infracções tenham connexão com factos tendo um caracter politico.
Art. 5.° Quando o individuo, cuja extradição é pedida, for indiciado ou tiver sido condemnado por infracções commettidas no territorio do paiz onde se tiver refugiado, o estado a que tiver sido pedida a extradição poderá fazel-a adiar até ao julgamento final e cumprimento da pena.
Art. 6.° Os pedidos de extradição serão feitos por via diplomatica. Podem tambem ter logar directamente entre o governador geral de Angola, em nome de Sua Magestade El-Rei de Portugal, e o governador geral do Congo, em nome de Sua Magestade o Rei Soberano do estado independente do Congo.
A auctoridade a quem foi pedida a extradição poderá levar o pedido ao conhecimento do seu governo antes de conceder a extradição.
Art. 7.° Todo o pedido de extradição deve ser acompanhado da apresentação, em original ou copia legalisada, quer de um julgamento ou sentença condemnatoria, quer de um mandado de captura ou de um auto, tendo a mesma força expedida pela auctoridade competente do estado que pedir a extradição, comtanto que esse auto contenha a indicação exacta do facto incriminado.
Estes documentos serão acompanhados do uma copia do texto da lei applicavel ao facto incriminado e tanto quanto possivel, dos signaes caracteristicos do individuo reclamado.
Art. 8.° Em caso de urgencia, a prisão provisoria será effectuada mediante aviso transmittido pelo telegrapho, correio ou qualquer outro meio, da existencia de um mandado de captura ou de um julgamento ou sentença condemnatoria, com a condição, porém, que este aviso será regularmente dado pela auctoridade judicial do logar onde a infracção foi commettida á do logar onde o inculpado ou o condemnado se tiver refugiado. A prisão provisoria terá logar pela fórma e segundo as regras estabelecidas pela legislação do governo requerido; deixará de ser mantida se, no decurso de cinco semanas, a contar do momento em que ella tiver sido effectuada, não for dado conhecimento ao inculpado de um dos documentos mencionados no artigo precedente e transmittido por um dos meios indicados no artigo 6.°
Art. 9.° Os objectos roubados ou encontrados em poder do inculpado, bem como os instrumentos e os utensilios de que elle se tenha servido para commetter a infracção, e igualmente qualquer elemento de prova, serão entregues ao estado reclamante, se a auctoridade competente do estado a que tiver sido pedida a extradição ordenar a entrega, quer a extradição tenha logar, quer ella não possa chegar a effectuar-se por causa da morte ou da fuga do inculpado. Ficam, todavia, reservados os direitos de terceiros aos objectos indicados, os quaes n'este caso devem ser entregues sem despeza depois de terminado o processo.
Art. 10.° As despezas motivadas pela detenção, prisão, sustento e transporte até ao porto de embarque, dos individuos cuja extradicção for concedida, bem como as que resultarem da entrega dos objectos indicados no artigo precedente ficam a cargo do estado a que tiver sido pedida a extradição.
No emtanto as despezas feitas com o sustento e transporte por mar ou por rio, alem do porto de embarque, entre os dois estados serão por conta do estado que tiver pedido a extradição.
Art. 11.º Quando, no seguimento de uma causa penal não politica, um dos dois governos julgar necessaria a audição de testemunhas domiciliadas no outro estado, para este fim será enviada uma carta rogatoria por uma das vias indicadas no artigo 6.° e ser-lhe-ha dado cumprimento pelas auctoridades competentes, observando-se as leis do paiz onde o depoimento das testemunhas deva ter logar.
Comtudo poderá não ser dado seguimento ás cartas rogatorias que tenham por fim a audição de testemunhas domiciliadas ou residentes n'uma região onde uma administração regular não tenha ainda sido estabelecida.
Os dois governos renunciam a toda e qualquer reclamação relativa ao reembolso das despezas occasionadas pela execução das ditas requisições, excepto quando se trate de exame de peritos em materia crime, commercial, medica, ou de outra natureza.
Art. 12.° O individuo cuja extradição foi concedida, será conduzido a um porto do estado reclamado. Se, po-
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rém, no espaço de tres mezes a contar do dia em que tenha sido posto á disposição das auctoridades que pediram a extradição, estas o não tiverem feito partir, será posto em liberdade e não poderá ser novamente preso pela mesma causa.
N'este caso todas as despezas serão por conta do governo que tiver feito o pedido de extradição.
Art. 13.° Quando o facto pelo qual a extradição é pedida importar a applicação da pena de morte segundo a legislação do estado reclamante, o estado reclamado poderá fazer depender a extradição da promessa previa, dada pelo governo reclamante, que, em caso de condemnação, esta pena não será applicada.
Art. 14.º Os dois governos communicar-se-hão pela via diplomatica as sentenças dos seus tribunaes que condemnarem os subditos do estado estrangeiro por crime ou delicto.
Art. 15.º A presente convenção começará a ter vigor tres mezes depois da troca das ratificações, e durará até depois de um anno a contar do dia em que uma das partes contratantes a tiver denunciado.
As ratificações serão trocadas em Bruxellas logo que seja possivel.
Em fé do que os plenipotenciarios das duas partes contratantes assignaram a presente convenção e lhe pozeram os seus sellos.
Feito em duplicado em Bruxellas, em 27 de abril de 1888.
(L. S.) Rilvas.
(L. S.) Edm. van Etvelde.
O sr. Presidente: - Está em discussão na g neralidade e na especialidade.
Como ninguem pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado,
SEGUNDA PARTE DA ORDEM DA NOITE
Continuação da discussão do projecto de lei n.° 77 (lei de meios)
O sr. Carrilho (relator): - Em conformidade com a deliberação da camara, tomada na sessão diurna, manda para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre as propostas que elle, orador, apresentou, por parte da commissão do orçamento.
E como aquella commissão concordou com essas propostas, pede que o parecer fique desde já em discussão conjunctamente com o projecto da lei de meios.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa o seguinte:
PARECER
Senhores. - A commissão de fazenda concorda com as alterações acima feitas por parte da commissão do orçamento, de accordo com o governo, ao projecto de lei n.° 77.
Sala da commissão do orçamento, em 14 de julho de 1888. = José Dias Ferreira (vencido) = Vicente R. Monteiro = Carlos Lobo d'Avila = F. Mattozo Santos = A. Fonseca = Marianno Prezado = A. M. de Carvalho (vencido) = A. Baptista de Sousa = Antonio M. P. Carrilho.
Proposta
Alteração ao projecto de lei n.° 77 :
§ 6.° O governo poderá ampliar até setenta o cinco annos o praso de amortisação das obrigações, cuja emissão foi auctorisada pela carta de lei de 22 de maio de 1888, reduzindo-se na devida proporção a annuidado fixada na mesma lei.
§ 7.° (o § 6,° do projecto).
§ 8.° (o § 7,° do projecto).
§ 9.° O governo decretará na pauta geral das alfandegas as seguintes alterações:
202. Mel e melaço com quantidade de assucar inferior a 55 por cento, 30 réis o kilogramma.
202-A. Melaço com quantidade de assucar superior a 55 por cento inclusivamente, 65 réis o kilogramma.
§ 10.° O assucar produzido no continente do reino, ilhas adjacentes, excepto o que na ilha da Madeira for unicamente extrahido da canna de assucar, fica sujeito a imposto de producção, pago á saída das fabricas, em dinheiro ou em letras garantidas até tres mezes de praso, nos seguintes termos:
a) Assucar areado e o superior ao typo 20 da escala hollandeza, 130 réis o kilogramma.
b) Assucar não especificado, 105 réis o kilogramma.
§ 11.º (o § 8.° do projecto).
§ 12.° (o § 9.° do projecto).
§ 13.° São declaradas de execução permanente as disposições dos §§ 3.°, 6.°, 8.°, e 9.° = A. Carrilho.
Consultada a camara sobre o pedido do sr. relator, para que este parecer ficasse conjunctamente em discussão, assim se resolveu.
O sr. Carrilho (relator): - Responde detidamente ás considerações, expendidas pelo sr. Arroyo na sessão diurna.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, logo que s. exa. restitua as notas tachygraphicas.)
O sr. Consiglieri Pedroso: - Declara-se absolutamente contrario ao systema de se votar uma lei de meios, em logar de se votar o orçamento.
Entende que só em circumstancias muito excepcionaes se póde conceder a lei de meios a um governo; e nenhuma d'essas circumstancias se deu este anno.
Quando se tratou de conceder ou não conceder sessões nocturnas, elle, orador, e o sr. Fuschini, representantes de dois grupos parlamentares, declararam que, attentas as circumstancias anormaes e o adiantado da sessão, votavam as sessões nocturnas, mas unicamente para se discutir o projecto relativo á agricultura, por ser reclamado por uma grande parte do paiz e tambem para se votar o orçamento.
Afinal nem sequer o respectivo parecer foi dado, ao passo que, sobre uma proposta apresentada ha poupas horas, já o respectivo parecer se acha sobre a mesa.
O facto de não se discutir o orçamento não é recente; dá-se desde 1883, e é lastimavel que o actual governo prosiga no mesmo systema, esquivando-se assim ao mais expresso dos seus deveres constitucionaes.
E a este respeito, para mostrar quanto é diverso hoje, em relação á discussão do orçamento, o pensar dos srs. ministro do reino e ministro da justiça, lê o orador alguns trechos dos seus discursos proferidos em 1885.
O orador segue n'esta ordem de idéas, e termina mandando para a mesa a seguinte:
Moção de ordem
A camara, considerando que o direito de discutir e votar o orçamento geral do estado, pertence, pela constituição, ao parlamento;
Considerando que não póde declinar nas mãos de um governo, qualquer que elle seja, esse direito constitucional;
Considerando que votar o projecto n.° 77, tal como se acha redigido, equivale a votar n'um só artigo todo o orçamento geral do estado:
Lamenta que se não tenha discutido o orçamento de 1888-1889, e passa á ordem do dia. = Consiglieri Pedroso.
É admittida.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. D. José de Saldanha: - É costume n'esta casa, sr. presidente, que quando qualquer deputado acaba de fallar, o que se lhe segue com a palavra responder ás apreciações feitas por esse deputado, e portanto seria uma
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falta de delicadeza, da minha parte, se de alguma fórma não cumprisse esse dever, preceito ou costume.
é como consequencia d'isso que eu, nas considerações que vou apresentar, não posso deixar, ainda que em resumidas palavras, de me referir desde já ao que acabâmos de ouvir no sr. deputado Zophimo Consiglieri Pedroso, e começarei por um assumpto, que reputo altamente serio e grave.
Fallou o illustre deputado em que nós estamos aqui atacados de uma paludosa politica. Não sei se estou ou não atacado d'esse mal; mas em todo o caso, o que devo dizer é que tenho pela minha parte reagido e continuarei a reagir, para não ser atacado d'elle.
Emquanto ás observações, que s. exa. adduziu com a leitura de palavras pronunciadas n'esta casa em tempos que já ficam longe, pondero o seguinte.
Lamentou s. exa. que no nosso paiz não sirva de base e norma o que se segue nos outros paizes cora respeito ás palavras e phrases pronunciadas pelos homens politicos, quer antes de fazerem parte do poder executivo, quer quando são ministros.
Direi a s. exa. que, pelo facto de um homem, como deputado, pronunciar um dia certas palavras no parlamento portuguez sobre um assumpto qualquer que se debata, esse homem como ministro não fica em Portugal obrigado, nem tem sido obrigado, a regular mais tarde a sua norma de conducta, por fórma que esteja geralmente de accordo com as idéas que sustentara antes de ser membro do governo, antes de ser ministro da corôa.
É por isso que eu, conhecendo o uso da terra, nunca hei de recorrer, nem tenho recorrido, a discursos passados para obrigar os ministros, quaesquer que elles sejam, a harmonisar em tudo e por tudo os seus actos com as palavras por elles proferidas em tempos que não voltam, como deputados, e como taes archivadas nos annaes parlamentares.
Não tenho recorrido, não hei de recorrer a essa, argumentação, porque a resposta a essa argumentação foi aqui dada em tempo, e na minha presença, pelo fallecido conselheiro Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, quando disse que seguia a lei geral da evolução, que lhe impunha o dever de mudar de opinião.
Sr. presidente, isto posto, declaro a v. exa., declaro á camara, que eu pedi a palavra pela seguinte rasão.
Eu sou deputado da maioria; voto o projecto, que está em discussão, mas, se voto o projecto que está em discussão, não estou em tudo o caso inhibido de fazer algumas considerações sobre um ou outro ponto n'elle incluido.
Se a sessão não estivesse tão adiantada, eu aproveitaria o ensejo da discussão da lei de meios para principalmente procurar examinar em toda a sua extensão a verba de despega de 459:643$581 réis, relativa a serviços agricolas.
Eu tenho tido o cuidado desde o anno passado de não querer, pela minha parte, levantar difficuldades ao sr. ministro das obras publicas, commercio, e industia, em relação ás modificações ou reformas que s exa. tem feito no ministerio a seu cargo.
Poderia tel-o feito; mas, como estou convencido de que s. exa. tem estado animado de boa vontade para com a agricultura, embora eu não esteja convencido de que o caminho que s. exa. tem seguido tem sido sempre o melhor, não quiz, pelo meu lado, apresentar quaesquer considerações, que fizessem suppor que eu estava mal disposto em relação ás intenções ou desejos de s. exa., e quiz dar-lhe completa liberdade de acção, para ver o que s. exa. faria.
Agora, que já passaram mezes, e até dois annos de completa liberdade de acção, é chegada a occasião de eu principalmente insistir em que o governo, pela parte do ministerio das obras publicas, em relação á agricultura, tem timbrado em fazer principalmente aquillo que os lavradores não pediam, e pelo contrario tem timbrado até certo ponto em não fazer aquillo que os lavradores pediam e têem continuado a pedir sem interrupção.
Por conseguinte, espero que estas minhas palavras fiquem exaradas na acta ou sessão de hoje e no extracto, para a todo o tempo salvar a minha responsabilidade, e para que, quando mais tarde se diga que veiu á discussão esta lei de meios, trazendo uma verba de despeza importante como a que citei, seja possivel verificar que no dia de hoje eu, deputado, disse alguma cousa contra a orientação do sr. ministro das obras publicas a respeito de assumptos agricolas.
O outro ponto, a que desejo referir-me, é o dos impostos indirectos; mas, como aqui já se fallou de accordos,
referir-me-hei tambem a estes em primeiro logar.
Eu não sou chefe de fracção alguma politica n'esta camara, nem tenho pretensões a isso; mas julguei que, desde o momento em que houvesse accordo, se tivesse feito um certo numero de exigencias, de modo que houvesse por assim dizer uma especie de sobreposição na ordem da discussão dos projectos que se reputaram indispensaveis.
Em harmonia com este meu modo de pensar, julgava eu que, logo depois de discutido o orçamento rectificado, seria discutida a lei dos cereaes antes da lei de meios.
Assim julgava, por duas rasões:
Em primeiro logar, desde o momento em que fosse dada para discussão a lei dos cereaes logo em seguida á do orçamento rectificado, o governo dava um testemunho muito positivo de que não desejava que por um só instante pesasse no animo, fosse do quem fosse, a duvida ou suspeita de que o parlamento se poderia fechar sem ser discutida a lei dos cereaes.
Em segundo logar, como na lei de meios se inscreve a verba de receita proveniente dos direitos dos cereaes e a verba de receita resultante dos direitos cobrados sobre outros géneros a que se refere a lei dos cereaes, eu julgava que era mais curial discutir-se esta lei antes da lei de meios.
Julgava eu que era indispensavel assentar de vez qual a base para calcular o quantitativo do imposto sobre os cereaes, porque só assim era possivel saber ao certo qual o ponto de partida para a verba que na lei de meios tinha de figurar em relação a este imposto.
Entendia, e entendo, que, só depois de fixada a base do imposto, seria possivel determinar a verba, que houvesse de figurar na lei de meios.
O sr. relator é de certo o primeiro a reconhecer, não ha duvidas a esse respeito, que, em virtude da lei dos cereaes, a base para o calculo da totalidade da receita proveniente dos direitos sobre os cereaes póde ser modificada.
Pela fórma, que eu aponto, nós ficavamos sabendo primeiro qual seria a importancia total dos direitos sobre os cereaes, e depois inscreviamos, mas sem duvidas, essa verba na lei de meios.
Eu bem sei que me podem responder, porque a tudo se responde, que eu não tenho rasão para insistir n'este ponto, para sustentar que era mais logico assentar primeiro se o imposto votado para os trigos será de 20 ou de 25 réis, porque em todo o caso, se mais tarde se votar que o imposto seja de 25 em logar de 20 réis, este augmento de direito poderá ser compensado na totalidade pela diminuição que se possa dar na importação dos cereaes, fixando a mesma verba que figura em lei de meios.
Desde já respondo que, se se calcula que assim será, mais um argumento tenho eu para sustentar que se vote o direito de 25 e não o de 20 réis para o trigo.
O mesmo digo dos outros cereaes.
O que acabo de dizer tambem tem applicação com relação ás aguardentes, á manteiga, etc.
Na verdade, como alguns d'estes generos vão ser tributados de uma maneira diversa d'aquella por que actualmente são tributados, não sei qual seja a rasão por que se
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não votam primeiro, isto é, antes da lei de meios, as leis que alteram os respectivos impostos.
Sr. presidente, parece-me que o sr. relator está com vontade de me responder. Se s. exa. o deseja fazer, eu inter rompo as minhas considerações com todo o gosto.
(Interrupção do sr. Carrilho.)
Vou responder a s. exa. como souber. S. exa. argumentou como um professor, que fez um orçamento de receita e despeza, e que não admitte modificação alguma nas suas idéas, nos seus projectos.
S. exa. parte da hypothese de que, votada a lei dos cereaes e dado o caso de ser alterado o imposto sobre os cereaes, ha de haver um certo augmento na verba que figura actualmente na lei de meios, mas que esse excesso de receita terá, pela lei que foi votada, de ser applicada a certas e determinadas despesas, e despezas novas, e que por isso a verba, que figura actualmente na lei de meios, continuará a ser a mesma para as despezas a que ella é destinada.
Respondo a isto de uma maneira muito simples.
Para que o argumento do sr. relator produzisse effeito, seria preciso partir do principio de que eu estou de accordo; concordo com a applicação que se quer dar a esse excesso de receita, mas como eu não concordo com isso, como eu sustentei o principio exactamente opposto na discussão, que sobre a lei dos cereaes houve na reunião das commissões de fazenda e de agricultura, o argumento não colhe.
Sr. presidente, eu não admitto nem entendo o systema de que, estando o governo constantemente precisado de di nheiro para accudir ás despezas publicas, desde o momento em que haja excesso de receita, immediatamente se indique por lei, se preceitue, a applicação especial que, para novas despezas, diversas das consignadas no orçamento geral do estado, deverá ter esse augmento de receita!
O governo diz que se vae crear augmento de receita com a nova lei dos cereaes. Admitto, como s. exa., que haverá esse augmento de receita; mas não concordo com s. exas., quando querem que o augmento de receita fique desde logo a ser forçadamente empregado n'este ou n'aquelle novo ramo de serviço publico, que para muitos poderão afigurar-se serem futuros nichos de empregados publicos.
Sr. presidente, para mim a questão é outra.
Desde que a nova lei traz augmento de receita, e desde que eu sei, como todos rios sabemos, que o estado precisa de dinheiro, eu sustento o principio de que todo e qual quer augmento das receitas publicas deve entrar na receita geral do estado, evitando que, pelo menos na parte correspondente a esse augmento, cresça a divida publica.
Agora vamos á outra parte da questão.
Disse o sr. relator que não haverá risco de ser votada a lei de meios antes de votadas as que se referem aos outros generos, por isso que os augmentos de receita se referem a verbas, que têem de ser entregues á camara municipal de Lisboa.
Respondo o seguinte:
O facto de essas verbas terem de ser applicadas para consignações a entregar á camara municipal de Lisboa, nada quer dizer, porque nada destroe a minha argumentação.
A questão é muito simples. De duas uma, ou esses impostos rendem mais, ou não.
Logo que os impostos rendam mais, é certo que tambem augmentará a receita, e, sendo assim, pergunto eu: esse augmento redundará a favor da camara municipal ou do orçamento do estado?
(Interrupção do sr. Carrilho.)
A especie apresentada por s. exa. agora é um pouco diversa d'aquella a que eu me estava referindo.
Torno a repetir a minha pergunta. Desde que os impostos, a que s. exa. e eu nos referimos, trazem augmento de receita, a consequencia necessária d'isso será o augmento da receita geral do estado, e por isso pergunto: esse augmento de receita terá de ser entregue á camara municipal de Lisboa ou deverá entrar nos cofres geraes do estado?
(Interrupção do sr. Carrilho.)
O producto d'esses 20 por cento varia conforme a quantia sobre que elles recáem. Conforme essa quantia for maior ou menor, assim o será tambem o producto d'essa percentagem. Portanto, conservo-me no mesmo campo.
A receita propria do estado ha de augmentar, e n'essas condições parece-me ser má norma orçamentologica, permitta-se me a expressão, dizer que tal verba deve ser. . .
(Interrupção do sr. Antonio Maria de Carvalho.)
Da mesma maneira que reagi contra a paludosa politica, reajo tambem sustentando quanto possivel o que me têem dito serem as normas parlamentares.
Teria sido mais logico, repito, no caso de haver accordo, como me dizem que houve, ter-se tornado preceptivo que esta lei de meios não podia nem devia ser votada sem ter sido precedida da discussão e da votação da lei dos cereaes.
E agora como não fica mal seja a quem for fazer uma pergunta, e já as tenho aqui feito muitas vezes, torno ou tra vez a fazer uma pergunta e a chamar para ella a attenção do sr. ministro da fazenda.
Pergunto a s. exa. se, na altura em que estamos da sessão, e dispondo s. exa. da vontade da maioria, e como ha accord, dispondo tambem da vontade da opposição, pergunto, digo, se posso dormir descansado com a certeza de que a sessão não se fecha sem ser discutida a lei dos cereaes.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- O governo ha de insistir para que se não feche a sessão sem se discutir a proposta sobre os cereaes.
O Orador: - Se a resposta do sr. ministro fosse differente da que acaba de dar-me, eu trataria de discutir desde já a questão dos cereaes, tomando por base que não me podia conformar com a verba que está aqui consignada como producto do imposto sobre os cereaes; mas a resposta do sr. ministro é positiva, e por isso, pedindo desculpa á camara de a ter entretido alguns momentos com as considerações que fiz, concluo affirmando que fico mais socegado porque fico certo de que houve accordo para se discutir o projecto dos cereaes ainda n'esta sessão.
Disse.
O sr. Elias Garcia: - Sr. presidente, eu devo dar uma explicação, e permitta me a camara que o faça n'esta occasião porque alguma vez ha de ser.
Quando solicitei de v. exa. na sessão diurna que as alterações apresentadas fossem consideradas não como v. exa. as quiz considerar, mas de outra fórma, foi porque entendi que o caso era desusado; e apesar de alguns deputados terem dito que não era novo, em minha opinião elle é novissimo. (Apoiados.)
Eu não quero alargar as minhas considerações a este respeito, mas quero unicamente consignar a minha opinião que de mais a mais está de accordo com os principios consignados no nosso regimento. (Apoiados.)
As commissões da camara são de estudo e de exame; não têem iniciativa.
Podiam tel a e porventura será conveniente que a tenham e talvez por este motivo e por outros muitos eu tenho solicitado já ha muito tempo que alteremos o nosso regimento e o reformemos porque está muito incompleto.
Mas emquanto elle não for reformado, as commissões da camara são de estudo e de exame, segundo as disposições regulamentares; não têem iniciativa. (Apoiados.)
As commissões dão parecer sobre os negocios que lhes são remettidos pela mesa; e poderemos nós suppor que a commissão de orçamento tivesse a feliz ou infeliz lembrança de formular esta proposta de alteração? Pela minha parte não quero admittir similhante cousa.
O sr, Carrilho: - Não foi a commissão que tomou essa
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iniciativa; foi o governo que apresentou a proposta na commissão, e esta, de accordo com elle, mandou-a para a mesa.
O Orador: - Se isso fôra assim, a commissão tinha obrigação de trazer um parecer sobre essa proposta, e era n'esse parecer que devia explicar as rasões por que apresentava as modificações.
Ainda ha poucos dias foi distribuido um pertence ao orçamento rectificado, no qual se dizia que a commissão fazia certas alterações, porque o governo lh'as indicára; mas agora não se fez isso.
Ninguem póde considerar a proposta mandada hoje para a mesa como obra da commissão, nem póde sustentar-se que uma proposta póde ser mandada para a mesa por um individuo em nome da commissão, sem esta ser ouvida.
Entendo, portanto, que o caso é completamente novo, e ainda bem que a camara o remediou, applaudo por isso a camara, e quem se lembrou de fazer a proposta para tal fim.
Seguindo-me a fallar ao sr. D. José de Saldanha, parecerá que eu discordo das opiniões de s. exa., mas n'este ponto estou de accordo, não sendo tão acommodaticio como s. exa., porque o illustre deputado viu, com a apresentação d'este projecto, alguma cousa que o fazia receiar de que o projecto dos cereaes não seria discutido, e por isso pediu ao sr. ministro da fazenda que lhe dissesse se poderia ficar descansado, porque tinha receio de que este projecto preterisse o dos cereaes, e que por isso o ultimo não podesse ser discutido.
O sr. ministro da fazenda, que estamos costumados a conhecer pela lucidez do seu talento, teve a imprudencia de dizer que o projecto havia de ser discutido.
Eu acredito na palavra do sr. ministro da fazenda, mas não acredito que s. exa. possa mostrar-se tão seguro de que o projecto se discutirá por força.
O sr. D. José de Saldanha: - Desde o momento em que uma das partes contratantes, o sr. ministro da fazenda ou o governo, me affirma que o projecto ha de ser discutido, e alem d'isso não tenho motivo algum para suspeitar de que o accordo se ha de romper de repente, não posso deixar de ficar mais socegado.
O Orador: - Creio que s. exa. ficou descansado porque se lhe assegurou que o projecto havia de ser discutido n'esta casa.
Ninguem o póde assegurar.
Alem d'isso o ser discutido n'esta casa, não quer dizer que o será tambem na outra.
O sr. ministro da fazenda podia fazer outra declaração, dizendo que tem o maior empenho, vontade e desejo, e que empregará todos os seus esforços, que são muitos, e o seu talento que é ainda mais, para que esse projecto vingue; mas apesar da sua boa vontade, e dos seus bons desejos, é para notar que o talento de s. exa. se não pozesse ao serviço de melhor causa, porque vendo eu muito pouco, afigura-se-me que era muito corrente discutirmos um certo numero de leis, não começando por esta em que está empenhado o governo, e sim pela dos cereaes, e outras.
Porque é que vem a lei de meios primeiramente?
Vem como remedio, e só como tal póde ser apresentada; porque não ha governo algum que constitucionalmente possa apresentar a lei de meios senão quando não possa discutir-se o orçamento.
Este é o principio consignado por todos os partidos.
É verdade que o meu amigo o sr. D. José de Saldanha diz que nos dispensemos de invocar a opinião dos homens publicos.
Eu não invoco a opinião d'esses homens, para lhes lançar em rosto as suas contradicções, e antes poderia inclinar-me diante da sua incoherencia, quando d'essa incoherencia resultasse algum beneficio para o paiz, e não quando em vez de resultar beneficio, resulte prejuizo.
Quando eu vejo os partidos combatendo na opposição por um certo numero de principios, e chegados aos bancos do poder esquecerem-se do por que tinham combatido, digo que elles se inhabilitam para a gerencia dos negocios publicos, e não só não devemos acreditar nas suas palavras, mas não devemos esperar que elles façam alguma cousa util para o paiz. A situação dos homens publicos em taes condições é urna situação verdadeiramente deploravel.
Comprehende-se que em presença de circunstancias de certa ordem, embora se mantenha a fidelidade aos principios, se explique a rasão de um certo adiamento motivado pelas conveniencias publicas, mas repetidas vezes, um, dois, tres annos como fez o partido regenerador, um, dois, tres annos como tem feito agora o partido progressista não se discutir o orçamento, é realmente para lamentar.
Como disse, a lei de meios vem como uma necessidade.
Pergunta-se, será a lei de meios negada por algum partido n'esta camará? Diz-se que os partidos accordaram sobre a direcção que se devia dar aos debates. Não sei o que elles accordaram senão pelo que se tem dito - pouco me importa com esse accordo - o que é certo, é que esse accordo se tornou publico. Tendo os partidos accordado não ha duvida que o governo não tinha, nem devia ter receio absolutamente algum de que n'esta camara lhe fosse negada a lei de meios, porque o partido que costumava embaraçar os debates tinha inclinado as suas armas e cerrado os seus labios, e os outros partidos não estão costumados a oppor-se á gerencia dos negocios de modo que é caracteristico d'aquelle partido.
Portanto o governo não podia ter, nem devia ter receio dos outros partidos, e não o podia ter pelos motivos que eu acabo de apontar, porque o partido republicano, que aqui está, não está habituado a collocar-se em fronte do governo, nem tem força para o fazer n'esta casa, nem habitos, por fórma a embaraçar a gestão dos negocios publicos.
Eu sou de opinião que se discuta o orçamento; não considero regular a apresentação da lei de meios. Negarei uma lei de meios absoluta e latitudinaria, quando se pretenda a ella recorrer para resolver um conflicto contra a camara, mas a lei de meios necessaria para não embaraçar a gerencia dos negocios publicos não a negarei, porque não é essa a tradição do partido republicano; em parte nenhuma o partido republicano embaraça a gerencia dos negocios publicos, negando ao governo os meios de que precisa para governar.
Portanto se o embaraço não vinha dos outros partidos, nem do republicano, e este como disse não está habituado a embaraçar a gerencia dos negocios publicos, e estava disposto a votar a lei de meios, quando necessaria; porque é que o governo não guardou para mais tarde a apresentação da lei de meios, depois de ser conhecida a modificação apresentada, socegando os animos de todos e, dispensando o sr. D. José de Saldanha de fazer as suas perguntas e de manifestar a sua desconfiança de que apesar da boa vontade do sr. ministro, essa boa vontade talvez não seja coroada de feliz exito?
Feitas estas considerações poucas palavras vou dizer a respeito da lei de meios, e apenas consigno umas ligeiras considerações.
O § 1.º do artigo 1.° diz:
«§ 1.° Do saldo disponivel dos rendimentos, incluindo juros de inscripções vencidos e vincendos dos conventos de religiosas, supprimidos depois da carta de lei de 4 de abril de 1881, entrará na receita do estado a somma de réis 27:000$000, como compensação do encargo da dotação do clero parochial nas ilhas adjacentes.»
Nota-se que esta importancia de 27:000$000 réis é muito differente da do anno passado.
Se fosse possivel dar se uma explicação d'esta variação tão extraordinaria, ficaria conhecida de todos.
N'este projecto fez-se tambem uma alteração com res-
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peito á contribuição predial, e consignando-se o preceito que está consignado nas outras leis de meios, vem comtudo o § 3.º no qual se diz:
«§ 3.° Os predios novamente edificados e reconstruidos e os omissos e sonegados, que no concelho de Lisboa forem ou tiverem sido inscripto nas matrizes prediaes do mesmo concelho depois da repartição da contribuição de 1887, não entram na repartição da contribuição de 1888, e ficam sujeitos á contribuição especial lançada nos termos dos artigos 3.º e 5.º da lei de 24 de agosto de 1869. Sobre esta contribuição predial recáem só os addicionaes actualmente vigentes. O producto da dita contribuição especial e respectivos addicionaes, é receita da camara municipal de Lisboa.»
Tambem seria para desejar que se tivesse dado um esclarecimento a fim de saber-se qual era a importancia d'esta receita especial que é destinada á camara municipal de Lisboa, porque no orçamento geral do estado, nos rendimentos do estado, não a vejo destrinçada; por consequencia não sei quanto é, e folgaria muito que se podesse dar uma explicação pela qual se conhecesse esta importancia.
O certo é que a receita que está consignada no orçamento fica alterada com esta disposição, quero dizer, que o computo que se fez da receita deve ser modificado.
É evidente que se esta modificação do § 3.° é approvada as receitas não são as computadas.
Parecia me rasoavel que ficassem as cousas consignadas por modo que todos soubessem o que era para a camara municipal e a quanto ficava reduzida a receita proveniente da contribuição predial.
Sobre este ponto desejaria tambem que se fizesse a modificação no sentido que acabo de expor.
Sr. presidente, eu já disse e repito, que sou de opinião que se discuta o orçamento, porque é na discussão d'elle que se póde examinar bem o estado de toda a administração.
Os processos que têem seguido aqui os diversos parti dos não me agradam; mas eu não posso arredal-os do caminho em que vão.
Sigam-n'o muito embora, eu nunca poderei dar-lhe o meu apoio e o meu voto, terão sempre de encontrar-me ou combatendo-os com a minha fraca voz ou dando o meu voto em contrario, porque é esta a disposição do meu animo.
Sem fazer a opposição nas condições e pelo modo como outros a fazem, entendo que estou no pleno direito usando d'este processo que tenho empregado.
Agora peço licença para apresentar um additamento a esta lei de meios e que é um augmento de despeza, a v. exa. sabe já que eu repetidas vezes tenho dito aqui que não me arreceio nunca de propor augmentos de despeza, já que não tenho na minha mão crear receitas, que seria conveniente crear, ou abolir despezas que seria conveniente abolir, e porque não tenho essa força, nem esse poder, limito-me, sempre que entendo conveniente, a propor qualquer despeza que seja proficua ou productiva, e esta despeza que vou propor afigura-se-me que é uma despeza util.
V. exas. sabem que n'esta casa, já por diversas vezes se perguntou ao governo se era sua intenção fazer representar o nosso paiz na exposição universal de Paris em 1889, e o governo tem dado algumas explicações a este respeito, explicações que podem alguns acceitar como plausiveis, mas que têem tambem contestação.
Foi annunciada uma interpellação, e poucos dias depois, notava-se ao ministro respectivo que elle se não désse por habilitado para responder a essa interpellação.
Ora estando nós n'esta altura da sessão, e não podendo mesmo a interpellação produzir effeito tão efficaz como produzirá o voto da camara auctorisando as despezas necessarias para esta representação, entendo que devo propor para que fique bem consignado, que no orçamento se inscreva uma verba para as despezas da nossa representação na exposição universal de Paris em 1889.
E entendo que se deve consignar esta verba por dois motivos.
Já se disse aqui que as exposições nem sempre são uteis, e esta opinião é partilhada por alguns individuos. Mas não é pelo que diz um ou outro individuo que nos devemos guiar; é pela opinião dos homens que conhecem ou podem conhecer o que valem e para que servem as exposições, porque se não fosse assim não estariamos hoje assistindo a uma exposição em Portugal, que está chamando a attenção publica, e que tem conseguido despertar no publico um grande interesse.
Se o sr. ministro da fazenda, ao dizer-nos que as exposições muitas vezes não eram uteis exprimiu a sua opinião, o corto é que os individuos que promoveram a exposição de Lisboa, todos os que trabalharam para que ella se fizesse e todos os que lá vão, consideram a exposição util e vantajosa.
Esta manifestação da opinião publica é a favor não do parecer do sr. ministro da fazenda, mas em favor da opinião d'aquelles, que se inclinavam á exposição.
Qualquer que seja o pequeno proveito que possa haver das exposições o certo é que sob o ponto de vista industrial são uteis, segundo a opinião de muitos.
Por consequencia, as exposições impõem-se, na minha opinião, a todos os homens que se sentam n'esta casa, e que, como amantes do progresso, têem a obrigação de se associarem áquelle pensamento.
Mas outras considerações devem imperar no nosso animo.
Uma nação que gosa de instituições livros, no meu entender, não póde, sem faltar aos seus deveres, deixar de se associar áquella festa que não tem outro fim senão celebrar as conquistas feitas não só para a França, mas para todos os paizes, e que constituem um grandissimo progresso no sentido da emancipação dos povos, da elevação do principio da justiça, (Apoiados) n'uma palavra, no sentido de igualar todos os homens, para poderem contribuir de uma maneira mais nobre e mais digna para o progresso e para o adiantamento da humanidade. N'aquella festa do trabalho têem obrigação de tomar parte todos os que aproveitaram com o grande movimento que se commemora.
Nós abolimos a escravidão. Ainda ha poucos dias recebemos n'esta camara e celebrámos a noticia da abolição da escravidão no Brazil, e foi bem celebrado este movimento não só por nós, mas por outros povos; mas quando se fizer a celebração do centenario d'aquelle grande acto, o que se dirá, dos que foram agora libertos da escravidão, se porventura elles não quizerem associar-se? Seria improprio d'elles o procederem assim.
Todos os paizes em que se reflectiu o movimento nobre e digno da emancipação dos povos proclamada em 1789, todos os paizes, digo, têem obrigação de se associarem a essa festa. Póde alguem deixar de ir? Póde; mas eu entendo que devemos empregar todos os esforços, e solicitar por todos os modos os nossos concidadãos para que se associem áquella festa.
Como tinha pedido a palavra sobre a ordem, e v. exa. teve a nimia bondade de não me lembrar que devia começar por fazer a leitura da minha moção, faço-o agora. É a seguinte:
«A camara resolve que seja inscripto no mappa da despeza extraordinaria a verba de 50:000$000 réis, destinada ás despezas da representação na exposição universal de 1889, em París, e passa á ordem do dia.»
A verba que proponho é esta; mas serve-me a que o governo ou a camara quizer, porque não é da verba que faço questão. Se a camara tiver de a rejeitar, rejeito-a, mas não pela verba, porque, repito, qualquer verba que se consigne approvo-a.
Se porventura, o governo entender ou esta camara entender que não deve tomar officialmente parte n'aquella
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exposição, ainda assim não desejaria deixar o governo desarmado dos meios indispensáveis para que, embora não seja representado officialmente o paiz, possam concorrer a ella todos os nossos concidadãos que assim o desejarem. Se mais tarde o governo se vir forçado, pelas circumstancias, a dar-lhe esta cooperação, então reconhecerá que não lhe fiz absolutamente mal algum armando o com os meios necessarios, ao passo que se o orçamento ficar silencioso a este respeito, o governo poderá ser forçado a praticar um acto, embora bom, não legal.
O governo tinha talvez no orçamento do ministerio das obras publicas meios para acudir a esta despeza extraordinaria, podendo destinar para este tini verbas de alguns capitulos, se o quizer fazer, elle que o faça. Em todo o caso o meu desejo é consignar a minha opinião, o meu voto, que se inscreva no orçamento uma verba para o fim que indiquei, e fazer saber assim que as camaras portuguezas mostram desejo de auxiliar todos os nossos industriaes e artistas que queiram comparecer na exposição.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte:
Moção de ordem
A camara resolve que seja inscripta no mappa da despeza extraordinaria a verba de 50:000$000 réis, destinado ás despezas da representação na exposição universal de 1889, em Paris, e passa á ordem do dia.
Camara, 14 de junho de 1888. = José Elias Garcia.
Foi admittida.
O sr. Fuschini: - Antes de entrar na discussão do projecto, apenas para me illucidar, rogo a v. exa. se digne dizer-me como estava inscripto o sr. Elias Garcia, que acaba de fallar.
O sr. Presidente: - Contra.
O Orador: - Contra?! Então vou defender o projecto do governo.
Mando para a mesa a minha proposta:
Propomos que a verba da consignação concedida á camara municipal de Lisboa, em compensação do imposto do consumo, na importancia de 224:000$000 réis, seja elevada a 400:000$000 réis.
Fica por esta forma substituida a doutrina do § 3.° do artigo 1.° do projecto em discussão. = Augusto Fuschini = Consiglieri Pedroso.
Tenho assistido, como me cumpre, com a maior attenção á discussão da lei de meios; o, realmente, apesar do adiantado da hora e do cansaço da assembléa, devo observar á camara, e portanto ao paiz, que é singular a fórma por que está correndo a discussão do documento mais importante, que póde ser apresentado ao parlamento.
Levanta-se o illustre deputado o sr. Consiglieri Pedroso, diz á camara e ao paiz, porque supponho que nós ainda estamos fallando e trabalhando para o paiz, que entende dever ser discutido o orçamento e acrescenta, que, elle e eu, representando dois grupos politicos, tinhamos apresentado uma proposta, quando se tratou das sessões nocturnas, para que fossem discutidos o orçamento e a lei dos cereaes. Desenvolve doutrina que me parece constitucional e parlamentar, affirma á camara quaes eram as suas opiniões, mostrando que o projecto mais importante, que pode ser discutido, exactamente o orçamento para que foram inventados os parlamentos, foi esquecido e renegado por aquelles mesmos, que, sendo opposição, apresentavam outras doutrinas desenvolvendo-as o adjectivando-as por forma, pela qual s. ex.a o sr. Consiglieri Pedroso não se atreveu a desenvolver nem a adjectivar; a isto o que se respondeu?
Em primeiro logar com sorrisos por parte dos srs. ministros; em segundo logar, com a indifferença completa da maioria, a ponto que não houve quem d'esse resposta satisfactoria e cabal.
Bem sei eu que ás vezes aquelles que têem a força nas suas mãos, abusam d'essa força, esperando que os resultados não lhes sejam adversos; bem sei eu que effectivamente ás vezes esses resultados não corrigem os abusos d'essa força; mas é bom que haja alguém no parlamento, que tire as consequencias logicas, claras e expressas de um comportamento irregular e inexplicavel. Serei, eu, pois, osso alguem.
Os parlamentos podem ser convulcionados por discussões ardentes; podem chegar mesmo a alimentar no seu seio paixões violentas, direi mesmo, revolucionarias; mas quando os parlamentos attingem o riso, estão condemnados, exactamente por aquelles que deviam levantar a dignidade parlamentar.
Já n'esta tribuna defini o riso em tres categorias, applicando n'esse momento a categoria que mais convinha; com o mesmo direito hoje classifico esse riso na terceira categoria, na dos risos innocentes.
Não entrei em accordo algum, porque os detesto; e não precisava fazel-o, visto que eu e os meus amigos politicos n'esta camara nos temos limitado a discutir serenamente todos os projectos, sem fazer sombra que seja de obstruccionismo; não precisavamos, pois, accordar para fazermos aquillo quó temos feito ato hoje e estamos resolvidos a praticar, porque respeitâmos a dignidade parlamentar e conhecemos a conveniencia das discussões delicadas e serenas.
Vou, portanto, resumir quanto possivel as minhas observações, não querendo que Ha demora da minha exposição possa alguem deprehender o menor desejo de demorar o projecto em discussão.
Estes srs. ministros, entre varias cousas que lhes faltam, ha uma, certamente, que lhes não sobeja, a educação classica; no sentido, ao menos, de não terem lido a historia da Roma e da Grecia, onde podiam e deviam encontrar bons exemplos e sabias lições.
Ahi vae, pois, um bom exemplo e uma- sabia lição.
Da planicie da antiga Roma, desenrolava-se uma via enorme, que subia até ao Capitolio; chamava se a Via sacra. Por ella caminhavam os Cortejos solemnes dos triumphos e das ovações.
Supponho a camara tão lida na historia classica, que não lhe defino agora a differença, que existia entre triumpho e ovação.
Percorriam a via triumphal aquelles a quem o senado votara o triumpho ou a ovação; o cortejo solemne, exaltando a gloria, levava o triumphador até ao capitolio.
Atraz dos triumphadores seguia a plebe, enchendo a grande via triumphal e atroando o ar com os vivas e ovações.
Era a plebe de todos os tempos, que sempre está ao lado dos vencedores, dos que têem força e gloria; mas que mais tarde tambem os precipitava da rocha Tarpea, ou os exilava de Roma.
Os srs. ministros riem-se agora, mas tomem cuidado, por que, comodizia Mirabeau, a rocha Tarpea estava mesmo ao pé do Capitolio.
Se eu podesse applicar á risota dos srs. ministros, esta phrase de um grande orador, se merecessem esta elevada lição do mundo classico, diria ao triumphador moderno, ao sr. Marianno da Carvalho: não se sorria hoje, porque vae no carro triumphal; essa plebe, que em volta de si levanta os vivas e os hossannas, ámanhã, quando v. exa. for um vencido talvez o empilla, não para a rocha Tarpea, mas para o abandono, e para a indifferença.
Uma Voz: - V. ex.a toma isto a serio...
O Orador: - Engana-se v. ex.a, não tomo a serio.
Pois eu posso tomar a serio o riso amarello d'aquelles que se riem, porque não têem melhor argumento?!
Pois eu posso tomar a serio o riso amarello d'aquelles
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quo vem rasgar ligeiramente as affirmações, que fizeram j quando opposição?!
Posso eu de fórma alguma tomar a serio este riso ? Dizia o sr. Consiglieri Pedroso, meu amigo e collega: ao (paiz soffre actualmente uma paludosa politica".
É certo! Os governos preferem a governar dignamente por algum tempo, governichar por um largo periodo. (Apoiados.)
As opposicões pelo seu lado começam furiosas e acabam mansas; e o paiz, que apesar de parecer indifferente não o está e unicamente anda desconfiado com os seus homens publicos, define-os com esta phrase terrivel, a que nós não queremos seriamente attender: tão bons são uns como outros. E o paiz vendo homens, da categoria d'aquelles que se sentam nas cadeiras ministeriaes, rasgar as suas proprias affirmações feitas na opposição diz: depois d'estes virão outros que farão o mesmo; e mio confia nem nos governos nem nas opposicões; e francamente têem rasão para isso. E a estas duvidas crueis e a estas phrases severas e justas o que respondem os governos?
Respondem com um sorriso, que já não é da terceira categoria, porque é cynico, e, esfregando as mãos, murmuram para os correligionarios: "pois sim, mas nós ficamos." Ficam, mas ficam rindo-se e expostos ao riso. V. ex.a comprehende que eu podia, por uma serie de approximações e parallelos historicos, pôr mais em relevo o que se tem passado esta noite n'esta camara; mas não o farei, e terei apenas o cuidado de verificar se o Diario da camara accusa realmente os factos occorridos; basta que este Diario seja espalhado no paiz, para que elle faça exacta e rigorosamente idéa do comportamento, que tiveram os representantes do poder e os da opposição. Elle fará justiça a cada um, e se não a fizer, tanto peior para elle. Os que cumprem o seu dever, têem no cumprimento d'elle a satisfação intima, que nasce expontanea e independente da vontade de outrem; sabem que o cumpriram, se o paiz não lhes dá força tanto peior para elle.
Porque é que se discute a lei de meios? Duas rasões podia haver para discutir; a falta de tempo e as difficuldades parlamentares.
Vou ver se qualquer d'estas rasões é valiosa, e se realmente encontro, como desejo, uma desculpa para a apresentação d'este projecto; vou ver se posso encontrar uma resposta do sr. Beirão, hoje ministro, ao sr. Beirão, hontem deputado da opposição; do sr. José Luciano de Castro, hoje presidente do conselho, ao sr. José Luciano de Castro, hontem opposição; do sr. Marianno de Carvalho, hoje ministro, ao sr. Marianno de Carvalho, hontem adversario feroz da regeneração.
Procurarei salvar a coherencia d'estes homens, que hoje se riem, e que, sendo indiscutivelmente dos primeiros que o paiz tem, não primam pela logica e pela tenacidade de opiniões.
Seria a falta de tempo?
Não, o orçamento tem de ser votado até 28 ou 29, o sufficiente para ser expedido para as ilhas. Ora nós estamos no dia 14. Não entro ainda na questão de apreciar, se o orçamento podia ter sido apresentado mais cedo.
Ternos diante de nós, entre sessões nocturnas e diurnas, o tempo sufficiente para discutir o orçamento, e digo o sufficiente, porque é manifesto que todas os obices parlamentares desapparecera em virtude de um accordo, que o sr. José Luciano de Castro disse haver feito com a opposição mais impeditiva.
Comprehendo que, dado o obstruccionismo, não se podesse discutir um documento d'esta ordem em quinze dias, que aliás representam talvez vinte sessões diurnas e nocturnas; mas agora, depois de haver a doce paz, não me parece que não houvesse tempo para se discutir o orçamento.
Logo, que rasões podem ter os illustres ministros para apresentar a lei de meios?
Será porventura a necessidade de fazer passar quaesquer projectos antes do dia 30 de junho?
Não, porque todos os outros projectos, que estão na ordem do dia, não ficam em nada alterados na sua essencia u prejudicados na sua applicação por serem discutidos no dia 2 ou 3 de julho.
Será porventura porque o sr. ministro da fazenda, no louvavel empenho de não sacrificar as finanças publicas, não quer despender mais uns miseros reaes com a camara dos deputados?
Não, porque a camara funcciona agora gratuitamente, e não quero suppor que nós, que passámos tão folgadamente o tempo quando recebiamos subsidio, não tenhamos a abnegação necessaria para acompanharmos o governo, discutindo-lhe os seus projectos.
Os que durante quatro ou cinco mezes acompanharam todas as discussões, é claro, que não se negarão a proseguil-as para permittir ao governo, que fique dentro da verdadeira orbita parlamentar e constitucional.
Por consequencia, a discussão da lei de meios em substituição da discussão do orçamento tem outras causas.
Será porventura porque a discussão, ainda que rapida, verba a verba, artigo a, artigo, póde demonstrar, não digo erros de calculo, porque o meu amigo o sr. Carrilho podia offender-se, e eu não desejo offendel-o, mas graves erros de administração?
Será porque é realmente muito mais commodo, em vez de um orçamento, que limita as auctorisações do governo, obter uma lei de meios, que, como disse o sr. Consiglieri Pedroso, é uma especie de dictadura mansa e uma simples prova de confiança no governo?
Será talvez por tudo isto, e por mais alguma cousa; mas não é por motivo algum justo, não é por nenhuma rasão plausivel.
A isto é que o governo não responde senão com o seu silencio e com os seus sorrisos. Bem mal faz.
O governo não responde; mas o seu silencio, ás affirmações que fez o sr. Consiglieri Pedroso e ás que estou fazendo n'este momento, são uma terrivel accusação.
Na historia contemporanea estou convencido de que os srs. ministros estão mais adiantados do que na classica. Lembro-lhes, portanto, um exemplo; o sr. Guizot, serena e placidamente, deitou abaixo a monarchia de julho. Talvez s. exas., serenamente, placidamente, e até sorrindo, estejam dando uma enxadada profundissima nas instituições parlamentares e constitucionaes.
Isto posto, vou defender a minha proposta.
Exporei o mais succinta e claramente que possa os meus raciocinios, porque, repito n'este momento á camara o que mais de uma vez lhe tenho dito, quando fallo n'esta tribuna, a maior parte das vezes faço-o para me garantir o direito de publicar no Diario das camaras as minhas opiniões; eu, sr. presidente, faço consistir um dos pequenos valores da minha individualidade, um dos grandes fins da minha vida, ena ser coherente; e n'isto, vejo-o com magna, estou completamente deslocado no nosso meio social e politico!
Não sigo as lições habeis do sr. Marianno de Carvalho, não sigo as pisadas de outros habeis, que pretendem substituir o sr. Marianno de Carvalho, com o que nada me importa, lamentando apenas christamente a illusão, em que alguns andam, de o substituir com vantagem na sua capacidade intellectual e scientifica!
Sr. presidente, elle que hoje é poder, outros que o querem ser ámanhã; elle que é exemplo, outros que são imitadores, o systema seguido n'estas cadeiras pelo sr. Marianno de Carvalho e pelos seus imitadores, é o de não publicarem discursos! Ora isto tem grandes vantagens; a principal...
(Interrupção do sr. Mattozo Santos.) Exactamente; referir-me-hei ao discurso de v. ex.a sobre os cereaes, bello discurso, sem duvida, que attenta-
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mente ouvi; mas que não foi publicado. Nós estamos em familia, e em familia é, que se dizem as grandes verdades.
O sr. Marianno de Carvalho não publica os seus discursos, e os imitadores de ambos os lados da camara, aquelles que querem seguir a esteira brilhante do sr. Marianno de Carvalho, não os publicam tambem; d'esta fórma não ha perigo; se mais tarde o sr. Consiglieri Pedroso, ou qualquer outro sr. deputado, quizer firmar-se nas opiniões de s. ex.a, ou provar as suas incoherencias, não o poderá fazer, por que não existe o discurso.
O sr. Mattozo Santos: - Se eu tivesse o tempo livre como v. exa., publicava os.
O Orador: - Eu tenho pouco trabalho? Mas será culpa minha que s. exa. tenha quatro ou cinco beneficios? (Riso)
O sr. Mattozo Santos: - V. exa. chama-lhe beneficias, eu chamo-lhe trabalhos.
O Orador: - Trabalhos serão; mas os deveres parlamentares preferem a quaesquer outros.
Sr. presidente, ventilou-se o anno passado n'esta camara um dos assumptos mais graves, que se podiam trazer á tela da discussão, foi a questão dos cereaes; era de tal gravidade, que do anno passado para este se manifestou no paiz uma corrente energica, para a qual é hoje preciso olhar com toda a cautela. Pois, sr. presidente, houve um deputado, que n'uma noite calmosa de estio, - porque é sina d'este deputado fallar sempre á meia noite - disse o que havia estudado sobre o assumpto, e desenvolveu as suas doutrinas, e argumentou o melhor que pôde e soube n'um longo discurso. Esse deputado fui eu.
Respondeu-me um homem, que tem para mim subido valor, escusado é repetil-o, o meu illustre amigo o sr. Mattozo Santos, um dos avatares ou incarnações do sr. Made Carvalho.
Pois, percorrendo as paginas do Diario, tal discurso não se encontra! O discurso de s. exa. não foi publicado. Vejam que situação tão facil para dizerem este anno o contrario do que affirmaram o anno passado!
Outro exemplo. Este anno affirmei eu n'esta casa positiva e peremptoriamente palavras que tinha pronunciado, na sessão passada o sr. Emygdio Navarro. S. exa. não tinha publicado o seu discurso e, naturalmente porque se esqueceu, negou-as; n'estas circumstancias fui forçado a dizer a s. exa., que ficava a minha auctoridade em frente da sua, o paiz julgaria como entendesse.
Este systema é facil, é commodo, mas parlamentarmente não e serio. (Apoiados.)
A camara municipal de Lisboa...
O sr. Mattozo Santos: - Um dos meus beneficios simples.
O Orador: - E é um beneficio bem simples. V. ex.a nem lá vae. (Riso.)
O sr. Mattozo Santos: - Encontrâmo-nos lá quasi sempre.
O Orador: - Não tantas vezes como eu desejo.
O sr. Mattozo Santos: - Muito obrigado.
O Orador: - Como ia dizendo, a camara municipal de Lisboa, na qualidade do administrador da fazenda municipal, recebe por anno o subsidio de 224:000$000 réis, que vem descriptos do orçamento sob a denominação geral de (consignação). Vou dizer á camara sucintamente o que representa.
Em todos os paizes regularmente administrados, as camaras municipaes, ou concelhos municipaes, como em regra lhes chamam lá fóra, têem como urna das suas mais importantes fontes de receita, o imposto do consumo especial cobrado dentro da respectiva cidade.
Não querendo fazer erudição, não direi quaes são as rasões plausiveis, que ha para entregar ás corporações municipaes as quantias provenientes d'este imposto.
Acontece, porém, que a camara municipal de Lisboa isto é, a cidade, não recebe o seu imposto do consumo. Em troca d'elle recebe apenas 224:000$000 réis de consignações e mais uma participação de 80 por cento sobre o augmento do imposto de consumo devido ao alargamento da area da cidade. Este beneficio resultou da lei de 18 de junho de 1880, que deu autonomia á camara municipal de Lisboa, organisação que mereceu do meu amigo o sr. Carrilho a designação de communa.
(Interrupção ao sr. Carrilho.)
Sr. presidente, muito ligeiramente vou fazer alguns calculos para dar justa idéa da grande injustiça, que se pratica, não dando á camara municipal de Lisboa os direitos de consumo. É certo, porém, que para não os dar por uma só vez ha rasões plausiveis, que mais tarde desenvolverei.
Compulsando o projecto do orçamento de 1888-1889, póde fazer-se a destrinça nos principaes impostos ou fontes de receita, de qual é a parte, que compete a Lisboa propriamente dita, e da que é paga pelo resto do paiz. Não é possivel fazel-a para todas as receitas, mas póde achar-se para as mais importantes.
Assim, sem distincção de exercicios a cobrança das seguintes contribuições no exercicio de 1887-1888 foi:
[Ver tabela na imagem]
Contribuições Cobrança (Lisboa) (No rosto do paiz) (Total)
Em cerca de 10.296:000$000 réis, que representam approximadamente um terço da nossa total receita orçamental, Lisboa, dentro dentro da sua nova linha de circumvallação, pagou o anno passado 1.921:000$000 réis, ou seja cerca de 19 por cento do total d'estes impostos.
É claro que pelo orçamento não posso fazer a destrinça do rendimento da importação, do sêllo, etc.; mas pelo que desenvolvo, já se póde concluir que Lisboa contribue com a quinta parte approximadamente da receita total.
Supponhâmos que Lisboa tem 300:000 almas e que o resto do paiz tem 4.200:000 almas. N'este supposto a capitação em Lisboa seria de 6$403 réis e fóra de Lisboa seria de 1$994 réis.
Não peço ao governo que entregue á camara municipal o producto total do imposto do consumo. Não; por duas rasões.
Seria uma loucura, que a camara municipal de Lisboa viesse pedir ao governo uma quantia avultadissima, quando o orçamento do estado tem grande deficit. Nenhuma camara sensata pôde fazer similhante pedido, nem governo algum deve entregar de um para outro anno trio grande quantia á camara; porque pôr á disposição de qualquer administração um tal excesso de receita disponivel seria convidal-a a despezas dispensaveis, senão a esbanjamentos.
Eis as rasões por que a camara municipal de Lisboa não deve pedir, em nome 'da cidade, que lhe dêem todo o imposto de consumo; mas d'aqui a deixai a quasi sem recursos para attender á sua despeza extraordinaria, vae uma grande distancia; é o que desejo evitar com a minha proposta.
Para que a camara faça idéa do que é o imposto de con-
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1993 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
sumo em Lisboa, basta ver que o imposto do consumo no paiz, conhecido pelo improprio nome de real de agua, rendeu em todo o reino 998:000$000 réis, e em Lisboa, para o estado 1.503:000$000 réis.
Estão aqui os mappas que demonstram o que acabo de dizer, mas não quero de forma alguma incommodar a camara e o sr. ministro da fazenda a ler aquillo que aliás publicarei.
Vejam, portanto, v. exas., só n'este capitulo, como Lisboa está sobrecarregada. Pois bem; não digo de forma alguma no sr. ministro, que entregue desde já á camara municipal de Lisboa a parte do imposto de consumo, que excede o real d'agua, que a cidade apenas devia pagar para o estado; peço apenas o augmento da consignação. Iremos succussivamente augmentando esta consignação na justa medida do crescimento das receitas publicas e portanto da diminuição do deficit.
Eis o que me parece ser justo. Não dirá certamente s. exa., que eu gasto muito tempo na exposição das minhas idéas; não me seria agradavel por fórma alguma que alguem podesse dizer que faço obstrucionismo; quero porém que todos possam tirar dos meus actos e das minhas palavras a clara noção de que sei cumprir o meu dever, como o permittem a rainha sciencia e a minha intelligencia. Isto desejo que se saiba, e que o para possa ter opinião segura do meu comportamento politico; se para mira attenta na mais elevada posição, a unica que eu acho grande n'este paiz, e a que, a meu ver, póde chegar um homem: ser representante da nação, e {aliar n'esta tribuna parlamentar.
O paiz saberá como cumpri as obrigações do seu mandato; não havendo interesso algum na minha vida particular, nem na minha vida publica, que mo obrigue a afastar uma linha do caminho, que entendo ser o do meu dever civico. Basta-me que se saiba, que se dos meus actos resultar vantagem para alguem, tanto melhor para osso alguem, mas que nunca os pratico, que não sejam perfeitamente indicados pela minha consciencia e pelas minhas convicções.
Aã minhas opiniões ahi ficam. Muitas vezes fallo para vincular a minha responsabilidade. Ha pontos doutrinaes e de administração em que, tenho a maior honra de o dizer no parlamento portuguez, sou intransigente. Caminho com a minha bagagem politica, quem me quizer como companheiro ou adepto, conhecerá claramente se lhe convem ou não a minha cooperação politica
Sr. presidente, diz-se que ninguem póde ter a pretensão de ser propheta na sua terra; eu, que sou portuguez e portuguez de Lisboa, em Lisboa e no parlamento não posso ser bom propheta. Mas permitta-me v. ex.a, que diga á camara em poucas palavras, qual é a triste idéa que se agita no meu cerebro e a desconfiança, que nutro, quando vejo entrar a politica portugueza no caminho que vae trilhando.
Sr. presidente, a falta de fé nos principios, a ausencia de convicções arraigadas e de propositos firmes arrastam as nações á ultima decadencia, á morte da moral politica, substituida pela agitação pouco digna dos interesses individuaes e dos grupos politicos.
Quando um paiz perde a fé em tudo que é grande, quando governos u opposições se agitam unica e exclusivamente para conquistar do poder a sombra, porque não tem poder, quem não governa; quando as classes sociaes se separam inimigas e se olham com desconfiança, defendendo apenas os seus interesses particulares, sem olhar a que estes são apenas legitimos quando se harmonisam com os interesses geraes; de duas uma, ou se caminha para o esphacelamento, onde morrem as nacionalidades, ou a passos largos ae approxima a guerra social.
Portugal, é esta a minha opinião sincera, se não toma cuidado no caminho politico, que vae trilhando, tem no futuro o dilemma triste: ou el capitan general ou n guerra social.
Eu diria n'este momento, se fosse licito a um homem da minha pequena estatura, empregar a phrase de um grande genio d'este seculo: et s'il n'en reste qu'un, je serais celui là; serei contra os que nos arrastem a qualquer d'estes dois abysmos; mas no momento da lucta poucos seremos.
Attendam os nossos estadistas para o estado de abatimento moral e politico, em que só vae afundando o paiz. Caveant consules...
Não é estadista, disse-o já uma vez n'esta camara e repito-o agora, quem enverga a farda e abotoa o irreprehensivel casaco das grandes occasiões; estadistas são aquelles que sabem resolver as difficuldades do presente, e toem sempre era vista os graves problemas do futuro.
Aviso aos estadistas do paiz; tomem cuidado com o caminho que vamos trilhando!
Não adormeçam sobre os louros faceis das luctas parlamentares, e sobretudo não se consolem ou se dêem por satisfeitos em conquistar ou conservar como premio dos seus trabalhos uma cadeira ministerial. A cadeira de ministro vale tanto como as nossas.
Os homens que têem a responsabilidade do futuro de um paiz devem attender a mais alguma cousa; toem que pôr de parte os seus rancores, os seus odios, as suas vaidades, já não digo os seus interesses, e comprehender que o parlamento deve ser a representação do paiz; e, portanto, respeitavel e respeitado.
Praza a Deus, que em breve não possam traduzir pesadas responsabilidades, as verdades, talvez um pouco duras, que deixo ditas no dia 14 de junho á meia noite.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
Leu se na mesa a seguinte:
Proposta
Propomos que a verba da consignação concedida á camara municipal de Lisboa, era compensação do imposto do consumo, na importancia de 224:000$000 réis, seja elevada a 400:000$000 réis.
Fica por esta forma substituida a doutrina do § 3.° do artigo 1.º do projecto em discussão. = Augusto Fuschini = Consiglieri Pedroso.
Foi admittida.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- Referindo-se á accusação de que o governo actual não quiz fazer discutir este anno o orçamento, recorda que no anno de 1884, em que o illustre deputado apoiava o partido regenerador, tambem se não discutiu o respectivo orçamento.
Para provar que muitas vezes é preferivel não o discutir, observa que só n'uma sessão, como a d'esta noite, o sr. Elias Garcia propoz um augmento do despeza cie réis 50:000$000 réis, e o sr. Fuschini outro de 170:000$000 réis.
Quando isto succede n'uma só sessão, acrescenta o orador, o que faria se se discutisse o orçamento em muitas sessões!
Quanto á proposta do sr. Fuschini e Consiglieri Pedroso, para augmento da receita da camara municipal, lembra que na lei que se discute já se propõe um augmento nas receitas da camara, que não lhe dará menos de 80:000$000 a ]00:000$000 réis e, por outro lado, que da contribuição predial ha de resultar um augmento para a receita da camara de 80:000$000 a 90:000$000 réis.
Parece-lhe que d'esta maneira a camara municipal póde regular os seus negocios e melhorar as suas circumstancias financeiras.
É preciso saber-se que do imposto de consumo paga o governo muitos encargos que pertenciam á camara satisfazer, e que por conseguinte a receita que a camara julga ter direito a receber, é muito inferior á que calcula.
Em resposta ao sr. Elias Garcia, o orador declara que
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SESSÃO NOCTURNA DE 14 DE JUNHO DE 1888 1999
não ha utilidade alguma em se fazer representar o paiz, officialmente, na exposição de Paris.
Não quer com isto dizer que o governo se recuse a auxiliar os industriaes; mas para caso fim não carece de novas verbas. No orçamento ha recursos sufficientes.
(O discurso será publicado na integra em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é, na primeira parte a discussão do parecer sobre as emendas feitas na camara dos dignos pares ao projecto do codigo commercial; e na segunda parte a continuação da que estava dada e mais os projectos n.ºs 72, 73 e 74.
Está levantada a sessão.
Era meia noite e dez minutos.
Redactor = S. Rego